Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
417/03.9TACBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REENVIO
Data do Acordão: 04/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º, N.ºS 1 E 9 DA C.R.P , 368.º, 369.º ,371.º,426º DO C.P.P
Sumário: 1. A baixa dos autos à 1ª instância para reabrir a audiência nos termos dos artgs 368.º, 369.º e 371.º do C.P.P., com o fim de apurar as condições pessoais, profissionais e económicas dos arguidos e depois proferir nova sentença ,não pode ser considerado reenvio para novo julgamento o que determina a devolução do processo ao Tribunal que praticou a nulidade, a fim de a suprir.
2. Não é inconstitucional o art.426.º, n.º 1 do C.P.P. quando interpretado no sentido de excluir as condições sócio-económicas e pessoais do arguido como “questões concretamente identificadas” , a implicar necessariamente o reenvio, por violação do art.32.º, n.ºs 1 e 9 da C.R.P.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Por decisão de 7 de Maio de 2007, o Ex.mo Juiz do 3.º Juízo Criminal de Coimbra julgou improcedente o requerimento do arguido L…. em que arguiu a incompetência material do mesmo Juízo para cumprir o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra , de 14 de Fevereiro de 2007, e condenou este no respectivo incidente.

Inconformado com a decisão dela interpôs recurso o arguido L… , concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1. Prescreve o art.426.º, número 1,do Código de Processo Penal «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do número 2 do art. 410.º, não for possível decidir da causa o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo,ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio».
2. Nos presentes autos, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra entendeu reformar a decisão absolutória proferida pelo tribunal ora recorrido, no sentido da condenação do ora recorrente, remetendo para a primeira instância a escolha da medida concreta da pena, depois de a mesma averiguar as condições socio-económicas daquele.
3. Deste modo, identificou uma questão concreta a ser decidida - e que não o foi por ter considerado não o estar em condições de o fazer, apesar de se encontrarem nos autos os competentes relatórios do Instituto de Reinserçao Social.
4. O tribunal a quo, contornou uma óbvia situação de reenvio, baseando-se na ausência de indicação expressa do tribunal superior nesse sentido, que, por sua vez, deveria ter concluído estarem reunidos os pressupostos e verificadas as limitações que obrigam sempre à remessa dos autos ao tribunal imediatamente inferior, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
5. A decisão posta em crise deveria ter densificado e corrigido tudo aquilo que este mesmo Venerando Tribunal deixou omisso e imperfeito, começando, desde logo, por julgar procedente a suscitada questão da sua incompetência e, seguidamente, ordenar a remessa dos autos à distribuição.
6. Tudo por forma a que viesse a ser cumprido o estipulado pelo art. 426.º-A, número 2 do Código de Processo Penal.
7. A decisão ora recorrida, ao manifestar a intenção de «cumprir a decisão do tribunal superior interpretando-a dentro da literalidade possível e das disposições legais respectívas», optou por um sentido interpretativo da norma do art. 426.º do Código de Processo Penal que exclui, sem justificação, do segmento final do normatívo os elementos sociais, económicos, pessoais e profissionais do ora Recorrente.
8. Tais elementos deverão ser tidos como «questões concretamente identificadas na decisão.de reenvio».
9. Ao não ter procedido a tal esforço jus-hermenêutico constitucionalmente exigido, a decisão ora posta em crise violou o art. 32.º, número 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa.
10. O objectivo do expediente do reenvio consiste em suprir, definitivamente, os vícios de que padece a decisão da primeira instância objecto de recurso, por tribunal diverso daquele mesmo que neles incorreu, através de nova distribuição dos autos operada nos termos do art. 426-A do Código de Processo Penal, assegurando a independência, isenção e equidade de uma nova decisão.
11. Esta nova decisão mais não será do que a consequência necessária da observância do princípio do auto-esgotamento do poder jurisdícional - uma das últimas linhas de garantia dos direitos de defesa, consagrados no art. 32.º, número 1 da Constituição - e do juiz natural, positívado, no número 2 deste mesmo preceito.
