Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/07.5TBCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
PENHORA
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE ANULADA
Legislação Nacional: ART. 428°, DO CC E ARTS. 201º, Nº 1 E 712º, Nº 4 DO CPC
Sumário: 1. A excepção de não cumprimento do contrato só opera relativamente às obrigações sinalagmáticas, e não pode invocar-se relativamente a quaisquer outras obrigações, ainda que dimanem do mesmo contrato esejam de oposta polaridade.

2. A decisão judicial que não apurou matéria fáctica pertinente, decisivamente influente no exame e decisão da causa, deve ser anulada.

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO

1. A.... deduziu a presente oposição à execução contra ela instaurada por B...., alegando, em síntese, factos tendentes a demonstrar assistir-lhe direito de retenção da quantia cuja cobrança coactiva esta última, com tal procedimento, visa, sendo-lhe legítimo o respectivo não pagamento, com a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda.

Com tal oposição cumulou ainda a referente a penhora, dizendo, no essencial, que nos autos foi efectuada essa diligência executiva no tocante a um seu imóvel que tem o valor de € 750.000,00, mais do que suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda ‑no máximo de € 13 428,97‑, pelo que a concomitante penhora da importância de € 3.664,92, correspondente ao saldo existente na sua conta do C..., viola o estatuído no art. 821.º do C.P.C..

E assim, concluiu pedindo a imediata redução da penhora com o levantamento daquela incidente sobre o depósito bancário e, bem assim, a extinção da execução.

A Exequente apresentou contestação, negando, face ao acordo celebrado com a Executada, existir qualquer obrigação da sua parte no pagamento de qualquer quantia e, de todo o modo, não ser devedora da quantia em causa, mostrando-se a retenção por parte da última abusiva, imoral e ilegal.

No concernente à oposição à penhora, referiu por sua vez que sobre o imóvel penhorado incidem duas acções judiciais pendentes, pelo que neste momento e de futuro não se sabe o valor que o mesmo terá, se é que virá a ter algum, face à quebra dos valores dos imóveis e à eventual retirada da respectiva viabilidade de construção.

                Rematou com a improcedência de ambas as oposições, com a consectária manutenção de ambas as penhoras, e prosseguimento pela execução dos seus ulteriores termos processuais.

                Conclusos os autos, o Mmº. Juiz, considerando que o estado dos autos o habilitava desde logo ao conhecimento do mérito da causa, passando a proferir douto saneador-sentença veio a concluir no sentido de julgar improcedentes por não provadas as oposições tanto à execução como à penhora.


2. Irresignada com o assim decidido, a Executada/Oponente interpôs o competente recurso de apelação, cujas alegações encerra com as seguintes conclusões:

a) Na sentença recorrida o Mmo Juiz, considerando que os autos o habilitavam, desde logo, a conhecer o mérito da causa, julgou improcedentes e não provadas quer a oposição à execução, quer a oposição à penhora. Salvo o devido respeito, sem razão.

b) Para decidir, como decidiu, o Mmo Juiz considerou assente a matéria de facto consignada na al. a) do ponto III da sentença, donde concluiu pelo "despropósito" da oposição.

c) Porém, ao contrário do que afirma o Mmo Juiz, a oposição é bem fundada se for efectuada uma interpretação conjugada das diversas cláusulas, com o que estava em discussão e, bem assim, se for permitido fazer prova sobre a vontade real das partes.

d) Em especial, se foram conjugadas as cláusulas 1ª e 3ª da Transacção com o clausulado do contrato promessa ajuizado na acção principal e que esteve, obviamente, subjacente àquela (Transacção).

e) Até porque, não é certo o que o Mmo Juiz escreveu a propósito dos efeitos retroactivos da resolução, uma vez que, de acordo com a vontade expressa das partes, esta não operou efeitos ex tunc, mas antes ex nunc, ou seja, da data em que foi celebrada a transacção, como resulta da sua cláusula primeira, onde ficou consignado que: "As partes acordam em resolver o contrato com efeitos a partir da presente data (...) ".

