Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
803/11.0TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: FUNDAÇÃO PÚBLICA DE DIREITO PRIVADO
REMUNERAÇÃO
CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Data do Acordão: 02/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ESTATUTOS DA FUNDAÇÃO CEFA, APROVADOS PELO ARTº 2º, Nº 1 DO DECRETO-LEI Nº 98/2009, DE 28/04; ARTº 19º, Nº 9, AL. U) DA LEI Nº 55-A/2010, DE 31/12.
Sumário: I – Na fixação da remuneração dos membros do conselho de administração, o conselho geral da Fundação para os Estudos e Formação Autárquica – Fundação CEFA, apenas está obrigado a respeitar o limite máximo constituído pela remuneração e outras atribuições patrimoniais do presidente e do vereador da câmara municipal de concelho com 40.000 ou mais eleitores, no caso do presidente e dos vogais da Fundação, respectivamente.

II – Não está, pois, obrigado a respeitar a proporcionalidade estabelecida pelo artº 6º, nº 2 do Estatuto dos Eleitos Locais para as remunerações do presidente da câmara municipal e dos vereadores.

III – A Fundação CEFA, apesar da sua subsidiária sujeição ao direito privado, tem natureza pública, devendo ser considerada uma fundação pública de direito privado.

IV – Como tal, nos termos da al. u) do nº 9 do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, aplica-se aos trabalhadores e dirigentes da Fundação CEFA a redução remuneratória imposta pela referida disposição legal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1. RELATÓRIO

A…, casado, economista e Presidente do Conselho de Administração da Fundação para os Estudos e Formação Autárquica – Fundação CEFA, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária contra Fundação para os Estudos e Formação Autárquica – Fundação CEFA, com sede …, pedindo que seja:

a) Anulada a deliberação do Conselho Geral da R. datada de 09.12.2010 que decidiu fixar a remuneração do Presidente do Conselho de Administração em 3.734,06€ de vencimento e 756,10€ de outras atribuições patrimoniais e reduzir tal remuneração a partir de 2011 inclusive, nos termos previstos na lei do Orçamento de Estado para 2011, para os trabalhadores do sector público;

b) Declarado e reconhecido que o Presidente do Conselho de Administração da R. Fundação CEFA, o A. enquanto tal, tem direito, desde 09.12.2010 e para o futuro, a uma remuneração mensal de tal cargo e função e respectivos subsídios no valor de 3.815,18€ (três mil e oitocentos e quinze euros e dezoito cêntimos) de vencimento ou remuneração base e 1.144;55€ (mil cento e quarenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) de outras atribuições patrimoniais, e assim no total mensal de 4.959,73€ (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta e três cêntimos);

c) Condenada a R. no reconhecimento do acima peticionado em a) e b);

d) Condenada a R. a pagar ao A. enquanto Presidente do Conselho de Administração da R., desde 09.12.2010 e para o futuro, uma remuneração mensal de tal cargo e função e respectivos subsídios no valor de 3.815,18€ (três mil e oitocentos e quinze euros e dezoito cêntimos) de vencimento ou remuneração base e 1.144,55€ (mil cento e quarenta e quatro euros e cinquenta e cindo cêntimos) de outras atribuições patrimoniais, e assim no total mensal de 4.959,73€ (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta e três cêntimos), deduzido dos montantes remuneratórios entretanto já pagos ou que venham a ser pagos referentes aos respectivos períodos, bem como, se necessário for para tal, condenar-se a Ré a tomar nova deliberação no seu Conselho Geral que fixe para o Presidente do Conselho de Administração da R., o A., desde 09.12.2010 e para o futuro, uma remuneração mensal de tal cargo e função e respectivos subsídios no valor de 3.815,18€ (três mil e oitocentos e quinze euros e dezoito cêntimos) de vencimento ou remuneração base e 1.144,55€ (mil cento e quarenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) de outras atribuições patrimoniais, e assim no total mensal de 4.959,73€ (quatro mil novecentos e cinquenta e nove euros e setenta e três cêntimos).

