Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1548/08.4TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
BOA FÉ
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 227 CC
Sumário: 1- Os contratantes, desde os preliminares até à conclusão do contrato, devem agir segundo as regras de boa fé, conforme exigido pelo artigo 227º do Código Civil, cuja responsabilidade não é afastada pelo facto do contrato se haver concretizado.

2. No contexto, cada vez mais amplo e complexo, do universo negocial é consensualmente aceite que deve ser exigível aos agentes envolvidos num processo contratual que respeitem uma série de deveres relevantes para a decisão de concluir ou não esse mesmo processo, devendo, desde o seu início e até ao seu termo, actuar com lealdade, honestidade, lisura, transparência, agindo, no fundo, com correcção, sem subterfúgios, prestando as informações necessárias para que a contraparte forme uma vontade esclarecida.

3. Viola esse dever a parte que, para além de omitir dados relevantes para a formação da vontade da contraparte, presta informação enganosa com influência na formação dessa mesma vontade, levando-a, deste modo, a concluir o contrato.

4. Tal comportamento - culposo - é gerador de responsabilidade pré-contratual, constituindo a parte violadora dos deveres de boa fé na obrigação de indemnizar a parte lesada de todos os danos que a sua actuação ilícita lhe causou.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

1. M (…) & Associado SROC, L dª., com sede na ..., instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra AR (…), S.A., com sede em ..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia €16 511,75, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, invoca, em síntese, que:

- Em Dezembro de 2006 foi contactada por um agente autorizado da ré, que lhe apresentou uma proposta de fornecimento de serviços de telecomunicações, na sequência da qual, em 9/1/2007, foi celebrado um contrato para adesão aos serviços de telefone e internet da ré;

- A ré activou os serviços no dia 25/1/2007, mas a autora no dia 31/1/2007 ainda não tinha internet nos escritórios;

- Após reclamação e perante a inacção do agente da ré, a autora iniciou diligências para reactivar a internet pela T..., o que veio a acontecer no dia 13/2/2007;

- O agente da ré, ao fazer a proposta, não informou a autora que o router que tinha não servia e que tinha de ser alterado, nem que tinha que ser alterado o seu e-mail;

- Jamais aceitaria contratar se soubesse que o e-mail teria que ser mudado, pois o e-mail que detinha e mantém estava divulgado por muitos clientes e instituições;

- Esteve privada de internet entre 25/1/2007 e 13/2/2007;

- Esteve privada de enviar e receber relatórios de contas numa altura de encerramento de contas de empresas clientes;

- Ficou sem acesso a contas de empresas clientes, sem confirmação de saldos de contas, sem acesso a legislação e informação;

- O agente da ré havia informado a autora que a instalação dos seus serviços implicaria que ficasse sem internet durante meio-dia;

- Teve que mudar o router para aceder aos serviços da ré, ficando, apesar disso, sem internet;

- Teve necessidade de reconfigurar toda a rede existente, o que lhe acarretou custos, com a aquisição de um router, pelo qual pagou € 211,75;

- Quando mudou novamente para a T... teve que pagar a quantia de € 211,75;

- Sofreu inúmeros transtornos, obrigando os seus sócios e funcionários a deslocarem-se a diversas localidades do país, tendo percorrido mais de 20 000 kms, o que representa um prejuízo de € 7 800,00;

- Por ter ficado sem internet, despendeu pelo menos 200 horas de trabalho, o que, tendo em conta a média de pagamento horário praticado (€ 42,50), lhe acarretou um custo de € 8 500,00.

A ré, regularmente citada, contestou, admitindo a celebração do contrato de prestação de serviços de telefone e internet, pugnando, contudo, pela improcedência da acção.

Para o efeito, alegou que o serviço de telefone foi instalado no dia 23/1/2007 e que o serviço de internet não chegou a ser instalado em virtude da autora, no dia 31/1/2007, dentro do prazo de instalação, ter rejeitado a recepção do equipamento necessário para a instalação.

Alegou, ainda, que o processo de migração de serviços entre operadoras obedece a prazos e procedimentos a que é alheia: o contrato deu entrada nos serviços no dia 22/1/2007; solicitou à P... a migração do serviço no dia 26/1/2007, tendo esta aceite o pedido em tal data; a P..., no entanto, só conferiu viabilidade técnica ao pedido no dia 29/1/2007, tendo obtido o “pronto” ao pedido de migração no dia 30/1/2007; no dia seguinte o equipamento de instalação foi entregue à autora, que recusou recebê-lo.

Mais referiu que era impossível manter o anterior e-mail, por ser tratar de servidor com subdomínio distinto.

Concluiu, alegando que os prejuízos invocados pela autora, que impugna, são da sua inteira responsabilidade, por ter cumprido os procedimentos e prazos que se lhe impunham (constando do contrato uma cláusula que lhe confere o prazo máximo de 60 dias para instalar os serviços), não podendo a ré ser responsabilizada a que título for.

A autora exerceu o seu direito de resposta, mantendo que o agente da ré se havia comprometido a instalar os serviços em meio-dia e que não haveria nenhuma alteração nos endereços electrónicos da autora, não tendo cumprido o acordado, impugnando o demais alegado, concluindo como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, que analisou a validade e regularidade da instância, tendo sido fixados os factos assentes e a base instrutória, que não sofreram reclamações.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora uma indemnização no valor de € 4 231,75 (quatro mil duzentos e trinta e um euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

2. Não se conformando com tal decisão, dela apelou a Ré, apresentando com as suas alegações as seguintes conclusões:

            “(1) A douta sentença, ora em crise, condenou a Apelante, no valor de e 4.231,75 (quatro mil duzentos e trinta e um euros e setenta e cinco cêntimos), com base na existência de responsabilidade pré-contratual, aquando da celebração do contrato de prestação de serviços de internet entre as partes.

            (2) A Apelada pretendia manter o anterior endereço de correio electrónico e instalar o serviço de internet de forma rápida, contudo não se aconselhou junto da empresa de informática com que sempre trabalhada e lhe fez a anterior instalação da internet da T... bem como a sua reconfiguração.