12. O número 1 do art. 32.º da Lei Fundamental traduz-se numa cláusula geral que engloba todas as garantias de defesa que, mesmo não estando integralmente enunciadas naquele normativo, decorram do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do cidadão em processo penal.
13. Tais garantias gerais de defesa encontram concretização, para o que este caso interessa, no número 9 do mesmo art. 32.º, onde se consagra o princípio do juiz legal.
14. Este principio consiste na predeterminação do tribunal competente para o julgamento da lide, passando pelas características da determinabilidade, fixação de competência e divisão funcional interna.
15. A decisão ora posta em crise - a mesma que foi objecto de um juizo que concluiu pela existência de vícios entre os seus fundamentos e o dispositivo nela constante -, apoiada na letra do acórdão condenatório, ao defender ainda a sua competência para decidir de questões concretamente identificadas naquele violou o princípio do juiz natural.
16. Fê-lo optando por um sentido interpretativo da norma do art. 426.º do Código de Processo Penal que inconstitucionalmente não veio qualificar como « questões concretamente identificadas » aquelas tendentes ao apuramento das condições socio-económicas e pessoais do ora Recorrente, tal como tinha sido ordenado na decisão de tribunal superior que possui todas as caracteirísticas de uma decisão de reenvío.
17. Tal sentido interpretativo fará sempre perigar as garantias de imparcialidade, que o reenvio assegura, nos casos em que se imponha que o tribunal para onde é remetido o processo seja o mesmo que proferiu uma decisão absolutória,.
18. E tudo por ainda se propugnar pela falta de autonomia judicativa de certo tipo de questões, como as que, neste caso, digam respeito a aspectos não menos importantes.e necessários para a,determinação da medida concreta da pena.
19. Não se entrevê como aceitável, tal como parece querer a decisão ora recorrida, que o tribunal de recurso possa atribuir competência para o apuramento de tais aspectos e aplicação de tal medida concreta a um tribunal que aquele primeiro entendeu, precisamente, ter proferido uma decisão que padecia dos vícios de cuja verificação a aplícabílidade do art. 426.º do Código de Processo Penal depende.
20. Foram violadas as normas dos arts 426.º e 426-A do Código de Processo Penal e as do art. 32.º, número 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que: Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e a decisão recorrida substituída por outra que ordene a remessa dos presentes autos a distribuição.
Deve ainda ser proferido juízo de inconstitucionalidade do art. 426.º, número 1 do Códígo de Processo Penal, quando interpretado no sentido de excluir as condições socio-económicas e pessoais do Arguido como «questões concretamente identificadas», a implicar necessariamente o reenvio.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnado pela procedência do mesmo.

A demandante T....., S.A., respondeu também ao recurso interposto pelo arguido , mas pugnando pela manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o despacho recorrido não merece censura , devendo consequentemente confirmar-se o mesmo.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos , cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« O arguido L……………. suscita a questão da competência material deste Juízo Criminal para a reabertura da audiência de julgamento, invocando o disposto no art. 426.º-A, n.º 1, do Código do Processo Penal, nos seguintes termos:
O Acórdão da Relação de Coimbra determina, no seu decisório, que se deve «ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para reabrir a audiência nos termos dos art.ºs 368.º, 369.º e 371.º do C.P.P., com o fim de apurar as condições pessoais, profissionais e económicas dos arguidos e depois proferir nova sentença onde decida em conformidade», conferir fls 27 do referido Acórdão.
Estabelece o art. 426.º, n.º 1 in fine do Código Processo Penal que se verifica o reenvio sempre que, e no que ao caso interessa ou a questão concretamente “sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.”
Assim, e por força do art. 426.º- A n.º 1 do Código de Processo Penal, o novo julgamento compete ao tribunal de categoria e composição idênticas aquele que proferiu a decisão e que se encontrar mais próximo.
Assim resulta op legis da lei, que este Tribunal é materialmente incompetente para proferir a decisão referida no acórdão do Tribunal Superior.
Pelo exposto, deve a invocada incompetência ser declarada verificada e em consequéricia determinar-se a remessa dos presentes autos à distribuição, com a expressa advertência de que este Juízo é incompetente, a fim de ser julgado em qualquer um dos outros juizos criminais desta Comarca
O Ministério Público concordando com o requerimento apresentado promove que se remetam os autos à distribuição.
