Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3781/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: NULIDADE SECUNDÁRIA
RECLAMAÇÃO
SUPRIMENTO DA FALTA PELA RELAÇÃO
Data do Acordão: 02/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 653º, Nº 4 DO CPC
Sumário: A falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é uma nulidade secundária, que deve, de acordo com o nº 4 do artº 653º do C.P.C., ser objecto de reclamação, sob pena de se considerar sanada (cfr. artºs 201º e 205º).
É certo que, de acordo com o disposto no nº 5 do artº 712º, se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente.
Porém, neste caso o poder conferido à Relação de mandar suprir a falta depende de requerimento do interessado e só pode ser exercido quando a resposta não fundamentada for essencial para a decisão da causa e não forem indicados, ao menos, os meios concretos de prova que serviram para formar a convicção do julgador.
Decisão Texto Integral: 10

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A Junta de Freguesia de A... instaurou, em 10/07/1997, no Tribunal Judicial de Tondela, acção ordinária contra B..., pedindo que fosse declarado que determinada faixa de terreno, com leito e orientação que identifica, constituia um caminho público, vicinal, conhecido pelo caminho do patarrão e que por isso, fosse a Ré condenada a reconhecê-lo e a retirar os pilares e portões que colocou no leito, devendo restituir todo ele no estado primitivo.
Para tanto, alegou que o “ caminho do patarrão” está desde tempos imemoriais no uso directo e imediato do público, onde transitavam carros e pessoas para os mais variados fins, através do leito bem definido, mas a Ré, quando construiu a sua casa - há cerca de 8 ou 9 nos - lançou aterro em tal leito, por forma a dificultar o acesso público, e há cerca de ano e meio colocou um portão junto ao seu topo com a E.N nº 2, tapando-o.
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A Ré contestou, alegando que apenas existe na sua quinta o leito de uma servidão de passagem em benefício dos prédios encravados pertencentes a vizinhos, sendo que, antes de construir a casa, a confinância do seu prédio com a E.N. 2 era um outeiro, que criava desnível onde não existia qualquer passagem ou caminho, sendo que no restante leito nunca houve passagem indiscriminada de pessoas, estando sempre o prédio devidamente vedado.
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A autora apresentou réplica, concluindo como na petição inicial.
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Foi elaborado despacho saneador, e organizada a selecção dos factos assentes e dos considerados controvertidos, sem qualquer reclamação.

Teve, depois, lugar a audiência de discussão e julgamento da matéria de facto, sem gravação da prova (por nenhuma das partes o ter requerido), sendo, por isso, realizada pelo tribunal colectivo, com inspecção ao local (mas sem nada ficasse consignado) vindo, então a ré reclamar da matéria de facto assente e da constante da base instrutória, reclamação essa que foi indeferida.
Decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção procedente.
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A ré interpôs recurso de apelação para este Tribunal da Relação, que, na sua procedência, anulou a sentença e o julgamento de facto, para ampliação da matéria de facto.

A autora interpôs recurso para o S.T.J., que negou a revista.
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Na 1ª instância foi proferido despacho a alterar a redacção das alíneas D), L) e M) dos Factos Assentes e a aditar à Base instrutória três novos pontos, a que foram atribuídos os nºs 20º, 21º e 22º.

Notificadas as partes desse despacho, veio a ré “requerer a apresentação da seguinte prova:
a) Rol de testemunhas
-----------------------------
b) Inspecção judicial
-----------------------------
c) documental
-----------------------------
d) Gravação da audiência


Requer a gravação da audiência final, aliás nos termos do artº 512º/1 do C.P.Civil”.

Por óbito da ré foram, entretanto, habilitados os seus sucessores.
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Foi, depois, proferido despacho, em 04/02/2002 (fls. 214), que indeferiu a requerida gravação da audiência final, uma vez que o julgamento iria ser realizado pelo tribunal colectivo.

Os réus (sucessores habilitados) interpuseram recurso desse despacho, que foi recebido como de agravo, com subida diferida.

