Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
255/1999
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 309.º; 524.º;589.º; 592.º; 593.º DO CÓDIGO CIVIL; LEI N.º 2127 DE 03/08/1965; 143.º, B); 148.º, 3; 118, 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1982
Sumário: 1. Não obstante a nomenclatura imperfeita usada pela Lei nº 2.127, o ponto 4º da Base XXXVII consagra e prevê não o direito de regresso a favor da entidade patronal que paga as indemnizações ao seu empregado, mas antes o de sub-rogação nos direitos deste contra o responsável pelo acidente de trabalho.
2. Não configurando a aquisição de um direito ex-novo, a sub-rogação traduz-se no ingresso do seu titular na situação jurídica preexistente em que se encontrava o sub-rogado, sujeito de uma relação jurídica de responsabilidade extracontratual e aplicável o regime da prescrição prevista neste particular, de três a cinco anos contados a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
3. Neste tipo de situações haverá que considerar dois momentos e dois prazos de prescrição: o primeiro reportado à responsabilidade extracontratual com os contornos supracitados; o segundo quando eventualmente se pretenda executar uma sentença com trânsito, caso em que o prazo prescricional será o ordinário, ou seja de 20 anos.
4. Na falta de outros elementos palpáveis terá que entender-se que o prazo prescricional se conta em sede de responsabilidade extracontratual a partir da data do acidente (também para a seguradora da entidade patro-nal), numa hipótese em que a causa de pedir configuraria à partida crime de ofensas corporais graves previsto no artigo 148º nº 3 do Código Penal.
5. Tendo o acidente ocorrido em 10/10/94, quando a interveniente apresentou o respectivo articulado (a 14/11/2000) e se notificou a Ré do pedido (registo 7/12/2000), já haviam decorrido mais de cinco anos sobre o acidente pelo que se encontrava prescrito o direito d interveniente.
Decisão Texto Integral: . RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A..., casado, residente na Rua da República, nº 16 r/c Alagoas, Esgueira, Aveiro, veio intentar contra Global, Companhia de Seguros, SA com sede na Av. Duque D’Ávila, nº 171 em Lisboa, a pre-sente acção com processo ordinário pedindo que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a importância de esc. 4 000 000$00, a título de danos não patrimoniais pelo mesmo sofridos.
Alegou para tanto, que no dia 10 de Outubro de 1994, numa das artérias da zona industrial de Alberga-ria-a-Velha, ocorreu um acidente de viação cuja culpa atribui a B..., proprietário e condutor do veículo matrícula 30-98 BQ segurado na Ré.
Pediu também a intervenção da Companhia de Seguros Tranquilidade SA, com sede na Rua D. Manuel II, 290 Porto, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 325º ss do Código de Processo Civil, para vir aos autos reclamar o eventual crédito que tivesse sobre a Ré Global na qualidade de Seguradora do sinistrado por acidentes de trabalho, já que o acidente de viação em causa assumiu também aquela outra natureza.
A Ré veio contestar por impugnação e excepção, invocando nomeadamente a prescrição do crédito reclama-do.
Admitida a intervenção a Tranquilidade veio, a fls. 51 ss reclamar os seus créditos, provenientes de acidente de trabalho. Na verdade a interveniente cele-brou com A. Fontes Lda., entidade patronal do sinistra-do, um contrato de seguro do ramo de acidentes de tra-balho que sofressem os trabalhadores daquela firma, tendo sido aqui acidentado o Autor. A interveniente fez assim despesas no montante global de esc. 9.803.619$00 e descriminadas a fls. 56, cujo pagamento ora reclama.
A Companhia de Seguros Global, Ré nestes autos, defendeu-se por excepção peremptória, arguindo a pres-crição dos direitos a que o A. se arroga.
Argumenta que o acidente dos autos ocorreu a 10.10.94 e que a acção deu entrada em Tribunal a 29.9.99, sendo a Ré demandada em 20.10.99 e, portanto, depois dos três anos previstos no artº 498º, nº 1 do Código Civil. De resto, acrescenta, ainda que se trate de crime de ofensa à integridade física por negligên-cia, a lei aplicável seria o artº 148º do Código Penal, na redacção anterior às alterações de 1995, donde um prazo prescricional de dois anos, por aplicação do dis-posto no artº 117º, nº 1 al d) do mesmo Diploma Legal.
