Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
132/05.9TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
ADVOGADO
DEFENSOR
Data do Acordão: 10/04/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º E 425º, Nº. 6 DO C. P. PENAL
Sumário: O acórdão do Tribunal da Relação, mesmo proferido após audiência, deve ser notificado ao defensor ou advogado do arguido, não impondo a lei a notificação pessoal deste.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I – Relatório.
1.1. O arguido A... inconformado com a decisão proferida pela autoridade administrativa (Direcção Geral de Viação) impugnou-a judicialmente, sem ganho de causa (fls. 37/42).
Subsistindo na discordância do decidido, recorreu para este Tribunal da Relação que, através do aresto que integra fls. 74/80, rejeitou, por manifesta improcedência, a oposição deduzida.
Proferida tal decisão, dela apenas foi notificado o seu mandatário como decorre de fls. 83.
Remetidos os autos à 1.ª instância, após várias vicissitudes processuais, o mesmo arguido alicerçado em que a falada falta de notificação pessoal própria do mencionado aresto deste Tribunal configuraria irregularidade processual, arguiu um tal vício.
Novamente sem êxito, pois que, através do despacho de fls. 105, se indeferiu o assim requerido.
1.2. Persistindo irresignado com o judicialmente decidido e pugnando para que se determine a notificação omitida, interpôs o dito arguido o presente recurso de cujo requerimento extraiu a formulação das conclusões seguintes:
1.2.1. O acórdão proferido nos autos não foi notificado ao arguido, apenas o tendo sido na pessoa do mandatário.
1.2.2. Nos termos do artigo 425.º, n.º 6 do Código de Processo Penal [CPP], os acórdãos devem ser notificados aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público.
1.2.3. De acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 9 desse diploma, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis devem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, as quais, porém, devem ser igualmente notificadas ao advogado ou defensor nomeado.
1.2.4. Um acórdão não é mais do que uma sentença proferida por um tribunal colegial (cfr. artigo 97.º do CPP).
1.2.5. O acórdão proferido nos autos deveria, assim, ter sido notificado ao arguido e, também, ao mandatário constituído.
1.2.6. Não tendo sido feita a notificação ao arguido, a consequência de tal omissão é uma irregularidade processual, de acordo com o disposto no artigo 123.º do CPP.
1.2.7. E para que essa irregularidade seja sanada é necessário que se ordene a notificação em falta ao arguido, produzindo o acórdão os seus efeitos, após o respectivo trânsito em julgado.
1.2.8. É este o entendimento do Tribunal da Relação de Évora, expresso no acórdão proferido em 3 de Junho de 2003, pela 1.ª Secção Criminal, no Processo n.º 2472/02.
1.2.9. A decisão recorrida infringiu, assim, o disposto pelos normativos legais citados.
1.3. Admitido o recurso, apesar de notificado para o efeito, nada respondeu o Ministério Público.
1.4. Remetidos os autos a este Tribunal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente ao não provimento do recurso.
1.5. Cumpriu-se com o disposto pelo artigo 417.º, n.º 2 do CPP.
1.6. No exame preliminar a que alude o n.º 3 de igual preceito, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.
1.7. Colhidos os vistos legais, cabe apreciar e depois decidir.
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II – Fundamentação.
2.1. O presente recurso, como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente na motivação apresentada, as quais delimitam o âmbito da impugnação Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal (1994), III, pág. 320 e artigo 412.º, n.º 1 do CPP., incide tão-somente sobre uma única questão, qual seja a de apurarmos se, em contrário do decidido, a notificação do anterior Acórdão proferido por este Tribunal devia também ser realizada pessoalmente ao próprio arguido/recorrente ou, em contraponto, e tal como decidido, se basta a lei processual penal, no caso, com a simples notificação realizada na pessoa do seu mandatário.
2.2. Dois arestos, pelo menos, dilucidaram mais recentemente o acerto da decisão recorrida.
Donde que, com a devida vénia, e porque neles se esgotam os argumentos essenciais fundamentadores da opinião desse modo partilhada, os citemos, sem mais, em moldes a consubstanciarmos o juízo final que, como corolário, ensaiaremos.