A demandante “T....,S.A.” sustenta que deve ser julgada improcedente tal questão prévia por entender que, em conclusão: “ 1- o douto Acórdão proferido pelo tribunal da relação de Coimbra é muito claro no sentido de que não se determina qualquer repetição do julgamento, pelo que não são aplicáveis os art.ºs 426.º e 426.º-A, do CPP; e 2- o mesmo douto aresto alterou a matéria de facto provada e determinou a reabertura da audiência de julgamento para determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos, acto para o qual, como é óbvio, é --- e só pode ser---, competente este Tribunal”.
O modo como a questão é colocada pelo arguido parece fazer sentido até porque já existindo nos autos os relatórios do IRS (fls 1503 e 1507) não seria fácil de alcançar o âmbito da reabertura ordenada.
No entanto, sabendo que dos autos já constava aqueles elementos o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra ordenou a “baixa dos autos à 1ª instância para reabrir a audiência nos termos dos artgs 368.º, 369.º e 371.º do C.P.P., com o fim de apurar as condições pessoais, profissionais e económicas dos arguidos e depois proferir nova sentença onde decida em conformidade”.
O Tribunal Superior nada referiu quanto ao pretendido reenvio. Cabe a este tribunal de comarca cumprir a decisão do Tribunal Superior ínterpretando-a dentro da literalidade possível e das disposições legais respectivas. Ora, uma vez que a lei não impõe necessariamente o reenvio, se o Tribunal Superior não o tiver ordenado nada se altera quanto à competência para a reabertura do julgamento. Nesta conformidade, parece que a ordenada diligência deve ser cumprida por este 3.º Juizo Criminal sem o pretendido reenvio.
Pelo exposto, julgo improcedente a invocada incompetência deste Juizo para cumprir o Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra.
Pelo incidente pagará o arguido L…… trezentos euros de taxa de justiça (art. 84.º, CCJ). Notifique.
Após trânsito, conclua para a designação de data para a ordenada reabertura.».
*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente L.... as questões a decidir são as seguintes :
- se o Tribunal da Relação de Coimbra determinou ao abrigo do art.426.º do C.P.P. , o reenvio do processo para conhecer de uma determinada questão , pelo que a decisão recorrida que julgou improcedente a incompetência do 3.º Juízo Criminal de Coimbra deve ser revogada e substituída por outra que ordene a remessa dos presentes autos à distribuição nos termos do art.426-A do mesmo Código; e
- se é inconstitucional o art.426.º, n.º 1 do C.P.P. quando interpretado no sentido de excluir as condições sócio-económicas e pessoais do arguido como “questões concretamente identificadas” , a implicar necessariamente o reenvio, por violação do art.32.º, n.ºs 1 e 9 da C.R.P..
Passemos a apreciar a primeira das questões objecto de recurso.
O art.426.º , n.º 1 do Código de Processo Penal , sob a epígrafe “ Reenvio do processo para novo julgamento” , estatuia à data da decisão recorrida – e ainda estatui, uma vez que não foi objecto de alteração pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto - , o seguinte:
« Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º , não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.».
Os vícios a que aludem as alíneas do n.º2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal são a insuficiência para a decisão da matéria de facto ( al. a), a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ( al. b) , e o erro notório na apreciação da prova ( al. c).
A lei é clara no sentido de que a existência dos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal nem sempre deve determinar o reenvio.
O reenvio só deve ter lugar se o vício não puder ser superado pelo Tribunal de recurso.
O conhecimento da questão objecto de recurso passa pela interpretação do que o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu no acórdão de 14 de Fevereiro de 2007.
Assim, importa aqui fazer uma breve síntese do alí mencionado.