Alegou para tanto, em síntese, que a R., Fundação CEFA, de cujo Conselho de Administração foi nomeado Presidente, foi instituída pelo Decreto-Lei nº 98/2009, vigente a partir de 28 de Maio de 2009, sendo uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, de natureza fundacional; que o Conselho Geral da R. tem como competência, entre outras, fixar a remuneração dos membros do Conselho de Administração, incluindo a do Presidente; que, em reunião ordinária ocorrida em 09/12/2010, o Conselho Geral deliberou fixar o vencimento do Presidente do Conselho de Administração em 3.734,06€ e outras atribuições patrimoniais em 756,10€, enquanto para os vogais do Conselho de Administração fixou o vencimento em 3.052,14€ e outras atribuições patrimoniais em 592,52€, deliberando ainda a redução, a partir de Janeiro de 2011, inclusive, de tais remunerações nos termos previstos na Lei do Orçamento de Estado para 2011 para os trabalhadores do sector público 09/12/2010; e que, pelas razões que expõe, tal deliberação é ilegal, razão pela qual pede a sua anulação.

A R. contestou pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido, para o que sustentou que a deliberação atacada pelo A. não sofre da enfermidade que ele lhe aponta.

Em fase de saneamento, após a constatação de que se verificavam todos os indispensáveis pressupostos processuais, entendeu-se que o estado dos autos fornecia já todos os elementos necessários ao conhecimento de mérito, razão pela qual foi proferido saneador-sentença julgando a acção improcedente e absolvendo a R. dos pedidos.

Irresignado, o A. interpôs recurso, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A apelada respondeu, pugnando pela manutenção do julgado.

O recurso foi admitido.

Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.

Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes:

a) Interpretação do nº 1 do artº 27º dos Estatutos da Fundação CEFA, aprovados pelo artº 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 98/2009, de 28/04;

         b) Natureza (pública ou privada?) da Fundação CEFA e respectivas consequências no tocante à aplicação ou não do disposto no artº 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011.

         2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto, nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, considera-se definitivamente assente a factualidade dada como provada pela 1ª instância e que é a seguinte:

1. A Fundação CEFA foi instituída pelo Decreto-Lei n° 98/2009, de 28 de Abril, que aprovou os seus estatutos.

2. O A. foi nomeado para Presidente do Conselho de Administração da Fundação CEFA, pela resolução n.° 28/2010 do Conselho de Ministros, de 16 de Julho de 2010 e publicada no Diário da República, 2.a série, N.° 216, de 8 de Novembro de 2010 – cfr. doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. O Conselho Geral é um órgão desta mesma pessoa colectiva.

4. Em reunião ordinária ocorrida em 09.12.2010, o Conselho Geral deliberou, entre o mais, com 10 votos a favor e 3 abstenções – dos conselheiros também nomeados, pela referida resolução n.° 28/2010 do Conselho de Ministros – fixar o vencimento do Presidente do Conselho de Administração em vencimento de 3.734,06€ e outras atribuições patrimoniais em 756,10€, enquanto para os vogais do Conselho de Administração vencimento de 3.052,14€ e outras atribuições patrimoniais de 592,52€, bem como a redução a partir de Janeiro de 2011 inclusive de tais remunerações nos termos previstos na Lei do Orçamento de Estado para 2011 para os trabalhadores do sector público 09.12.2010 – cfr. acta n.° l do Conselho Geral junta como doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

         2.2. De direito

2.2.1. Interpretação do nº 1 do artº 27º dos Estatutos da fundação CEFA

Estabelece o nº 1 do artº 27º dos Estatutos da Fundação CEFA, aprovados pelo artº 2º, nº 1 do Decreto-Lei nº 98/2009, de 28/04, que “a remuneração dos membros do conselho de administração é fixada pelo conselho geral tendo como limite a remuneração e outras atribuições patrimoniais do presidente e do vereador da câmara municipal de concelho com 40 000 ou mais eleitores, no caso do presidente e dos vogais da Fundação, respectivamente”.