Assim, que num primeiro, datado de 6 de Fevereiro de 2002, e publicado na Colectânea de Jurisprudência (STJ), Ano X, Tomo I, págs. 200/202, se escreva justificando-se o entendimento de que os Acórdãos proferidos pelas Relações apenas são notificados aos recorrentes na pessoa dos seus mandatários, não tendo aplicação o disposto no artigo 113.º, n.º 9 em causa:
“ (…)
Com efeito, este preceito legal, ressalvando a regra geral da representação do arguido pelo respectivo defensor ou advogado, apenas impõe a notificação ao arguido das decisões respeitantes “à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação das medidas de coacção e de garantia patrimonial e a dedução do pedido de indemnização civil”.
Do elenco das situações referido parece bem clara a intenção de se excluir qualquer referência a actos processuais ocorridos na fase de recurso, fase processual em que o arguido está obrigatoriamente assistido por defensor – -alínea d), do n.º 1, do art.º 64.º do C.P.P. – por justamente se reconhecer a necessidade de apoio em questões e matérias essencialmente de direito.
Tanto assim é que o arguido começa por não ser notificado (pessoalmente) da própria admissão dos recursos e, nesta fase, não tem qualquer intervenção pessoal – é sempre representado pelo defensor – excepto na audiência com renovação da prova para a qual é convocado sem que a sua falta dê origem a adiamento da mesma.
Para além disso, é indubitável que o acórdão proferido em recurso obedece a formalismo próprio que não se confunde na sua totalidade com o formalismo das sentenças proferidas em 1.ª instância, como aliás decorre do preceituado no art.º 425.º do C.P.P.
Acresce que como dispõe o n.º 6, anterior n.º 5, do mesmo artigo, “O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público”.
Tal dispositivo foi aditado durante a revisão de 1998 (Lei n.º 59/98, de 25/8) e conforme decorre do respectivo processo de revisão, a imposição da notificação do acórdão aos sujeitos processuais teve como fim ultrapassar as dúvidas existentes.
Ora na redacção original do C.P.P. já existia uma norma com conteúdo idêntico à do actual n.º 9 do art.º 113.º do C.P.P. e, apesar disso, defendia-se colmatar a omissão, no caso, com os dispositivos do processo civil (...)”.
Nesse ponto transcreve o Ex.mo Relator o parecer aí apresentado pelo Ex.mo PGA.
Retomando a fundamentação escreve, seguidamente, no mencionado aresto:
“ (…)
7.1.) O Exmo. Procurador-Geral como se vê da transcrição feita, enunciou por forma clara e convincente as razões que levam à conclusão de que o acórdão da Relação há muito havia transitado por não ser necessária para esse efeito a notificação pessoal do arguido, com o que não pode deixar de concordar-se.
Não havendo necessidade de repetir a argumentação daquele Exmo. Magistrado, que se subscreve, aditamos, ainda assim, as seguintes considerações.
7.2) À decisão final da primeira instância que conhece do objecto do processo chama a lei “sentença” (cfr. art.ºs 365.º e segs. do C.P.P.).
Quanto à “sentença” diz o art.º 372.º, n.º 4 que a sua leitura equivale à sua “notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência”, acrescentando o art.º 373.º, n.º 3 – relativo à situação de não ser possível a elaboração imediata da sentença – que “O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.
Dispõe também o n.º 5 do art.º 372.º que, “Logo após a leitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria”.
A tal depósito se refere também o n.º 2 do art.º 373.º (“Na data fixada procede-se publicamente à leitura da sentença e ao seu depósito na secretaria, nos termos do artigo anterior”).
Para o caso de “falta e julgamento na ausência do arguido notificado para audiência” (art.º 333.º), dispõe o n.º 5 que “No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a ausência do arguido, a sentença é notificada logo que seja detido ou se apresente voluntariamente”, acrescentando depois que “O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”.
E, na disciplina que consta do art.º 334.º, n.º 4, “Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor”.
Especificamente para a interposição e notificação do recurso, inserido no capítulo da tramitação unitária dos recursos ordinários, a regra do art.º 411.º, n.º 1, segundo a qual “O prazo para interposição do recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria”, sendo que “No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver sido proferida, se o estiver ou dever considerar-se presente”.
Dos dispositivos legais antes transcritos se conclui que o prazo para interposição de recurso da “sentença” nem sempre se conta a partir do depósito e também que nem sempre é obrigatória a notificação pessoal do arguido, como também nem sempre é da notificação da sentença que se conta o prazo do recurso, como ainda, por vezes, a lei se serve do defensor para o arguido se considerar notificado da sentença.
7.3) O art.º 113.º contém as “regras gerais sobre notificações”, o que significa que tal regulamentação cede perante a disciplina que a lei especifica relativa a diversos actos processuais que integram o desenrolar do processo, como aliás, se constata pelas referências normativas que acima se fizeram.
