Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1184/21.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EMPREITADA
SUBEMPREITADA
RESOLUÇÃO DA EMPREITADA
RESTITUIÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 12/13/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA FIGUEIRA DA FOZ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR MAIORIA
Legislação Nacional: ART. 596, Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
N.º 1 DO ARTIGO 496º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Celebrado um contrato de empreitada, a empreiteira é a única interlocutora jurídica a relacionar-se com os donos da obra. O subempreiteiro é alheio àquele acordo. No caso, é no âmbito dele que a empreiteira dá instruções sobre os pagamentos.

II - A devolução decidida, inerente à resolução do contrato, tem de ser feita pelo empreiteiro.

III - O pedido (“só pela primeira se foi a mesma quem recebeu os dois valores”) abarca essa obrigação, pois que, juridicamente, foi a empreiteira quem recebeu, dominou o recebimento e orientou o destino dos valores.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

AA e marido, BB, intentaram ação contra V..., Unipessoal, Lda., e CC, pedindo a resolução do contrato celebrado, no montante de 13.071,90 €, e condenada a primeira ré a devolver aos autores a quantia recebida a título de pagamento parcial, no montante de 1.066,85 €, e o segundo réu a quantia recebida a título de pagamento parcial, no montante de 5.649,10 €; ou só pela primeira se foi a mesma quem recebeu os dois valores; e bem assim, condenados solidariamente ambos os réus a pagar aos autores a quantia de 2.500,00 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Para tanto, os Autores alegam, em síntese:

Celebraram com a 1ª ré um contrato de fornecimento de móveis e decoração do seu apartamento, pelo preço de 13.531,21 € (IVA incluído).

A 1ª ré solicitou o pagamento do preço, a entregar uma parte à 1ª ré e outra ao 2º réu.

Ao longo do serviço que era desenvolvido pelo segundo réu, os autores verificaram diversos defeitos que iam reclamando, e que os réus iam reconhecendo.

Decorrido um tempo sem que os autores obtivessem resposta ou garantia de resolução dos problemas, os Autores comunicaram à 1ª ré a resolução do contrato.

Em virtude da conduta dos réus, os autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais que identificam.

A 1ª ré defendeu-se, dizendo, em síntese:

Apenas foi contratada para parte do fornecimento.

Os autores não aceitaram a eliminação dos defeitos, desconhecendo até à data da ação os defeitos elencados por aqueles.

Em reconvenção, pedem a condenação dos autores nos valores de 2.385,00€ e 485,22€, acrescido de IVA, num total de 3.530,37€, e no valor de 867,36€ acrescidos de IVA, no valor de 1.066,85€, correspondente aos 50% finais do orçamento ...6.

O Réu CC invoca a existência da relação contratual entre os autores e a 1º ré, e o recebimento de 5.469,10 €, por indicação da 1ª ré, na parceria que tem com esta.

Sempre foi eliminando os defeitos passíveis de serem eliminados e executou o mobiliário de acordo com os desenhos técnicos fornecidos pela 1ª ré.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, e em consequência:

Declarou resolvido o contrato celebrado entre Autores e Ré “V..., Unipessoal, Lda.”;

Condenou a Ré “V..., Unipessoal, Lda.” a devolver aos Autores a quantia de 6.715,95 € (seis mil, setecentos e quinze euros e noventa e cinco cêntimos).

Condenou a Ré “V..., Unipessoal, Lda.” a pagar aos Autores a quantia de 1000,00 € (mil euros) a título de danos não patrimoniais.

Absolveu a Ré “V..., Unipessoal, Lda.” do demais peticionado.

Absolveu o Réu CC de todos os pedidos.

Absolveu os Autores do pedido reconvencional.