Do mesmo modo, em resposta ao articulado da inter-veniente Companhia de Seguros Tranquilidade SA, a Ré esgrime com o mesmo tipo de defesa ao invocar a pres-crição do direito que esta interveniente pretende exer-citar e dizendo, a tal propósito, que quando o articu-lado de intervenção deu entrada em Tribunal, a 4.11.00, já havia decorrido o prazo de três anos previsto no artº 498º do Código Civil, visto que o acidente dos autos teve lugar a 10.10.94.
Replicando, diz o A. que o preceito a considerar é o do nº 3 do artº 148º do CP, que estabelece o regime penal para a ofensa corporal grave e prevê para tal, pena de prisão até um ano e multa até 100 dias. Refere, ainda, que as lesões que sofreu são graves e, por isso, o prazo prescricional será de cinco anos.
Por sua vez, a interveniente afirma não ter decor-rido o prazo prescricional; e isto por duas ordens de razões: de um lado, por a mesma exercer um direito sub-rogada nos direitos do lesado A., encontrando-se a exercê-los tempestivamente, posto que o prazo prescri-cional a que está sujeito é o de cinco anos, sendo cer-to que este prazo só deve contar-se a partir do momento em que a interveniente fez os pagamentos que reclama; por outro lado, o prazo a considerar para a interve-niente é de vinte anos por se tratar da exigência de um direito obrigacional e mesmo considerando o prazo de cinco anos desde a data dos pagamentos efectuados, só estariam prescritos os créditos relativos aos pagamen-tos efectuados até Novembro de 1995.
O Sr. Juiz no despacho saneador de fls. 130 julgou prescritos os créditos da Companhia de Seguros Tranqui-lidade e absolveu a Ré Global da instância.
Daí o presente recurso de apelação interposto pela Tranquilidade, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue o despacho saneador na parte em que jul-gou procedente a excepção da prescrição.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) O prazo de prescrição do crédito da Companhia de Seguros Tranquilidade, SA. sobre a Global-Companhia de Seguros, S.A., é o prazo ordinário de 20 anos, pois a recorrente não é responsável directa pelas consequên-cias deste acidente, já que assumiu essa responsabili-dade por contrato.
2) Pelo que entre as partes desse contrato (ora recorrente e sua segurada) estamos perante uma respon-sabilidade de natureza obrigacional (artº 309º do C.C.).
3) O prazo de prescrição previsto no artº 489º do C.C. apenas se aplicaria ao A. nestes autos para que este pudesse demandar a Global Companhia de Seguros, S.A..
4) Por outro lado, no caso em apreço, a recorrente encontra-se legal (nº 4 da Base XXXVII da Lei 2127 de 03/08/65 e artº 589º e segs. do Código Civil) e contra-tualmente sub-rogada nos direitos do lesado, sobre a Global-Companhia de Seguros, S.A., por aquilo que des-pendeu.
5) Assim, uma vez que o A. Jorge Manuel Pereira Pires intentou esta acção dentro do prazo de 5 anos (porque estamos perante a prática de um crime de ofen-sas corporais graves), a recorrente, porque está sub-rogada nos direitos do lesado (o ora A.), beneficia do mesmo prazo de prescrição, tanto mais que foi o próprio A. que requereu, na sua petição inicial, a intervenção da ora recorrente.
6) No caso em apreço, no que se refere à actuação do condutor do veículo seguro na Global-Companhia de Seguros, S.A., estamos perante a prática de um crime de ofensas corporais graves, uma vez que o A. sofreu lesões que pela sua gravidade, lhe afectaram gravemente a sua capacidade para o trabalho, tendo ficado afectado com uma I.P.P. de 32%. Uma vez que a moldura penal estabelecida para a prática de um crime de ofensas cor-porais graves cifra-se em pena de prisão até um ano, ou multa até 100 dias (artº 148º nº 3 do Código Penal), o respectivo prazo de prescrição é de 5 anos (artº 117º do Código Penal).
7) Mas como a recorrente pretende nesta acção ser reembolsada pela Global - Companhia de Seguros, SA. das quantias que pagou ao A. em consequência do acidente de trabalho de que este foi vítima, o prazo de prescrição de 5 anos, deve ser contado desde a data em que a recorrente procedeu aos pagamentos em causa.
8) Uma vez que a presente acção foi intentada em Setembro de 1999, ou seja, antes de decorridos 5 anos desde a data do acidente (10/10/94), e consequentemente antes de decorridos 5 anos desde o início dos pagamen-tos efectuados pela recorrente, os quais se iniciaram em 06/01/95 (doc. 8E junto com a petição de intervenção provocada), o direito da recorrente não está pois pres-crito.