Do art.º 113.º, interessa-nos o seu n.º 9 na seguinte redacção:
“As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado.
Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença (…) as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.
Perante a redacção de tal n.º 9, ele diz directamente respeito ao defensor ou advogado e só indirectamente ao arguido, assistente e partes civis. Na primeira parte está implícita a ideia de que as notificações podem ser feitas ao defensor ou advogado, em vez de o serem ao arguido, assistente e partes civis. A ressalva transforma o poder em dever de notificação ao advogado ou defensor, mas tem implícita, pelo uso da palavra “igualmente”, também a notificação dos outros sujeitos processuais na sua própria pessoa ou como tal legalmente considerada.
Contudo, a notificação respeitante à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença tem, nos lugares pertinentes, já a sua regulamentação própria (cfr. art.ºs 283.º, n.º 5, 307.º, n.ºs 1 e 5, 313.º, n.º 2, 372.º, n.º 4 e 373.º, n.º 3).
7.4) Com é reconhecido doutrinariamente perante a expressão da lei, o defensor é um sujeito do processo, um órgão de administração da justiça, actuando embora exclusivamente em favor do arguido. Como órgão da justiça, o seu poder dever emana da lei. Sendo assim, a lei determina a sua intervenção no processo, conferindo-lhe direitos e deveres e disciplinando, em relação aos actos processuais, a sua função de substituto (representante) do arguido ou a exclusão dessa qualidade, tudo assente na constatação de que ele é um órgão de administração da justiça, de que desempenha uma função pública.
Dentro de tal quadro pode, pois, a lei, bastar-se com a sua intervenção em determinados actos processuais, sem a presença ou convocação do arguido, como acontece na audiência dos tribunais superiores (art.º 412.º, n.º 4), salvo no caso de renovação da prova no recurso perante as relações, mas, ainda assim, com uma imperatividade muito utilizada, como resulta do n.º 4 do art.º 420.º (“O arguido é sempre convocado para a audiência, mas, se tiver sido regularmente convocado, a sua falta não dá lugar a adiamento, salvo decisão do tribunal em contrário”). Em consonância com tal disciplina, o n.º 6 do art.º 425.º (“O acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público”), que, por isso, deve desde logo interpretar-se como notificação ao defensor, representantes do assistente e das partes civis.
7.5) Referindo-se aos actos decisórios dos juízes, diz--se, no art.º 97.º, n.º 1, que esses actos decisórios tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objecto do processo; despachos, quando conhecem de qualquer questão interlocutória ou quando puserem termo ao pro-cesso fora do caso anterior; acórdãos, quando se tratar de decisão de um tribunal colegial.
A distinção entre sentenças e despachos, por um lado, e acórdãos, por outro, não se situa, pois, no mesmo plano. Se em relação às sentenças e despachos se atende à sua função, fim ou matéria, em relação aos acórdãos atende-se apenas à composição do tribunal, sendo indiferente o alcance, fim ou função da decisão. Desde que tal decisão, qualquer que seja, emane de órgão colegial, é um acórdão, toma a forma de acórdão.
No entanto, a lei designa como “sentença”, quer a decisão provenha de tribunal singular ou colegial, a que, a final, em primeira instância, conheça do objecto do processo (cfr. art.º 365.º a 380.º).
Não há, para os tribunais superiores, essa forma de decisão, assumindo, qualquer que seja o seu conteúdo, a designação de acórdão, suscitando dúvidas os que têm a função, fim ou matéria de sentença e os que, por outro lado, pelo seu conteúdo, dada a classificação do art.º 97.º, se hão--de ter como despachos.
O que acima se disse a propósito da “sentença” não exclui que em outros lugares, para designar as decisões colegiais de 1.ª instância, se utiliza a palavra “acórdão” (cfr. art.º 432.º, c) e d)).
Do exposto, concluímos que no art.º 113.º, n.º 9 se utiliza o vocábulo “sentença” para designar o acto decisório a que se reportam os art.ºs 365.º e seguintes, aí se conhecendo a final do objecto do processo, no verdadeiro sentido desta expressão e não apenas do objecto do recurso, embora neste esteja implicado a totalidade ou parte daquele objecto.
