Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33-B/1950.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: PENSÃO
SINISTRADO
ACIDENTE DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 33º DA LEI Nº 1942, DE 27/07/1936, E DEC. Nº 27.649, DE 12/04/1937
Sumário: I – O artº 33º da Lei nº 1942, de 27/07/1936, determinava que as pensões já fixadas por decisão judicial ou por acordo das partes, quer as vencidas, quer as vincendas, prescrevem no prazo de três anos, a partir do último pagamento.
II – Não tendo sido feito qualquer pagamento, o prazo de prescrição contar-se-á do trânsito em julgado da sentença ou da homologação do acordo das partes.

III – Existindo tal norma sobre a prescrição das pensões e prestações infortunísticas, bem como normas semelhantes na Lei nº 2127, de 3/08/1965 – Base XXXVIII, nº 3 -, e na actual LAT (Lei nº 100/97, de 13/09) – artº 32º, nº 2 -,apenas se poderá lançar mão das normas relativas à prescrição previstas no C. Civ. naquilo que na lei infortunística não esteja expressamente previsto.

IV – Quando a Lei 1942 refere “pensões” não se está a referir à obrigação total, mas às prestações periódicas.

V – Nada impede a prescrição de uma prestação, mantendo-se a obrigação geral.

Decisão Texto Integral:            Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

“ FREGUESIA DE A... ” (concelho de B...), deduziu oposição à execução (apensa) movida contra si Por “ FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO”, sustentando em síntese por um lado, que a execução carece de título executivo e por outro lado, caso assim se não entenda, já se encontra prescrito o direito

Terminou referindo que deve ser ordenada a extinção da execução na totalidade, ou pelo menos, em relação às prestações pagas até 6/4/03

Notificado o exequente para deduzir oposição, alegou o mesmo no sentido da improcedência da oposição

Foi de seguida proferida sentença, que julgou a oposição improcedente.

Discordando apelou a executada alegando e concluindo:

1- Embora dos factos assentes não conste – e devia constar - a maior parte da quantia exequenda respeita a prestações vencidas e pagas ao sinistrado pelo FAT antes de 6/2/03 Abril, ou seja mais de cinco anos da data em que se considera efectuada a citação para efeitos de interrupção em curso, nos termos do artº 323º nº 2 do CPC

2- Ora em relação a essas quantias, o que está em causa não é o direito unitário à pensão, mas sim o direito às prestações anuais (a pensão é anual) individualmente consideradas

3- Em relação a estas, prescrevem no prazo de cinco anos, quer por força do disposto no artº 32º nº 2 da L. 100/97 de 13/9, quer por força do artº 310º a) do CCv

4- Decidindo como decidiu o Mtº Juiz “ a quo” violou o disposto nos referidos preceitos legais e ainda no artº 307º do CCv, na interpretação que dele fez.

Contra alegou a recorrida defendendo a justeza da sentença em crise, essencialmente baseando-se no facto de se estar perante direitos indisponíveis pelo que nunca poderia ocorrer a prescrição dos créditos em causa.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir

DOS FACTOS

É a seguinte a factualidade a ter em conta

Nos autos emergentes de acidente de trabalho, apensos, em que é

sinistrado C... foi fixada em 12.06.1950 pensão anual, que ficou a cargo “Freguesia de A... ” enquanto entidade empregadora do sinistrado, que sofreu depois actualizações.

-- Nesses mesmos autos, por despacho de 23.11.1992 foi determinado

que, face ao não pagamento da pensão a partir de 01.06.1982 e frustração da cobrança coerciva, ficasse o pagamento da pensão a cargo do “Fundo de Garantia e Actualização de Pensões” (organismo do “Centro Nacional de Seguros e Doenças Profissionais”).

-- Em 19.01.2004 a pensão foi remida a um capital de 10.517,01 que foi

entregue ao sinistrado em 05.03.2004.

-- Em 28 de Março de 2008 “Fundo de Acidentes de Trabalho” instaurou

execução contra “Freguesia de A... ” (no município de B...)

pretendendo a cobrança de 40.676,44, relativa a quantias pagas ao sinistrado C... a título de pensões e capital de remição, em substituição da entidade empregadora.

DO DIREITO

Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.

Pelo que no caso concreto cumpre apenas decidir se parte da  quantia exequenda se encontra ou não prescrita.

Vejamos  então:

Como conta da fundamentação de facto, a quantia exequenda diz respeito a pensões periodicamente pagas pelo actual FAT ao sinistrado, por impossibilidade da aqui executada e também do capital de remição posteriormente pago por aquela entidade.

É de notar que o acidente de que decorrem as aludidas prestações infortunísticas  ocorreu em 1950, tendo-se por isso que se ter em conta a legislação  relativa a acidentes de trabalho que na altura vigorava ( L. 1942 de 27/7/36 e Dec. 27.649 de 12/4/37) já que quer a Lei 2127  de 3/8/65  quer a actual LAT expressamente determinaram que apenas se aplicavam aos sinistros ocorridos após a sua entrada em vigor ( cfr. Base LI nº 1 a) e 41º nº 1 a) respectivamente).