f) Exactamente, para salvaguardar que tudo o que se relacionasse com eventuais despesas tidas até ai, em resultado das obrigações assumidas com a execução do contrato, ficassem da responsabilidade da ali Autora, ora exequente.

g) Aliás, só assim faria pleno sentido o teor da cláusula terceira, porquanto, caso contrário a mesma não faria qualquer sentido, nem teria qualquer utilidade prática, como é bom de ver.

h) E se é certo que não custa admitir que o poderiam ter feito de maneira mais clara e inequívoca, que não deixasse quaisquer dúvidas e não permitisse à exequente vir agora eximir-se às suas responsabilidades, o certo é que o sentido e alcance exactos daquela cláusula e da vontade real das partes ao estabelecê-la não poderá deixar de ser procurado por recurso a outros meios de prova, designadamente, testemunhal e por confissão.

Em face do exposto, parece evidente que o Mmo Juíz a quo fez uma errónea, por precipitada e simplista, interpretação da Transacção que pode e deve ser esclarecida através da elaboração de Base Instrutória que permita fazer prova sobre factos que permitam apurar o sentido rigoroso da Transacção e da vontade real das partes, em cumprimento do que decorre do n° 1 do art. 511 do C.P.C..

j) Em particular, elaborando-se Base Instrutória onde se inclua, designadamente, a matéria de facto alegada nos art.s 7° a 19° da oposição.

k) De modo a poder concluir, face à matéria que vier a ser dada como provada, se existe ou não incumprimento contratual por parte da exequente e, em consequência, se é ou não legítima a retenção da quantia em causa por parte da executada, ora recorrente, face ao que se estabelece no n° 1 do art. 428°, julgando ou não procedente a deduzida excepcão de não cumprimento, que tornará inexigivel a obrigação exequenda.

l) Ao o não fazer, violou a sentença recorrida a lei e, em especial, o disposto no n° 1 do art. 511 ° e al. g) do art. 814° do C.P .C. e art. 236°, n° 1 do art. 428° e 1248° do C.C..

m) Pelo que, deve ser revogada, nesta parte.

Por outro lado e sem prescindir:

n) O Mmo Juíz julgou improcedente a oposição à penhora, partindo de um pressuposto erróneo, ou seja, o de que esta tinha sido requerida, mas não realizada. Efectivamente,

o) como resulta da Certidão da Conservatória agora junta, por ser manifesta a sua necessidade em virtude de ocorrência posterior (cf. segunda parte do n° 2 do art. 524° do C.P .C.), a penhora já se encontra efectuada desde 02.06.2008.

p) Após a notificação da sentença veio a constatar-se que a Solicitadora de Execução não tinha comunicado a penhora aos autos, mas isso não impede que a mesma se encontre efectuada desde aquela data e a ela se possa opor o executado, nos termos do citado art. 863°- A do C.P .C.

q) Ora, o Mmo Juiz não devia ter decidido, como decidiu, sem, previamente, ter pedido os necessários esclarecimentos à Solicitadora de Execução sobre a existência ou não da penhora, ou, por força do disposto no nº 3 do art. 3° do C.P .C., sem ter notificado a oponente para se pronunciar sobre a situação, evitando uma decisão surpresa, como acabou por acontecer.

r) Ao não o fazer violou, de forma grave, o princípio do contraditório. O que é gerador de nulidade, nos termos do disposto no art. 201º do C.P.C..

s) Nulidade essa que tendo ocorrido com a prolação da sentença, só pode ser arguida em sede de recurso, por força das disposições conjugadas do art. 205° e 668°, n° 4, do C.P.C. E que aqui se vem invocar, por isso, tempestivamente.

t) Podendo o Mmo Juiz corrigir tal vício nos termos e para os efeitos do disposto no n° 1 do art. 670º do C.P.C.

u) Sendo certo que, se o não fizer, não poderá deixar de ser revogada a sentença recorrida, nesta parte, por violação do disposto no n° 3 do art. 3°, 201º, 858°, n° 1 e 863°- A, todos do C.P .C. .

