Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
549/07.4TAENT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE QUEIXA
EXTINÇÃO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Data do Acordão: 01/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE.
Legislação Nacional: ARTIGOS 115º, 1 152º DO CP
Sumário: 1. O prazo de 6 meses previsto no artº 115º, nº 1 do CP é um prazo de caducidade.
2. O período de tempo decisivo para a contagem deste prazo é aquele que medeia entre a tomada de conhecimento e a deposição da queixa.
3. O facto descrito na queixa, numa perspectiva naturalístico-normativa, pode ser restringido ou ampliado durante a investigação, desde que neste último caso se mantenha no âmbito da situação denunciada e de protecção do mesmo bem jurídico.
4. Por toda a matéria de facto subsumível à norma especial do artigo 152.ºdo Código Penal caber inteiramente no âmbito mais vasto da norma geral ( artigos 143.º, 153.º e 181.º, do Código Penal, entre outros possíveis tipos ), existe uma relação de especialidade entre a primeira norma e esta última, prevalecendo, por essa razão aquela sobre esta.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

      Relatório

            Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tomar, sob acusação do Ministério Público foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido
V..., casado, motorista, residente em XX..., , ...,
imputando-se-lhe a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Código Penal ( de acordo com as alterações aprovadas pelas Lei n.º 59/07, de 04.09) e, à data dos factos, um crime designado de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a), do mesmo Código.

Realizada a audiência de discussão e julgamento o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24 de Junho de 2009, decidiu:
-  Absolver o arguido V... da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a) e n.º2, do Código Penal e, à data dos factos, um crime designado de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a), do Código Penal;
-  Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art.143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Setembro de 2001;
-  Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Março de 2007;
-  Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, relativamente aos factos ocorridos em Novembro de 2007;
- Operar o cúmulo jurídico das penas e condenar o arguido V..., pela prática dos crimes referidos, na pena única de 230 (duzentos e trinta) dias de multa, à taxa diária de € 8 (oito euros), perfazendo a multa global de € 1.840 (mil oitocentos e quarenta euros).

            Inconformado com a sentença dela interpôs recurso o arguido V..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A.- A douta sentença em recurso está enfermada de nulidade insanável vícios previstos nos artigos 48.º,49.º e 50.º do Código de Processo Penal e artigos 115.º a 117.º do Código Penal, porquanto nos crimes semi-públicos a queixa da ofendida condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção do procedimento por esses crimes, constituindo a legitimidade do Ministério Público requisito de validade do processo, pelo que, não tendo sido apresentada queixa pelo crime de tempestivamente não podia o tribunal conhecer da sua existência.

B.- Quanto à matéria dada como provada nos pontos 3 e 4 da douta sentença, o direito de queixa relativos aos mesmos caducou, porquanto tendo a queixa sido apresentada em 28/11/2007 e reportando-se tal factualidade a Setembro de 2001 e 10 de Março de 2007, decorreram mais de seis meses.

C.- O artigo 115.º do Código Penal, impõe que a averiguação dos requisitos necessários ao exercício do direito de queixa tem de reportar-se ao momento da sua apresentação, sendo este um prazo de caducidade para o efeito do respectivo calculo, subordinado à regra de contagem do artigo 279.º do Código Civil.

D.- Por conseguinte é apreciado oficiosamente pelo juiz ou pelo Ministério Público, em qualquer fase do processo, devendo ser declarado extinto tal direito e por conseguinte deve ser declarado caducado o elemento essencial de procedibilidade da queixa.

A falta do elemento essencial de procedibilidade da queixa implica, quanto aos 2 crimes dados como provados no ponto 3 e 4 da matéria dada como provada na douta sentença, implica a nulidade do processo (Cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, página 34). Nulidade esta insanável e consequentemente invocável por qualquer interessado e do conhecimento oficioso até ao trânsito da decisão final - cfr. artigo 119.º alínea b) do Código de Processo Penal.

E.- Efectivamente este preceito comina com nulidade insanável a falta de promoção do processo pelo Ministério Público “nos termos do artigo 48.º”, artigo este que também nos remete para os artigos 49.º e 50.º do mesmo Código de Processo Penal. Isto porque, nos crimes semi-públicos a queixa da ofendida condiciona o exercício da acção penal pelo Ministério Público relativamente à promoção do procedimento por esses crimes, constituindo a legitimidade do Ministério Público requisito de validade do processo.

F.- Não tendo sido apresentada queixa pelo crime de tempestivamente (artigo 115.º a 117.º do Código Penal) não podia o tribunal conhecer da sua existência.

Pelo que, nesta parte deverá, pois, declarar-se a sentença nula e de nenhum efeito por violação dos artigos 113.º, 114.º,115.º, 116.º e 117.º do Código Penal, 32.º,n.º 1 da Constituição da República, e ainda artigos 48.º, 49.º, 50.º do Código Processo Penal.

G.- Quanto à factualidade vertida nos pontos 7, 8 e 9 da matéria dada como provada este tipo de ilícitos estabelece como autêntico pressuposto de procedibilidade e legitimidade na prossecução do procedimento criminal, que o titular do direito de queixa formule e expresse a respectiva queixa, tendo de exercer de forma expressa esse seu direito.

H.- A queixa configura-se assim como um autêntico pressuposto de admissibilidade sobre o processo criminal, pressuposto processual, de natureza adjectiva, mas é também uma condição material de responsabilidade penal do agente - artigos 113.º, 114.º, 115.º, 116.º, 117.º, do Código Penal e ainda artigos 48.º,49.º, 50.º, do Código Processo Penal.