Teve, depois, lugar o julgamento da matéria de facto, com inspecção judicial (tendo sido consignado em acta o que foi observado pelo Tribunal), e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente.
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Inconformada, interpôs a autora recurso de apelação da sentença.
São do seguinte teor as conclusões das alegações dos recursos interpostos pelas partes:
Recurso de agravo (dos réus):
1. De acordo com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra (confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça) o julgamento da matéria de facto foi anulada em parte.
2. Tendo-se procedido à ampliação da base instrutória foram apresentados pelas partes os respectivos requerimentos de provas, tendo os recorrentes requerido também a gravação da audiência que se vai realizar.
3. O Tribunal a quo decidiu que uma vez que a audiência de discussão e julgamento ia ser feita com a intervenção do Tribunal Colectivo, não haveria lugar à gravação requerida.
4. A lei processual é de aplicação imediata, para futuro, obviamente, e dada a sua natureza instrumental de tal aplicação não vem nenhum prejuízo para as partes, sendo


certo que por conter uma melhor solução, se justifica que seja aplicada aos actos a realizar em processo já pendente, por ser a mais conveniente.
5. A lei processual actualmente (e à data em que foi requerida a gravação e apresentadas as provas, nos termos do artº 512º), diz expressamente que não há lugar a intervenção do colectivo quando alguma das partes tiver requerido, como foi o caso, a gravação da audiência (artº 646º do C.P.Civil).
6. E ainda que não tivesse sido requerida tal gravação, de acordo com o mesmo preceito legal, a intervenção do colectivo só ocorrerá se tiver sido requerida por ambas as partes.
7. Finalmente, o facto de a primeira audiência de julgamento ter sido com a intervenção do colectivo, em nada são as partes prejudicadas se a próxima for com gravação da audiência e intervenção do tribunal singular.
8. Esta solução impõe-se precisamente por ser assim, após a entrada em vigor do D.L. nº 183/2000, de 10 de Agosto, que, repete-se é de aplicar ao presente processo, por à data em que foram apresentadas as provas para o mesmo, a lei que já estava (e continua a estar) em vigor.
9. Ao não decidir assim o Tribunal recorrido violou o disposto no artº 646º, nº 1 e 2 – al. c), na redacção actualmente em vigor, na medida em que estes dispositivos referem que tendo sido requerida a gravação não há lugar a intervenção do colectivo.
10. Se o Tribunal a quo optou por aplicar a lei revogada, ou seja, a lei processual que estava em vigor à data em que foram apresentados os requerimentos de prova para a primeira audiência, violou neste caso também o princípio da aplicação imediata da lei processual, não abertamente formulado no Código, mas não excluído e antes confirmado, nomeadamente no artº 7º, nº 6 do D.L. 183/2000, de 10 de Agosto.
11. O despacho recorrido deve, assim, ser revogado, e substituído por outro em que admita a gravação da audiência de julgamento.

Recurso de apelação (da autora)
1ª- Existe contradição nítida entre a resposta dada aos quesitos 1º, 2º e 3º, por um lado, e a resposta dada ao quesito 5º, da base instrutória, por outro;
2ª- Pois, na alínea C) ficou assente que tal caminho “atravessa” o prédio identificado na al. A), tendo tal matéria sido reafirmada na resposta ao quesito 1º da base instrutória, no entanto na resposta a seguir dada ao quesito 5º é limitada a extensão de tal caminho até


