Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2738/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
DISPARIDADE ENTRE LAUDOS PERICIAIS
AVALIAÇÃO DE PARTE DA PARCELA NÃO OBJECTO DE EXPROPRIAÇÃO
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS. 26º, Nº 5, DO C. EXPROPR.
Sumário: I – Em caso disparidade de laudos periciais cabe ao tribunal dar preferência ao laudo dos peritos oficiosamente escolhidos, quer pela sua competência técnica quer pelas melhores garantias de imparcialidade .
II – O que não significa uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que cabe ao tribunal introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas ou seguir outro laudo, se o tiver por mais justo .

III – O artº 26º, nº 5, do C. Expropr. não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado de construção, para efeito de expropriação, ao preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeito da aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação .

IV- A lei dispensa a avaliação da parte não expropriada que, pela sua extensão, continue a manter interesse económico para o expropriado e a assegurar, proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio antes da expropriação .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

Expropriante – INSTITUTO DAS ESTRADAS DE PORTUGAL ( IEP );
Expropriados:
A..., B..., C... e herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de D....
Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no Diário da República, IIª Série, de 30/10/2000, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno n.º 34 e 22G, necessárias à execução da VICEG – Via de Cintura Externa da Guarda, identificada em mapa de fls. 5 a 11.
As parcelas expropriadas (nºs 34 e 22G), foram desanexadas do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de S. Vicente, concelho da Guarda, sob o artigo 800º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 1827/19930622, com a área de 244 210 m2, que confrontava de norte com Ernesto Franco e outros, de sul com António Fernandes Rebelo e outros, de nascente com o caminho de ferro da Beira Baixa e de poente com o caminho, com inscrição da aquisição do direito de propriedade a favor dos expropriados.
O acórdão arbitral fixou a indemnização no valor de 62.498.863$00 ( € 311.743,01 ).
O expropriante e os expropriados recorreram do acórdão arbitrar para o Tribunal Judicial da Comarca das GUARDA.
Por sentença de 19/11/2003 (fls.358 a 376) decidiu-se:
Julgar improcedente o recurso dos expropriados e parcialmente procedente o do expropriante, e, revogando-se o acórdão arbitral, fixou-se a indemnização devida aos expropriados no montante de € 171.801,36 (cento e setenta e um mil oitocentos e um euros e tinta e seis cêntimos), actualizável de acordo com a evolução do índice de preços do consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo INE relativamente ao local da situação dos bens, desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão, condenando a entidade expropriante a pagar a mesma aos expropriados.

Inconformados, recorreram o expropriante e os expropriados.
O recurso do expropriante foi julgado deserto, visto haver apresentado as alegações fora de prazo sem que tivesse pago a respectiva multa ( fls.395 ).
Recurso dos expropriados – conclusões:
1º) - O solo expropriado apto para a construção industrial atendendo ao PDM da Guarda é de 13.930 metros quadrados.
2º) - O solo expropriado “apto para outros fins”, atendendo ao PDM da Guarda é de 3.032 metros quadrados.
3º) – O índice de construção do solo industrial é de cerca de 80%, como já vem acontecendo no Parque Industrial da Guarda de que o terreno em causa é seu natural desenvolvimento.
4º) – O custo da construção, nos termos dos nºs4 e 5 do art.26 do Código das Expropriações e Portaria 982-C/99 de 30/10 deve ser fixado em 570,13 euros;
5º) – Em consequência da expropriação e da construção da VICEG o terreno sobrante ficou desvalorizado pela divisão do terreno em duas partes sem acesso.
6º) – Esta desvalorização deve fixar-se em 39.903,83 euros, que deverá ser contemplada na indemnização.
7º) – A sentença interpreta erradamente o PDM da Guarda e viola o disposto nos arts.25, 26 e 29 nº2 do Código das Expropriações e Portaria 982-C/99 de 30/10.
Não foram apresentadas contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Considerando as conclusões que os apelantes extraíram da motivação, as questões submetidas a recurso são as seguintes:
a) – A quantificação da área urbanizável e da área rural expropriadas;
b) - Índice de ocupação do solo expropriado para construção;
c) -Valor do metro quadrado do terreno apto para construção;
d) - Depreciação do restante terreno, visto tratar-se de expropriação parcial.