*

Inconformada, a Ré “V..., Unipessoal, Lda.” recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

a) A douta sentença em crise viola o disposto no artigo 615º nº1 al. e), do CPC;

b) Os A.A expressamente peticionam que seja devolvida pela 1ª R, ora recorrente, a quantia de 1.066,85€ e pelo 2º R. a quantia de 5.649,10€;

c) Encontra-se provado e confessado nos autos que o 2º R. recebeu diretamente dos A.A a quantia de 5.649,10€ e inclusivamente tendo passado a respectiva fatura/ recibo;

d) Não pode, assim, ser a 1ª R., ora recorrente, ser condenada a devolver aos autos aquilo que provado está, não recebeu;

e) A douta sentença em crise extrai da factualidade que existia um contrato de subempreitada e que foi apresentada como causa de pedir um contrato de empreitada, sem que tal tenha sido expressamente invocado pelos A.A;

f) Não foi enunciado o objecto do litígio nem enunciados os temas de prova nos termos do artigo 596º do CPC;

g) Quanto ao valor atribuído em sede de fixação de valor de danos não patrimoniais é este manifestamente excessivo e desfasado da realidade.

Termos em que se pede a substituição da sentença por douto acórdão em que seja condenada a 1ª R a devolver aos A.A a quantia de 1.066,85€ e tão só, isentando a mesma de pagar qualquer tipo de indemnização.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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As questões a decidir são as seguintes:

O excesso de pronúncia;

A falta de enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova.

Os danos não patrimoniais.


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Os factos provados são os seguintes (não impugnados):

A) Por escritura lavrada no dia 18 de Agosto de 2020, no Cartório notarial ..., “C..., Limitada”, declarou vender pelo preço de duzentos e sessenta mil euros à autora, casada com o autor sob o regime francês equiparado ao regime português de comunhão de adquiridos, que aceitou a venda, a fração autónoma K do prédio urbano inscrito na Conservatória ... sob o nº ...14 da Freguesia ..., tendo à data inscrição de aquisição a favor da sociedade vendedora.

B) Na sequência da outorga de contrato-promessa de compra e venda datado de 28 de março de 2019, os autores, em inícios de março de 2020, contactaram a primeira ré no sentido do fornecimento de móveis e decorações do seu apartamento, sendo conhecida como especializada em projetos de Design de interiores.

C) A 1º ré remeteu aos autores, que aceitaram, o projeto 3D, conforme documentos nºs 16, 17, 22 e 27 junto à petição e que aqui se dão por reproduzidos e informou os autores que trabalhava em parceria com o 2º réu, a quem cabia o trabalho de carpintaria de alguns móveis, ficando acordado que os orçamentos contemplariam a intervenção de ambos os réus.

D) Em data não concretamente apurada, a 1ª ré entregou aos autores o orçamento ...7 datado de 12 de março de 2020, no montante de 13.531,21 com IVA incluído, conforme doc. nº ... cujo teor se dá aqui por reproduzido.

E) Em 23 de Março de 2020, a autora envia um email à 1ª R. nos seguintes termos: “o valor ainda é muito puxado e para um preço de 19 343€ não sinto o esforço comercial. A proposta k tenho para te fazer é o seguinte: temos um envelope de 13.000,00€ que te posso dar totalmente em dinheiro”, conforme documento nº ... junto à contestação e aqui se dá por reproduzido.

F) Em data não concretamente apurada, a ré remeteu aos autores o orçamento ...4 datado de 08 de Abril de 2020, no montante de 13071,90 €, acrescido de IVA no valor de 3006,54 €, num total de 16078,44 €, conforme doc. nº ... junto à petição cujo teor se dá aqui por reproduzido.

G) Em data não concretamente apurada, a 1ª ré entregou aos autores o orçamento junto à petição sob o documento nº ... O A...20/47 cujo teor se dá aqui por reproduzido, não datado, no montante de 17.542,71 sem menção a IVA.

H) Em 9 de Abril de 2020 a autora envia um email à 1ª ré, nos seguintes termos: “Este orçamento e o mesmo k o ultimo k a ... me enviou de 13/03… O total é o mesmo 17452€. O k keria dizer no meu email é k eu não preciso de factura eu estou ok para vos dar 13 000€ de mão a mao…”, conforme doc. nº ... junto à contestação e aqui se dá por reproduzido.