A remuneração do presidente de câmara municipal com 40.000 ou mais eleitores é, de acordo com o artº 6º, nº 2 do Estatuto dos Eleitos Locais (EEL) – aprovado pela Lei nº 29/87, de 30/06, alterada pelas Leis n.ºs 97/89, de 15 de Dezembro, 1/91, de 10 de Janeiro, 11/91, de 17 de Maio, 11/96, de 18 de Abril, 127/97, de 11 de Dezembro, 50/99, de 24 de Junho, 86/2001, de 10 de Agosto, 22/2004, de 17 de Junho e 52-A/2005, de 10/10 – de 50% do vencimento base atribuído ao Presidente da República e a remuneração dos vereadores em regime de permanência é de 80% da remuneração do presidente (artº 6º, nº 3). E as despesas de representação são de 30% da remuneração no caso do presidente e de 20% no caso dos vereadores (artº 6º, nº 4).

Em reunião ordinária ocorrida em 09.12.2010, o conselho geral deliberou, entre o mais, fixar o vencimento do presidente do conselho de administração em 3.734,06€ e outras atribuições patrimoniais em 756,10€, enquanto para os vogais do conselho de administração fixou o vencimento em 3.052,14€ e outras atribuições patrimoniais em 592,52€.

Não vem posto em causa que os indicados vencimentos e outras atribuições patrimoniais excedam o limite máximo expressamente fixado na lei.

O que o recorrente contesta é a inobservância na fixação dos vencimentos e outras atribuições patrimoniais atribuídas pelo conselho geral ao presidente e aos vogais do conselho de administração da proporcionalidade prevista na lei para os vencimentos e outras atribuições patrimoniais dos presidentes de Câmara e vereadores.

Trata-se, pois, de um problema de interpretação da lei, matéria em que impera o disposto no artº 9 do Cód. Civil que assim dispõe:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, concelho com as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

A letra da lei constitui, portanto, o ponto a partir do qual o intérprete desenvolve a sua actividade tendo como meta o pensamento do legislador. Ao desenvolver essa actividade o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que naturalmente exclui soluções insensatas ou injustas ou que não encontrem no texto legal um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

No caso dos autos a letra da lei alude apenas ao limite máximo das remunerações e outras atribuições patrimoniais do presidente e dos vogais do conselho de administração da Fundação CEFA, o qual é constituído, respectivamente, pela remuneração e outras atribuições patrimoniais do presidente e dos vereadores de câmara municipal de concelho com 40.000 ou mais eleitores. Nenhuma referência deixa no sentido de dever ser respeitada, no caso do presidente e dos vogais da Fundação CEFA a proporcionalidade fixada no caso do presidente e dos vereadores de câmara municipal de concelho com 40.000 ou mais eleitores.

Assim, não se encontra fundamento para o intérprete, com respeito pelas regras previstas no artº 9º do Cód. Civil e sem invasão do espaço exclusivo do legislador, considerar que a deliberação do conselho geral da Fundação CEFA violou a lei ao fixar os vencimentos e outras atribuições patrimoniais do presidente e dos vogais do conselho de administração sem observância da proporcionalidade prevista para os vencimentos e outra atribuições patrimoniais do presidente e dos vereadores de câmara municipal de concelho com 40.000 ou mais eleitores.

Acresce que a proporcionalidade prevista no EEL é dos vencimentos e outras atribuições patrimoniais dos vereadores em relação ao vencimento e outras atribuições patrimoniais do presidente de câmara e não o inverso. Ou seja, é o vencimento e outras atribuições patrimoniais dos vereadores que é calculado em função do vencimento e outras atribuições patrimoniais do presidente e não estes em função daqueles.

Assim, se houvesse que respeitar – e cremos que a lei o não impõe – a mencionada proporcionalidade, teriam de ser os vencimentos e outras atribuições dos vogais do conselho de administração a baixar e não o vencimento e outras atribuições patrimoniais do presidente a subir.