2.2. – Os factos provados:
1) - Por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, publicado no Diário da República, IIª Série, de 30/10/2000, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação das parcelas de terreno n.º 34 e 22G, necessárias à execução da VICEG – Via de Cintura Externa da Guarda, identificada em mapa anexo – cfr. docs. de fls. 5 a 11;
2) - Tais parcelas (n.ºs 34 e 22G), desanexadas do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de S. Vicente, concelho da Guarda, sob o artigo 800º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 1827/19930622, com a área de 244 210 m2, que confrontava de norte com Ernesto Franco e outros, de sul com António Fernandes Rebelo e outros, de nascente com o caminho de ferro da Beira Baixa e de poente com o caminho, com inscrição da aquisição do direito de propriedade a favor dos expropriados, têm a área de 17 412 m2 – cfr. docs. de fls. 12 a 14;
3) - No dia 10/11/2000 foi lavrado o auto de vistoria ad perpetuam rei memoria, no qual se fixou, além do mais, que o prédio em causa possuía a área total de 244 210 m2 e que as parcelas n.ºs 34 e 22G possuem a área total de 17 412 m2 (17 862 m2 – 450 m2 (área sobrante)), tendo-se descrito as características das mesmas, já com obras em curso – cfr. doc. de fls. 18 a 20 e 32;
4) - No dia 6/5/2001 foi proferido o acórdão arbitral, o qual, atendendo ao PDM da Guarda, considerou a parcela n.º 22G, com a área de 3 932 m2, de solo apto para outros fins e a parcela n.º 34, com a área de 13 930 m2 (incluindo a área sobrante de 450 m2), de solo apto para construção industrial, as quais são separadas pela Estrada Municipal para os Galegos, tendo fixado o valor do solo apto para construção em esc. 59 707 463$ (13 930 m2 x 114 300$/m2 x 0,15% x 25%), o valor do solo apto para outros fins em esc. 2 752 400$00 (3932 m2 x 700$/m2) e o valor das benfeitorias em esc. 39 000$ (130 m x 300$/m) - cfr. doc. de fls. 53 a 55;
5) - A área expropriada é de 17 412 m2, sendo 6 012 m2 referentes à parcela n.º 22G, cujo solo se insere em área rural (área de mata e uso florestal a manter – 5 279 m2) e em área urbana e urbanizável (área de expansão do Parque Industrial – 733 m2), e 11 400 m2 referentes à parcela n.º 34, cujo solo se insere em área rural (área de mata e uso florestal a manter – 3 641 m2) e em área urbana e urbanizável (área de expansão do Parque Industrial – 7 759 m2);
6) - Segundo o PDM da Guarda 8 920 m2 da área expropriada situam-se em área rural (área de mato e uso florestal a manter) e 8 492 m2 situam-se em área urbana ou urbanizável (área de expansão do Parque Industrial da Guarda);
7) - A área urbanizável é contígua ao Parque Industrial da Guarda;
8) - O seu solo tem uma razoável qualidade ambiental;
9) - Está servido de acesso rodoviário com pavimentação betuminosa;
10) - Possui nas imediações de rede de abastecimento de água;
11) - Possui imediações de rede de saneamento com colector;
12) - Possui imediações de rede de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão;
13) - Possui imediações de estação depuradora;
14) - Possui imediações de rede telefónica;
15) - O valor médio do custo do m2 de construção no local era € 225,00;
16) - O valor de mercado do m2 de terreno apto para construção industrial no local é de € 41,10;
17) - O valor do solo apto para construção, no local e num aproveitamento economicamente normal, corresponde a 13% do valor do custo da construção;
18) - O risco inerente à actividade construtiva é de 13% do valor do solo apto para construção;
19) - 40% da área urbanizável tem que ser cedida para arruamentos, equipamentos colectivos, áreas verdes, áreas de estacionamento e áreas de protecção, resultando um COS (coeficiente de ocupação do solo) em cada lote, para fins industriais, de 50%;
20) - o índice de construção é de cerca de 30% da área total do terreno a lotear;
21) - O valor de mercado do m2 de terreno situado em área rural no local é de € 7,50;
22) - Os expropriados tinham colocada no terreno rural uma rede ovelheira, com 130 metros de comprimento, a qual custava € 1,50/m2, no total de € 195,00;
23) - A expropriação das parcelas n.ºs 22G e 34 dividiu o prédio dos expropriados em dois prédios distintos e com finalidades distintas;
24) - A Câmara Municipal da Guarda comprometeu-se a construir uma passagem inferior à VICEG para acesso ao terreno não expropriado (cfr. doc. de fls. 105).