Repare-se que a formulação legal do n.º 9 do art.º 113.º acompanha a tramitação cronológica do processo comum em 1.ª instância, começando na acusação e terminando na sentença, termo do processo em 1.ª instância. Atente-se, aliás, no acto processual da designação de dia para julgamento que nenhuma dúvida pode suscitar de estar a reportar-se à designação para julgamento na 1.ª instância, pois que, nos tribunais superiores, como dissemos, se ressalvada a questão da renovação da prova, ao arguido não assiste o direito de presença na audiência, como tal, e, por consequência, não tem que ser notificado daquela designação,
Decorre do n.º 1 do art.º 63.º do C.P.P. que “O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este”. Ora, a lei, não reservou pessoalmente ao arguido a sua intervenção no julgamento do recurso e, por consequência, também não faz reserva quanto à consequente notificação.
(…)”.
Em idêntico sentido ruma o segundo aresto indicado, qual seja deste mesmo Tribunal, com data de 13 de Fevereiro de 2002, e publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XXVII, Tomo I, págs. 50/51.
Nele se consigna:
“ (…)
A única questão em apreciação prende-se tão-só em saber se a notificação do acórdão proferido por este Tribunal da Relação tem de ser feita ao arguido/recorrente pessoalmente ou se é suficiente a notificação ao seu defensor ou advogado.
Em matéria de notificações, certo é que a lei adjectiva penal dispõe de regulamentação própria, sendo que a propósito das regras gerais sobre notificações ou de comunicação dos actos processuais se estabelece nas als. a), b) e c), do n.º 1, do art. 113.º que: «As notificações efectuam-se mediante: Contacto pessoal com o notificando…; Via postal, através de carta…, com aviso de recepção…, o qual só pode ser assinado pelo destinatário…; ou editais e anúncios…
Por sua vez, no n.º 3, daquele artigo, estatui-se que: «Valem como notificações, salvo no caso em que a lei exigir forma diferente, as convocações e comunicações feitas: a) Por autoridade judiciária ou de polícia criminal aos interessados presente em acto processual; b) por via telefónica em caso de urgência, se respeitarem os requisitos constantes do n.º 1, do artigo anterior e se, além disso, no telefonema se avisar o notificando…
E, o n.º 3, do mesmo artigo, preceitua que: «O notificando pode indicar pessoa, com residência situada na área de competência territorial do tribunal, para efeito de receber notificações. Nesse caso, as notificações, levadas a cabo… consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.
Finalmente, o n.º 9, do art.º 113.º dispõe que: «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, ao arquivamento, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial».
Do exame e análise (interpretação) dos dispositivos acabados de transcrever, pode e deve retirar-se, desde já, uma conclusão qual seja a de que em matéria de regras gerais sobre notificações, a lei adjectiva penal não é omissa, pelo que o julgador não pode recorrer ao que a este propósito estabelece a lei processual civil, designadamente ao que dispõe o n.º 1, do art.º 253.º, segundo o qual as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
Com efeito, o art.º 4.º, do Código de Processo Penal, apenas permite o recurso às normas de processo civil em caso de lacuna, sendo que esta só existe quando a lei de processo penal é omissa, isto é, quando certa e determinada situação ou certo e determinado caso não cabe no conteúdo da regulamentação legal.
Segunda conclusão que se pode e deve extrair é a de que em matéria de notificações em processo penal, constitui princípio geral o de que a notificação tem de ser feita na pessoa do respectivo interessado, isto é, o acto processual tem de ser comunicado directamente ao seu destinatário, não podendo ser feita em pessoa diferente.
Terceira conclusão que também se pode e deve retirar é a de que aquele princípio geral é derrogável por vontade do notificando, o qual para o efeito indicará pessoa para o efeito de receber as notificações, a qual terá de residir na área de competência territorial do tribunal.
Quarta conclusão é a de que o referido princípio geral é também derrogável relativamente ao arguido, assistente e partes civis, desde que o acto processual não respeite à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento, à sentença, bem como à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, caso em que a notificação pode ser feita ao defensor ou advogado.
Quinta e última conclusão é a de que a lei processual penal, conquanto faculte ou possibilite que a notificação do arguido, assistente ou parte civil seja feita ao defensor ou advogado nas situações atrás referidas, certo é que a não impõe, pelo que não sendo utilizada, certo é que a comunicação do acto apenas terá de ser feita ao interessado (arguido, assistente ou parte civil), e não também ao defensor ou advogado Ac. desta Relação proferido no Recurso 278/98, em 20/05/98..
Postos estes considerandos a resolução desta questão passa por saber se a intenção do legislador ao fazer a ressalva, entre outras, no que diz respeito à “sentença” se estende de um modo geral a todos os actos equivalentes à sentença ou só a situação em que o arguido não está presente.