            (3) Não obstante a manutenção do email ser um requisito essencial para a celebração do contrato com (…), a Apelada contratou um serviço de auto-instalação, não agindo com a diligência que lhe era esperada, não existindo qualquer responsabilidade pré - contratual por parte da Apelante.

            (4) O representante da (…) procurou auxiliar a Apelada a instalar o serviço de internet, mesmo sem os conhecimentos necessários e sendo o contrato de auto-instalação. Agiu este de forma diligente, não gerando qualquer responsabilidade.

            (5) O processo de migração dos serviços de internet entre operadoras obedece a prazos máximos que são controlados pelo ICP-ANACOM, e sobre os quais a (…), ou outras operadoras, não têm qualquer influencia.

            (6) No caso dos presentes autos a (…) recebeu o contrato no dia 22/01/2007, tendo solicitado à (…) a migração dos serviços.

            (7) A P... só em 26/01/2007 aceitou a migração dos serviços e só em 30/01/2007 informou que esta tinha viabilidade técnica, apenas permitindo a migração do serviço em 31/01/2007.

            (8) A apelada poderia ter acesso à internet a 31/01/2007, data na qual recusou o recebimento do equipamento necessário à instalação da internet que a Apelante expediu através da empresa Adiciona.

            (9) Tendo em conta o processo de migração e os prazos a que este obedece, a Recorrente não teria qualquer influência naquele, não dependeria do seu controlo. Deste modo não se gerou qualquer responsabilidade pré-contratual.

            (10) A recorrida não solicitou qualquer assistência técnica junto da Recorrente para instalação dos serviços de internet. O único contacto estabelecido foi para resolução do contrato celebrado entre as partes.

            (11) Nos presentes autos não ficou provado que a Recorrida tenha percorrido pelo menos 4.000 Kms, nem despendido 200 horas de trabalho dos seus funcionários em deslocações às sedes das empresas suas clientes, por não conseguir aceder à internet.

            (12) Tendo o serviço de telefone ficado disponível em 32/01/2007, e a Recorrida começado a utilizá-lo em 25/01/2007, poderia ter nessa altura utilizado o serviço de fax, para enviar e receber documentos dos clientes e de outras entidades, de forma célere.

            (13) O valor de € l.520,00 é manifestamente excessivo e exagerado face aos alegados danos que são passíveis de provar através dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento.

            (14) O valor de € 2.500,00 a que a Apelante foi condenada, com recurso à equidade, também se afigura manifestamente excessivo e exagerado face aos danos alegadamente sofridos e há jurisprudência nacional.

            (15) O recurso à equidade depende de estar apurado um mínimo de elementos sobre a natureza do dano e a sua extensão, que permita ao julgador computá-los em valores próximos, o que não foi possível nos presentes autos, atento o depoimento das duas testemunhas funcionárias da Apelada.

            (16) Apelada não conseguiu fazer prova que os seus funcionários tenham percorrido pelo menos 2.000 Kms ou despendido 200 horas de trabalho para o efeito.

            (17) O pagamento de € 211,75 também não é devido pela Apelante, uma vez que diz respeito à mão-de-obra paga à empresa de informática pela Apelada para reconfiguração da internet, quando na verdade a Apelada teria sempre de reconfigurar a rede e instalar novo equipamento, dado que o router que dispunha ser incompatível com a rede actual e o contrato celebrado entre a Recorrida e a AR TL... ser de auto-instalação”.

            Finda pedindo a revogação da sentença recorrida, por ser o pedido improcedente e não provado, com a absolvição da Recorrente.

A apelada contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

B. Na parte introdutória das suas alegações, na parte em que, como refere, define o objecto do recurso, sustenta a apelante que “…a prova produzida em sede de audiência de julgamento não foi correctamente apreciada pelo Tribunal a quo, tendo em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas e ora transcritos”.

E se bem que, efectivamente, proceda à transcrição de alguns dos depoimentos prestados em audiência, em parte alguma das suas alegações especifica quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, como expressamente impõe o artigo 685º-B, nº1 a) do Código de Processo Civil; essa transcrição apenas serve de suporte à negação que manifesta quanto à existência de responsabilidade pré – contratual e para “impugnar” os danos que estiveram na origem na sua condenação a indemnizar a apelada.

O incumprimento deste imperativo legal implica a rejeição do recurso, no segmento em causa, isto é, quanto à impugnação da matéria de facto, sem possibilidade sequer de accionar despacho de aperfeiçoamento[3]. Esta exigência deve ser vista à luz de um critério de absoluto rigor, “…próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[4].

            Embora não o afirme expressamente, é evidente que a apelante quis, por via do recurso, impugnar matéria de facto, sem que, todavia, aponte quais os aspectos concretos da sua discordância.

            Essa omissão determina necessariamente a rejeição do recurso no que concerne à matéria de facto, ficando, assim, delimitado apenas ao conhecimento das questões de direito.

            C. Considerando, deste modo, a delimitação que resulta da rejeição do recurso quanto à apreciação da matéria de facto e a que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- Responsabilidade pré-contratual da Recorrente;

- Existindo a mesma, âmbito do dever indemnizatório que sobre ela recai.