2.3. - 1ª QUESTÃO / A quantificação da área urbanizável e da área rural expropriadas:

A área total do terreno expropriado é de 17.412 m2, sendo 3.932 m2 correspondente à parcela 22 G e 13.930 m2 reportada à parcela 34.
Na sentença recorrida considerou-se que segundo o PDM da Guarda 8.920 m2 da área expropriada situam-se em área rural (área de mato e uso florestal a manter) e 8.492 m2 situam-se em área urbana ou urbanizável (área de expansão do Parque Industrial da Guarda) ( cf. alínea f) dos factos provados ).
O tribunal não deu como provado que o terreno expropriado seja constituído por 13.930 m2 de solo apto para construção industrial e 3.932 m2 de solo apto para outros fins ( cf. alínea a) dos factos não provados ), tal como se havia decidido no acórdão arbitral.
Ao fazer a análise crítica da prova, o tribunal justificou a sua convicção com base nos relatórios periciais apresentados pelos peritos do tribunal e pelo nomeado pela entidade expropriante, tendo rejeitado, nesta parte, o relatório do perito nomeado pelos expropriados.
Os apelantes impugnam a matéria de facto constante da alínea f) dos factos provados, e pretendem a sua alteração no sentido de se considerar provado que a área do solo apto para construção industrial é de 13.930 m2 e a do solo apto para outros fins é de 3.932 m2, tal como fora decidido na decisão arbitral.
Para tanto, alegam que o tribunal não teve em conta o relatório pericial subjacente ao acórdão arbitral, nem esclarece a opção pelo laudo do perito da expropriante.
Tendo havido recurso da decisão arbitral e determinada a avaliação colegial por cinco peritos, nos termos do art.61 do C.Exp., o tribunal procedeu à sua livre valoração, enquanto diligência probatória ( prova pericial ).
Porém, em sede da matéria de facto, o tribunal não tem agora de valorar a decisão arbitral, pela simples razão de que ela foi posta em causa, já que não funciona como simples arbitramento, tendo antes natureza jurisdicional, funcionando os tribunais de comarca como segunda instância.
Daí que os árbitros não intervêm como peritos e o resultado da sua actividade não assume carácter de meio de prova de livre apreciação do juiz, como sucede com os exames, vistorias e avaliações.
Por outro lado, contrariamente ao afirmado pelos apelantes, o tribunal não optou apenas pelo laudo perito da entidade expropriante, mas também pelo laudo dos peritos do tribunal, visto serem coincidentes.
A este propósito, conforme orientação jurisprudência uniforme, em caso de disparidade de laudos, o tribunal deve dar preferência ao dos peritos escolhidos pelo tribunal, quer pela competência técnica que lhes é reconhecida, quer pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem ( cf., por ex. Ac. da RP de 27/5/80, C.J. ano V, tomo III, pág.82; Ac RC de 21/5/91, C.J. ano XVI, tomo III, pág.73; Ac RE de 25/6/92, C.J. ano XVII, tomo III, pág.343; Ac RL de 23/5/95, C.J. ano XX, tomo II, pág.88 ).
Tal não significa uma irrestrita vinculação ao laudo maioritário, já que o tribunal pode introduzir-lhe ajustamentos, fazer correcções, colmatar falhas, ou seguir o laudo ou critérios diferentes, se os tiver por mais justos, de acordo com os elementos probatórios que possuir ( cf. ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, vol. IV, pág.186; Ac. RL de 12/4/94, C.J.XIX, tomo II, pág.109 ).
Pois bem, o tribunal a quo, de forma justificada, valorou o laudo dos peritos do tribunal e do perito da entidade expropriante, pela maior consistência, conforme resulta dos relatórios de fls.188 e 200, em detrimento do laudo do perito dos expropriados ( fls.215 ), que apresentou áreas diversas quanto ao tipo de solo segundo o PDM, mas sem fundamentação pertinente.
Neste contexto, não há razões para alterar o facto constante da alínea f) do elenco dos factos provados, que se mantém intangível.