I.- A ofendida apresentou queixa pelos seguintes factos vertidos na douta acusação pública, nomeadamente, por no início de Novembro de 2007, ... Na sequência do desentendimento, o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a. Desferiu ainda na mesma, vários socos com o punho fechado. Apertou-lhe também o pescoço com ambas as mãos. Enquanto a agredia, o arguido chamou também C... de “puta” e “vaca”, em voz alta e tom áspero.”

J.- Na douta sentença a fls. 5 é assente na matéria dada como não provada que: “No início de Novembro de 2007, o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a, desferiu-lhe vários socos com o punho fechado, apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos e chamou-a de "puta" e "vaca."

L.- Tendo o Tribunal “a quo” condenou o recorrente por ter “puxado os cabelos”, naquela data, relativamente às quais não há queixa, não há acusação, condição de procedibilidade criminal.

M.- Nos termos artigo l43.º do Código Penal o procedimento criminal pelo crime de ofensas à integridade depende de queixa, sendo que nos termos do artigo 48.º do C.P.P o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal com as restrições constantes nos artigos 49.º a 52.º do citado diploma.

N.- Assim, atento o disposto no artigo 49.º do CPP o Ministério Público só pode promover o procedimento se o ofendido lhe tiver dado conhecimento dos factos através da formalização de uma queixa, como um acto voluntário, uma declaração destinada a produzir efeitos jurídicos em que a ofendida manifesta ao Ministério Público ou a outras entidades que a deverão transmitir àquele a vontade de que seja punido quem for criminalmente responsável, só assim podendo haver impulso processual quer nos crimes particulares que nos crimes semi-públicos.

O.- Nos termos do no 3 do artigo 49.º do CPP a queixa só pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais.

P.- Dos autos apenas consta a formalização de uma queixa em que a ofendida denuncia, outra factualidade, não fazendo alusão a quaisquer “os puxões de cabelo” naquela data, não tendo deduzido processualmente a ofendida a intenção de que por tais “puxões de cabelo” o arguido responder penalmente.

Q.- A condenação além de depender de queixa, dependia da alegação na acusação de que o arguido tinha “puxado os cabelos” á ofendida, sendo essencial que tais factos sejam averiguados e decididos com respeito do princípio do acusatório (art.32 n.º 5 da CRP).

R.- Diz-nos este que o tribunal apenas pode julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (o MP ou o juiz de instrução), sendo a acusação que define e fixa, perante o tribunal de julgamento, o objecto do processo.

S.- Sem que tenha havido queixa e acusação formalizada, o Tribunal a quo extravasava a sua competência e a ultrapassa a sua legitimidade, pelo que existe uma nulidade insuprível por violação do artigo 143.º do C.P e artigos 48.º e 49.º do Código de Processo Penal, pelo que foram violados tais preceitos na douta decisão recorrida.

T.- O presente recurso não se restringe só ao direito, mas versa também sobre a matéria de facto, já que da audição do registo digital, nomeadamente, dos depoimentos transcritos no corpo desta motivação ( que aqui se dão por reproduzidos), resulta que devia ter sido dado como provado, que a ofendida várias vezes esbofeteou o marido e que no inicio de Novembro de 2007, o arguido puxou o cabelos na sequência da ofendida lhe ter desferido uma bofetada, e

U.- E não podia nem devia ter sido provado que o arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, com o propósito concretizado de ofenderem a integridade física da ofendida, devendo antes, dar-se como provado que a sua conduta do recorrente se limitou a uma resposta à agressão que sofrera, do que resulta ser de aplicar o disposto no número 3 do artigo 143.º do Código Penal: a retorsão.

V.- Sem prescindir, mesmo que se entendesse que relativamente aos factos de Novembro de 2007, o Ministério Publico tinha legitimidade para impulsionar o procedimento criminal por factos que não foram objecto de queixa, devia ser tal factualidade enquadrada como retorsão e o arguido dispensando de pena nos termos do n.º 3 do artigo 143.º do Código Penal.

X.- Por todo o exposto, sempre com o devido respeito por mais douta opinião, deve a douta decisão recorrida ser revogada e declara-se extinto o procedimento criminal quanto aos factos dados como provados relativos a Setembro de 2001 e 10 de Março de 2007 e declarar-se extinto o procedimento criminal contra o arguido relativamente aos factos do inicio de Novembro de 2007 dados como provados, por inexistência de pressuposto de procedibilidade;

Z.- Sempre sem prescindir, deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e em consequência considerar que o arguido exercer retorsão sobre a aqui ofendida e dispensado de

pena.

            O Ministério Público na Comarca de Tomar não respondeu ao recurso.

            O Ex.mo Procurador da República junto deste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido merece parcial provimento, na parte relativa aos factos praticados em 2001, dado que se extinguiu o direito de queixa por não ter sido  apresentado tempestivamente por parte da ofendida, nos termos do art.115.º, n.º 1 do Código Penal.

            Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º2 do Código de Processo Penal, respondeu o arguido mantendo a posição por si assumida no recurso. 

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

            Factos provados

 Da acusação

1) O arguido e C… casaram um com o outro em …;

2) Tem o casal um filho em comum, L..., nascido a …;

3) Em Setembro de 2001, por ocasião de uma festa de casamento, e no exterior do salão de festas, o arguido desentendeu-se com a mulher e desferiu-lhe um empurrão;

4) Em 10 de Março de 2007, na residência dos pais de C... o arguido desentendeu-se com a mulher e agarrou-a pelo pescoço, exercendo pressão com ambas as mãos, a tentar sufocá-la;

5) Como consequência dos gestos do arguido C... apresentou lesão, tipo hematoma na região do mento, e ainda ligeira escoriação no pescoço;

6) As lesões descritas causaram à vítima 3 dias de doença, o primeiro deles com incapacidade para o trabalho;

7) No início de Novembro de 2007, no interior da então residência do casal, o arguido desentendeu-se com a mulher;

8) Na sequência desse desentendimento o arguido dirigiu-se a C... e puxou-lhe os cabelos;

9) O arguido agiu sempre livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de molestar fisicamente a ofendida, sabendo que lhe causava dores físicas e padecimento.

10) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

 Apurou-se ainda, que:

11) O arguido exerce a profissão de motorista de pesados na firma “B…” com sede na Suiça, e declarou auferir € 1100 de retribuição;

12) Vive sozinho, em casa arrendada, suportando a renda mensal de 600 francos suíços;

13) É dono de uma viatura automóvel da marca Honda Accord, do ano de 2004;

14) Tem como habilitações literárias o 7º ano de escolaridade.

15) O arguido não possui antecedentes criminais registados.

16) O arguido é acompanhado em consulta de psicoterapia desde inícios de 2007, aquando do falecimento do pai;

17) Em fins de 2007 sofreu recaída com uma relação conjugal que se deteriorava, deixando-o emocionalmente e psicologicamente muito frágil, com momentos de isolamento, perda de apetite e sono, verbalizando por vezes a vontade de pôr termo à sua vida;

18) Actualmente encontra-se numa fase estável com o seu estado psico-emocional equilibrado, com a fase depressiva ultrapassada;

19) É considerado pessoa trabalhadora pelos seus amigos.

Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa, não se provou que:
a) O relacionamento entre o arguido e a mulher foi-se degradando, principalmente após 2001;
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar ditas em 3) supra o arguido dirigiu-se a C... e agarrou-a pelos cabelos, até à trazer para o exterior do salão de festas;
c) Uma vez fora do salão, o arguido empurrou a mulher por várias vezes e desferiu-lhe vários socos, com o punho fechado, na face e ainda vários pontapés nas pernas;
d) A seguir fez entrar C... no carro em que se transportavam e tirou-lhe a roupa que trazia vestida, até que a mesma ficou apenas com as cuecas e o soutien;
e) Em 10 de Março de 2007 o arguido empurrou C... contra umas chapas metálicas, e chamou-lhe “puta, vaca, vadia”;
f) No início de Novembro de 2007 o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a, desferiu-lhe vários socos com o punho fechado, apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos, e chamou-a de “puta” e “vaca”;
g) Em 25 de Novembro de 2007 o arguido perguntou à mulher “com quem andas ?” Disse logo a seguir – “dou cabo de ti”;
h) Em 29 de Novembro de 2007, por ocasião do aniversário do pai de C..., na casa deste, a dado momento, esta disse que ia sair de casa. Então o arguido levantou a mão em direcção à mulher e, com a mão em riste, disse-lhe: “não olhes assim para mim, que te dou um pão que te rebento!”;
i) Saíram em seguida os dois de casa. Já no carro, enquanto ia conduzindo, o arguido ainda disse à mulher: “eu posso desgraçar a minha vida, mas tu hoje não vais a lado nenhum!”
j) O arguido foi conduzindo o carro até chegar a Vale dos Ovos, próximo da Estação de comboios. Ali parou o carro e disse a C... “sai, podes ir embora”!
l) As palavras e os gestos acima descritos causaram na mulher, que os sofria sozinha ou na presença dos pais, do filho ou de colegas, ofensas na honra e consideração que lhe era devida pelo marido, bem como um contínuo e enorme sofrimento, físico e psíquico;
m) A ofendida sabia que o arguido era capaz de a matar;
n) Passou a ofendida a ter medo do arguido;
o) O modo utilizado pelo arguido, nas circunstâncias de disparidade de força física em relação à ofendida e as palavras proferidas, fizeram com que a ofendida acreditasse que ele era capaz de concretizar o que afirmava, de a matar passando a viver, diariamente com esse temor;
p) O arguido agiu deliberadamente querendo causar maus tratos físicos e psíquicos, ofender a honra da sua mulher, bem como sujeitá-la a privações da liberdade de movimentos, assustá-la e criar-lhe medo de ser agredida;
q) Orientou o arguido, ao longo dos sucessivos anos do casamento, após 2001, a sua acção para a concretização desta vontade e conseguiu concretizá-la.

Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal quanto à prova da matéria de facto resultou da análise dos documentos de fls. 9 a 10, 12, 97, do exame com relatório de fls. 67-69, conjugados com as declarações do arguido, que admitiu a prática dos factos descritos em 3) e 8) supra, e os depoimentos das testemunhas A..., M... e H..., pais e amiga da ofendida, que presenciaram a factualidade descrita em 4) e 5) e relataram-na de forma lógica e coerente, merecendo credibilidade.

Os elementos subjectivos depreendem-se da actuação objectiva do arguido.

A ausência de antecedentes criminais está certificada nos autos.

A factualidade relativa à situação económica e pessoal do arguido resultou das suas declarações e dos depoimentos das testemunhas MC…, MJ…, RF…, SG… e JM… .