9) Ainda que assim não se viesse a entender, só estariam prescritos os pagamentos efectuados pela recorrente até Novembro de 1995, pois só em relação a esses é que teriam passados mais de 5 anos, uma vez que o pedido de reembolso das quantias despendidas deu entrada no Tribunal em 14/11/2000.
10) Assim, no que se refere aos salários pagos pela recorrente ao A., não estão prescritos (porque decorrerem menos de 5 anos desde a data do seu pagamen-to), os salários pagos desde 11/12/95 até 23/09/98, no valor de Esc. 1.970.388$00, tendo decorrido mais de 5 anos desde a data do seu pagamento, os que foram pagos pela recorrente desde 06/01/95 a 27/10/95, no valor de esc. 539.149$00 (cfr. docs. 8 A a 8 E juntos com o requerimento de intervenção).
11) No que diz respeito a despesas hospitalares pagas pela recorrente, não estão prescritas (uma vez que decorreram menos de 5 anos desde a data do seu pagamento), as que foram pagas desde 27/11/95 até 30/04/99, na importância de Esc. 5.041.520$00, tendo decorrido mais de 5 anos desde a data do seu pagamento, as que foram pagas desde Janeiro de 1995 a 28/09/95, na importância de Esc. 423.152$00 (cfr. docs. 9A a 9F jun-tos com o requerimento de intervenção provocada).
12) Em relação às despesas de transportes, não estão prescritas (uma vez que decorreram menos de 5 anos desde a data do seu pagamento), as que foram pagas desde 11/12/95 até 07/12/98, no valor de Esc. 899.775$00, tendo passado mais de 5 anos desde a data em que a recorrente procedeu ao seu respectivo pagamen-to, as que foram pagas desde Janeiro de 1995 até 27/10/95, as quais perfazem o valor de Esc. 157.542$00 (cfr. docs. 10 A a 10 E juntos com o requerimento de intervenção).
13) Relativamente às despesas de hospedagem, não estão prescritas (uma vez que decorrem menos de 5 anos desde a data do seu pagamento) as que foram pagas desde 11/12/95 até 23/09/98, no valor de Esc. 26.000$00, ten-do passado mais de 5 anos desde a data em que a recor-rente procedeu ao seu pagamento, as que foram pagas entre Janeiro de 1995 e 27/10/95 no valor de Esc. 19.600$00 (cfr. docs. 11 A e 11 B juntos com o requeri-mento de intervenção).
14) No que diz respeito a despesas com farmácias, não estão prescritas (uma vez que passaram menos de 5 anos desde a data do seu pagamento), as que foram pagas desde 16/12/96 até 16/03/98, na quantia de Esc. 5.314$00, tendo passado mais 5 anos desde a data do seu pagamento, as que foram pagas entre 18/04/95 e 14/06/95, no valor de Esc. 9.771$00 (doc. 12 A junto com o requerimento de intervenção).
15) A título de despesas diversas, não estão pres-critas (uma vez que decorreram menos de 5 anos desde a data do seu pagamento), as que foram pagas desde 11/12/95 até 27/04/98, na importância de Esc. 87.150$00, tendo decorrido mais de 5 anos desde a data em que a recorrente procedeu ao seu pagamento, as que foram pagas em 27/10/95, no valor de Esc. 9.800$00 (cfr. docs. 13 A e 13 B juntos com o requerimento de intervenção).
16) Finalmente, as pensões pagas pela recorrente desde 23/09/98 até 31/11/00, na importância de Esc. 614.458$00, porque foram pagas há menos de 5 anos, não estão pois prescritas.
17) Assim, as despesas pagas há menos de 5 anos perfazem a quantia de Esc. 8.644.605$00, as que foram pagas há mais de 5 anos, perfazem a importância de Esc. 1.159.014$00.
18) A decisão recorrida violou pois os artsº 589º, 309º ambos do Código Civil e 117º do Código Penal.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.

2.1. Factos.

Os factos que interessam à decisão da causa cons¬tam a fls. 130 ss do despacho agravado.
Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.
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2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal.
Nesta conformidade e considerando também a nature-za jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguin-tes pontos:
- A pretensão da interveniente Tranquilidade: sub-rogação ou direito de regresso?