2.4. - 2ª QUESTÃO / Indice de ocupação do solo apto para construção e preço por metro quadrado:

Para efeitos do cálculo da indemnização, e face aos elementos factuais disponíveis, situando-se os 8.492 m2 em área urbana ou urbanizável ( área de expansão do Parque Industrial da Guarda ), a sentença recorrida qualificou-a como “ solo apto para construção “ ( art.25 nº1 do C.Exp.), e seguindo o critério estabelecido no art.26 do mesmo diploma, quantificou a indemnização em € 104.706,36.
Quanto à área de 8.920 m2, situada em espaço rural ( área de mato e uso florestal ), sem potencialidade edificativa, foi qualificada como “ solo apto para outros fins “ ( art.25 nº1 b) e nº3 do C.Exp.), atribuindo a indemnização de € 66.900,00, acrescida da benfeitoria ( rede ovelheira ) no valor de € 195,00, perfazendo o montante global de € 67.095,00.
Os apelantes não puseram em causa no recurso a qualificação dos solos, nem a indemnização atribuída à área de 8.920 m2, situada em espaço rural ( “ solo apto para outros fins “ ).
Discordam apenas quanto à indemnização pela expropriação da área de 8.492 m2 ( “solo apto para construção” ), pois divergem em dois pontos: o índice de construção e o preço do metro quadrado.
a) – Índice de construção:
Na sentença recorrida deu-se como provado que o índice de construção é de cerca de 30% da área total do terreno a lotear ( cf. alínea t) dos factos provados ).
Os apelantes impugnam tal facto, pretendendo que se considere provado que o índice de construção é de cerca de 80%, indicando como prova diversa os depoimentos das testemunhas Vítor Manuel Artilheiro e Francisco Manuel Caseiro Silva.
Muito embora tais testemunhas tenham afirmado que o coeficiente de ocupação do solo ronda no local os 70%/80% ( cf. acta de fls.306 ), o certo é o laudo dos peritos não aponta para tal percentagem.
Os peritos do tribunal consideraram em 30% o índice de ocupação do solo ( cf. fls.192 ), tal como o perito dos expropriados ( cf. fls.219 ), divergindo o da expropriante que fixou a percentagem em 25% ( cf.fls.202 ).
Nesta perspectiva, entende-se dever valorar sobremaneira a prova pericial, em detrimento da prova testemunhal, pela maior consistência e aptidão técnica, e tendo em conta sobretudo a justificação aduzida no laudo do perito dos expropriados, tal como está subjacente na motivação da matéria de facto.
b) - O preço por metro quadrado:
O tribunal deu como provado que o valor médio do custo do m2 de construção no local era € 225,00, sendo valor de mercado do m2 de terreno apto para construção industrial no local de € 41,10.
Entendem os apelantes que a sentença violou o art.26 nº5 do C.Exp. e Portaria 982-C/99 de 30/10 que fixou o valor do custo da construção em € 570,13 ( 114.300$00 ).
O art.26 nº5 do C.Exp. estatui que “ Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada”.
Porém, o critério legal da determinação do custo da construção através dos valores fixados administrativamente não é vinculativo, servindo de regra de orientação, ou seja, como “ critérios referenciais “, como decorre do princípio geral contido no art.23 nº5 do C.Exp, ao estabelecer que “ (…) o valor dos bens calculados de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor”
Neste sentido, elucida ALVES CORREIA que o nº5 do art.26 do C.Exp. “não impõe uma correspondência do preço por metro quadrado de construção, para efeitos de expropriação, ao preço por metro quadrado de construção fixado administrativamente para efeito da aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada, mas apenas uma obrigação de consideração destes preços como padrão de referência ou como factor indiciário do custo do metro quadrado de construção para o cálculo da indemnização por expropriação” ( cf. “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Ferrer Correia “( citado por SÁ PEREIRA e PROENÇA FOUTO, Código das Expropriações, pág.100 ).
Por outro lado, a Portaria 982-C/99 de 30/10 que fixou o valor do custo da construção em € 570,13 ( 114.300$00 ) reporta-se à construção de habitação, não devendo ser usada na valorização de outras edificações que apresentem diferenças significativas de construção, como por exemplo, instalações industriais ( cf. PEDRO ELIAS DA COSTA, Guia das Expropriações, pág.301 ).
Situando-se o solo expropriado na área de expansão do Parque Industrial da Guarda, com potencialidade edificativa para construção industrial, não deve adoptar-se o preço fixado administrativamente para a habitação, tal como fez o perito dos expropriados ( fls.219 ), mas antes o encontrado pelos peritos do tribunal e da entidade expropriante ( fls.190 e 204 ), ou seja, que o valor médio por metro quadrado da construção industrial, à data da DUP, correspondente a € 225,00, como foi acolhido na sentença.

2.5. - 3ª QUESTÃO / Depreciação do restante terreno:

O prédio do qual foram desanexadas as parcelas expropriadas (com a área de 17 412 m2) possuía a área de 244 210 m2.