Ora e embora já no domínio da L. 1942, se pudesse considerar que estamos no domínio infortunístico perante direitos pelo menos relativamente  indisponíveis( dizia o seu artº 31º que era nulos todos nos contratos  ou acordos realizados entre entidades patronais ou terceiros para quem hajam transferido a sua responsabilidade e os empregados ou trabalhadores, que tenham por objecto a renúncia ou redução das indemnizações fixadas nesta lei, salvo o que for estabelecido  em contratos ou acordos colectivos de trabalho) a verdade é que esse mesmo diploma previa já a prescrição das pensões fixadas por decisão judicial ou acordo das partes.

Efectivamente o seu artº 33º determinava que as pensões já fixadas por decisão judicial ou acordo das partes, quer as vencidas, quer as vincendas prescrevem no prazo de três anos, a partir do último pagamento. Se não tiver sido feito qualquer pagamento, o prazo contar-se –á do trânsito em julgado da sentença ou da homologação do acordo das partes.

E isto embora o CCv de 1867, já impunha ( como aliás o actual) que  as obrigações sobre direitos indisponíveis não prescreviam( artºs 537º e 298º nº1 respectivamente).

Existindo todavia quer então, quer na L, 2127, quer na LAT hoje em vigor normas próprias sobre a prescrição das pensões e prestações infortunísticas( cfr. Base XXXVIII nº 3 e artº 32 nº 2 respectivamente), logicamente apenas se poderá lançar mão das normas relativas á prescrição previstas no CCv, naquilo que na lei infortunística não esteja expressamente previsto.

E como vimos relativamente ao prazo de prescrição da pensões, existe previsão.

Entendemos que quando a L. 1942, refere” pensões” não se está a referir á obrigação total , mas às prestações periódicas.

Por outro lado na presente execução o FAT actua na posição de sub  rogado( sub rogação legal pois resulta do disposto no artº 5º B)  do D.L. 142/99 de 30/4)  já que pretende o ressarcimento do que ao longo do tempo foi pagando ao sinistrado.

E assim sendo o prazo que favorecia a executada relativamente ao primitivo titular do direito ( o trabalhador acidentado), desde que se iniciou continua a correr, pese embora tenha entretanto ocorrido  a passagem do direito para novo titular( artº 308º do CCv).

No caso em apreço e conforme flui do acervo conclusivo está apenas em causa a prescrição das prestações periódicas pagas pelo  hoje FAT, até 6/4/03.

E cremos que a recorrente tem razão.

Na verdade e como se viu o prazo de prescrição para o caso é de três anos.

A prescrição interrompe-se com a citação ( artº 323º nº1 do CCv), a qual ocorreu como está provado em Abril de 2008.

Ora entre estas duas datas passaram mais do que três anos.

E daí que relativamente a tais prestações o direito do exequente encontra-se prescrito.

É alias o que resulta também do regime estabelecido no artº 307º do CCv.

Diz este normativo que tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não foi paga.

A Varela comentando este artº, in CCv Anotado I Vol. 2ª ed., págs. 258, escreve. “ Cada obrigação – a correspondente ao direito unitário e a relativa a cada uma das prestações- tem um regime especial de prescrição.

Pode prescrever uma das prestações pelo decurso dos cinco anos referidos no artº 310 e manter-se a obrigação geral, a qual só prescreve se decorrerem desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga, os prazos normais da prescrição”.

Resulta do que foi escrito que nada impede a prescrição de uma prestação, mantendo-se todavia a obrigação geral.

Pelo que,  mesmo seguindo o raciocínio expendido na sentença segundo o qual a prescrição não se verificava porque tendo havido remição da pensão, o respectivo capital tinha sido entregue ao sinistrado em 5/3/04 e portanto ainda não tinham decorrido os cinco anos previstos no artº 310º a) do CCv e daí a inexistência detal excepção, chegaríamos pelo contrário à conclusão de que as prestações pagas até 6/4/03 ( que repete-se são as únicas que estão em causa neste recurso) já se encontram prescritas.

E isto pela simples razão de que o prazo prescricional não é como vimos e pelo que expusemos o de cinco anos previsto no artº 310º do CCv,  ou na actual LAT (seu artº 32º nº 2)  mas o de três anos, por força do disposto no citado artº 33º da L. 1942.

Como é evidente entre 5/4/04 (data do último pagamento)  e Abril de 2008( data da citação) decorreu mais do que esse lapso de tempo.

E –  reafirma- se -  contra a possibilidade de prescrição de tais créditos, não releva o facto de se estar no domínio dos direitos indisponíveis, já que o legislador expressamente admite a existência de tal excepção, sendo que por outro lado quer a doutrina, quer a jurisprudência vão no sentido da sua admissibilidade( ver a este propósito a nota crítica expendida por Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado - 2ª ed., págs.  151 e segs.).

Termos em que concluindo e por todo o expendido, julga-se procedente a apelação, revogando-se a sentença impugnada, devendo por isso a execução apenas continuar no que concerne àquilo que o FAT pagou ao sinistrado a partir de 7/4/03.

                                                Custas pelo apelado