                3. A Exequente apresentou por sua vez contra-alegações, pugnando ‑uma vez que a intempestividade do recurso ou recursos já se acha decidida‑, pela improcedência do(s) mesmo(s), com a consequente manutenção do saneador-sentença recorrido.
                Nada a tal obstando, cumpre decidir:

               

                II ‑ FACTOS

                Na douta sentença foi considerada como provada a seguinte factualidade:

1. A exequente dedica-se, entre outras actividades, à promoção, compra e venda de bens imobiliários.

2. No decurso da sua actividade, a exequente negociou com a executada a compra e venda de um prédio rústico, com vista à realização de loteamento e ulterior construção de moradias unifamiliares bem como de prédios para habitação colectiva.

3. Em 8 de Novembro de 1999, foi celebrado entre Autora e Ré, o acordo constante de fls. 8 dos autos de acção declarativa n.º 509/07.5TBCBR apensos, cujo teor aqui se dá por reproduzido, acordo que designaram por “contrato promessa de compra e venda”.

4. Em 5 de Março de 2007 a ora exequente instaurou contra a aqui oponente a acção declarativa apensa, com os fundamentos constantes da petição aí junta a fls. 2 a 7 e cujo teor aqui se dá por reproduzido.

5. Nessa acção a ora oponente contestou e reconveio nos termos de fls. 31 a 47, que aqui se dão por reproduzidos.

6. Nessa acção (509/07.5TBCBR), em 13 de Novembro de 2007, no decurso da audiência de julgamento a exequente e executada celebraram transacção nos seguintes termos:

1- As partes acordam em resolver o contrato com efeito a partir da presente data, obrigando-se a Ré a restituir a quantia recebida a título de sinal € 99.759,57(…)

2- Esta quantia será paga no prazo de 120 dias, a contar desta data, por cheque a enviar para o escritório da ilustre mandatária da Autora, contra recibo (…)

3- A Autora aceita receber esta quantia em causa, considerando-se ressarcida de tudo quanto despendeu no âmbito do contrato de promessa de fls. 8 dos autos (…)

4- Autora e Ré desistem dos pedidos formulados na acção e na reconvenção”.

7. Essa transacção foi homologada por sentença proferida na mesma data, não tendo, relativamente à mesma, sido interposto recurso.

8. Da quantia enunciada na referida transacção a executada apenas pagou à exequente o montante de € 87.603,37.

                III – DIREITO

1. Consoante dimana, iniludivelmente, do disposto nos arts. 684º, nº3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civil (ao qual pertencem os demais preceitos a citar sem menção de origem), nos recursos o thema decidendum é fixado em face das conclusões das alegações da Recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo que a solução conferida a umas poderá redundar em prejuízo do conhecimento de outras.

De tal sorte, e atentando nas sintéticas proposições recursórias supra transcritas, cuidemos das questões em tal acervo suscitadas, começando pela

A ‑ OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO

                Em sede desta oposição, e para a desatender, o Mmº. Juiz ateve-se à seguinte ordem de considerações:

‑ O título dado à execução é constituído por sentença homologatória de transacção, pela qual se considerou resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as aqui Litigantes e, bem assim, a Executada ‑e ora Recorrente‑, ficou obrigada a restituir à Exequente o montante de € 99.759,57, por esta entregue a título de sinal.

De tal sorte, constituem fundamentos de oposição à execução fundada em sentença os enunciados no art. 814.º, onde avulta, com interesse para os autos, a verificação de qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e ‑note-se‑ se prove por documento ‑alín. g).

Ora, o doc. de fls. 12 e 13 junto pela Executada ‑constitutivo de mera comunicação de um Sr. Advogado apresentando-lhe a nota de honorários e despesas pela actividade profissional prestada num outro processo que não aquele onde foi proferida a sentença exequenda ‑, manifestamente não prova, como se fazia indispensavelmente mister, facto reconduzível a tal fundamento, já que desse documento não decorre, ao invés do pretendido pela Executada, a obrigação de pagamento pela Exequente da quantia correspondente a essa nota de honorários e despesas.