Não obstante tratar-se de uma expropriação parcial, a sentença recorrida considerou não haver lugar à avaliação da parte não expropriada, por força do art.29 nº3 do C.Exp., rejeitando a peticionada indemnização.
Argumentou-se, por um lado, não se verificar qualquer depreciação do prédio inicial, e, por outro, o acordo sobre a passagem entre os expropriados e a Câmara Municipal não vincula a entidade expropriante.
Em contrapartida, sustentam os apelantes a existência da depreciação, a justificar uma indemnização, nos termos do art.29 nº2 do C.Exp, que computam em € 39.903,83.
O art.29 do C.Exp. regula o cálculo do valor nas expropriações parciais, impondo o nº1 que os árbitros e peritos calculem separadamente o valor e rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública.
O nº2 do mesmo preceito determina quais os danos indemnizáveis, ao prescrever que “ quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se, também em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada”.
Como escreve ALVES CORREIA, prevê-se aqui “ a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais subsequentes, derivados ( Folgekasten ou Folgeschaden ) ou laterais, isto é, prejuízos que são uma consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, a qual acresce a indemnização correspondente à perda do direito ( Rechtsverlust ) do bem expropriado ( a parte expropriada ) “ ( RLJ ano 133, pág.56 ).
Porém, o nº3 do mesmo artigo dispensa a avaliação ao estatuir que “ não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do nº1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorram as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do nº2 e nº3 do artigo 3º “.
Ou seja, a lei dispensa a avaliação da parte não expropriada que, pela sua extensão, continue a manter interesse económico para o expropriado e a assegurar, proporcionalmente, os mesmo cómodos que oferecia todo o prédio antes da expropriação, visto que os requisitos são de aplicação cumulativa.
Compreende-se que assim seja, pois abrangendo a indemnização por expropriação não só os danos resultantes da perda da substância, como os derivados directa e necessariamente da expropriação, não se verificando estes, logicamente que a sua avaliação deixaria de ter objecto.
Só que, contrariamente ao argumento aduzido na sentença, entendemos, com o devido respeito, não estarem reunidos os pressupostos legais da dispensa da avaliação relativamente à parte não expropriada, ou, pelo menos, os elementos factuais disponíveis são manifestamente insuficientes para a rejeitar.
Entre os danos indemnizáveis, previstos no art.29 nº2 do C.Exp., situam-se a perda, diminuição ou alteração de acessos relativamente à parte sobrante, visto que para além de implicarem maiores incómodos, contendem também com o interesse económico do prédio.
É ponto assente que a expropriação das parcelas n.ºs 22G e 34 dividiu o prédio dos expropriados em dois prédios distintos e com finalidades distintas.
Logo na fase inicial do processo, ao abrigo do art.21 nº3 do C.Exp., o expropriado António Fernandes, pediu esclarecimentos ao perito nomeado para fazer a vistoria, entre os quais o facto da propriedade que tinha várias passagens de atravessamento das estradas existentes, ficar com uma área de mais de 3 há completamente isolada, sem acesso à via pública, quando antes tinha mais de 300 metros de via pública circundante ( fls.22 ).
Como resulta do processo, o perito não respondeu ( fls.32 ) e os árbitros também não se pronunciaram sobre as condições de acesso, em virtude da divisão do prédio ( cf. fls.53 ), não tendo procedido à avaliação da parte sobrante, e muito menos a dispensaram justificadamente.
No recurso da decisão arbitral ( fls.135 ), os expropriados submeteram a mesma questão ao tribunal, alegando, para o efeito, que a expropriação dividiu o prédio, que era único, em dois, sem qualquer ligação, desvalorizando-o de forma muito significativa, pelo que reclamaram uma indemnização, tendo a Câmara Municipal da Guarda e o ICOR assumido o compromisso, além do mais, de fazerem uma passagem inferior, conforme documento de fls.105, sem que o tivessem honrado.
Tanto os peritos do tribunal, como o nomeado pela expropriante, disseram desconhecer se estava prevista uma passagem inferior e se a mesma foi ou não construída ( cf. fls.193 e 210 ).
Apenas o perito nomeado pelos expropriados respondeu a tal questão, remetendo para o documento de fls.105, declarando não ter sido construída a referida passagem, cujo custo ignora ( cf. fls.223 ).