E não foi esse o resultado que o recorrente visou com a propositura da acção.

A deliberação de 09/12/2010 do conselho geral da Fundação CEFA não é, pois, ilegal na parte em que fixou o vencimento e outras atribuições patrimoniais do recorrente em € 3.734,06 e € 756,10, respectivamente, não havendo razões para a sua anulação.

Com a singeleza exposta, mas com todo o respeito pelos muitos e muitos doutos argumentos do recorrente, nega-se-lhe razão quanto à questão acabada de analisar.

         2.2.2. Natureza (pública ou privada?) da Fundação CEFA

A Fundação para os Estudos e Formação Autárquica – Fundação CEFA, foi instituída pelo Estado Português através do Decreto-Lei nº 98/2009, de 28/04[1], diploma que também aprovou e publicou em anexo os respectivos estatutos.

Tal Fundação sucedeu ao CEFA, I.P., Centro de Estudos e Formação Autárquica, Instituto Público – que foi extinto (artº 1º) –, no conjunto dos seus direitos e obrigações, bem como na prossecução dos seus fins e atribuições de serviço público (artº 3º).

O próprio diploma legal que instituiu a Fundação – secundado pelos estatutos (artº 1º) – a classificou como sendo uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública, dotada de personalidade jurídica, com duração indeterminada e que se rege por aquele Decreto-Lei, pelos seus estatutos e, em tudo o que neles não esteja regulado, pelo regime jurídico aplicável às pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública (artº 4º).

O Decreto-Lei instituidor e os estatutos enunciam com detalhe os fins e actividades da Fundação, estabelecem os seus regimes patrimonial e financeiro e dispõem sobre a sua organização e funcionamento.

A conclusão sobre a natureza privada ou pública da Fundação CEFA – magna questão discutida nestes autos – há-de decorrer da equilibrada ponderação de todos esses elementos e não da atribuição a qualquer deles, isoladamente, de valor decisivo e definitivo.

Assim, a circunstância de o diploma legal instituidor expressamente classificar (artº 4º, nº 1) a Fundação CEFA como uma pessoa colectiva de direito privado, sendo relevante, não é decisiva no sentido de lhe dever ser necessariamente atribuída natureza privada[2].

Com efeito, sendo incontroverso que se trata de uma pessoa colectiva, dada a sua instituição e reconhecimento, no caso operados por via legislativa (DL nº 98/2009), dizer-se que é de direito privado significa apenas que lhe são subsidiariamente aplicáveis as regras do direito privado.

Existindo, como dos relevantes contributos aportados aos autos pelas partes resulta, várias classificações possíveis das fundações, pode no entanto ser dado como adquirido que para serem públicas as fundações não têm necessariamente que ser de direito público, sendo comummente aceite a existência de fundações públicas de direito privado.

No Relatório nº 01/11 – 2ª S, Processo nº 15/10 – AUDIT relativo à auditoria feita pelo Tribunal de Contas ao serviço de reconhecimento de fundações no âmbito da Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros diz-se expressamente, ainda que para fins meramente explicativos, que as fundações existentes no ordenamento jurídico português podem ser agrupadas em fundações públicas e fundações privadas, podendo ainda as primeiras ser divididas em fundações públicas de direito público e em fundações públicas de direito privado. E, relativamente a estas, refere-se:

“As fundações públicas de direito privado são instituídas por uma ou várias pessoas colectivas públicas (v.g. Estado, municípios, empresas públicas), podendo ainda participar nelas pessoas privadas, e o seu património é de origem exclusiva ou predominantemente pública. De entre as suas especificidades, sobressaem as seguintes:

- algumas foram instituídas por diplomas legais, outras foram criadas nos termos do regime geral do direito privado, ou seja, com base no CC, não obstante na sua instituição intervir uma ou várias pessoas colectivas públicas e privadas e o seu património ser, também, exclusiva ou maioritariamente público, como é o caso das fundações municipais;

- são constituídas e regem a sua actividade pelo direito privado.