- Estão prescritos os créditos da Companhia de Seguros Tranquilidade?
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2.2.1. A pretensão da interveniente Tranquilidade: sub-rogação ou direito de regresso?

A Companhia de Seguros Tranquilidade SA. interveio nos presentes autos pedindo que a Ré Global seja conde-nada a pagar-lhe, despesas várias que fez com o seu segurado, em virtude do acidente de viação que o viti-mou, mas na sua vertente de acidente de trabalho, que o foi igualmente.
Os créditos abrangidos pelo pedido foram declara-dos prescritos logo no despacho saneador, essencialmen-te por terem decorrido mais de cinco anos contados a partir do acidente.
Estatui o ponto 4º da Base XXXVII da Lei nº 2127 que “a entidade patronal ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente terá direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1 se a vítima não lhes houver exigido judicialmente a indemni-zação no prazo de um ano a contar da data do acidente. Também à entidade patronal ou a seguradora assiste o direito de intervir como parte principal no processo em que a vítima exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que alude esta base”.
A interveniente deduziu a sua pretensão com base no citado normativo legal. Assim o primeiro problema que se põe é o de precisar, para além da terminologia de que o legislador se serviu, qual a exacta figura jurídica em que se fundamenta o alegado direito da impetrante.
Pressuposto do “direito de regresso” é o efectivo pagamento da indemnização. Só existe assim direito ao reembolso do que for pago e na medida do pagamento ao lesado . Trata-se de uma figura inserta no âmbito das obrigações solidárias e regulado expressamente no arti-go 524º do Código Civil quando refere que “o devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem o direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.
O “direito de regresso” está assim subordinado ou condicionado ao pagamento prévio, ao cumprimento da obrigação que recai sobre o titular desse direito. Não há lugar ao exercício desse direito se a entidade patronal ou a seguradora nada pagaram (ou ainda nada pagaram) a título de indemnização por via da qualifica-ção do acidente como de trabalho.
Esta figura não se confunde com outra que vem tra-tada nos artigos 589º ss do Código Civil, a sub-rogação. Em sentido amplo poderá dizer-se que este ins-tituto designa o fenómeno que consiste em uma coisa (sub-rogação real) ou uma pessoa (sub-rogação pessoal) virem substituir na relação jurídica outra coisa ou pessoa. Mas a sub-rogação pode resultar também da Lei – artigo 592º do citado Diploma Legal “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver direc-tamente interessado na satisfação do crédito” .
Como resulta do citado artº 593º, nº 1, do Código Civil, o sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao credor, os poderes que a este competiam. Pres-suposto da sub-rogação é a satisfação, parcial ou inte-gral do direito do credor. Enquanto se não verificar a satisfação desse direito, não há ou não produz efeitos a sub-rogação (daí a não verificação da sub-rogação em relação a prestações futuras) .
A sub-rogação não produz efeitos sem satisfação efectiva da prestação, pelo que a entidade patronal ou a seguradora só podem exigir do terceiro responsável pelo acidente o reembolso do que houverem pago (e não aquilo que, de futuro, tenham de pagar). A sub-rogação consiste na transmissão de um crédito, por efeito do seu cumprimento, para terceiro que a este procedeu; a fonte da transmissão em que a sub-rogação se traduz é, em todos os casos, o facto jurídico do cumprimento por terceiro .
Do exposto resulta que, em qualquer das situações, o pagamento das indemnizações ao sinistrado, quando o acidente de viação é também qualificado como de traba-lho, é condição de exercício pela entidade patronal ou pela seguradora do direito ao reembolso do que houverem pago contra os terceiros responsáveis pelo acidente.
Resulta pois que não obstante a terminologia usada pela Lei 2127, o direito da entidade seguradora referi-do na Base XXXVII se traduz numa sub-rogação e não em direito de regresso, próprio das obrigações solidá-rias .
A Companhia de Seguros Tranquilidade pagou ao sinistrado, cuja entidade patronal segurava, o prejuízo dos danos resultantes do acidente, pelo que ficou sub-rogada nos direitos daquela pretendendo agora exercê-los contra a Companhia de Seguros Global, seguradora do responsável pelo acidente.
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2.2.2. Estão prescritos os créditos da Companhia de Seguros Tranquilidade?