 

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos julgados provados pela primeira instância:

a) A autora dedica-se à revisão legal de contas e auditoria de empresas e outras entidades - admitido por acordo;

b) A autora, em Dezembro de 2006, foi contactada por (…), agente autorizado da ré para contratar em nome dela, o qual apresentou uma proposta de fornecimento aos serviços de telecomunicações da ré — admitido por acordo;

c) Na sequência de tal contacto e respectiva proposta, a autora, no dia 9 de Janeiro de 2007, subscreveu o formulário de um impresso de adesão aos serviços de internet e telefone da ré, referente ao contrato n.° ..., nos termos do qual solicitou a subscrição da pré-selecção da autora como operadora do serviço de telefone fixo, na opção “Telefone Corporate T4 Plus”, com o consumo mínimo de € 20,00, com a obrigação de permanência pelo prazo de 36 meses, com o serviço de Internet ADSL Profissional de 2 MB incluído, através do número de telefone associado ..., com obrigação de permanência pelo período de 18 meses - cfr. doc. de fls. 16;

d) A ré, no dia 25 de Janeiro de 2007, activou o serviço de telefone e internet - admitido por acordo;

e) Mas não instalou o serviço de internet nas instalações da autora - admitido por acordo;

f) A autora, em 31 de Janeiro de 2007, ainda não tinha internet nos escritórios - admitido por acordo;

g) A autora iniciou diligências para reactivar a internet pela T..., o que veio a acontecer em 13/2/2007 - admitido por acordo;

h) A autora não teve serviço de internet desde, pelo menos, 26/1/2007 até 13/2/2007 - admitido por acordo;

i) O serviço telefónico foi activado em 23/1/2007, tendo a autora começado a efectuar chamadas em 25/1/2007 - admitido por acordo;

j) O contrato subjacente à proposta referida em c) contém uma cláusula, no seu artigo 4.1., com o seguinte teor: «A (…) procederá à instalação e ligação dos serviços contratados no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da data de recepção do “pedido de adesão” subscrito pelo cliente, salvo qualquer impossibilidade técnica ou legal não imputável à (…) ou outro motivo de força maior, devendo, nesse caso, informar o cliente do facto, no prazo de 15 dias, contados desde a data em que seja detectada essa impossibilidade» - cfr. doc. de fls. 29 a 34;

k) Para além do já assente em h), a autora não teve serviço de internet no dia 25/1/2007;

l) O agente da ré, aquando dos factos referidos em a) e b), informou a autora das condições de tarifário, de que a instalação da internet demoraria apenas meio-dia e que não haveria nenhuma alteração nos endereços electrónicos da autora;

m) O mesmo agente esteve cerca de uma semana a tentar instalar a internet, não o tendo conseguido fazer;

n) A falta de internet causou prejuízos à autora, que aumentaram diariamente;

o) O e-mail que a autora detinha e agora mantém estava divulgado por muitos clientes, instituições privadas e públicas;

p) A autora trocava diariamente correspondência electrónica com mais de 100 clientes;

q) Por tais razões, a autora solicitou o reactivamento do serviço de internet da TL... ( T...);

r) O agente da ré não informou a autora que teria que ser alterado o seu endereço de correio electrónico;

s) A autora queria manter o seu endereço de correio electrónico;

t) Durante o período em que não teve acesso à internet, a autora não recebeu nem enviou, pelo correio electrónico, relatórios de contas de empresas clientes;

u) Ficou sem acesso a contas de empresas clientes;

v) Ficou sem a confirmação de saldos de contas;

w) Ficou sem acesso a legislação e informação;

x) A autora, para aceder aos serviços da ré, teve que mudar o router; 

y) Foi necessário reconfigurar toda a rede existente, para que o novo serviço pudesse ficar operacional;

z) Ao receber a informação que não conseguiria aceder ao seu anterior endereço de correio electrónico, desfez tudo o que havia feito, tendo reconfigurado novamente a rede;

aa) Pelos serviços de reconfiguração e reinstalação da internet para a T... despendeu a quantia de € 211,75;

bb) Por não ter tido internet, a autora obrigou os seus sócios e funcionários a deslocarem-se às sedes das empresas dos clientes para recolherem e levarem relatórios;

cc) Tendo-se deslocado a Lisboa, Santarém, Lamego, Covilhã, Tábua, Seia, Tondela, Figueira de Castelo Rodrigo, Sabugal e a vários locais da Guarda;

dd) Tendo percorrido em veículos da autora vários milhares de quilómetros, em quantidade não concretamente apurada, mas não inferior a 4 000 kms;

ee) Tendo despendido pelo menos 200 horas de trabalho;

ff) A autora tem uma tabela horária, na qual menciona que os preços praticados por hora são os seguintes: revisor oficial de conta - € 75,00; assistentes - € 37,50; júnior - € 20,00 - cfr. doc. junto em 8/5/2009;

gg) É tecnicamente impossível o cliente migrar para a Ar TL... e manter o email T..., associado ao antigo operador;

hh) O processo de migração de serviços ADSL obedece a prazos e procedimentos regulados pela ANACOM, dentro dos quais a P... pode actuar;

ii) O que, desde a data da recepção do contrato, pode demorar até 10 dias úteis;

jj) O contrato deu entrada nos serviços da ré em 22/1/2007;

kk) O pedido de migração dirigido à P... foi aceite dia 26/1/2007;

ll) A P... conferiu viabilidade técnica ao pedido em 30/1/2007;

mm) Em 30/1/2007 a ré obteve o “pronto” ao pedido de migração por parte da P...;

nn) A Autora, no dia 31/1/2007, rejeitou a recepção do equipamento necessário para efeitos de auto-instalação do serviço de internet, que uma equipa da empresa AD...i, no seguimento do contrato, lhe tentou entregar.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Retira-se do acervo factual comprovado, e que nesta sede de recurso já não é objecto de discussão, que a Autora, em Dezembro de 2006, foi contactada por agente da Ré, que, autorizada por esta para contratar em seu nome, lhe propôs fornecimento dos serviços de telecomunicação da mesma.

Não obstante já beneficiar de serviços de telefone e internet fornecidos por uma outra operadora - T... -, a Autora aderiu à proposta apresentada pelo referido agente da Ré, subscrevendo o contrato cuja minuta consta de fls. 16.

Pode qualificar-se, justamente como o fez a sentença recorrida, como contrato de prestação de serviços atípico o celebrado entre Autora e Ré, dele derivando, dada a sua natureza bilateral, recíprocas obrigações: para a Ré, a prestação do serviço objecto do negócio nos exactos moldes convencionados, e para a Autora, a entrega da correspondente contrapartida económica.

No domínio negocial, cada vez mais complexo, devem as partes, em todas as fases da formação do contrato, actuar com boa fé, desde os preliminares até à conclusão do negócio.

Tal imposição encontra-se claramente plasmada no nº1 do artigo 227º do Código Civil ao determinar: “ quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.