Mas ainda que assim não se entendesse ‑mais ponderou o Exmº Magistrado‑ também da transacção efectuada e concernente sentença homologatória não resulta qualquer obrigação da Exequente em efectuar o pagamento de qualquer tipo de despesas ligadas ao contrato-promessa celebrado, designadamente aquelas pertinentes com a resolução do problema ligado a uma acção de reivindicação do imóvel objecto desse contrato, despesas essas em que se insere tal nota de honorários e despesas.

Deste modo, e em suma, tanto do conjunto como de cada um dos elementos documentais juntos pela Executada não deriva a prova ‑ao invés do pretendido pela mesma‑, de que a Exequente fosse responsável pelos aludidos dispêndios reclamados, pelo que não é lícito àquela, invocando o incumprimento pela Contraparte, por não assunção de tais dispêndios, eximir-se à satisfação da obrigação que lhe competia, seja, a restituição por inteiro dessa importância de sinal, no estipulado prazo de 120 dias.

E assim fundado, o Mmº. Juiz, concluindo pelo irremediável insucesso da oposição, proferiu de imediato, e sem mais, o douto saneador-sentença ora em crise, rematado com a improcedência da mesma.

Insurgindo-se contra este entendimento, a Recorrente/Executada aduz que a sua oposição, ao contrário do mesmo, é bem fundada; ponto é que sejam devidamente conjugadas as cláusulas 1ª e 3ª da Transacção com o clausulado do contrato-promessa que esteve, obviamente, subjacente a essa mesma Transacção.

Com efeito ‑prossegue‑, nessa cláusula 1ª ‑"As partes acordam em resolver o contrato com efeitos a partir da presente data (...) "‑, teve-se justamente em vista salvaguardar que tudo o que se relacionasse com eventuais despesas tidas até aí, em resultado das obrigações assumidas com a execução do contrato, ficassem da responsabilidade da ali A., ora Exequente, só assim, de resto, fazendo sentido a subsequente cláusula 3ª ‑ “A Autora aceita receber esta quantia em causa, considerando-se ressarcida de tudo quanto despendeu no âmbito do contrato de promessa de fls. 8 dos autos (…)”.

E se é certo que o sentido e alcance exactos desta cláusula e da vontade real das partes ao estabelecê-la poderiam ter sido explicitados de maneira mais clara e inequívoca ‑diz outrossim ‑, o certo é que não poderão deixar de ser procurados por recurso a adicionais meios de prova, designadamente, testemunhal e por confissão, na sequência de elaboração de Base Instrutória, cuja dispensa errónea e precipitadamente se levou a efeito.

E assim, e por último, concluir, face à matéria que vier a ser provada, se existe ou não incumprimento contratual por parte da Exequente, e, em consequência, se deve ou não ser julgada procedente a excepção de não cumprimento, prevista no n° 1, do art. 428°, do CC, caso afirmativo em que se tornará inexigível a obrigação exequenda.

Ora ‑perguntar-se-á‑, a qual destes dissintónicos entendimentos conferir razão?

Vejamos.

Estabelecendo o artº. 814º, nas diversas alíneas que o compõem, em termos taxativos, os fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, nele se contemplam entre outros ‑e no que para o que ao caso em apreço interessa‑, os seguintes:

“(…)

e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;

(…)

g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

(…)”.

Como vimos, a Executada e aqui Recorrente, para fundar a sua oposição recorreu justamente àquele primeiro elencado fundamento ‑mais precisamente, inexigibilidade da obrigação exequenda‑, e assim por virtude de a Exequente não ter alegadamente cumprido, conforme o assumido na Transacção, homologada pela sentença dada à execução, a obrigação de custear todas as despesas resultantes do contrato-promessa, notadamente as de natureza judicial emergentes de uma acção de reivindicação respeitante ao imóvel objecto de tal contrato.