Enquadrado o pedido da interveniente na figura da sub-rogação legal, iremos tentar surpreender nas suas características o regime da prescrição dos créditos que nesta veste a Companhia de Seguros Tranquilidade pre-tende acautelar. Diga-se à partida que não há, quer a nível das Relações, quer do Supremo Tribunal de Justi-ça, unanimidade sobre esta questão sendo palpável um vasto leque de soluções. Divergências radicais: por um lado, decisões há, que equiparando o direito do inter-veniente sub-rogado ao lesado em acidente de viação, consideram que o prazo prescricional se rege pelo dis-posto no artigo 498º do Código Civil - Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - o que confina o prazo prescricional a 3 ou 5 anos consoante o facto de onde emirja o direito indemnizatório constitua ou não crime . Já outros ares-tos, destacando o direito do interveniente do facto ilícito que lhe deu causa, enquadram-no no âmbito da responsabilidade contratual, o que projecta o termo do prazo da prescrição para 20 anos . Divergências se sur-preendem ainda entre os defensores da tese da responsa-bilidade civil, quanto ao início da contagem do prazo neste particular; por um lado as decisões para quem a ocorrência do acidente marca o início do prazo prescri-cional; por outro, os arestos que reportam o início do prazo ao momento em que o direito pode ser exercido e que na sub-rogação é o do pagamento ao lesado da indem-nização pelo interveniente .
Estando-se pois em face de um caso típico de sub-rogação, vejamos à partida qual o prazo prescricional aplicável aos direitos a que a interveniente se arroga. Se entendermos que ao caso se aplica o regime do crédi-to do lesado, a prescrição segue os termos previstos para a responsabilidade civil extracontratual, sendo o respectivo prazo de três ou cinco anos, consoante o facto que lhe está subjacente constitua ou não crime – artigo 498º. Na hipótese contrária somos remetidos para o prazo geral da prescrição, i.e. 20 anos.
A nosso ver a questão que nos ocupa terá que ser resolvida face à natureza do instituto da sub-rogação coadunada com a finalidade do instituto da prescrição em matéria de responsabilidade extracontratual.
Na sequência das considerações acima expendidas realça-se agora que a sub-rogação não cria um direito novo, antes colocando o solvens na titularidade do direito do antigo credor, verificando-se uma mera subs-tituição deste último . Mas a ser assim, a sua posição no processo deverá ser a equivalente à daquele que sub-rogou considerando nomeadamente a fase processual em que se deu a sub-rogação, i.e. quando os direitos do lesado não estavam ainda cobertos por sentença transi-tada; e isto porque as razões subjacentes ao estabele-cimento de um prazo mais curto de prescrição no âmbito da responsabilidade civil são também aplicáveis à interveniente Companhia de Seguros Tranquilidade. Efec-tivamente, ao estabelecer em sede de responsabilidade civil um prazo prescricional de 3 a 5 anos, ao contrá-rio da regra geral de 20 anos – artigo 309º- visou o Legislador três objectivos fundamentais lapidarmente referidos por Manuel de Andrade: “1) Uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando a expec-tativa e organizando planos de vida se mantenham, não podendo ser atacadas por antijurídicas. 2) Proteger os obrigados, especialmente os devedores, contra as difi-culdades de prova a que estariam expostos no caso de o credor vir exigir o que haja porventura, recebido. 3) Exercer uma pressão ou estímulo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação quando não queiram abdicar deles” . No caso em análise, está em aberto a problemática do aci-dente, sendo ponderosas as razões subjacentes ao encur-tamento do prazo, entre as quais surge, como de espe-cial relevo, a evitar que com o tempo a prova da ocor-rência venha a esbater-se ou mesmo diluir-se. Outro seria já o caso se a Tranquilidade pretendesse exercer o seu direito de sub-rogação legal após trânsito da sentença, caso em que o prazo de prescrição seria já o ordinário de 20 anos. Com o trânsito do aresto inicia-se um novo prazo prescricional. Estatui o artigo 311º do Código Civil que “O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
2. Quando, porém, a sentença ou outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo”. Compreende-se; após a sentença que torna certo o crédi-to, deixam de relevar as razões que levam ao encruamen-to do prazo, estando em causa tão só executar o aresto que tornou certo o direito.
Entendemos assim que será aplicável in casu o pra-zo de prescrição da responsabilidade extracontratual previsto no artigo 498º. Porém qual prazo? O genérico de três anos previsto no nº 1, ou antes o alargado a que se reporta o nº 3 do mesmo normativo legal?
