Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
290/08.0TJPRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RECLAMAÇÃO
DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DE RECURSO
DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
PROCESSOS DE NATUREZA URGENTE
Data do Acordão: 02/03/2009
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO ART.º 688 CPC
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 691º DO CPC (NA REDACÇÃO DO D. L. Nº 303/07, DE 24/08).
Sumário: I – A alusão genérica a que na al. d) do nº 2 do artº 691º do CPC (na redacção dada pelo D. L. nº 303/07, de 24/08) se faz ao conteúdo da decisão não significa que toda e qualquer condenação no cumprimento de obrigação pecuniária obedeça ao regime prescrito no nº 2 desse normativo.

II – Tal normativo aplica-se, essencialmente, às decisões de natureza intercalar, não abarcando as condenações resultantes de despachos saneadores ou sentenças proferidos sobre o mérito da causa.

III – Daí que tendo uma sentença condenado, na sequência da apreciação do mérito da causa, a ré no pagamento de uma obrigação pecuniária à autora, o recurso interposto por aquela dessa decisão está sujeito ao prazo normal de 30 dias previsto no nº 1 do citado artº 691º do CPC, e não ao prazo de 15 dias referido no nº 5 daquele mesmo preceito legal.

Decisão Texto Integral:
I- Relatório

1. A... - ré nos autos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos que contra si instaurou a autora, B..., e que corre termos, sob o nº 290/08.0TJPRT, no 2º juízo do tribunal judicial da comarca de Santa Comba Dão – veio reclamar contra o despacho que não lhe admitiu, com o fundamento na intempestividade do mesmo, o recurso (de apelação) que interpôs da sentença condenatória que ali foi proferida contra si.
Nessa reclamação a ré defende, com base nos fundamentos ali aduzidos, a tempestividade do dito recurso.