Verificando-se assim o inadimplemento da Exequente quanto àquela obrigação, à Executada, por seu turno, assiste o direito a lançar mão da excepção do contrato incumprido, consagrada no artº. 428º do CC, e, mercê de tal, a recusar ‑como vem faqzendo‑ o pagamento da importância reclamada por aquela, importância que por isso surge inexigível.

O Mmº. Juiz, por sua vez, reconduzindo a factualidade alegada pela Executada na sua oposição ao último ordenado fundamento, concluiu pela inexistência do mesmo, por isso que dos elementos documentais a considerar ‑documento de fls. 12-13 e Transacção e respectiva sentença homologatória‑, não resultando a assunção da obrigação do pagamento de quaisquer despesas pela Exequente, em decorrência do contrato-promessa, por igual não resultava o pretenso e exceptuado incumprimento por esta, mormente por virtude da não satisfação dos honorários e despesas reportados nesse documento de fls. 12-13.

Contra o assim decidido, a Executada e aqui Recorrente, como dissemos, obtempera que conjugando as clausulas 1ª e 3ª da Transacção com o estipulado no contrato-promessa, deriva essa obrigação e respectivo incumprimento, e embora essa ilação possa não ser “ipso facto” extraída, verdade é que resultaria insofismavelmente da produção da prova ‑a efectuar por testemunhas e confissão‑, a respeito da matéria de facto por si alegada na sua oposição, mormente sob aos artigos 7º a 19º, impondo-se consequentemente, e para tal efeito, a elaboração da competente Base Instrutória.

Ora, não pondo em causa que a excepção de não cumprimento do contrato ‑“exceptio non adimpleti contractus”‑, pode constituir, consoante o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa[1], quer uma causa de inexigibilidade da obrigação exequenda ‑transcrita al. e), do artº. 814º‑, quer uma excepção modificativa oponível a essa obrigaçãoidem, al. g)‑, verdade é que, a nosso modesto ver, jamais a inobservância pela Exequente dessa obrigação de pagamento das despesas judiciais ‑constatação que, já se vê, passaria pela prévia demonstração da existência de tal obrigação e, logo, pela elaboração da Base probatória propugnada pela Recorrente/Executada‑, poderia consubstanciar-se em fundamento para a verificação de tal “exceptio” e consequente vitoriosa invocação.

Com efeito, a excepção de incumprimento do contrato é ‑conforme a definição de José João Abrantes[2]“ a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou oferecer a realização simultânea da respectiva contraprestação.”

A enfocada excepção prende-se, pois, com a especial fisionomia ou estrutura dos contratos bilaterais, sabido que estes contratos –de que são exemplos paradigmáticos a empreitada, a locação e a compra e venda ‑, são aqueles de cuja celebração não só derivam obrigações para ambas as partes, mas em que essas obrigações se encontram unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade, interdependência ou correspectividade, designado sinalagma[3].

                Como elucida aquele mencionado Autor[4], é essa correspectividade existente entre a obrigação ‑em regra, principal‑ assumida por cada um dos contraentes e a que é assumida pelo outro que constitui o traço caracterizador ou identificador de tais contratos. Neles há uma obrigação e respectiva contra-obrigação, uma prestação e atinente contraprestação, funcionando a obrigação de cada um dos sujeitos como contrapartida ou contrapeso da outra.

Enfim, cada uma das obrigações é causa, razão de ser da outra: no caso, v. g., do predito contrato de empreitada, e atenta a sua definição conceitual plasmada no art. 1207º do CC, a obrigação de realizar a obra é causa ou motivo determinante da obrigação de pagar o preço, e vice-versa.

                Dado esse especial vínculo intercedente entre ambas as obrigações, é, como facilmente se intui, imperativo assegurar que cada um dos devedores dessas obrigações só possa ser compelido a cumprir desde que o outro cumpra também: nascendo unidas, essas obrigações devem igualmente morrer unidas.