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido V... as questões a decidir são as seguintes:

- se caducou o direito de queixa, a que alude o art.115.º do C.P.P., relativamente aos factos que constam dos pontos n.ºs 3 e 4 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, consequentemente, deve declarar-se extinto o procedimento criminal quanto a esses factos;

- se relativamente aos factos que constam dos pontos n.ºs 3 e 4 dos factos dados como provados na sentença recorrida, o processo e a sentença recorrida, padecem de nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público, nos termos dos artigos 48.º e 119.º, al.b), do C.P.P.; 

- se deve declarar-se extinto o procedimento criminal contra o arguido relativamente aos factos de início de Novembro de 2007, dados como provados nos pontos n.ºs 7, 8 e 9 da sentença recorrida, por ilegitimidade do Ministério Público, dada a ausência de queixa para promover o processo e deduzir acusação quanto a esses factos;

-  se, a entender-se que relativamente aos factos de  início de Novembro de 2007 o Ministério Público tinha legitimidade para impulsionar o procedimento criminal, deve alterar-se a matéria de facto, de modo a dar-se como provado que a ofendida várias vezes esbofeteou o arguido e que este puxou-lhe os cabelos na sequência daquela lhe ter desferido uma bofetada e, em substituição dos factos dados como provados no ponto 9 da sentença, deve dar-se como provado que o arguido se limitou a uma resposta à agressão que sofrera; e

- se a factualidade que resultou provada da audiência de julgamento deve ser enquadrada como retorsão e o arguido ser dispensado de pena, nos termos do n.º3 do art.143.º do Código Penal.

            Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O direito penal tem a função de proteger os bens jurídico-penais, os bens fundamentais da comunidade, enquanto concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres fundamentais e à ordenação social, política e económica[4].
O processo penal tem, por sua vez, a função de esclarecer o crime e punir o criminoso, como um assunto da comunidade.   
Embora na generalidade das legislações a promoção processual dos crimes seja tarefa estatual, os legisladores reconhecem que certas infracções contendem com bens jurídicos fundamentais da comunidade de modo não tão intenso como outros e que quanto àqueles  deve ser deixada alguma margem ao ofendido para fazer valer ou não a aplicação de sanções ao infractor.
A coordenação do interesse do Estado e do indivíduo, na promoção processual, leva à existência de crimes públicos, de crimes semi-públicos e crimes particulares.
Nos crimes públicos o Ministério Público promove oficiosamente e por sua iniciativa o processo penal e decide com plena autonomia da submissão ou não submissão de um crime a julgamento.
Nos crimes semi-públicos o procedimento criminal depende de queixa para que o Ministério Público promova a abertura do processo.
Nos crimes particulares, para a prossecução processual, torna-se necessário não só que o titular do respectivo direito violado se queixe, mas ainda se constitua assistente e deduza acusação particular.
O princípio de que só ao Ministério Público compete a titularidade da acção penal, não tendo outras entidades legitimidade para promover o processo penal, consta da primeira parte do art. 48.º do Código de Processo Penal
As excepções à regra de que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, são as taxativamente previstas nos 49º a 52.º do Código de Processo Penal. 

No âmbito destas restrições ao exercício da acção penal pelo Ministério Público, o art. 49º do C.P.P., sob o título “Legitimidade em procedimento dependente de queixa”, estatui, designadamente, o seguinte:

«1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.

2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.
(…
).».

Por sua vez, o art.50.º do C.P.P., sob o título “Legitimidade em procedimento dependente de acusação particular ”, estabelece uma segunda restrição à promoção do processo penal por parte do M.P., ao consignar, designadamente, o seguinte:

« 1. - Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação.

(…).».

A queixa, em relação aos crimes semi-públicos ( art.49.º do C.P.P.) e particulares ( art.50.º do C.P.P.), traduz a vontade do ofendido de instauração do procedimento criminal pela prática de determinado facto, contra o seu autor.

No dizer do Prof. Figueiredo Dias «Queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respectivo direito ( em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada ( art.111.º e C.P.P, art.49).» [5].

Nos crimes semipúblicos e particulares a existência de queixa é um pressuposto processual – nas palavras de Figueiredo Dias é um pressuposto positivo de punição [6].

No que respeita à forma da queixa, não existe uma fórmula de apresentação, pelo que basta a pretensão inequívoca do seu titular de instauração de procedimento criminal contra o responsável pelos factos que relata.

Quanto ao prazo, o art.115.º, n.º1, do Código Penal, estabelece que « O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz.».  

O prazo de 6 meses é um prazo de caducidade. O período de tempo decisivo para a contagem deste prazo é aquele que medeia entre a tomada de conhecimento e a deposição da queixa.

A punição efectiva de um facto depende não apenas do preenchimento de exigências substantivas, mas também da verificação de condições de procedimento.

Sem queixa o procedimento não pode iniciar-se – salvo em casos excepcionais, como os referidos nos casos mencionados no n.º 4, do art.115.º do Código Penal –; caso se tenha iniciado não pode prosseguir.

A qualquer momento, se podem e devem retirar as consequências do facto de a queixa não existir ou não ser juridicamente relevante.

Quando esta situação ocorre, falta, portanto, um pressuposto do procedimento, logo da condenação.

Compulsados os autos verificamos que o arguido V... vem acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art.152.º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Código Penal ( de acordo com as alterações aprovadas pelas Lei n.º 59/07, de 04.09) e, à data dos factos, por um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152º, n.º1, al. a), do mesmo Código.

No crime de violência doméstica as condutas típicas podem integrar diversos tipos legais, nomeadamente o crime de ofensas à integridade física simples, o de ameaças e o de injúria.

Por toda a matéria de facto subsumível à norma especial do artigo 152.ºdo Código Penal  caber inteiramente no âmbito mais vasto da norma geral ( artigos 143.º, 153.º e 181.º, do Código Penal, entre outros possíveis tipos ), existe uma relação de especialidade entre a primeira norma e esta última, prevalecendo, por essa razão aquela sobre esta.

Neste sentido, salienta o Prof. Pinto de Albuquerque que “O crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com os crimes de ofensas corporais simples ou qualificadas, os crimes de ameaças simples ou agravadas, o crime de coacção simples, entre outros, em que a punição do crime de violência doméstica afasta a destes crimes. Tratando-se de crimes puníveis com pena mais grave do que a prisão até 5 anos, a violência doméstica encontra-se numa relação de subsidariedade expressa (“se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”).[7].