Consta do acórdão de 14 de Fevereiro de 2007 que o Ministério Público e a lesada T...., S.A. , não se tendo conformado com a sentença proferida pelo 3.º Juízo Criminal de Coimbra, que absolveu os arguidos L….. , da prática de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo art.221.º, n.ºs 2 e 5 , al. b) do Código Penal e de um crime de acesso ilegítimo , p. e p. pelo art. 7.º n.ºs 1, 2 e 3 , al.b) , da Lei n.º 109/91, de 17-08, e J……., da prática de um crime de burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo art.221.º, n.º 2 do Código Penal e de um crime de acesso ilegítimo , p. e p. pelo art. 7.º n.ºs 1 e 2 , da Lei n.º 109/91, de 17-08, dela interpuseram recurso.
Conhecendo o recurso do Ministério Público , e depois de fazer uma breve síntese sobre o conteúdo dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e do erro notório na apreciação da prova, a que aludem as alíneas b) e c), n.º 2 do art.410.º do C.P.P. e de analisar os factos dados como provados e não provados pela sentença recorrida , a dado momento consignou-se o seguinte:
« O Exmo juiz ao julgar não provados os elementos integradores do elemento intelectual do crime em análise, julgou contra a lógica e as regras da experiência comum incorrendo assim num erro notório na apreciação da prova, que nos termos do 431.º al. a) do CPP pode ser colmatado por este tribunal da Relação sem recurso a novo julgamento que só é admissivel quando não for possivel decidir a causa.
Destarte julgam-se provados os factos referidos nas als. r) ,w, x), dd), ee), ff), gg), ll, mm), nn), oo), qq ), ww), xx), yy) e zz) dos factos não provados que asssim ficarão a fazer parte integrante do acervo factual provado.
Devendo os arguidos ser condenados pelos crimes de burla nas telecomunicações que lhe vêm imputados.
E aqui chegados , teríamos de avançar para as penas a aplicar aos arguidos cominadas no art.221º n.º 2 e 5 al. b) do Cód. Penal, prisão de 2 a 8 anos relativamente ao arguido L.... e 221º n.º 2 do mesmo código, prisão até 3 anos ou multa , relativamente ao arguido J....
Verifica-se, porém, que a matéria de facto é completamente omissa relativamente às condições pessoais, profissionais , familiares e económicas dos arguidos, que inviabilizam uma correcta aplicação da medida concreta da pena – art.s 70º, 71º e 72º do Cód. Penal.
Esta insuficiência da matéria de facto para a determinação da medida concreta da pena é susceptível de ser colmatada por recurso ao disposto nos artº 369º a 371º do CPP, reabrindo-se a audiência com esse fim expresso.» .
Por fim , na parte decisória, o Tribunal da Relação de Coimbra acordou em :
« - Revogar a decisão recorrida na parte em que julgou não provados os factos referidos supra, als. r), w), x), dd), ee), ff), gg), ll, mm), nn), oo), qq ), ww), xx), yy) e zz) que passarão a constar do acervo factual provado.
- Ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para reabrir a audiência nos termos dos artºs 368º, 369º e 371º do C.PP, com o fim de apurar as condições pessoais profissionais económicas e familiares dos arguidos e depois proferir nova sentença onde decida em conformidade.».
Da leitura e interpretação do acórdão de 14 de Fevereiro de 2007 resulta claro que o Tribunal da Relação entendeu que a sentença recorrida padecia do vício de erro notório na apreciação da prova, a que alude a al.c), n.º2 do art.410.º do C.P.P., pois perante os factos dados como provados , referentes ao elemento objectivo do tipo deveriam ter-se dados como provados os factos referentes ao elemento subjectivo do mesmo tipo.
Como já atrás se referiu , em face do disposto no art.426.º, n.º1 do C.P.P. existindo os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art.410.º do C.P.P. o processo só será reenviado para novo julgamento se não for possivel superar os vícios.
No caso , o acórdão de 14 de Fevereiro de 2007 referiu expressamente que o vício do erro notório na apreciação da prova “ pode ser colmatado por este Tribunal da Relação sem recurso a novo julgamento que só é admissível quando não for possível decidir a causa.”.
Logo de seguida o mesmo acórdão supre o vício do erro notório na apreciação da prova ordenado que os factos das várias alíneas, que indica, passem da matéria de facto dada como não provada na sentença , para o acervo factual provado.