I) Em 11 de abril, pelas 15h07 a 1º ré enviou à autora comunicação de email que constitui o doc nº ..., fls. 2, a mandar pagar dois valores com a indicação da indicação do IBAN da primeira e segundo réus, nos montantes de 1.456,00 € para a primeira ré; e 5.544,00 € para o segundo réu, no total de sete mil euros, e declarando que o total perfazia a adjudicação a ser transferida separadamente nestas duas contas.

J) A autora nesse mesmo dia, pelas 16h36, enviou à 1ª ré comunicação de email que constitui o doc. nº ..., fls. 1 em que refere, além do mais, “Finalment não Keria o espelho e o candieiro e o banco tocador – 390,40 e – 242,35 e 295,35 = 632,75.

K) Pelas 17h33m seguintes, a primeira ré respondeu por email que constitui o doc nº ..., fls. 1, referindo que podia ficar sem esses itens, e que o valor retificado era de 13.071,90 €, dando indicação que o valor a pagar seria inferior.

L) Invocando que (nesse contexto) era necessário fazer dois pagamentos, sendo de 5.649,10 € a favor do segundo réu, e 1.066,85 € a favor da mesma.

M) No dia 17 de Abril de 2020, a Autora efetuou as duas transferências referidas em L), tendo a primeira ré entregue declaração de recebimento da quantia transferida para o segundo réu, e com emissão de fatura do seu valor recebido datada de 12.05.2020, conforme documentos nºs ... e ... juntos à petição e que aqui se dão por reproduzidos.

N) O prazo inicialmente acordado da execução e conclusão da empreitada, e que nunca foi alterado, era de 60 dias contados da data do pagamento.

O) Apenas no decurso do mês de agosto compareceu na obra o segundo réu para iniciar os trabalhos, altura em que os autores o viram e conheceram pela primeira vez.

P) O segundo réu andou a efetuar serviços de aplicação dos móveis contratados entre agosto e dezembro.

Q) Ao longo do serviço que era desenvolvido pelo segundo réu, os autores reclamaram a existência de defeitos, tendo este procedido a alterações nos móveis da sala e recolha e reparação de objetos, designadamente o biombo e o toucador, que não voltaram a ser devolvidos aos autores.

R) No início do ano de 2021, o segundo réu deixou de comparecer no apartamento dos autores.

S) A 7 de janeiro os autores deslocaram-se ao gabinete da 1ª ré e reclamaram junto desta defeitos e anomalias existentes.

T) A 8 de janeiro de 2021 a autora enviou dois emails à primeira ré, pelas 9h59m e 11h56m, juntos à petição sob os nºs 11 e 12 e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, nos quais invocou os móveis que não queria, e que deviam recolher até ao dia 11 seguinte.

U) Não obtendo qualquer resposta, nos dias 12 e 18 seguintes enviou outros emails juntos à petição sob os nºs 11 e 12 cujo teor se dá por reproduzido, onde invocou que queria que fossem retirar as coisas o mais rápido possível e que não entendia o silêncio do legal representante da primeira ré.

V) No dia 28 desse mês enviou novo email à primeira ré na pessoa do seu legal representante, que constitui o documento nº ...3 junto à petição e cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde invocou que ninguém a havia contactado, e que “Hoje peco a anulação da encomenda dos produtos descritos abaixo Fico aguardar a data de recolhimento o mais tardar fim da próxima semana 05/02/2021” (…) “o quarto todo, cofre, tapete, painel Tv, tocador (não entregado), consola da entrada para esconder o radiador, 3 cadeiras de bar, o biombo que estava no carpinteiro para ser retificado porque chegou aqui estragado, e quando voltou fim de Dezembro estava na mesma…, o móvel da sala, completo O tapete

da sala encomendei a referencia Napoli e foi entregue o Firenze”.

W) Autores e 1ª ré acordaram ainda um outro orçamento no montante de 1.857,30 € que constitui o documento nº ...9 que se dá por reproduzido, que teve um projeto conforme doc. nº ...0 junto à petição, para um móvel consola com frente para omissão do radiador.