à cerejeira e portanto sem atingir a Estrada Nacional nº 2;
3ª- Também a resposta dada ao quesito 8º está em contradição com o quesito 3º e designadamente com o que resulta da expressão “quer tenham ali casas e terras quer não tenham ali qualquer interesse”;
4ª- Pois, no quesito 3º a resposta dá como provada que pelo caminho transitam num sentido e noutro pessoas quer tenham quer não tenham ali qualquer interesse e a seguir na resposta ao quesito 8º já o teor do mesmo não é dado como provado;
5ª- Ora, se por tal caminho passam pessoas que ali não têm qualquer interesse, é certamente por estas pessoas estarem convencidas que estão a usar um caminho público e portanto a exercer um direito público;
6ª- Não foi feita a análise crítica a que alude o artº 653, nº 2 in fine do Cód. Proc. Civil, verificando-se, portanto, erro no julgamento da matéria de facto, e na decisão de direito também não foi feita a análise crítica das provas como o impõe o artº 659 nº 3 do Cód. Proc. Civil, já que se baseou em factos contraditórios entre si.
7ª- Os pontos de facto constantes dos quesitos 3º, 5º e 8º da base instrutória, incorrecta e contraditoriamente julgados, impõem, nos termos do artº 712 nº 4 parte inicial do Cód. Proc. Civil, que o Tribunal da Relação anule a decisão da matéria de facto da 1ª instância.
8ª- Foi violado o disposto nso artºs 653 nº 2, 659 nº 3 e 712 nº 4 do C.P.Civil.
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Os réus contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Na 1º instância foi dado como provado o seguinte:
Factos Assentes:
A) - Na Conservatória do Registo Predial de Tondela, encontra-se inscrito a favor da Ré, um prédio misto de habitação e terra de cultura, denominada Quinta de Santo Aleixo, a confrontar do norte com caminho, sul com Arnaldo das Neves Conceição, nascente com a estrada Camarária e poente com o caminho, e José de Matos e outros;
B) - Tal prédio adveio à ré por sucessão hereditária por óbito de seu pai


Manuel Rodrigues Videira, e resulta da junção de vários prédios por este
adquiridos;
C) - Existe um caminho que atravessa o prédio descrito em A);
D) - Em 1995, procedeu-se ao alargamento do caminho referido em C), até à casa de João Augusto de Pinho, sita ao fundo da Quinta de Santo Aleixo;
E) – Após o referido na alínea anterior, a ré colocou sobre o leito do caminho dois pilares de betão armado para suporte de um portão;
F) – O presidente da junta de freguesia convidou a ré por escrito, que lhe foi entregue pessoalmente, a não colocar tais pilares e portão no caminho;
G) – A ré não quis assinar tal aviso, o que foi testemunhado pelas pessoas que assinaram o escrito referido;
H) – As pessoas que ali se encontravam retiraram os pilares referidos na alínea E);
I) – Por carta datada de 02/10/95 dirigida ao presidente da Câmara de Tondela e assinada pelo presidente da Junta de Freguesia de A..., C..., este solicitou à Câmara que informasse da legalidade das obras levadas a cabo pela ré, obras essas que se prendiam com a colocação do aludido portão, bem como de um barracão de grandes dimensões em placas de cimento;
J)- Em resposta à carta referida na alínea anterior, a Câmara, por carta datada de 24/10/95, subscrita pelo seu presidente, deu conhecimento das diligências efectuadas quanto às aludidas obras, nos termos constantes de fls. 10;
K) – Há cerca de meio ano a ré (tendo por referência a data da propositura da acção) voltou a colocar no caminho do lado da Devaguinha um novo portão suportado por dois pilares de ferro;
L) – No caminho mencionado em C) existem postes para a condução de energia e conduta de água ao domicílio, até à casa de João Augusto de Pinho, sita ao fundo da Quinta de Santo Aleixo;
M) – Nunca ao longo dos anos, a Junta de Freguesia efectuou quaisquer obras de conservação e reparação em tal caminho, nem exerceu qualquer vigilância relativamente ao mesmo;



Base Instrutória:
1º - O caminho referido em C) é denominado caminho do Patarrão e tinha em data anterior ao alargamento referido em D) um leito com largura não superior a 1,5 desde a cerejeira referida no ponto 11º da Base Instrutória até ao caminho da Devaguinha a poente, tendo largura inferior entre a referida cerejeira e a E.N. nº 2, orientando-se no sentido nascente/poente, ficando a nascente a E.N. nº 2 e o caminho da Devaguinha a poente.
2º - Segundo a orientação poente – nascente do referido “caminho do Patarrão”, a norte do seu leito ficam a casa e quintal de herdeiros de José Melo, a seguir a casa de João Augusto de Pinho e quintal, depois um terreno da ré com apenas 12 metros de frente, a seguir um terreno com uma grande frente dos herdeiros de António Figueira Marques e a partir daqui até à E.N. nº 2 ficam os terrenos hoje da ré, sendo que a sul ficam terrenos também hoje da ré.
3º - Pelo caminho referido em 1º e 2º transitaram até à colocação do portão referido em K), num sentido e noutro, pessoas, quer ali tenham casas e terras, quer não tenham ali qualquer interesse.
4º - Tais pessoas por ali passavam para apanhar a estação de caminho de ferro, mais tarde para a paragem da camioneta, para as propriedades da Sobreira, para passagem da cruz na Páscoa, para os pinhais e para levar milho para a eira que se situa do outro lado da Estrada Nacional.
5º - O referido caminho mantém-se com o seu leito próprio, em terra batida, bem determinado, bem à vista de toda a gente e calcado pela passagem de pessoas entre o Caminho da Devaguinha e a cerejeira referida no ponto 11º da Base Instrutória.
6º - Os prédios a norte e a sul eram de donos diferentes, que o caminho dividia, sendo que junto à E.N. nº 2, perto do prédio que foi de Manuel Oliveira Esteves, o caminho se colocava num plano inferior, quer em relação a este, quer em relação ao de Manuel Videira, pai da Ré.
7º - A E.N. nº 2 foi alcatroada, tendo sido colocados paralelos nas respectivas bermas.