                Em ordem a lograr esse relevante escopo, ditado por fundamentais exigências de justiça comutativa, equidade, boa-fé e até mesmo segurança do tráfico jurídico, a lei consagra uma série de instrumentos, entre os quais, a excepção de inadimplência a que nos atemos.

                Todavia, importa notar que ‑conforme salientam Pires de Lima e Antunes Varela[5]‑, para que a excepção seja aplicável, não basta que o contrato seja obrigatório, ou que crie obrigações para ambas as partes. Não: para essa aplicação é em absoluto necessário que as obrigações sejam, consoante se vem expendendo, correspectivas ou correlativas, que uma seja o reverso, o sinalagma da outra.

                Como ensina o Prof. Calvão da Silva[6], sendo a ventilada excepção exclusiva dos contratos bilaterais, é por outro lado, dentro destes, exclusiva das obrigações ‑em regra obrigações principais e esenciais‑ ligadas por um vínculo de reciprocidade e interdependência.

                No mesmo sentido, escreve-se no Ac. da R.P. de 13.07.1978[7], que o meio de defesa ora em consideração “só opera relativamente às obrigações sinalagmáticas, e não pode invocar-se relativamente a quaisquer outras obrigações, mesmo que dimanem do contrato.”

                Neste termos, pois, e em suma, só às obrigações que, além de recíprocas, servem de causa uma à outra, integradoras do vínculo sinalagmático portanto, a excepção de inexecução se apresenta actuante, não o sendo em relação a outras quaisquer prestações contratuais com esse vínculo não identificáveis.

                Expostas estas considerações, e retomando a apreciação que vínhamos fazendo em relação ao caso “sub judice”, estamos já em condições de aferir da bondade dessa asserção em que nos quedámos, no sentido de, mesmo a comprovar-se a vinculação pela Exequente ao pagamento das despesas decorrentes do contrato-promessa, e, conseguintemente, aquelas constantes do doc. de fls. 12 -13, nunca o eventual inadimplemento de tal obrigação poderia dar lugar ‑consoante o almejado pela Recorrente/Executada‑, à verificação da “exceptio” quanto ao cumprimento da obrigação exequenda, com a consequente paralisação da pretensão por aquela deduzida.

                Com efeito, esta obrigação exequenda, e concernente direito, decorrem das já antes referenciadas cláusulas 1ª e 3ª da Transacção ratificada pela sentença em execução, cláusulas ‑relembre-se‑ com o seguinte e respectivo teor:

‑ As partes acordam em resolver o contrato com efeitos a partir da presente data, obrigando-se a Ré a restituir a quantia recebida a título de sinal € 99.759,57;

A Autora aceita receber esta quantia em causa, considerando-se ressarcida de tudo quanto despendeu no âmbito do contrato de promessa de fls. 8 dos autos (…)”.

               

                Tal obrigação da Exequente, por seu turno, derivaria, fundamentalmente, da cláusula 4ª do contrato-promessa outrora firmado ‑e na Transacção em foco resolvido‑, entre as aqui Litigantes, nos termos da qual “[a] promitente compradora[8] alega conhecer que existe sobre a propriedade uma acção judicial de reivindicação de posse e assume a responsabilidade de não invocar isso como óbice ao negócio ora prometido, passando a ser da sua responsabilidade a resolução deste problema (sublinhado nosso).

                Assim, tendo em conta esta responsabilidade antes assumida pela então Promitente-compradora, é que as Partes teriam celebrado a referida Transacção, havendo aquelas clausulas 1ª e 3ª ‑que o mesmo é dizer, a fixação da quantia a satisfazer pela Ré e aqui Executada‑, sido estabelecidas no pressuposto de no tocante a todas as despesas ocorridas enquanto o prédio esteve na posse da dita Promitente, mormente as despesas com essa mencionada acção de reivindicação, ser esta última a, com as mesmas, arcar.