Ou seja: desde os primeiros contactos com vista à eventual celebração de um contrato, ainda desprovidos de natureza vinculante, até à conclusão do mesmo, onde a parte decisória se consolida com o encontro de vontades dos contratantes, através da emissão da proposta definitiva dos termos do contrato e sua aceitação pela contraparte, constituem fases do itinerário negocial que sempre devem ser norteadas pelos ditames da boa fé.

Este conceito de boa fé, de cariz indeterminado e cujo preenchimento se deve efectuar casuisticamente, mas com subordinação a critérios objectivos, tem uma vertente marcadamente ética, que, todavia, transcende largamente o sentido psicológico que normalmente lhe é associado. No contexto, cada vez mais amplo e complexo, do universo negocial é consensualmente aceite que deve ser exigível aos agentes envolvidos num processo contratual que respeitem uma série de deveres relevantes para a decisão de concluir ou não esse mesmo processo, devendo, desde o seu início e até ao seu termo, actuar com lealdade, honestidade, lisura, transparência, agindo, no fundo, com correcção, sem subterfúgios, prestando as informações necessárias para que a contraparte forme uma vontade esclarecida.

Tal pressupõe que em todo o processo negocial, desde a sua formação, recaiam sobre as partes nele intervenientes deveres de comunicação, informação e esclarecimento que abrangem, por um lado, a viabilidade da celebração do contrato e os obstáculos a ela previsíveis, e por outro, os elementos negociais e a própria viabilidade jurídica do contrato projectado[5].

Como se afirma no Acórdão desta Relação de 08.04.2008[6], “subjacente a tal instituto está não só a consideração de interesses particulares mas também de interesses públicos. Nos primeiros visa-se directamente tutelar a confiança fundada de cada uma das partes em que a outra conduza as negociações segundo a boa fé e, por conseguinte, tutelar as expectativas legítimas que a mesma lhe crie, não só quanto à validade do próprio negócio, mas também quanto à sua futura celebração. No que concerne aos segundos está naturalmente a preocupação da defesa dos valores sociais da segurança e da facilitação do comércio jurídico”.

A violação (culposa) de qualquer desses deveres por uma das partes no decurso das negociações é susceptível de determinar a sua responsabilidade pelos danos que, com essa sua actuação, possa ter causado à parte contrária.

Como bem salienta a sentença recorrida, citando Menezes Cordeiro[7], “a questão da responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo desdobra-se estruturalmente em três áreas: a dos deveres de protecção (obriga a que, sob pretexto de negociações preliminares, não se inflinjam danos à outra parte); a dos deveres de informação (obrigando as partes à prestação de todos os esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato); a dos deveres de lealdade (obrigam os negociadores a não assumirem comportamentos que se desviem de uma negociação correcta e honesta, aí se incluindo os deveres de sigilo, de cuidado e de actuação consequente)”.

Ainda a propósito do mencionado artigo 227º do Código Civil, conclui Vaz Serra[8]: “quem entra em negociação com outrem para a conclusão de um contrato dá lugar à constituição de uma relação jurídica que o obriga a proceder de boa fé nos preliminares e na formação do contrato, constituindo-o, nomeadamente, em deveres de cuidado, precaução ou cautela”.

Pode retirar-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2006[9], citado na decisão impugnada e também no Acórdão da Relação do Porto de 03.05.2007[10]: “incluem-se na previsão do art.º 227° CC quer a ruptura de negociações, quer a conclusão dum contrato ineficaz, quer a protecção face a contratos "indesejados", designadamente a celebração de um contrato não correspondente às expectativas devido ao fornecimento pela outra parte de informações erradas ou à omissão do devido esclarecimento (…). Neste ponto, a doutrina é praticamente unânime. Escreve, por exemplo o Prof. Carlos Ferreira de Almeida: "Em abstracto, não há razão para excluir a possibilidade de responsabilidade pré-contratual por violação de deveres de informação quando não se verifiquem simultaneamente os requisitos de anulabilidade do contrato, uma vez que a restrição da culpa aos contratos inválidos foi há muito ultrapassada e não deixou quaisquer resquícios na redacção do art.º 227º (…). Não temos dúvidas de que assim deve ser, até porque, rigorosamente, a responsabilidade pré-contratual é um instituto situado algures a meia distância entre a responsabilidade contratual e a delitual: ela não deriva do incumprimento de uma obrigação em sentido técnico-jurídico previamente assumida nem da violação do dever genérico de respeito correspondente aos direitos absolutos; resulta, sim, de "deveres surgidos no âmbito de uma relação específica entre as partes, que impõem a tutela da confiança no âmbito do tráfego negocial”[11].

A boa fé constitui, pois, o pilar sobre o qual assenta a ordem jurídica portuguesa, conferindo confiança aos particulares sempre que iniciem qualquer processo negocial, pois confere-lhes expectativas de lisura, lealdade, transparência e colaboração da contraparte, demandando de cada um deles idêntica conduta, e segurança ao comércio jurídico.

Neste enquadramento, recai sobre cada um dos contratantes o dever de comunicação e informação, de molde a permitir que o outro possa formar uma vontade esclarecida, concluindo o negócio de acordo com o que projectou. Esse dever abrange todo o processo genético do negócio, desde os previsíveis obstáculos, que possam inviabilizar a sua celebração, até aos próprios termos negociais e sua influência na validade e/ou eficácia jurídica do acordo firmado.

A Recorrida, que beneficiava já dos serviços de telecomunicação fornecidos pela operadora T..., foi contactada, no decurso do mês de Dezembro de 2006, por um agente autorizado da Recorrente que lhe propôs o fornecimento dos seus serviços de telefone e internet.

Aquando desse contacto, o referido agente informou a Recorrida, além dos tarifários que seriam aplicados, que a instalação do novo equipamento não demoraria mais do que meio-dia e que o seu endereço electrónico não carecia de ser alterado, podendo manter o que já detinha.