X) Os bens foram fornecidos no seguinte estado: 1. O móvel toucador em folheado carvalho, composto por uma mesa com uma gaveta e os 4 pés em alumínio, não tinha travação dos 4 pés, abanando lateralmente. 2. O conjunto de mesas de cabeceira com 2 gavetas e suspensa com 1 gaveta tem zonas sem aplicação de verniz e é estreito o local para colocar os dedos para puxar a gaveta. 3. Na cabeceira de cama em folheado de madeira o espaço dos parafusos apresenta-se destapado e o estofo não foi colocado do lado esquerdo. 4. A banqueta de arrumação é difícil abrir e fechar; existindo no interior pregos que não estão totalmente inseridos e outros tortos. 5. No que respeita ao papel de parede, foram feitos buracos no mesmo para aplicação de um painel de TV, atualmente não visíveis por os autores terem colocado um painel branco por trás da televisão. 6. O sofá com tecido classe C afunda ao assentar, de forma mais pronunciada na chaise longue. 7. O móvel folheado carvalho e lacado composto por 6 portas e zona aberta tem uma estrutura na fachada diferente da contratada, pois no catálogo as barras de baixo e de cima são iguais, mas a de cima ficou mais pequena; 8. O móvel folheado carvalho e lacado para colocação de box para TV com 8 portas e zona aberta com prateleiras não corresponde ao contratado, pois não apresenta as duas linhas de separação vertical das duas peças do móvel. 9. O móvel está lacado em baixo e não está na parte de cima, e o rebordo do lado esquerdo é diferente do projetado, pois a linha branca era suposto cobrir apenas a porta de baixo continuando para cima as prateleiras de madeira encostadas à lareira; e no rebordo do lado direito era suposto as prateleiras irem do chão ao tecto, e em vez disso no chão tem linha branca e quer do lado direito, quer encostado ao tecto tem uma segunda tábua não projetada. 10. O armário central que era de 4 portas apresenta-se com 6. 11. Quanto ao bloco da direita, de 6 portas, foi construído com a altura das portas errada, com desnível em relação ao bloco central, tendo sido corrigido no local. Para remediar o desnível desceram as portas da parte de baixo e desceram também as portas da parte de cima, abrindo novos buracos para as dobradiças, tendo sido colocada uma segunda placa com parafusos para disfarçar as alterações introduzidas. 12. Os bancos altos em lacado apresentam o tecido muito esticado, o que se nota ao sentar, não têm a face interior do assento tapada e o encosto tem altura inferior à solicitada. 13. O tapete não corresponde ao pedido, pois é um tapete Firenze de 280cm x 360cm, e apenas tem 200cm x 360cm, e não tem a mesma cor. 14. Tendo e conta a proximidade entre a chaminé e a TV, se os autores colocarem a lareira em funcionamento aquece de imediato o aparelho. 15. O móvel referido em W) não esconde o radiador.

Y) As desconformidades e anomalias existentes nos bens fornecidos causaram, e causam, angústia aos autores e transtornos por verem o apartamento dos seus sonhos com bens aplicados que não correspondem ao contratado.

Z) O que os deixa tristes e pesarosos.

AA) Tendo suportado os incómodos e desespero com as denúncias dos defeitos que não foram eliminados, com a retirada dos bens que não mais regressaram, sofrendo com a falta de resolução do problema.

BB) No dia 18 de março de 2020 foi decretado o estado de emergência em Portugal, através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, devido à situação excecional que se vivia e a proliferação de casos registados de contágio de COVID-19.

Factos não provados:

1. Ficou também acordado que, por uma questão de facilidade, a 1ª R. faria a ponte de comunicação inicial entre os A.A. e o 2º R e após adjudicação, serem os valores faturados e pagos independentemente a cada R. por serem serviços distintos.

2. Depois da apresentação de vários orçamentos e considerado o último elevado de 17. 542,71 euros € (doc. nº ...), a ré, no dia 12 de março de 2020, entregou aos autores o orçamento ...7, no montante de 13.531,21 com IVA incluído, e que foi aceite pelos autores.

3. A apresentarem o orçamento de 12.03.2020 os réus quiseram enganar os autores, fazendo-os acreditar que tendo sido retirados bens o valor desceria.

4. Esse orçamento datado de 12/03/2020, no valor de 11.000,97€+IVA não previa a intervenção do 2º Réu. mas sim de uma fábrica de Paços de Ferreira, ....