Não temos dúvida, pela forma como a acção vem delineada, que os factos de que o Autor sub-rogado ale-gadamente foi vítima, integrariam a provarem-se, um crime de ofensas corporais involuntárias, previsto e punido no artigo 143º, alínea b) e 148º, nº 3, o que de harmonia com o artigo 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal de 1982, prolongaria o prazo da prescrição para cinco anos.
No entanto ainda aqui haverá que indagar a data de referência de contagem do aludido prazo: a do acidente, ou antes a do pagamento das importâncias que a interve-niente fez ao segurado e que agora reclama?
Como princípio geral nesta matéria, há a notar que o prazo de prescrição só começa a correr no momento em que o direito pode ser exercido (artigo 306º, nº 1, do Código Civil). Este princípio radica a sua justificação na razão de ser do instituto. Se a prescrição visa com-bater a inércia injustificada do credor, compreende-se pois que “só a partir do momento em que ele está em condições de o exercer faz sentido começar a contar o prazo que, uma vez preenchido, vai determinar a pres-crição” .
A Autora, tendo pago a indemnização devida pelo acidente, tem o direito de regresso [aqui mais propria-mente sub-rogação] contra os responsáveis (nº 4 da base XXXVII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 — hoje n.º 4 do artigo 31º da Lei nº 100/97, de 13 de Setem-bro).
Quer na sub-rogação, quer mesmo no direito de regresso, existe um prévio pagamento da obrigação e a possibilidade legal de se operar o seu reembolso. Toda-via tal não significa, a nosso ver, que o início do prazo da prescrição coincida com a data do pagamento, já que o que releva é o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete ainda que com o desconhecimento do responsável e extensão dos danos. Se assim não fos-se, estaríamos a premiar as manobras dilatórias na efectivação do pagamento; é que quanto mais tardio este fosse, mais o prazo de prescrição se alongaria no tem-po. Assim sendo e na falta de outros elementos palpá-veis, teremos de contar o prazo da prescrição reportan-do o seu início à data do acidente .
Nesta conformidade tendo o acidente ocorrido em 10/10/94, quando a interveniente apresentou o respecti-vo articulado (a 14/11/2000) e se notificou a Ré do pedido (registo 7/12/2000) já haviam decorrido mais de cinco anos sobre o acidente pelo que se encontrava prescrito o direito do interveniente.
De tal decorre que a argumentação da Tranquilidade respeitante às datas dos pagamentos que se foram suce-dendo, só teria a sua razão de ser caso se entendesse que são aquelas datas que marcam o início dos prazos prescricionais das várias parcelas do crédito, o que vimos não ser correcto.
Assim sendo, o saneador sentença irá confirmado nesta parte em crise.

Poderá assim concluir-se o seguinte:

1) Não obstante a nomenclatura imperfeita usada pela Lei nº 2.127, o ponto 4º da Base XXXVII consagra e prevê não o direito de regresso a favor da entidade patronal que paga as indemnizações ao seu empregado, mas antes o de sub-rogação nos direitos deste contra o responsável pelo acidente de trabalho.
2) Não configurando a aquisição de um direito ex-novo, a sub-rogação traduz-se no ingresso do seu titu-lar na situação jurídica preexistente em que se encon-trava o sub-rogado, sujeito de uma relação jurídica de responsabilidade extracontratual e aplicável o regime da prescrição prevista neste particular, de três a cin-co anos contados a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
3) Neste tipo de situações haverá que considerar dois momentos e dois prazos de prescrição: o primeiro reportado à responsabilidade extracontratual com os contornos supracitados; o segundo quando eventualmente se pretenda executar uma sentença com trânsito, caso em que o prazo prescricional será o ordinário, ou seja de 20 anos.
4) Na falta de outros elementos palpáveis terá que entender-se que o prazo prescricional se conta em sede de responsabilidade extracontratual a partir da data do acidente (também para a seguradora da entidade patro-nal), numa hipótese em que a causa de pedir configura-ria à partida crime de ofensas corporais graves previs-to no artigo 148º nº 3 do Código Penal.
4) Tendo o acidente ocorrido em 10/10/94, quando a interveniente apresentou o respectivo articulado (a 14/11/2000) e se notificou a Ré do pedido (registo 7/12/2000), já haviam decorrido mais de cinco anos sobre o acidente pelo que se encontrava prescrito o direito d interveniente.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação impro-cedente confirmando a sentença apelada.
Custas pela apelante.