Como refere o já citado Acórdão do S.T.J, de 04.04.2006, “o dever de boa fé nos preliminares e na formação dos contratos não obriga a que devam ser dados a conhecer à contraparte todos os aspectos ponderados em ordem à conclusão do negócio nem todas as hipóteses de cláusulas que acabaram por ser afastadas, desde logo porque "o dever de informar termina no ponto em que uma parte não tem mais de se preocupar com os interesses da outra, portanto com respeito a circunstâncias que caiam inequivocamente na sua esfera de risco" (…); a obrigação de informar existe, no entanto, sempre que (…), a informação de que a parte dispõe se reporta a um dado fundamental para a esclarecida formação da vontade negocial da contraparte e a que esta, agindo por sua exclusiva iniciativa individual, não possa aceder directamente”.

O agente da Recorrente não só omitiu informações relevantes para a decisão de contratar, designadamente a necessidade de mudança de router para aceder aos serviços da mesma, como ainda prestou informações falsas, as quais tiveram reflexo directo na conclusão do negócio.

Assim, garantiu aos representantes da Recorrida que a instalação dos serviços de internet demoraria apenas meio-dia (o que sabia ser tecnicamente impossível, porquanto o processo de migração de serviços ADSL obedece a prazos - que, desde a recepção do contrato, pode demorar até 10 dias úteis -, e procedimentos dependentes de terceira entidade e sobre os quais não tem aquela qualquer domínio); o referido agente esteve cerca de uma semana a tentar instalar a internet, infrutiferamente.

O mesmo agente não só não informou os representantes da Recorrida que o endereço electrónico desta teria de ser alterado com o fornecimento dos serviços da Recorrente, como, enganosamente, lhe mencionou que tal endereço não sofreria alteração, não podendo o mesmo ignorar ser isso tecnicamente inviável já que a AR TL... e a T... operam com servidores com domínios distintos.

E não se trata de uma informação irrelevante ou inócua, mas antes de uma informação com influência directa na vontade de contratar por parte da Recorrida que, trocando diariamente correspondência electrónica com mais de 100 clientes, e tendo divulgado o e-mail que já utilizava pelos seus clientes e por várias instituições, pretendia manter aquele endereço electrónico.

Certamente que a Autora/Recorrida foi condicionada a celebrar o contrato de prestação de serviços com a Ré/Recorrente confiante na garantia prestada pelo agente desta de que o seu endereço electrónico se manteria inalterado e que a instalação da internet não demoraria mais do que meio-dia.

Como resulta do elenco factual apurado, não só essa instalação não foi efectuada no prazo prometido, como o agente da apelante tentou durante cerca de uma semana concretizar essa instalação sem o conseguir, tendo a apelada ficado privada de funcionamento de internet desde 25.01.2007 até 13.02.2007, e só após ter solicitado o reactivamento do serviço da TL... ( T...) que já lhe fornecia esse serviço de comunicação antes de ter celebrado contrato com a apelante, para o que teve de reconfigurar toda a rede.

Esta actuação da Apelante, por intermédio do seu agente a quem autorizou para contratar em seu nome, afronta claramente o princípio da boa fé imposto pelo artigo 227º nº 1 do Código Civil, por violação inequívoca dos mais elementares deveres de probidade, transparência, lealdade, comunicação, sendo, como tal, geradora de responsabilidade pré-contratual da mesma.

Refugia-se, no entanto, a Recorrente na cláusula contida no artigo 4.1 do contrato celebrado entre ela e a Recorrida, segundo a qual “(…) procederá à instalação e ligação dos serviços contratados no prazo máximo de 60 dias úteis a contar da data de recepção do “pedido de adesão” subscrito pelo cliente, salvo qualquer impossibilidade técnica ou legal não imputável à (…) ou outro motivo de força maior, devendo, nesse caso, informar o cliente do facto, no prazo de 15 dias, contados desde a data em que seja detectada essa impossibilidade” - cf. alínea j) dos factos provados para repudiar a sua responsabilidade - contratual - por eventuais danos sofridos por esta, com o argumento de que o contrato deu entrada nos seus serviços a 22.01.2007 e que a Recorrida rejeitou em 31.01.2007 a recepção do equipamento necessário à auto-instalação dos serviços de internet fornecidos pela Apelante.

A cláusula em causa integra um contrato - tipo, com cláusulas elaboradas e pré-definidas pela operadora (aqui Recorrente), limitando-se o cliente (como sucedeu com a Recorrida), em caso de aceitação, a aderir às mesmas.

Sobre este tipo de contrato, também qualificado de contrato de adesão, esclarece-se no Acórdão da Relação do Porto de 24.04.2008[12]: “como é sabido, uma das características mais marcantes do direito contratual contemporâneo é um número significativo de contratos - dos mais importantes da vida económica e empresarial moderna - ser celebrado em conformidade com as cláusulas previamente redigidas por uma das partes (ou até por terceiro), sem que a outra parte possa alterá-las. Tais contratos são designados por contratos de adesão, fórmula que traduz a posição da contraparte e realça o significado da aceitação: mera adesão a cláusulas pré formuladas por outrem. Nesta noção, avultam três características essenciais: a pré-disposição, a unilateralidade e a rigidez. São elas, as características que definem os contratos de adesão em sentido estrito. Trata-se de contratos normalmente celebrados com base em cláusulas ou "condições gerais" previamente redigidas. Assim, a aludida pré-disposição consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, "hoc sensu”, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas”.

Ou como se afirma no Acórdão da mesma Relação de 17.02.2009[13]: “as cláusulas contratuais gerais consubstanciam-se como estipulações predispostas ou predefinidas, em vista de uma pluralidade de contratos ou de uma generalidade de pessoas, para serem aceites em bloco - sem negociação individualizada capaz de influir na modelação do respectivo conteúdo -  ou possibilidade de alterações singulares.
Pré-formulação, generalidade e imodificabilidade são, pois, as suas características essenciais. O que está em consonância com os propósitos de racionalização, certificação e uniformização que marcam a essência do fenómeno económico hodierno, no quadro da lógica, tipicamente empresarial, que recorre a este particular modo de contratação”.