10º - A Junta de Freguesia deliberou em 07/04/1995 proceder ao alargamento do caminho.
11º - Tal alargamento, porque as casas a norte o impediam, efectuou-se pelo lado sul, tendo passado para cerca de 4 metros de leito até à cerejeira.
13º - Foi o próprio feitor da ré – João Augusto de Pinho – quem colaborou no abate das oliveiras necessárias ao alargamento referido em 11º.
14º - Essas obras de alargamento foram custeadas pela Junta de Freguesia de A....
15º - A Câmara Municipal de Tondela colaborou com as máquinas.
16º - Com o referido em E) a ré quis apropriar-se de parte do leito do caminho, impedindo o público de passar por ali, e mesmo os que tinham terras para nascente.
17º - João Augusto de Pinho residiu até falecer na casa referida na resposta ao quesito 2º.
21º - Antes de a ré ter construído a sua casa, o local próximo da entrada junto à anterior E.N. nº 2 era bastante elevado, configurando um outeiro.
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Como é sabido, a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal da relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão so restantes normativos citados sem menção de proveniência).
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Vamos conhecer em primeiro lugar do recurso de apelação, uma vez que, nos termos do disposto no nº 1 do artº 710º, o recurso de agravo só é apreciado se a sentença não for confirmada.

I – Começa a recorrente por alegar que existe contradição entre a resposta dada aos quesitos 1º, 2º e 3º, por um lado, e a dada ao quesito 5º, por outro, uma vez que, na al. C) ficou assente que tal caminho atravessa o prédio identificado na al. A), tendo tal matéria sido reafirmada na resposta ao quesito 1º, mas na resposta dada


ao quesito 5º é limitada a extensão desse caminho até à cerejeira, sem atingir, portanto, a E.N. nº 2.
Analisando as aludidas respostas, verifica-se que não existe a invocada contradição (entendida esta no sentido preconizado pelo Prof. Alberto dos Reis – a resposta ou respostas a um quesito colidem com as dadas a outro ou outros – Código de Processo Civil Anotado, IV, pág. 553) , visto que da resposta dada ao ponto 5º da Base Instrutória não pode concluir-se que a extensão do referido caminho é limitada até â cerejeira referida no ponto 11º.
É que as respostas a esses pontos da matéria de facto têm que ser vistas de forma conjugada e não isoladamente.
E, assim, verifica-se que na resposta ao ponto 1º se faz referência à trajectória do caminho antes do alargamento referido na al. D), enquanto na resposta ao ponto 5º se faz referência a tal trajectória na actualidade (data da inspecção judicial ao local, que teve lugar em 13/01/2003).
A resposta ao ponto 5º é restritiva, não em relação à extensão do caminho, mas aos sinais que apresenta, aí se esclarecendo que se mantém bem determinado, em terra batida e calcado pela passagem de pessoas entre o Caminho da Devaguinha e a cerejeira.
Não se pode extrair dessa resposta que não existe caminho entre a cerejeira e a E.N. nº 2, mas apenas que não se apresenta com aquelas características.
Isso mesmo resulta da redacção da resposta dada ao ponto 5º, onde começa por se aludir ao “referido caminho”, que é o que vem descrito, nomeadamente, na resposta dada ao ponto 1º da Base Instrutória.
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II – Alega, depois, a recorrente que também a resposta dada ao quesito 8º está em contradição com o quesito 3º.
Sem razão, no entanto.
É que a resposta ao ponto 8º da Base Instrutória foi a de “não provado”, e uma resposta negativa não entra em contradição (entendido este conceito no sentido atrás referido) com qualquer outra, uma vez que dela não se pode considerar provado o facto quesitado, nem o facto contrário, tudo se passando como se tal facto