5. No dia 19 de janeiro e 2021 a primeira ré contactou a autora e invocou que o carpinteiro não queria recuperar os móveis, mas que os retificava.

6. Ficou então a primeira ré de falar com o segundo réu no sentido de ele proceder em conformidade à eliminação dos defeitos, e dando resposta nesse sentido à autora no decurso do dia seguinte.

7. O conjunto de mesas de cabeceira com 2 gavetas e suspensa com 1 gaveta têm as gavetas emperradas e a cor não corresponde à que foi proposta pela primeira outorgante e aceite, pois foi usada folha com cor e textura diferente do proposto, e têm qualidade inferior à proposta.

8. A cabeceira de cama em folheado de madeira é de qualidade inferior à proposta.

9. A base de cama em folheado carvalho não é da mesma cor nem matéria, pois pretendia-se madeira clara.

10. A banqueta com arrumação não corresponde ao contratado, pois foi acordado a cor verde acinzentado e colocaram a cor verde oliveira.

11. Foi dito verbalmente pela A. mulher ao sócio gerente da 1ª R. que já não queria o mobiliário porque já não queria aquele conceito.

12. Os autores não permitiram que ninguém mais entrasse no seu imóvel com o objetivo de devolverem todo o mobiliário que não foi alvo de qualquer reclamação ou defeito.


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O excesso de pronúncia.

            O Recorrente aceita a resolução do contrato e a necessária relação de liquidação, tanto que admite a sua condenação a devolver aos Autores 1.066,85€.

            Apoiando-se no facto L), o Recorrente defende que só pode ser condenado no valor que recebeu, sendo certo, afirma, que o pedido dos Autores é limitado à devolução, pela 1ª R, desses 1.066,85€ (e pelo 2º R. da quantia de 5.649,10€ que este recebeu).

Além disso, defende o Recorrente, a sentença assenta nos contratos de empreitada e subempreitada sem que tal tenha sido expressamente invocado pelos Autores.

Não tem razão o Recorrente.

A leitura da petição permite perceber que os Autores invocam um contrato de empreitada, alegando uma relação contratual com a 1ª Ré.

O 2º Réu confirmou que o contrato apenas foi estabelecido entre os Autores e a 1ª Ré, sendo ele o carpinteiro parceiro da 1ª Ré, quem executa os projetos desta segundo as suas orientações.

(Obrigando-se o empreiteiro a uma obrigação de resultado, pode o mesmo escolher as formas de o obter, sendo-lhe lícito encarregar outrem de executar os trabalhos necessários a tal fim.)

Admitindo duas transferências distintas, uma para a 1ª Ré e outra para o 2º Réu, os Autores alegam que as fizeram por instrução da 1ª Ré, o que veio a provar-se.

Ora, o pedido dos Autores é mais amplo do que quer fazer crer o Recorrente. Pedem os Autores: …” condenada a primeira ré a devolver aos autores a quantia recebida a título de pagamento parcial, no montante de 1.066,85 €; e o segundo réu a quantia recebida a título de pagamento parcial, no montante de 5.649,10 €; ou só pela primeira se foi a mesma quem recebeu os dois valores”.

A factualidade provada permite intuir que apenas foi celebrado um contrato, sendo a 1ª Ré a única interlocutora jurídica a relacionar-se com os Autores. Depois, é possível deduzir que a relação entre a 1ª Ré e o 2º Réu poderá ser uma subempreitada, sendo pelo menos certo que o 2º Réu é alheio ao acordo.

É no âmbito deste que a 1ª Ré dá instruções para as duas transferências. Se esta assim o faz, juridicamente é ela quem domina e recebe os pagamentos, a deduzir no total da empreitada. Só a sua comodidade ou uma qualquer combinação que fez com o 2º Réu justificam a entrada de parte do preço na conta do 2º Réu.