A despeito dos aspectos críticos que possam apontar-se às cláusulas contratuais gerais, é indiscutível a sua crescente necessidade: a exigência de realização efectiva de negociações pré-contratuais - individualizadas - para a concretização de todos os contratos acarretaria um significativo retrocesso na actividade jurídico-económica, em que as necessidades de rapidez e de normalização ligadas às modernas sociedades técnicas impõem o recurso àquele tipo de cláusulas.

O Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro constitui a expressão de uma intervenção legislativa necessária à regulamentação, tão cuidada quanto possível, da questão das cláusulas contratuais gerais.

Em plena vigência deste diploma, emanou do Conselho Europeu a Directriz nº 93/13/CEE, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, definindo o seu artigo 3º/1 como cláusula abusiva a que, não tendo sido objecto de negociação individual, e a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações decorrentes do contrato.

Para satisfazer a referida Directriz (embora provavelmente tal não fosse necessário), foi publicado o Decreto-Lei nº 220/95, de 31 de Agosto, que introduziu algumas alterações ao Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, designadamente em relação ao seu artigo 3º, nº1.

Segundo o nº1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com a redacção introduzida, entretanto, pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho, “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma”.

Por sua vez, o nº2 do citado dispositivo determina que “o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

Do artigo 2º do mencionado diploma retira-se que todas estas cláusulas ficam abrangidas por ele independentemente da sua forma de comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as enforme, e de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros.

No domínio das cláusulas contratuais gerais não basta a sua aceitação. Como prescrevem os artigos 5º, 6º e 7º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, exige-se que ao aderente tenham sido efectivamente comunicadas as cláusulas a que deva ou tenha aderido, que haja uma efectiva informação sobre as mesmas e a inexistência de cláusulas prevalentes.

Com efeito, determina o primeiro daqueles normativos: 1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.

E de acordo com o artigo 6º, nº1 do referido Decreto-Lei, “o contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique”, sendo que “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”.

Importa, porém, reter que “o recurso a cláusulas contratuais gerais não deve fazer esquecer que elas questionam, na prática, apenas a liberdade de estipulação e não a liberdade de celebração.

Assim, elas incluem-se nos diversos contratos que as utilizem - os contratos singulares - apenas na conclusão destes, mediante a sua aceitação - artigo 4º da LCCG: não são, pois, efectivamente incluídas nos contratos as cláusulas sobre que não tenha havido acordo de vontades.

As cláusulas contratuais gerais inserem-se no negócio jurídico, através dos mecanismos negociais típicos. Por isso, os negócios originados podem ser valorados, como os restantes, à luz das regras sobre a perfeição das declarações negociais: há que lidar com figuras tais como o erro, a falta de consciência da declaração ou a incapacidade acidental”[14].

Ainda segundo o mesmo Autor, “o ponto de partida para as construções jurisprudenciais dos regimes das cláusulas contratuais gerais residiu na condenação de situações em que, ao aderente, nem sequer haviam sido comunicadas as cláusulas a que era suposto ter aderido. Foi também a partir daqui que a doutrina iniciou uma elaboração autónoma sobre as cláusulas contratuais gerais. Temos, então, aqui em questão a análise dos deveres pré-contratuais de comunicação e de informação das cláusulas a inserir no negócio e de prestação dos esclarecimentos necessários a um exercício idóneo da autonomia privada -o que já resultava do citado artº 227º, nº1 do CC."[15].

A autonomia da vontade só poderá ser validamente exercida se a vontade da parte aderente ao contrato estiver devidamente formada, o que pressupõe, desde logo, um completo conhecimento do respectivo clausulado.

Neste contexto, “os deveres de informação e de esclarecimento designadamente os relativos ao conteúdo contratual, sua composição e seu significado, assumem particular relevância quando se esteja perante dois sujeitos cujo poder negocial se apresente desequilibrado, revestindo então essas obrigações maior amplitude para aquela das partes que detenha uma posição negocial susceptível de lhe permitir impor à contraparte cláusulas, que esta, em consequência da sua debilidade contratual, não aperceba no seu integral significado ou de que, mais simplesmente, nem sequer tome conhecimento"[16].

Deve ser dada efectividade a esse dever de informação de molde a que o aderente tenha pleno conhecimento e compreenda o alcance das cláusulas pré-definidas pela outra parte antes de subscrever o contrato que a mesma lhe apresenta. Não basta, para satisfazer esse dever, a mera existência de um texto escrito contendo as cláusulas do contrato. Como afirma o Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2009[17]: “o dever de comunicação a que alude o artigo 5º do DL nº 445/85, de 25/10, consiste em ser disponibilizado ao aderente o texto do contrato, previamente à assinatura do mesmo, pelo período que ao caso se mostre mais adequado. O objectivo é o de possibilitar ao aderente uma análise de todas as cláusulas contratuais que não haja negociado directamente. Não se provando que determinadas cláusulas contratuais, apesar de inseridas numa rubrica intitulada “condições específicas”, tenham sido objecto de negociação prévia – e o respectivo ónus incumbe à parte que pretende prevalecer-se do seu conteúdo – ficarão as mesmas abrangidas pelo regime aplicável às cláusulas contratuais gerais, nos termos do artigo 1º, nº 3 do DL nº 446/85”[18].

Pretendendo a Recorrente prevalecer-se da aludida cláusula contratual, deveria, antes de mais, alegar, para poder comprovar, que dela foi devidamente informada, no sentido acabado de expor, a Recorrida. Não o fez, todavia, não satisfazendo, desta forma o ónus que o nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10 lhe impunha.

E o artigo 7º do citado diploma estabelece o seguinte regime: “as cláusulas especificamente acordadas prevalecem sobre quaisquer cláusulas contratuais gerais, mesmo quando constantes de formulários assinados pelas partes”.