Mais recentemente, por força do regime jurídico das instituições do ensino superior, tem-se assistido à transformação de alguns estabelecimentos universitários em fundações públicas de direito privado.”

Também Miguel Lucas Pires no trabalho intitulado “Regime Jurídico Aplicável às Fundações de Direito Privado e Utilidade Pública”, citado na sentença recorrida, indica como uma das modalidades de fundações as “fundações públicas de direito privado, criadas por iniciativa pública (eventualmente em resultado da transformação de pessoas colectivas públicas), através de via legislativa, embora pareçam excluídas do âmbito de aplicação da Lei-Quadro dos Institutos Públicos e sejam reguladas, no essencial, pelo direito privado (não obstante a necessidade de observância de um conjunto de normas e princípios que regem a actividade administrativa).

E a Lei nº 1/2012, de 03/01, que determinou a realização de um censo dirigido às fundações, com vista a avaliar o respectivo custo/benefício e viabilidade financeira (…), definiu, para efeitos daquela lei, fundações públicas de direito privado como fundações criadas por uma ou mais pessoas colectivas públicas ou com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação [artº 2º, nº 1, al. c)].

No caso da Fundação CEFA, sendo seguro que não se integra nas fundações públicas “tout court” ou fundações públicas de direito público, pois não se encontra submetida ao regime jurídico da Lei Quadro dos Institutos Públicos[3], só escapará à natureza privada se reunir características que a coloquem na categoria das fundações públicas de direito privado.

Vejamos, pois, as principais características da Fundação CEFA com vista a delas concluir sobre a sua natureza pública ou privada.

A Fundação CEFA sucedeu ao Centro de Estudos e Formação Autárquica, Instituto Público (CEFA, I.P.), indiscutivelmente de natureza pública, extinto para lhe dar lugar (artºs 1º, 3º e 6º).

A sua instituição, reconhecimento e atribuição do estatuto de utilidade pública foram obra legislativa (artºs 2º, 4º e 7º).

O seu património inicial foi integralmente “herdado” do CEFA, I.P. (artº 6º do DL 98/2009 e 5º dos Estatutos).

As suas receitas são constituídas, além do mais, pelas transferências do Estado que sejam inscritas para o efeito no Orçamento do Estado e pelas comparticipações financeiras dos municípios, freguesias e das respectivas associações (artº 8º do DL 98/2009 e 6º dos Estatutos).

Os seus fins e actividades dirigem-se claramente à consecução do interesse público (artº 5º do DL 98/2009 e 3º dos Estatutos).

Tem obrigação de apresentar ao membro do Governo responsável pela área da administração local, para efeito de homologação: (1) o seu plano trienal de actividades e a respectiva estimativa de orçamento; (2) os planos de actividade e orçamentos anuais, de exploração e de investimento; e (3) os instrumentos de prestação de contas anuais (artºs 11º, 12º, 13º e 26º dos Estatutos).

Os dezanove membros do conselho geral são nomeados mediante resolução do Conselho de Ministros, sendo sete indicados pela Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), três pela Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), três pelo Governo e os restantes seis, dois pelas associações sindicais dos trabalhadores da administração pública e quatro por instituições ligadas à ciência e tecnologia, ao ensino superior, à formação na Administração Pública e à cooperação internacional (artº 21º dos Estatutos).

Os cinco membros do conselho de administração (presidente, dois vogais executivos e dois vogais não executivos) são igualmente nomeados mediante resolução do Conselho de Ministros, sendo designados, o presidente, sob proposta pela ANMP, um vogal executivo e um vogal não executivo, em representação do membro do Governo responsável pela área da administração local, um vogal executivo por indicação da ANAFRE e um vogal não executivo por indicação da ANMP (artº 25º dos Estatutos).

Mesmo em relação ao conselho fiscal, constituído por quatro membros (três efectivos e um suplente), um dos efectivos, que preside, é designado por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração local e das finanças.