Parece-nos que temos de averiguar antes de mais se, nesta última hipótese, não existe qualquer obstáculo processual e se ficam ou não salvaguardados os direitos e garantias de defesa do arguido.
Neste ponto estamos de acordo com o Exmo. Procurador-geral Adjunto já que como resulta, além do mais, do disposto nos art.ºs 372.º, 373.º e 425.º do CPPenal é diferente a tramitação do acórdão, conforme tenha lugar em primeira ou segunda instância.
No primeiro caso, a leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes em audiência, procedendo-se, em seguida ao seu depósito na secretaria, com entrega de cópia aos interessados (n.ºs 4 e 5 do art.º 372.º).
Além disso, o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído (n.º 3 do art.º 373.º).
No segundo caso, e não havendo lugar à renovação da prova (art.º 430.º do CPP), o arguido não é obrigado a estar presente, não há leitura do acórdão, nem a lei se refere ao seu depósito (art.º 425.º do CPP).
Nos termos do art.º 411.º, n.º 1 do CPPenal e não se tratando de decisão oral reproduzida em acta, o prazo para interposição do recurso conta-se a partir:
- Da notificação da decisão; ou
- Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.
Como se disse, no referido art.º 425.º não se fala em depósito do acórdão e ainda que este efectivamente se verifique, os intervenientes processuais não têm possibilidade de determinar a data em que o mesmo é feito, pois não há leitura pública do mesmo.
Daqui terá de se concluir que o prazo para interposição do recurso se inicia com a notificação da decisão.
Nesse sentido vai o disposto no n.º 6 do art.º 425.º do CPPenal, o que determina que “o acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público”.
É certo que, como dissemos, o n.º 9 do art. 113.º do CPPenal determina como regra geral – que o arguido deve ser notificado da sentença, a qual deve ser igualmente notificada ao advogado ou defensor nomeado, contando--se o prazo para a prática de acto processual subsequente a partir da data da última notificação.
Mas se, em 1.ª instância, se considera notificado o arguido ausente quando a sentença é lida perante o seu defensor, parece-nos que de modo idêntico se deveria considerar notificado do acórdão quando o seja o seu mandatário.
No Ac. do Tribunal Constitucional n.º 109/99, de 20/2, BMJ. 484.º/140, que considerou não inconstitucional a interpretação dos artigos 411.º, n.º 1 e 113.º, n.º 5 do CPPenal (na versão anterior) no sentido de considerar notificado da sentença e com o seu depósito na secretaria o arguido ausente da audiência onde a mesma foi lida – e onde esteve presente o seu mandatário – concluiu-se que não havia um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, considerando designadamente que:
De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência em que se procede à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E de posse de uma cópia dessa sentença... pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá--la, reflectir, ponderar e decidir juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma.
Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender--se, interpondo, se quiser em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso.
Mais elucidativamente decidiu o Ac. n.º 59/99, de 2/2, do mesmo tribunal (cfr. fls. 48, do citado BMJ), a propósito da notificação de decisão condenatória de tribunal de recurso, ao referir que:
“… as garantias de defesa de um arguido só serão plenamente adquiridas se ao mesmo for dado cabal conheci-mento da decisão condenatória que a seu respeito foi tomada.
Mas entende este Tribunal, esse cabal conhecimento atinge-se sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente contanto que se trate do primitivo defensor – seja notificado da decisão condenatória tomado pelo tribunal de recurso.
Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor… apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado a efeito no tribunal superior.”
Em idêntico sentido decidiu ainda o Ac. do mesmo Tribunal n.º 75/99, de 3/12 (mesmo BMJ, fls. 66).
Face ao exposto não havendo obstáculo processual e estando salvaguardados os direitos de defesa do arguido concluímos no sentido que a lei não impõe a notificação pessoal das arguidas.
(…)”.
2.3. Do exposto, a conclusão inevitável de que proferido o anterior Acórdão deste Tribunal, se procedeu à devida tramitação notificando-se do mesmo tão-somente o mandatário do arguido/recorrente.
Vale por dizer, então, que igualmente se mostra certo o despacho recorrido quando indeferiu a irregularidade arguida pelo mesmo arguido/recorrente.
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III – Decisão.
São termos em que se decide negar provimento ao recurso ora interposto.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 UCs.
Notifique.
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Coimbra, 4 de Outubro de 2006