A cláusula escrita invocada pela Recorrente não foi concretamente negociada entre as partes. Pelo contrário, o agente da mesma ao negociar com a Recorrida informou-a de que a instalação do serviço de internet demoraria meio-dia e foi certamente nesse pressuposto, cuja veracidade esta não teria razão, à partida, para questionar, que concluiu o negócio, já que não seria minimamente plausível, face ao elenco factual apurado, que a apelada aceitasse ficar dependente do fornecimento daquele serviço de comunicação por um período que poderia ir até 60 dias úteis contados da data da recepção do pedido de adesão.

O instituto da responsabilidade pré-contratual, não se aplicando exclusivamente às situações de ruptura negocial, não é afastado pelo facto de o contrato se ter concretizado, como bem salienta, entre outros, o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2006.

O dever de indemnizar com base na responsabilidade in contrahendo prevista no artigo 227º do Código Civil pressupõe, pois, o preenchimento, em concreto, dos pressupostos de que emerge esse mesmo dever e que sempre haverão de se reconduzir à previsão normativa do artigo 227º do Código Civil. São eles, como regista a sentença recorrida, a existência de negociações com vista à conclusão de um contrato, a violação das regras da boa fé nos preliminares ou na formação desse processo contratual, a existência de danos e o nexo de causalidade entre estes e o comportamento culposo da parte que violou aquele imperativo de boa fé[19].

Como salienta o Acórdão da Relação do Porto de 03.05.2007[20], “…os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual correspondem, ponto por ponto, aos pressupostos gerais da responsabilidade civil subjectiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo causal entre o facto ilícito e o dano”.

Quanto aos dois primeiros, é inequívoca a sua existência no caso em discussão.

A ilicitude resulta na violação do dever de boa fé contratual imposto pelo artigo 227º do Código, que, no caso concreto, consistiu não só na omissão do dever de informação, como, sobretudo, na prestação de informação falsa, condicionante da formação da vontade de contratar.

Essa actuação ilícita é imputável à Recorrente, enquanto praticada por um seu agente, por ela autorizado a contratar em seu nome.

Quanto à designada culpa in contraendo: não é pacífico, como também reconhece a decisão recorrida, o entendimento na jurisprudência e na doutrina quanto ao enquadramento a atribuir à responsabilidade que emerge da violação da regra contida no citado normativo.

A diferenciação da modalidade da responsabilidade civil na situação em análise adquire particular relevância para a determinação da culpa e respectivo ónus probatório.

Entendendo-se que se trata de responsabilidade civil de natureza contratual, a culpa presume-se, nos termos do artigo 799º, nº1 do Código Civil; pelo contrário, a conferir-se à responsabilidade em causa natureza delitual, incumbiria ao lesado a prova da culpa da contraparte, como decorre dos artigos 483º e 342º, nº1 do mesmo diploma.

Como se defende, todavia, no já mencionado Acórdão da Relação do Porto de 03.05.2007, “…a alternativa é apenas aparente se a ilicitude e a culpabilidade forem na prática indissociáveis. É o que sucede quando o objecto de avaliação incida sobre a pretensa violação de deveres de lealdade e de diligência, porque a deslealdade e a negligência não são concebíveis sem culpa. Pelo contrário, a questão torna-se relevante se estiverem em causa deveres pré-contratuais de informação ou de sigilo, que podem ser violados com ou sem culpa”.

Ora, debatendo-se aqui não tanto a omissão de informação/comunicação (como a necessidade de mudança de router para aceder aos serviços fornecidos pela apelante), mas sobretudo informação enganosa, fraudulentamente prestada pelo seu agente (imodificabilidade do endereço electrónico e instalação do serviço de internet no espaço de meio-dia) para, de forma ardilosa, obter da apelada a conclusão do contrato, a associação da culpa a este comportamento ilícito não pode ser objecto de controvérsia. Culpa que, de forma clara, a apelante não demonstrou não ter, da sua parte, existido.

Restam, assim, a determinação dos danos a indemnizar e sua quantificação.

Também na doutrina e na jurisprudência se tem questionado a natureza e alcance do designado dano in contraendo, havendo quem defenda nele se compreender apenas o dano negativo, mas quem, de forma diferente, nele também inclua o dano positivo.

A solução mais acertada e equilibrada é a que se acha plasmada, entre outros, no já aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.2006: “no quadro da responsabilidade pré-contratual, se é certo que o usualmente chamado dano in contrahendo, por oposição ao dano decorrente da execução do contrato, cobre apenas o dano negativo, noutras situações, por esforço interpretativo, deverão ser antes compensadas as vantagens que a parte inocente teria auferido se não tivesse sido frustrada a expectativa que legitimamente detinha quanto a tal conclusão (dano ex contractu). Como bem observa Meneses Cordeiro, "a tarefa da determinação da indemnização não deve ser solucionada conceptualmente com base na própria culpa in contrahendo: antes há que ponderar as regras gerais da responsabilidade civil" (…). Em sentido idêntico, diz Eva Moreira da Silva que "...a única regra capaz de responder à questão de saber como se deve quantificar a indemnização por responsabilidade pré-contratual será a regra geral: todos os danos deverão ser ressarcidos, de forma a colocar-se o lesado na situação em que se encontraria se não fosse o acto lesivo (a omissão da informação ou a transmissão da informação errada, de forma culposa, quando existia o dever de informar); e mais à frente: "o importante é não nos deixarmos prender em conceitos demasiado rígidos que nos impeçam de determinar, com a necessária flexibilidade, o quantum indemnizatório. Tal não significa que, na prática, em determinados casos, este quantum não venha a equivaler ao interesse negativo. No entanto, não devemos perder de vista a ideia de que este conceito não deve atar as mãos do juiz no momento de determinar a indemnização: o montante dos danos é que será o critério”.

E acolhendo este critério, que vem encontrando na jurisprudência e na doutrina crescente eco, importará no caso concreto quantificar os danos sofridos pela recorrida, pois é indiscutível a sua existência e o nexo de causalidade entre os mesmos e a conduta ilícita da recorrente.

Tratam-se de danos emergentes, de distinta espécie, mas todos eles determinados pela conduta ilícita da Recorrente, praticada, em seu nome, pelo seu agente.