Já anteriormente às alterações do Código Penal operadas pela Lei n.º 59/07, de 04.09, perante o crime de maus tratos previsto no artigo 152º do Código Penal, o Prof. Taipa de Carvalho esclarecia que “as condutas previstas e punidas por este artigo podem ser de várias espécies: maus tratos físicos (isto é ofensas corporais simples), maus tratos psíquicos (humilhações, provocações, molestações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça, etc.) (…)[8]”.

Pode acontecer que realizada a audiência de julgamento as condutas típicas provadas não revelem o especial desvalor da acção pressuposto pelos crimes de violência doméstica ou de maus tratos. Nestes casos, resta a punição por aplicação das normas penais gerais, que  representam um minus” em relação ao crime de que o arguido vem acusado ou pronunciado.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo não deu como provada boa parte da factualidade descrita na acusação do Ministério Público e decidiu que as condutas do arguido V..., dadas como provadas nos pontos n.ºs 3 a 10 da sentença, não integravam a prática de um crime de violência doméstica, na forma agravada, ou um crime maus tratos, pelo qual este vinha acusado, mas sim a prática de três crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º 1, do Código Penal, por factos cometidos em Setembro de 2001, em Março de 2007 e no inicio de Novembro de 2007.

E foi pela prática de três crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.º, n.º 1, do Código Penal, que condenou o arguido, ora recorrente.

A qualificação jurídica dos factos dados como provados – e que não foi impugnada – remete-nos, indiscutivelmente, para o domínio de crimes semi-públicos, já que o art.143.º, n.º2, do Código Penal impõe expressamente a apresentação de queixa como pressuposto do procedimento criminal.

Dos factos dados como provados no ponto n.º3 da sentença recorrida resulta que « Em Setembro de 2001, por ocasião de uma festa de casamento, e no exterior do salão de festas, o arguido desentendeu-se com a mulher e desferiu-lhe um empurrão»

Do ponto n.º4 dos factos provados, da mesma sentença, consta que « Em 10 de Março de 2007, na residência dos pais de C... o arguido desentendeu-se com a mulher e agarrou-a pelo pescoço, exercendo pressão com ambas as mãos, a tentar sufocá-la.»

A ofendida C... apresentou queixa contra o seu marido, o arguido V..., em 28 de Novembro de 2007.

Tendo a ofendida tomado conhecimento dos factos mencionados nos pontos n.ºs 3 e 4 da matéria de facto provada, em Setembro de 2001 e em Março de 2007 - pois os factos foram praticados directamente contra ela, pelo seu marido -, quando apresentou queixa contra o arguido, já tinha caducado o exercício desse direito pelo decurso do prazo de 6 meses a que alude o art.115.º, n.º1 do Código Penal.

Tendo caducado o direito de queixa, pressuposto positivo da punição, impõe-se declarar a extinção do procedimento criminal contra o mesmo arguido, deixando de poder subsistir a sua condenação pela prática dos crimes de ofensas à integridade física simples com referência aos factos de Setembro de 2001 e Março de 2007,   

Procede, assim, esta primeira questão.

            A segunda questão a conhecer é se, relativamente aos factos que constam dos pontos n.ºs 3 e 4 dos factos dados como provados na sentença recorrida, o processo e a sentença recorrida padecem de nulidade insanável por falta de promoção do Ministério Público, nos termos dos artigos 48.º e 119.º, al.b), do C.P.P..

Parece-nos que a questão agora em apreciação se encontra prejudicada em face da resposta dada á questão anterior.

Se assim não acontecesse entendemos que não poderia proceder.

O art.119.º, do Código de Processo Penal, estatui, designadamente, o seguinte:

« Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

 (…)

   b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do art.48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;».

A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, a que se alude neste preceito, respeita à falta de dedução de acusação pelo Ministério Público relativamente a crimes públicos e semi-públicos.

No caso em apreciação, o Ministério Público tinha legitimidade para acusar o arguido pelos crime de violência doméstica e de maus tratos a cônjuge, pois são crimes de natureza pública.

Comparando os factos dados como provados nos pontos n.º 3 e 4 da sentença recorrida, com a acusação deduzida pelo Ministério Público de folhas 100 a 102 dos autos, verificamos que todos eles constam da acusação do Ministério Público.  

Deste modo, não se pode concluir que existe falta de promoção do Ministério Público no processo relativamente aos factos provados que constam dos pontos n.º 3 e 4 da sentença recorrida.

Não se reconhecendo a alegada falta de promoção do processo pelo Ministério Público, não se declara a consequente nulidade do processo ou da sentença recorrida ao abrigo do art. 119.º, al.b), do C.P.P., improcedendo o recurso.

            Terceira questão.

O arguido V... alega que a queixa é uma condição de admissibilidade do processo penal, sem a qual o Ministério Público não tem legitimidade para promover o processo penal e deduzir acusação e que é essencial que os factos dependentes de queixa sejam averiguados e decididos com respeito pelo princípio do contraditório a que alude o art.32.º, n.º5 do C.P.P..

No caso em apreciação, o Tribunal a quo condenou o arguido/recorrente por este ter “puxado os cabelos” da ofendida, no inicio de Novembro de 2007 ( ponto n.º 8 da sentença recorrida ), mas esta não apresentou queixa por tais factos, nem eles constam da acusação do Ministério Público.

Ao dar como provada a factualidade vertida nos pontos n.ºs 7, 8 e 9 da sentença recorrida, o Tribunal a quo extravasou a sua competência e legitimidade, o que determina a existência de uma nulidade insuprível por violação dos artigos 143.º do C.P e 48.º e 49.º do C.P.P., devendo ser declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido relativamente aos factos ali dados como provados.