O pagamento é legitimado pelo contrato. Neste, o empreiteiro é o Recorrente. É ele quem determina o destino dos valores. Assim, a devolução inerente à resolução do contrato tem de ser feita por ele e o pedido (“ou só pela primeira se foi a mesma quem recebeu os dois valores”) abarca ainda essa hipótese, pois que, juridicamente, foi a 1ª Ré quem recebeu, dominou o recebimento e orientou o destino dos valores.

Pelo exposto, não há excesso de pronúncia.

Relativamente ao pedido de restituição do preço pago, o que foi formulado pelos Autores, decorre da matéria de facto, do preço acordado, foi pago à 1ª ré um total de 6.715,95 € (apesar da transferência de 5.649,10 € ter sido efectuada a favor do 2º réu, pois tal sucedeu por indicação da 1ª Ré), pelo que está esta obrigada a restituir aquele total.

(A 1ª Ré entender-se-á depois com o 2º Réu.)


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A falta de enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova.

Esta questão não foi colocada oportunamente (cfr. art. 596, nº 2, do Código de Processo Civil), sendo agora intempestiva, sendo certo que não teve aquela falta qualquer influência no exame e decisão da causa (de objeto simples), que se fizeram nos termos legais e adequados.


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Os danos não patrimoniais.

Pelos factos Y), Z) e AA), o Tribunal recorrido fixou equitativamente uma indemnização de 500 euros para cada um dos Autores.

Estão em causa os seguintes factos:

As desconformidades e anomalias existentes nos bens fornecidos causaram, e causam, angústia aos autores e transtornos por verem o apartamento dos seus sonhos com bens aplicados que não correspondem ao contratado.

O que os deixa tristes e pesarosos.

Tendo suportado os incómodos e desespero com as denúncias dos defeitos que não foram eliminados, com a retirada dos bens que não mais regressaram, sofrendo com a falta de resolução do problema.

            São atendíveis estes danos?

            Para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (artigo 496°, n.º 1, do Código Civil).

            Em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses susceptíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indiretamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar.

            Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado.

            A avaliação desta gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos.

            Tem sido entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente para os efeitos do n.º 1 do artigo 496º do Código Civil.

            O dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. (Ver acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no processo 08A164, em www.dgsi.pt.)

            No caso concreto, com o devido respeito pela solução diversa, entendemos que os danos referidos são contrariedades habituais de desconformidades contratuais que não são graves (ver também o facto X), que não saem da mediania, e tiveram adequada resolução legal. Por isso, o Recorrente não deve ser condenado por eles.


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Decisão.

            Julga-se o recurso parcialmente procedente e, mantendo o demais decidido, revoga-se a condenação da 1ª Ré a pagar aos Autores a quantia de 1000,00 € (mil euros) a título de danos não patrimoniais.

            Custas do recurso, pela Recorrente em 7/8 e pelos Recorridos em 1/8, parcialmente vencidos (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            Coimbra, 2022-12-13


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Rui Moura)


«Vencido, quanto à questão dos danos não patrimoniais. Quando, nos dias que correm, as necessidades materiais são, com maior ou menor dificuldade, asseguradas, a tutela dos direitos de personalidade - destinada a evitar danos psíquicos e psicológicos - o que passa, vg., pela proteção do direito ao sossego, à paz de espírito e ao bem estar, lato senso, ganha maior acuidade. Nesta conformidade, a doutrina e jurisprudência modernas têm evoluído no sentido de uma maior generosidade neste campo, tendência que acompanho. Efetivamente: «“É inegável a presença de um certo esforço, no sentido da dignificação das indemnizações. Importante é, ainda, a consciência do problema por parte dos nossos tribunais. Há, agora, que perder a timidez quanto às cifras…Não vale a pena dispormos de uma Constituição generosa, de uma rica e cuidada jurisprudência constitucional e de largos desenvolvimentos sobre direitos de personalidade quando, no terreno, direitos fundamentais tais como a vida valham menos de € 60.000.”» - Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, II, Direito das Obrigações, Tomo III, 755, apud, Ac. do STJ de 07.05.2014, p. 436/11.1TBRGR.L1.S. in dgsi.pt. Destarte, manteria a compensação por danos não patrimoniais por entender que os factos provados a justificam e o seu valor é quase simbólico.

«Carlos António Moreira»