Todas as indicadas características da Fundação CEFA apontam com intensidade, apesar da sua subsidiária sujeição ao direito privado, para a sua natureza pública, estando nós em crer, concordando com a sentença recorrida, que a mesma deve ser considerada uma fundação pública de direito privado.

Sob a epígrafe “Redução remuneratória”, dispõe o artº 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011 (LOE 2011):

1 - A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o n.º 9, de valor superior a € 1500, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos:

a) 3,5 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 1500 e inferiores a € 2000;

b) 3,5 % sobre o valor de € 2000 acrescido de 16 % sobre o valor da remuneração total que exceda os € 2000, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %, no caso das remunerações iguais ou superiores a € 2000 até € 4165;

c) 10 % sobre o valor total das remunerações superiores a € 4165.

2 - Excepto se a remuneração total ilíquida agregada mensal percebida pelo trabalhador for inferior ou igual a € 4165, caso em que se aplica o disposto no número anterior, são reduzidas em 10 % as diversas remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias nos seguintes casos:

a) Pessoas sem relação jurídica de emprego com qualquer das entidades referidas no n.º 9, nestas a exercer funções a qualquer outro título, excluindo-se as aquisições de serviços previstas no artigo 22.º;

b) Pessoas referidas no n.º 9 a exercer funções em mais de uma das entidades mencionadas naquele número.

3 - As pessoas referidas no número anterior prestam, em cada mês e relativamente ao mês anterior, as informações necessárias para que os órgãos e serviços processadores das remunerações, gratificações ou outras prestações pecuniárias possam apurar a taxa de redução aplicável.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo:

a) Consideram -se remunerações totais ilíquidas mensais as que resultam do valor agregado de todas as prestações pecuniárias, designadamente, remuneração base, subsídios, suplementos remuneratórios, incluindo emolumentos, gratificações, subvenções, senhas de presença, abonos, despesas de representação e trabalho suplementar, extraordinário ou em dias de descanso e feriados;

b) Não são considerados os montantes abonados a título de subsídio de refeição, ajuda de custo, subsídio de transporte ou o reembolso de despesas efectuado nos termos da lei e os montantes pecuniários que tenham natureza de prestação social;

c) Na determinação da taxa de redução, os subsídios de férias e de Natal são considerados mensalidades autónomas;

d) Os descontos devidos são calculados sobre o valor pecuniário reduzido por aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2.

5 - Nos casos em que da aplicação do disposto no presente artigo resulte uma remuneração total ilíquida inferior a € 1500, aplica-se apenas a redução necessária a assegurar a percepção daquele valor.

6 - Nos casos em que apenas parte da remuneração a que se referem os n.ºs 1 e 2 é sujeita a desconto para a CGA, I. P., ou para a segurança social, esse desconto incide sobre o valor que resultaria da aplicação da taxa de redução prevista no n.º 1 às prestações pecuniárias objecto daquele desconto.

7 - Quando os suplementos remuneratórios ou outras prestações pecuniárias forem fixados em percentagem da remuneração base, a redução prevista nos n.ºs 1 e 2 incide sobre o valor dos mesmos, calculado por referência ao valor da remuneração base antes da aplicação da redução.

8 - A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12 -A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos.

9 - O disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:

a) O Presidente da República;

b) O Presidente da Assembleia da República;

c) O Primeiro -Ministro;

d) Os Deputados à Assembleia da República;

e) Os membros do Governo;

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador -Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

g) Os Representantes da República para as regiões autónomas;

h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;

i) Os membros dos governos regionais;

j) Os governadores e vice -governadores civis;

l) Os eleitos locais;

m) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República;

n) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice -Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador -Geral da República;

o) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;

p) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;

q) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;

r) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º e nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12 -A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.ºs 64 -A/2008, de 31 de Dezembro, e 3 -B/2010, de 28 de Abril, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;

s) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;

t) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial;

u) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;

v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo.