Vejamos.
A queixa, como manifestação de vontade, nos crimes semi-públicos, para que o Ministério Público promova a abertura do processo, baliza o objecto da investigação criminal.
O substrato fáctico que se descreve ou menciona na queixa é o ponto de partida no processo criminal; já a qualificação jurídico-penal dos factos efectuada na queixa é irrelevante [9].  
O facto descrito na queixa, numa perspectiva naturalístico-normativa, pode ser restringido ou ampliado durante a investigação, desde que neste último caso se mantenha no âmbito da situação denunciada e de protecção do mesmo bem jurídico.

A acusação deve conter os factos relevantes relativos ao substrato fáctico que foi objecto de queixa e que resultaram suficientemente indiciados da investigação.
O objecto da acusação delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal, sendo a vinculação temática do tribunal à acusação fundamental para o exercício efectivo do direito de defesa do arguido.
Como regra, o objecto do processo deve manter-se o mesmo desde a acusação até ao trânsito em julgado da sentença.

No entanto, como anota o Prof. Germano Marques da Silva, «… por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo.

Há pois, uma estreita ligação entre o objecto da acusação, que se há-de manter essencialmente idêntico até à decisão final e as garantias de defesa do arguido. O tribunal poderá considerar factos novos, desde que não bulam com a essência da acusação ou, se bulirem, desde que o arguido consinta, sendo-lhe, porém, sempre assegurada a preparação da defesa em razão dos novos factos ( arts. 358.º, n.º1 e 359.º, n.ºs 2 e 3)[10] .

Neste âmbito, estabelece o art.358.º do Código de Processo Penal, designadamente, o seguinte:

« 1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.  

 2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

  3. (…).».

Dispõe o art.1.º, al.f) do C.P.P., que « alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.».

Argumentando a contrario, uma alteração não substancial, será aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem tão pouco a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

A aplicação do art.358.º do Código de Processo Penal é um imperativo do princípio do contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz por parte do arguido.

No caso em apreciação, a ofendida C... apresentou queixa contra o arguido V..., no dia 28 de Novembro de 2007, porquanto, nomeadamente, no início de Novembro de 2007, no interior da casa onde habitam actualmente, sita na ...…, ..., o arguido a empurrou para o interior do quarto, ao mesmo tempo que lhe dizia que lhe destruía o emprego e que a desgraçava. Foram muitas as situações em que o arguido a agredia com empurrões, murros, apertos de pescoço, e lhe dizia que não presta, chamando-lhe também “puta, vaca, vadia”, factos que chegaram a acontecer na frente do seu filho. 

Da queixa resulta, pois, que a ofendida pretende que seja exercida acção penal contra o seu marido V..., pelas ofensas à sua integridade física, praticadas por ele no início de Novembro de 2007.

Realizado o inquérito, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido V... , porquanto se indiciaria suficientemente dos autos, nomeadamente, que:

« No início de Novembro de 2007, no interior da casa da então residência do casal, sita na…, ..., o arguido desentendeu-se com a mulher.

Na sequência do desentendimento, o arguido dirigiu-se a C... e empurrou-a.

 Desferiu ainda na mesma, vários socos com o punho fechado. Apertou-lhe também o pescoço com ambas as mãos.

 Enquanto a agredia, o arguido chamou também C... de “puta” e “vaca”, em voz alta e tom áspero. O filho do casal, L..., presenciou os factos.

O arguido agiu sempre livre e deliberadamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.»

Os factos narrados pelo Ministério Público, para os quais tem, sem quaisquer dúvidas, legitimidade, correspondem em termos gerais, aos factos descritos na queixa apresentada pela C... .

Da sentença recorrida verificamos que, quanto aos factos da acusação do Ministério Público relativos ao início de Novembro de 2007, o Tribunal a quo deu como provado que, no interior da casa da então residência do casal, sita na ..., ..., o arguido desentendeu-se com a mulher.

O Tribunal a quo deu, por um lado, como não provado que, na sequência desse desentendimento, o arguido empurrou a C... e desferiu-lhe vários socos com o punho fechado, e apertou-lhe o pescoço com ambas as mãos e que, enquanto a agredia, o arguido chamou a C... de “puta” e “vaca”, em voz alta e tom áspero e, ainda, que o filho do casal, L..., presenciou os factos e, por outro lado, deu como provado que, na sequência desse desentendimento, o arguido dirigiu-se à C... e puxou-lhe os cabelos. 

Há uma evidente modificação, na sentença recorrida, dos factos que constavam da queixa e da acusação do Ministério Público relativamente ao modo de lesão da integridade física da ofendida C..., por parte do arguido.

A modificação dos factos que ocorreram na sequência do desentendimento entre o arguido e a ofendida, dada como provada na sentença recorrida, inclui-se, porém, no âmbito do mesmo “facto histórico unitário” de ofensas à integridade física da ofendida e não tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Esta modificação da factualidade descrita na acusação do Ministério Público , mantendo-se o objecto da acusação essencialmente idêntico, traduz uma alteração não substancial dos factos da acusação, nos termos do art.358.º, n.º1 do C.P.P..

De acordo com a fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida a modificação dos factos relativos ao início de Novembro de 2007 tem como meio de prova as declarações do arguido, que admitiu que naquela altura puxou os cabelos à ofendida C....

Resultando a modificação dos factos descritos na acusação do Ministério Público de factos alegados pelo próprio arguido V..., não deixou este de se pronunciar sobre tais factos, pelo que o Tribunal a quo ao considerá-los na sentença não violou o princípio do contraditório e que aludem os artigos 358.º, n.º1 e 2 do C.P.P. e 32.º, n.º 5 da C.R.P..