Ao assim decidir, suprindo o vício, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 de Fevereiro de 2007, decidiu-se pelo não reenvio do processo para novo julgamento.
O Tribunal da Relação consignou, em seguida , que a matéria de facto era completamente omissa relativamente às condições pessoais, profissionais , familiares e económicas dos arguidos, o que inviabiliza uma correcta aplicação da medida concreta da pena, pelo que ordenou a reabertura da audiência para esse expresso fim.
Ao decidir-se apenas pela reabertura da audiência , ao abrigo do disposto nos artigos 369.º a 371.º do C.P.P. , para suprir a omissão sobre “ as condições pessoais profissionais económicas e familiares dos arguidos e depois proferir nova sentença onde decida em conformidade” , o Tribunal da Relação não faz a mínima referência ao reenvio do processo para novo julgamento ao abrigo do disposto no art. 426.º do C.P.P..
No nosso entendimento o acórdão não faz a mínima referência ao disposto no art.426.º do C.P.P. e ao reenvio para novo julgamento , quando ordena a baixa dos autos à 1ª instância, porque a sentença , depois de colmatado o vício do erro notório na apreciação da prova , não padece já de qualquer dos vícios a que aludem as várias alíneas do n.º2 do art.410.º do mesmo Código, mas sim da nulidade a que alude a al.c), n.º1 do art.379.º do C.P.P..
O art.379.º, n.º 1, al. c) , do C.P.P. estabelece que é nula a sentença , designadamente , « quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar… » .
A completa omissão de pronúncia sobre as condições pessoais, profissionais , familiares e económicas dos arguidos, que a sentença deveria referir, e não refere inviabilizando uma correcta aplicação da medida concreta da pena, é o fundamento que leva o Tribunal da Relação a ordenar a reabertura da audiência e a prolação de nova sentença.
A nulidade de sentença determina a devolução do processo ao Tribunal que praticou a mesma, a fim de a suprir.
Uma vez que a sentença foi proferida pelo Ex.mo Juiz do 3º Juízo Criminal de Coimbra, é a este que cumpre suprir a nulidade da mesma sentença.
Pelo exposto , bem andou o Ex.mo Juiz quando no despacho recorrido entendeu que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não ordenou o reenvio do processo para novo julgamento e indeferiu a arguição, suscitada pelo recorrente Luís Bandeira, de incompetência do 3.º Juízo Criminal de Coimbra e subsequente remessa dos presentes autos à distribuição nos termos do art.426-A do mesmo Código.
A questão seguinte se é inconstitucional o art.426.º, n.º 1 do C.P.P. quando interpretado no sentido de excluir as condições sócio-económicas e pessoais do arguido como “questões concretamente identificadas” , a implicar necessariamente o reenvio, por violação no art.32.º, n.º 1 e 9 da C.R.P..
Vejamos.
O art.32.º da Constituição da República Portuguesa estabelece , designadamente:
« 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa , incluindo o recurso.
(…)
9. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior. »
Como já foi referido aquando do conhecimento da questão anterior, o acórdão do Tribunal da Relação, de 14 de Fevereiro de 2007, não faz a mínima referência ao art.426.º, n.º 1 do C.P.P. , e o despacho recorrido optou por considerar que aquele acórdão , ao ordenar a reabertura da audiência com o fim de apurar as condições pessoais , profissionais e económicas do arguido, não o fez ao abrigo da figura do reenvio para novo julgamento.
Uma vez que o despacho recorrido entendeu , e bem , que o acórdão da Relação não determinou o reenvio do processo para novo julgamento, não interpretou, consequentemente , o art.426.º, n.º 1 do C.P.P. no sentido de excluir as condições sócio-económicas e pessoais do arguido das “questões concretamente identificadas”.
Assim, nenhuma norma jurídica , designadamente as disposições constitucionais indicadas pelo recorrente , foram violadas pelo despacho recorrido.
Improcede, pois, também esta questão.

Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido L…………….. e manter o despacho recorrido.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando em 6 Ucs a taxa de justiça.