10 - Aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações que, até 31 de Dezembro de 2010, reúnam as condições para a aposentação ou reforma voluntária e em relação aos quais, de acordo com o regime de aposentação que lhes é aplicável, o cálculo da pensão seja efectuado com base na remuneração do cargo à data da aposentação, não lhes é aplicável, para efeito de cálculo da pensão, a redução prevista no presente artigo, considerando -se, para esse efeito, a remuneração do cargo vigente em 31 de Dezembro de 2010, independentemente do momento em que se apresentem a requerer a aposentação.

11 - O regime fixado no presente artigo tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, especiais ou excepcionais, em contrário e sobre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e contratos de trabalho, não podendo ser afastado ou modificado pelos mesmos.

Baseado no seu entendimento de que a Fundação CEFA tem natureza privada e não pública, o recorrente defendeu na 1ª instância e continua a defender nesta Relação que não pode ser abrangido pela redução remuneratória imposta pelo transcrito artº 19º da LOE 2011 e, consequentemente, que a deliberação de 09/12/2010 do conselho geral é também ilegal, devendo ser anulada, na parte em que impôs aquela redução, a partir de Janeiro de 2011, à remuneração que lhe fixou.

Mas, como muito bem decidiu a 1ª instância, não tem razão.

Explicou-se já anteriormente que, a nosso ver, a Fundação CEFA é uma fundação pública de direito privado, isto é, apesar de subsidiariamente sujeita ao direito privado, a sua natureza é pública.

A al. u) do nº 9 do artº 19º da LOE 2011 estende a aplicação da redução remuneratória prevista naquele dispositivo aos dirigentes das fundações públicas.

O recorrente é dirigente (presidente do conselho de administração e, por inerência da própria fundação – artº 31, nº 1 dos Estatutos) da Fundação CEFA, que é uma fundação pública, pelo que, nos termos da mencionada al. u) do nº 9 do artº 19º da LOE 2011, está abrangido pela redução remuneratória em questão.

Nega-se, portanto, também nesta parte, razão ao recorrente.

Soçobram, pois, todas as conclusões da alegação do recorrente, o que importa a improcedência da apelação e a manutenção da sentença recorrida.

Sumário (artº 713º, nº 7 do CPC):

I – Na fixação da remuneração dos membros do conselho de administração, o conselho geral da Fundação para os Estudos e Formação Autárquica – Fundação CEFA, apenas está obrigado a respeitar o limite máximo constituído pela remuneração e outras atribuições patrimoniais do presidente e do vereador da câmara municipal de concelho com 40 000 ou mais eleitores, no caso do presidente e dos vogais da Fundação, respectivamente.

II – Não está, pois, obrigado a respeitar a proporcionalidade estabelecida pelo artº 6º, nº 2 do Estatuto dos Eleitos Locais para as remunerações do presidente da câmara municipal e dos vereadores.

III – A Fundação CEFA, apesar da sua subsidiária sujeição ao direito privado, tem natureza pública, devendo ser considerada uma fundação pública de direito privado.

IV – Como tal, nos termos da al. u) do nº 9 do artº 19º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2011, aplica-se aos trabalhadores e dirigentes da Fundação CEFA a redução remuneratória imposta pela referida disposição legal.  

         3. DECISÃO

         Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.

         As custas são a cargo do recorrente.

                                     

Artur Dias (Relator)

Jaime Ferreira

Jorge Arcanjo            


[1] São deste diploma as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] No seu preâmbulo o DL nº 98/2009 alude à instituição de uma fundação privada de utilidade pública, mas, como é referido na sentença recorrida, não repete tal expressão no articulado legal. Assim, o que verdadeiramente releva é a qualificação feita no artº 4º, nº 1 – pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública.
[3] Aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro, alterada pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, pelos Decretos-Leis n.ºs 200/2006, de 25 de Outubro, e 105/2007, de 3 de Abril, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 40/2011, de 22 de Março, e pela Resolução da Assembleia da República n.º 86/2011, de 11 de Abril.