Integrando-se os factos dados como provados no ponto n.º 8 da sentença recorrida numa situação de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, ao abrigo do disposto no art.358.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, concluímos que o Ministério Público tinha legitimidade para promover o processo penal, como promoveu, e o Tribunal a quo não extravasou a sua competência e legitimidade para dar como provados aqueles factos.

Pela mesma razão, não se reconhece a existência de uma alegada nulidade insuprível por violação dos artigos 143.º do C.P e 48.º e 49.º do C.P.P., nem se declara a extinção do procedimento criminal contra o arguido relativamente aos factos dados como provados no ponto n.º9 da sentença recorrida.

Não tendo sido violados os preceitos invocados nas conclusões da motivação , improcede esta questão.

            Passemos à questão seguinte.

O arguido V... defende que a entender-se que o Ministério Público tinha legitimidade para impulsionar o procedimento criminal relativamente aos factos de início de Novembro de 2007, deve alterar-se a matéria de facto da sentença, de modo a dar-se como provado que a ofendida várias vezes esbofeteou o arguido e que este puxou-lhe os cabelos na sequência daquela lhe ter desferido uma bofetada; em substituição dos factos dados como provados no ponto 8 da sentença, deve dar-se como provado que o arguido se limitou a dar uma resposta à agressão que sofrera.
O arguido V... impugna, deste modo, por incorrectamente julgada, alguma da matéria apurada em audiência de julgamento.
O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P.).
No entanto, a modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código , ou seja :
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova .”.
Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
     c) As provas que devam ser renovadas

E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação
O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, in www.dgsi.pt/jstj.

O art.417.º, n.º 3 do C.P.P., na actual redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, permite o convite ao recorrente para completar ou esclarecer as conclusões formuladas.

No presente caso, o recorrente V... indica nas conclusões da motivação os concretos factos que considera incorrectamente julgados, quer porque uns não constam dos factos dados como provados na sentença recorrida e deviam ter sido dados como provados, quer porque  outros tendo sido dados como provados não o deveriam ter sido, e devem  ser substituídos na matéria de facto dada como provada. 

Nas conclusões da motivação, como provas concretas que ilustram o seu ponto de vista, remete para os depoimentos transcritos na motivação, objecto de registo digital, que diz ali dar como reproduzidos.

Na motivação do recurso o recorrente indica, com referência precisa aos suportes técnicos os segmentos das suas próprias declarações e da testemunha A…, que tem como relevantes para os factos que impugna, reproduzindo normalmente mesmo em discurso directo o que ambos terão declarado em audiência de julgamento.

Uma vez que as provas em causa estão indicadas na motivação, com suficiente localização, o Tribunal da Relação, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, que o recorrente impugna.
Antes da abordagem directa da questão ora objecto de recurso, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são, como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum,e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr. “Direito Processual Penal”, 1º Vol. ,  Coimbra  Ed. , 1974, páginas 203 a 205.

O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para  fundamentar a decisão da matéria de facto.

Na verdade, a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade , o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

Em suma, diremos que o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

O recorrente V... defende que deve dar-se como provado que a ofendida C... várias vezes esbofeteou o arguido e que este puxou-lhe os cabelos, na situação referida no ponto n.º 8 dos factos dados como provados na sentença recorrida, na sequência daquela lhe ter desferido uma bofetada.

Pugna ainda, nas conclusões da motivação, pela exclusão da matéria que consta do ponto n.º 9 dos factos dados como provados na sentença. Em substituição dessa factualidade defende que deve dar-se como provado que o arguido se limitou a dar uma resposta à agressão que sofrera.

Recordemos, que do ponto n.º 8 da sentença, consta que na sequência do desentendimento do arguido com a mulher – ocorrida no início de Novembro de 2007, no interior da então residência do casal, sita na ...…, ... –,  o arguido dirigiu-se a C... e puxou-lhe os cabelos.

No ponto n.º 9) dos factos dados como provados o Tribunal a quo consignou que  « O arguido agiu sempre livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de molestar fisicamente a ofendida, sabendo que lhe causava dores físicas e padecimento.».

O Tribunal da Relação procedeu à audição integral das declarações do arguido V... e da testemunha A… .

Os segmentos, em discurso directo, das declarações do arguido V..., reproduzidos na motivação do recurso, correspondem ao que por ele foi declarado em audiência de julgamento.

Os segmentos, em discurso directo do depoimento da testemunha, reproduzidos na motivação do recurso, embora com lacunas, correspondem, no geral, ao que foi declarado na audiência de julgamento.

Das gravações da audiência de julgamento resulta que o arguido V... declarou em que a ofendida C... o esbofeteou várias vezes. Mais declarou que em inícios de Novembro de 2007 , quando se desentenderam, não lhe deu socos, mas lhe pegou e puxou os cabelos, porque ela mais uma vez lhe enfiou um estalo.

A testemunha A..., pai da ofendida, declarou por sua vez só ter presenciado  dois maus tratos.

Numa primeira vez, em data que não sabe precisar, quando o casal esteve a viver uns meses em casa da testemunha, ouviu o casal a discutir no quarto e a C... a queixar-se que o arguido lhe bateu. Já na cozinha, empurravam-se e insultavam-se um ao outro e aí a C... também se virou para ele e deu-lhe uma bofetada.

Numa outra vez, em data que não sabe precisar, no átrio da casa do casal, o arguido e a C... começaram a discutir e aquele começou “à porrada” na C..., apertando-lhe o pescoço, a querer sufocá-la. Ele ficou aflito porque ela estava sem voz e quase sem respiração, tendo ido pedir água à testemunha, dizendo que eu quase a matava. A C... queixava-se muito que ele lhe batia, para saber onde ela andava. Discutiam muito.