Ora, ainda que ambas estas obrigações de oposta polaridade se possam dizer emergentes do mesmo contrato ‑esse de Transacção‑ e que até entre as mesmas surpreender uma íntima ligação, verdade é que, se bem cuidamos, uma não pode ser considerada correlativa da outra, uma prestação e a outra respectiva contraprestação, enfim, uma sinalagma da congénere, à semelhança do que, como vimos para a empreitada, ocorre quanto à da efectivação da obra no confronto com a da satisfação do preço, e vice-versa.

De tal sorte, porém, não se verificando esse vínculo de correspectividade ou causalidade entre as obrigações em presença, não sendo ambas interdependentes ou simétricas, inviável se apresenta, como antecipámos, apelar à “exceptio” para, ante o inadimplemento de uma, lograr licitamente sobrestar no cumprimento da outra.

E assim sendo, como modestamente cremos, não se apresenta essa alegada falta de cumprimento por parte da Exequente ‑mesmo a dar de barato a sua efectiva verificação, em decorrência de antes assumida obrigação‑, como causa ou factor de inexigibilidade, ou de relevante modificação ‑por isso que redutiva no seu conteúdo‑ da obrigação exequenda.

Do ora exposto decorre, pois, a completa irrelevância da matéria alegada pela Recorrente/Executada na sua douta oposição, tendente a demonstrar tal inadimplência por parte da Exequente, não se justificando por isso, conforme o pretendido por aquela, o prosseguimento dos autos ‑desde logo com a organização da Base Instrutória‑, endereçada a essa demonstração.

Como na douta sentença se decidiu, tal oposição, por de todo não subsumível à tipicidade taxativa do predito artº. 814º, acha-se em absoluto votada ao insucesso, o que, sem mais, dita a improcedência do recurso na parte ora apreciada.

B - OPOSIÇÃO À PENHORA

Para julgar improcedente a ora epigrafada oposição, o Mmº. Juiz alicerçou-se no seguinte quadro argumentativo:

‑ A penhora da quantia de € 3.664,92, depositada em conta bancária ‑caso da ora adversada‑, numa execução, como a presente, para cobrança coerciva de montante superior a € 12.000, não ofende o disposto no nº 3, do artº. 821º.

Assim, e por outro lado, sucede que a mera circunstância de ter sido indicado à penhora um bem imóvel não significa que o venha a ser realmente, sendo que, como ressalta cristalino do art. 863.º-A, a oposição à penhora apenas pode ter lugar quando a mesma se efective.

De tal sorte, e em conclusão, falece qualquer sentido à oposição ‑fundada em excesso‑, deduzida pela Executada, visto apenas se achar efectuada a dita penhora sobre tal quantia bancária, manifestamente inferior a essoutra da quantia exequenda.

Contra este entendimento manifesta-se a ora Recorrente, dizendo que ele assenta num pressuposto erróneo, pois, ao invés do considerado, a penhora do bem imóvel não só já tinha sido requerida, como também realizada, consoante Certidão da Conservatória que junta.

E embora só após a notificação da sentença se haja vindo a constatar que a Solicitadora de Execução não tinha comunicado tal penhora aos autos, isso não impede que a mesma se encontre efectuada e a ela se possa opor a Executada, nos termos do art. 863°- A .

Assim sendo ‑prossegue‑ o Mmº. Juiz não devia ter decidido, como decidiu, sem previamente ter demandado os necessários esclarecimentos à Solicitadora de Execução sobre a existência ou não da penhora, ou, por força do disposto no nº 3 do art. 3° do C.P .C., sem haver notificado a Executada/Oponente para se pronunciar sobre a situação, evitando assim uma decisão surpresa, como acabou por acontecer.

Decisão ‑conclui‑ que, por violadora do princípio do contraditório, se acha inquinada de nulidade, nos termos do disposto no art. 201º.

Que dizer agora?

Adiantando o veredicto, pensamos, salvo sempre o muito e a todos os títulos devido respeito, assistir razão à ora Recorrente no negativo reparo que dirige à decisão recorrida.