não tivesse sido articulado (cfr. Acs. do S.T.J. de 05/06/1973, de 04/06/1974 e de 26/06/1991, in B.M.J. nºs 228º-195, 238º-211 e 408º-581).
Não se verificando as apontadas contradições, não é possível anular a decisão proferida sobre a matéria de facto e ordenar a repetição do julgamento, como pretende a recorrente.
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III – Afirma, também, a recorrente que não foi feita a análise critica a que alude o artº 653º, nº 2, in fine, do Código de Processo Civil, verificando-se, portanto, erro no julgamento da matéria de facto.
Dispõe esse normativo que a decisão proferida sobre a matéria de facto declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Por outro lado, o nº 4 do mesmo artigo estabelece que, depois, de efectuada a leitura do acórdão e de facultado o seu exame a cada um dos advogados, qualquer deles pode reclamar contra a falta de motivação da decisão.
A falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto é uma nulidade secundária, que deve, de acordo com essa norma, ser objecto imediato de reclamação, sob pena de se considerar sanada (cfr. artºs 201º e 205º).
É certo que, de acordo com o disposto no nº 5 do artº 712º, se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente.
Porém, neste caso o poder conferido à Relação de mandar suprir a falta depende de requerimento do interessado e só é para ser exercido quando a resposta não fundamentada for essencial para a decisão da causa e não forem indicados, ao menos, os meios concretos de prova que serviram para formar a convicção do julgador (cfr. Cons. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 3ª ed., pág. 267).

No presente caso, a recorrente diz que não foi feita a análise crítica a que alude o nº 2 in fine daquele artº 653º. Na parte final desse nº 2 exige-se, como se viu, que se especifique os fundamentos que foram decisivos para a convicção do


julgador. Não se sabe, por isso, o que pretende por em causa a recorrente: se a omissão da análise crítica das provas, ou se a falta de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Como quer que seja, o Sr. Juiz a quo procedeu à análise crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, como se vê da decisão proferida sobre a matéria de facto, que, nos abstemos de aqui reproduzir devido à sua extensão (vai de fls. 418 a 422).
Por isso, teremos de concluir – para não se considerar a actuação da recorrente como de má fé – que só uma leitura apressada poderá justificar a apresentação desta questão no presente recurso.
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IV – Alega, finalmente, a recorrente que também não foi feita a análise crítica das provas como o impõe o artº 659º, nº 3, do Código de Processo Civil, já que se baseou em factos contraditórios entre si.
Convém referir que, também aqui, não apresenta a recorrente a presente questão de forma nada clara.
É que uma coisa é não ser feita a análise crítica das provas, e outra, completamente diferente, é fazê-la, mas com base em factos contraditórios entre si.
Tal análise foi feita na sentença recorrida, como se vê de fls. 446 a 448, e, por isso, só uma leitura apressada da mesma poderá justificar a posição da recorrente.
Por outro lado, não podemos concluir que tal análise se tenha baseado em factos contraditórios, pois, como vimos em I e II, não se verifica a contradição invocada pela recorrente.
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Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação da recorrente e, consequentemente, o recurso.
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Recurso de agravo.
Este recurso só seria apreciado se a sentença recorrida não fosse confirmada.
Como, face à decisão acerca do recurso de apelação, a sentença vai ser confirmada, abstemo-nos de apreciar o presente recurso de agravo.



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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação:
A) - Negar provimento ao recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
B) - Não conhecer do recurso de agravo.

Sem custas, por a autora, que as devia suportar, delas estar isenta (visto não lhe ser aplicável, ainda, o disposto no artº 2º do Código das Custas Judiciais na redacção que lhe foi introduzida pelo Dec. Lei nº 324/03, de 27 de Dezembro).