É por demais evidente que tanto os árbitros, como os peritos, para além de não procederem separadamente à avaliação da parte não expropriada, também nem sequer a dispensaram justificadamente, como determina o nº3 do art.29 do C.Exp., apesar dos expropriados haverem reclamado uma indemnização pela depreciação dessa parte sobrante, causada pela falta de acesso, que a confirmar-se implica um claro prejuízo patrimonial.
Na sentença recorrida considerou-se inexistir qualquer desvalorização do prédio inicial, visto que com a sua divisão, transformaram-se em prédios distintos e com finalidades distintas, podendo até haver sido valorizado com a utilização de uma nova rede viária.
Porém, o tribunal a quo omitiu o eventual prejuízo decorrente da falta de acesso, que se impunha indagar factualmente, designadamente quanto à sua repercussão para o aproveitamento económico da parte não expropriada, uma vez que tal questão lhe fora colocada no recurso da arbitragem, sendo esse o sentido útil da pretensão indemnizatória exigida pelos expropriados.
A circunstância de se transformarem em dois prédios distintos, em consequência da divisão, por si só, não afasta o eventual direito à indemnização, visto que nada se refere quanto ao problema dos acessos.
Para tanto, importaria saber, designadamente, se embora distintos, os prédios agora separados continuaram com as mesmas condições de acesso à via pública ou se havendo uma diminuição tal não acarreta, de forma desproporcionada, incómodos para o aproveitamento económico do prédio, o que implicaria a avaliação nos termos do art.29 nº1 do C.Exp.
Convém sublinhar que, já no âmbito da legislação anterior, se decidiu que se a parte sobrante tinha dois acessos e com a expropriação passou a ter um só, há que compensar o expropriado pela correspondente diminuição dos cómodos e utilização ( cf., por ex., Ac RP de 17/12/87, C.J. ano XII, tomo V, pág.215 ).
O segundo argumento exposto na sentença para afastar a preconizada indemnização contende com o alegado acordo celebrado entre os expropriados e a Câmara Municipal da Guarda, através do qual esta se comprometeu a construir uma passagem inferior à VICEG para acesso ao terreno não expropriado (cf. doc. de fls. 105), não vinculativo para a entidade expropriante.
Com o devido respeito, não cremos que o argumento seja decisivo.
Em primeiro lugar, este acordo não supre a dispensa justificada da avaliação da parte sobrante imposta por lei aos peritos ( art.29 nº3 do C.Exp.) e se não forem calculados separadamente o valor total do prédio e os valores da parte expropriada e não expropriada, não é possível ao tribunal apurar se a parte sobrante ficou ou não desvalorizada pela divisão do prédio.
Depois, porque não resultando dos autos que o acordo tenha sido cumprido, é sobre a entidade expropriante que impende a obrigação de indemnizar os danos derivados directa e necessariamente da expropriação.
E no processo de expropriação por utilidade pública a indemnização é paga em dinheiro e de uma só vez ( arts.30 nº2 e 67 nº1 do C.Exp.), constituindo uma imposição dos arts.62 nº2 e 13 nº1 da CRP, já que o pagamento em espécie ou in natura só é admissível se houver acordo entre expropriante e expropriado ( arts.67 a 69 do C.Exp. ).
Em sentido similar, decidiu-se no Ac da RP de 10/4/2003 (www dgsi.pt/jtrp) que em processo de expropriação por utilidade pública a necessidade de obras na parte sobrante, como a construção de muro de suporte de terras ou a reconstrução de acesso à via pública, deve, na falta de acordo das partes em sentido contrário, ser considerada na fixação do valor da indemnização.
Sendo assim, para que a construção da passagem inferior correspondesse aqui ao pagamento em espécie, teria o acordo que ser estabelecido com a entidade expropriante e não com a Câmara Municipal da Guarda, desconhecendo-se até a que título assumiu tal compromisso.
De resto, baseando-se o tribunal no documento de fls.105, em bom rigor nem sequer ele configura um verdadeiro acordo.
Em resumo, uma vez que os peritos não dispensaram justificadamente a avaliação da parte não expropriada, conforme determina o art.29 nº3 do C.Exp, e dado que os elementos factuais disponíveis são manifestamente insuficientes para se aferir e quantificar os eventuais danos subsequentes, impõe-se anular, nos termos do art.712 nº3 do CPC, o laudo dos peritos, bem como os actos posteriores, incluindo a sentença recorrida, para que em nova avaliação sejam supridos os elementos em falta ( cf., por ex., Ac RL de 23/3/95, C.J. ano XX, tomo II, pág.91 )

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Anular o laudo dos peritos e actos posteriores, incluindo a sentença recorrida, para que em nova avaliação sejam supridos os elementos em falta, em conformidade com o referido na fundamentação.
2)
Custas pela parte vencida a final.
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Coimbra, 1 de Março de 2005.