O montante indemnizatório, a fixar de acordo com os critérios apontados pelos artigos 562º e 566º do Código Civil, pressupõe a reparação dos seguintes prejuízos:

- Despesas provocadas pela reinstalação dos serviços anteriormente prestados pela T..., no valor de € 211,75;

- Despesas decorrentes do facto de os funcionários da apelada - que ficou privada do serviço de internet desde 25.01.2006 até 13.02.2007 - terem tido necessidade de efectuarem deslocações de, pelo menos, 4.000 km, para contactarem clientes e recolherem elementos necessários à organização da sua contabilidade em altura de encerramento do ano contabilístico, as quais não teriam de efectuar se pudessem aceder aos serviços de internet.

O tribunal recorrido contabilizou essas despesas em € 1520,00, tendo esse dado aritmético resultado da multiplicação dos quilómetros percorridos pelo valor fixado, como montante compensatório devido a esse título, pela Portaria nº 88-A/2007, de 18/1, operação que se mostra correcta.

- Prejuízos decorrentes do facto de funcionários da recorrida terem gasto pelo menos 200 horas nessas deslocações, os quais, ausentes das instalações daquele durante esse período temporal, não puderam produzir trabalho nas suas específicas áreas funcionais.

Como se refere, e bem, na decisão objecto de recurso, esse prejuízo não pode ser contabilizado nos termos propostos pela apelada, ou seja, com recurso ao cálculo tendo por base a tabela horária aplicável na empresa, para além de outras razões, pela diferenciação dessa tabela em razão da categoria profissional do trabalhador que aí presta serviço. Acresce ainda, como obstáculo a essa solução, o facto do prejuízo em causa corresponder a um decréscimo de produção repercutido na empresa - na medida em que os funcionários afectados pela recorrida para efectuarem as deslocações, por impossibilidade de utilizar o serviço de internet, não puderam, naquele período, prestar as suas tarefas normais -, sem que haja, todavia, elementos que permitam contabilizar esse prejuízo.

A questão foi devidamente equacionada na decisão recorrida, com o afastamento do recurso à liquidação em execução de sentença, que nada poderia acrescentar à concretização dos danos em causa, optando-se antes pelo recurso às regras da equidade, previstas no nº 3 do artigo 566º do Código Civil.

A quantia fixada através desse critério - € 2.500,00 - mostra-se ajustada e equilibrada para ressarcir o dano em questão, considerando a sua extensão, a sua repercussão negativa na estrutura produtiva da apelada, sobretudo, num momento (encerramento do ano contabilístico dos clientes) de maior exigência ocupacional dos seus funcionários, não sendo de descurar o grau, acentuadamente elevado, de violação dos deveres de boa fé da recorrente, através do seu agente, que para captar mais um cliente e garantir um contrato que, de outro modo, não lograria celebrar, não hesita em recorrer ao mecanismo fraudulento de prestar as informações enganosas já aludidas.
A sentença recorrida, irrepreensível na sua fundamentação, fez acertada aplicação do direito aos factos, não merecendo qualquer censura.

*
Síntese conclusiva:
1- Os contratantes, desde os preliminares até à conclusão do contrato, devem agir segundo as regras de boa fé, conforme exigido pelo artigo 227º do Código Civil.

2. No contexto, cada vez mais amplo e complexo, do universo negocial é consensualmente aceite que deve ser exigível aos agentes envolvidos num processo contratual que respeitem uma série de deveres relevantes para a decisão de concluir ou não esse mesmo processo, devendo, desde o seu início e até ao seu termo, actuar com lealdade, honestidade, lisura, transparência, agindo, no fundo, com correcção, sem subterfúgios, prestando as informações necessárias para que a contraparte forme uma vontade esclarecida.

3. Viola esse dever a parte que, para além de omitir dados relevantes para a formação da vontade da contraparte, presta informação enganosa com influência na formação dessa mesma vontade, levando-a, deste modo, a concluir o contrato.

3- Tal comportamento - culposo - é gerador de responsabilidade pré-contratual, constituindo a parte violadora dos deveres de boa fé na obrigação de indemnizar a parte lesada de todos os danos que a sua actuação ilícita lhe causou.


*

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando, assim, a decisão recorrida.

Custas, a cargo da apelante.


Judite Pires ( Relatora)
 Carlos Gil
Fonte Ramos


[1] Artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 4 de Agosto.
[2] Artigo 664º do mesmo diploma.
[3] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, pág. 142.
[4] Ibid, pág. 147.
[5] Cf. Ana Prata, "Notas sobre a responsabilidade Pré-contratual”, 2002, págs. 43 e 49.
[6] Processo nº 1162/03.0TBCNT.C1, www.dgsi.pt.
[7] “Da Boa Fé em Direito Civil”, pág. 582.
[8] R.L.J. 111º, 215.
[9] Processo nº 06A222, www.dgsi.pt.
[10] Processo nº 0731945, www.dgsi.pt.
[11] Em idêntico sentido, cfr. ainda Carlos Ferreira de Almeida, “Contratos - Conceito, Fontes, Formação”, pág. 181; Almeida Costa, “Responsabilidade Civil pela Ruptura das Negociações Preparatórias de um Contrato - Anotação ao Ac. do STJ de 5.2.81 - Separata da RLJ, pág. 36; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, I, 341 e segs.
[12] Processo nº 0832041, www.dgsi.pt.
[13] Processo nº 0827638, www.dgsi.pt.
[14] Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 1998, págs. 427 e 428.
[15] "Tratado de Direito Civil Português", vol. I, pág. 370.
[16] Ana Prata, "Notas sobre responsabilidade pré-contratual", Almedina, pág. 51.
[17] Processo nº 10941/08, www.dgsi.pt.
[18]Cf. ainda Acórdão da Relação do Porto, 22.06.2009, www.trp.pt/jurisprudenciacivel, e da mesma Relação, de 24.04.2008, www.dgsi.pt.
[19] Acórdão da Relação do Porto de 03.04.2003, www.dgsi.pt , citado no Acórdão da mesma Relação de 03.05.2007, já mencionado.
[20] Processo nº 0731945, www.dgsi.pt.