Com efeito, dizendo ela na sua enjeitada oposição ‑expressamente intencionada a “reduzir a penhora aos justos limites”‑, entre o mais, que (sublinhados nossos) “… já se mostra penhorado nos autos tal prédio, bem como a quantia de € 3 664,92 correspondente ao saldo existente naquela conta no C...” ‑artigo 30º do seu articulado de oposição‑, e “…o prédio penhorado vale, no mínimo € 750 000,00 “idem” artigo 31º‑, face ao disposto, i. a., nos arts. 3º, nº 3, 265º, nº 3, 266º, nº 1 e 2, e 535º ‑bem como à nova filosofia inerente à Reforma do Processo Civil de 95/96‑, incumbia ao Mmº. Juiz, caído na incerteza sobre a verificação efectiva da penhora, providenciar pelos necessários esclarecimentos; tanto mais quanto é certo ‑saliente-se ainda‑, que na sua contestação a tal oposição a Exequente assentia por inteiro nessa verificação, de tal sorte rematando esse articulado a preconizar, com a improcedência da oposição, a “manutenção das penhoras já efectuadas (sublinhado nosso).

Assim não tendo procedido, o Exmº Magistrado incorreu num omissivo comportamento, decisivamente influente no exame e decisão da causa ‑201º, nº1‑, o qual, levando-o outrossim a proferir uma indevida e “prematuramente” antecipada decisão-surpresa, implicou também que o mesmo não fizesse apetrechar a sua decisão da matéria fáctica pertinente, vistas as discrepantes alegações produzidas nos respectivos articulados por ambas as Litigantes ‑cfr. artigos 31º e 32º da oposição e artigos 38º a 40º da atinente contestação.

Nestes termos, pois, impõe-se a anulação de tal decisão ‑arts. 201º, nº 1 e 712º, nº 4‑, a fim de que, mediante a competente ampliação da matéria de facto ‑já que nenhumas dúvidas são já convocáveis a respeito da efectivação da penhora do imóvel‑, se possa proferir decisão quadrável com aquela que venha a resultar apurada.

Neste ora apreciado capítulo, o douto recurso em atinência mostra-se, pois, procedente.

                IV ‑ DECISÃO

                Por tudo o exposto, e sem mais considerações, decide-se:

‑julgar o recurso de apelação improcedente, na parte referente à decisão da oposição à execução, nesse segmento confirmando tal decisão;

‑ julgar o mesmo recurso procedente, no tocante à decisão da oposição à penhora, e, anulando tal decisão, ordenar a baixa dos autos ao douto Tribunal “ a quo” a fim de que, mediante prévia elaboração da competente Base Instrutória, em função das apontadas discrepantes alegações, se possa dar aos autos a sequência que assegure a correcta configuração fáctica do caso e subsequente integração jurídica.

                Custas da apelação, em partes iguais, por Recorrente e Recorrida.


[1] Cfr. A Acção Executiva Singular, Lex, pp. 99, 168 e 173.
[2] Cfr. A Excepção De Não Cump. Do Contrato No Dirtº Civ. Portug., Liv. Almedina, pág. 39.
[3] Cfr., além do Autor referenciado na nota antecedente, entre outros, João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág. 406, Inocêncio Galvão Teles, in Direito Das Obrigações, 7 ª ed., C. Editora, pág. 452, e João Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra 1987, pp. 330 e ss..
[4] Cfr. ob. cit., pág. 40 e passim.
[5] Cfr. Código Civil-Anotado, Vol. I, 4ª edição, C. Editora, pág. 406.
[6] Cfr. ob. cit., pág. 333.
[7] Cfr. Col., Tomo V, pág. 1208; no mesmo sentido também Ac. da R.E. de 26.10.1995, in Bol. nº 450, pág. 582, e mais recentemente ainda Ac. do S.T.J. de 11.10.2001, in Col./STJ, Tomo III, pág. 65.
[8] A aqui Recorrida/Exequente, portanto.