Do exposto resulta que a testemunha A... não confirma que a ofendida C... esbofeteou o arguido várias vezes durante o casamento.

No primeiro e único episódio que esta testemunha diz ter presenciado de reciprocidade das agressões, entendeu que primeiro o arguido bateu à C... no quarto e só depois esta, já na cozinha é “se virou” ao arguido “ e também lhe deu uma estalada”.

Relativamente aos factos que estão em causa nos pontos n.ºs 7, 8 e 9 da sentença, e que tiveram lugar em casa do casal nos ínicios de Novembro de 2007, – únicos pelos quais o arguido poderá ser condenado –, a testemunha A... declarou nada saber.

Considerando que a testemunha A... declarou que a sua filha C... se queixava muito que o arguido lhe batia e, por outro lado, a elevada violência demonstrada pelo arguido no segundo episódio narrado pela testemunha, é racional e não infringe as regras da experiência comum, que o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado como provado que o arguido, no início de Novembro de 2007, na casa do casal, puxou os cabelos à ofendida C..., e não tenha dado como provado que tal aconteceu na sequência desta lhe ter desferido uma bofetada.

A convicção do Tribunal a quo para dar como provada a matéria que consta dos pontos n.ºs 7, 8 e 9 da douta sentença recorrida, fundada na imediação e oralidade das declarações do assistente e das testemunhas a que se aludiu, mostra-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não se vislumbra qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova, pelo que não há razão para dar como não provada a factualidade do ponto n.º 8 e substituir a factualidade que consta do ponto n.º 9 nos termos pretendidos pelo recorrente.

Deste modo, improcede esta questão.

A última questão a decidir é se a factualidade provada deve ser enquadrada como retorsão e o arguido ser dispensado de pena, nos termos do n.º3 do art.143.º do Código Penal.

O art.143.º, n.º 3, do Código Penal estatui que  « O tribunal pode dispensar da pena quando:

   a) Tiver havido lesões recíprocas e não se tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

   b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.».

A alínea b), respeita a casos de retorsão, «… ou seja, situações nas quais o agente se limita a “responder” a uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido ( e ao mesmo tempo agressor) empregando a força física.».- cfr. Prof. F. Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 220. 

 A dispensa da pena, em caso de retorsão numa situação de ofensas corporais, tem carácter facultativo, como resulta do emprego do verbo poder no tipo legal. 

O art.74.º, n.º3 do Código Penal estatui que « Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do número 1.».

Os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1 do art.74.º, do Código Penal são:

   « a)  A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;

      b) O dano tiver sido reparado; e

      c) À dispensa da pena se não oposerem razões de prevenção.».

No caso em apreciação está dado como provado que o arguido V..., no inicio de Novembro de 2007, na sequência de um desentendimento com a ofendida C... , então sua mulher, puxou-lhe os cabelos, causando-lhe desse modo dores físicas e padecimento, bem sabendo que  a sua conduta era proibida e punida por lei.

Para além de não se verificarem factos que integrem a situação de retorsão, a ilicitude do facto, pese embora não seja elevada, também não é diminuta, assim como a culpa, considerando o grau de violação dos deveres que lhe são impostos, pois a C... era sua mulher, recaindo sobre ele um particular dever de respeito. 

O arguido não reparou o dano causado à ofendida, nem fez menção de o fazer antes da prolação da sentença recorrida.

Também a prevenção geral, numa situação de agressão conjugal, não compreenderia que não fosse aplicada ao arguido uma sanção, por pequena que seja.

Pelo exposto, tem o Tribunal da Relação de concluir que não se verificam os pressupostos legais para dispensa da pena pela alegada retorsão.

Com a declaração de caducidade do direito de queixa relativamente aos factos de Setembro de 2001 e 10 de Março de 2007, que constam dos pontos n.ºs 3 e 4 da sentença, e consequente extinção do procedimento criminal, não pode subsistir a condenação do arguido pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P., bem como o cúmulo jurídico operado na sentença recorrida.

Subsiste apenas a condenação do arguido V..., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8, relativamente aos factos ocorridos em Novembro de 2007, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P..

A pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 8, fixada na decisão recorrida, é adequada e proporcional à culpa e às exigências de prevenção geral e especial, bem como à situação económico-social do arguido, como resulta da sentença recorrida, que assim se mantém.

Procede deste modo, parcialmente, o recurso interposto pelo arguido.

            Decisão

            Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido V… e, consequentemente:

- revogar a sentença  recorrida na parte em que condena o arguido pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P., um com referência aos factos de Setembro de 2001 e outro aos factos de Março de 2007, por já se encontrar  caducado o direito de queixa aquando da sua apresentação e assim extinto quanto a esses factos o procedimento criminal contra o mesmo arguido, e  
- manter a condenação do arguido, relativamente aos factos ocorridos no início de Novembro de 2007, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143.º, n.º 1, do C.P., na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 8 ( oito euros).

             Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça.

                                                                         *

ORLANDO GONÇALVES (RELATOR)

ALICE SANTOS


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, “ Direito Penal, Parte I”, Coimbra Editora, 2004, páginas 114 e 115.
[5] “As consequências jurídicas do crime”, Noticias Editorial, pág. 665.
[6]  Mesma obra citada, pág. 663.
[7]  – “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica, Lisboa, 2008, páginas 406 e 407.
[8] - “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, Coimbra, 1999, pág.333.
[9] “As consequências jurídicas do crime”, Noticias Editorial, pág. 675.

[10] Cfr. “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, Verbo, 2000, pág. 273.