2. A autora respondeu, colocando-se ao lado da ré e contra o despacho reclamado.

3. Instruídos que foram os autos de reclamação, foram os mesmos remetidos a este tribunal superior, pelo que nos cumpre apreciar e decidir tal reclamação.
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II- Fundamentação
A) De facto.
Com interesse e para melhor compreensão do objecto da presente reclamação e da decisão a proferir haverá que atender ainda aos seguintes factos:
1. A petição da acção referida no nº 1 do ponto I deu entrada em juízo no dia 31/1/2008 (embora tenha sido remetida por telecópia com registo de envio datado de 30/1/2008).
2. Nessa acção a autora alegou, em síntese, ter havido por parte da Ré um incumprimento do contrato ali descrito que com ela havia celebrado, o que a levou a proceder à resolução do mesmo e, em consequência, a pedir agora a condenação da última a pagar-lhe a quantia total de € 20.172,50, acrescida de juros moratórios e ainda da quantia anual de actualização no montante de € 1.072,50, a partir de 15/12/2008, até integral pagamento do montante em dívida.
Quantia aquela correspondente, segundo a alegação da autora, ao montante do investimento que fez (de € 10,725,00), acrescido do valor de actualização anual e correspondente a 10 % daquele montante (relativa ao período de 3 anos já decorridos sobre a data em que o contrato em causa foi aditado) e bem assim ainda de uma indemnização de € 3,50 por cada quilo de café do total que a ré se havia comprometido a comprar-lhe e que se encontrava em falta. Tudo isso devido, segundo alegou, em consequência do estipulado no clausulado do referido contrato e para o caso de resolução do mesmo por causa imputável à ré.
3. Após a apresentação da defesa da ré e a realização do julgamento, veio a ser proferida sentença na qual - após se ter considerado (além do mais) válida e eficaz a resolução do contrato efectuada pela autora em consequência do incumprimento culposo do mesmo por parte daquela -, julgando a acção parcialmente procedente, se condenou a referida ré a pagar à autora as seguintes importâncias:
- € 6.230,00, acrescida de juros comerciais de mora, à taxa legal, desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;
- € 12.870,00, acrescida de juros comerciais de mora, à taxa legal, desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento;
- o montante anual de € 1.072,50, relativo ao juro estipulado (10% de actualização anual) quanto ao valor de € 10.725,00, a vencer-se um ano após a citação e sucessivamente até integral pagamento.
4. A ré, na pessoa do seu ilustre mandatário, foi notificado da sentença por carta registada datada de 2/6/2008.
5. Em 11/6/2008, o ilustre mandatário da ré requereu cópia das cassetes contendo a gravação da prova.
6. Em 15/7/2008, a ré apresentou requerimento de interposição de recurso da sentença, acompanhado da respectiva motivação do mesmo (vg. alegações), onde, além do mais, impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, visando a reapreciação da prova gravada.
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B) De direito
Vejamos então se o recurso interposto pela ré/reclamante deve ou não ser admitido.
Questão essa que no caso se situa ou centra somente no plano da tempestividade ou não do requerimento de interposição desse recurso.
Dada a data da interposição da acção, tal questão será apreciada à luz da versão introduzida ao CPC pelo DL nº 303/2007 de 24/8 (artº 12, nº 1, desse DL), e a cujo diploma se referirão os demais normativos adiantes indicados sem a menção da sua fonte.
Como é sabido, com tal “reforma”(que entre nós introduziu, no domínio do recursos, o sistema monista) o prazo normal ou regra para a interposição dos recursos (cujos requerimentos devem ser acompanhados da respectiva motivação, vulgo alegações, dos mesmos) passou a ser de 30 dias, a contar da data de notificação da decisão que se pretende recorrer (artº 685, nº 1 - 1ª parte).
Porém, e como excepção a essa regra, tal prazo é diminuído para 15 dias, nos processos de natureza urgente e nos demais casos expressamente previstos na lei (2ª parte do nº 1 do citado artº 685 e nº 5 do artº 691). E entre esses casos (e tendo em conta a situação sub júdice) encontram-se as apelações interpostas de decisões do tribunal da 1ª instância que condenem no cumprimento de obrigações pecuniárias (artº 691, nº 2 al. d), ex vi nº 5 do mesmo normativo).
Em qualquer uma dessas situações, a tal prazo acresce ainda um outro de 10 dias, no caso do recurso em causa ter por objecto a repreciação da prova gravada (artº 685, nº 7). Diga-se ainda que a esse prazo global haverá sempre ainda a possibilidade de a parte o fazer estender por mais três dias nas situações previstas no artº 145, nº 5, mediante o pagamento da multa ali estipulada.
Posto isto, importa dizer que no caso em apreço a situação em litígio tem unicamente a ver com a questão de saber se ao recurso interposto pela ré/reclamante é aplicável o prazo (regra) inicial de 30 dias ou o prazo (de excepção) de 15 dias de que acima falámos, pois, face à demais factualidade acima descrita como assente, é manifesto que a admissibilidade (por tempestividade) ou inadmissibilidade (por intempestividade) do recurso está dependente conforme se considere a sujeição do mesmo ao primeiro ou ao segundo desses prazos.
A favor do prazo de 15 dias se pronunciou a srª juiz a quo, por entender que o caso era subsumível à situação prevista no citado artº 691, nº 2 d), dado na sentença recorrida se ter condenado a ré no cumprimento de uma obrigação pecuniária. Já favor do prazo (regra) de 30 dias se pronunciou a ré/reclamante (no que de resto, saliente-se, foi acompanhada pela autora, na sua resposta), por entender não cair o caso na previsão daquele normativo.
Quid iuris?
Como se extrai do disposto no nº 1 do citado artº 691 do CPC, o recurso de apelação visa prioritariamente as decisões (vg. sentenças e despachos) que ponham termo ao processo, ou, como mais rigor ainda que determinem a extinção da instância.
Porém, legislador acautelou a possibilidade de serem também instaurados recursos autónomos (de apelação) e que se reporta às situações elencadas no nº 2 daquele mesmo normativo legal.
E entre essas situações haverá aqui de destacar aquela prevista na al. d) do nº 1 do aludido artº 691 e que se reporta à “decisão que condene no cumprimento de obrigação pecuniária”.
A razão que terá levado o legislador a incluir tal situação no elenco dos recursos autónomos (de apelação) terá a ver com a ideia de que existindo uma condenação no pagamento de determinada quantia, a mesma deve efectivar-se no mais curto lapso de tempo. E daí que, conformando-se a parte com tal decisão ao não interpor dela recurso, se deva exigir o cumprimento coercivo dessa condenação, constituindo a respectiva decisão titulo executivo, nos termos do artº 46, nº 1 al. a).
Contudo, e como bem escreve Abrantes Geraldes (in “Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, pág. 174”), “a alusão genérica ao conteúdo da decisão não significa que toda e qualquer condenação no cumprimento de obrigação pecuniária obedeça ao regime prescrito no nº 2. Ao invés, a interpretação do preceituado na al. d) deve confrontar-se com o elemento histórico, de onde deriva que a raiz do preceito se encontra no anterior artº 740, nº 2, al. b), que visava essencialmente decisões de natureza intercalar, não abarcando, obviamente, as condenações inscritas em despachos
saneadores ou sentenças sobre o mérito da causa”.
Posto isto, se é certo que a sentença proferida pela 1ª instância (de que se pretende recorrer) condenou a ré no pagamento (à A.) de uma obrigação pecuniária, porém, e como facilmente resulta da materialidade factual acima descrita como assente, tal condenação resultou de uma decisão que apreciou e decidiu sobre o mérito das causa (não constituindo, pois, qualquer decisão intercalar).
E daí a conclusão de que o recurso dessa decisão (sentença que conheceu do mérito da causa) está sujeito ao prazo regra de 30 dias, estatuído no nº 1 do citado artº 691.
E sendo assim, o recurso interposto pela ré (que, por ter por objecto a reapreciação da prova gravada, vê aquele prazo inicial normal ser acrescido de mais 10 dias) deve ser considerado como tempestivo.
E nessa medida, se revoga o despacho reclamado.
Por outro lado, não existe qualquer outro obstáculo legal ao recebimento do referido recurso, dado o valor da causa (de € 20.172,50 que foi fixada na sentença recorrida e que, assim, ultrapassa o actual valor da alçada da 1ª instância) e a legitimidade que a ré tem para o efeito (cfr. artºs 678, nº 1, e 680, nº 1).
Recurso que, assim, se admite como apelação, com subida imediata, nos próprios e com efeito meramente devolutivo (cfr. artºs 691, nº 1, 691-A, nº 1, e 692, nº 1).
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, e na procedência da reclamação, decide-se:
a) Revogar o despacho reclamado e admitir o recurso interposto pela ré, A..., da sentença condenatória contra si proferida na acção acima identificada.
b) Recurso esse que é de apelação, com subida imediata, nos próprios e como efeito meramente devolutivo.
Sem custas.
Notifique.
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Oportunamente, requisite-se o processo ao tribunal da 1ª instância (artº 688, nº 6, do CPC).

Coimbra, 2009/02/03

Isaías Pádua