Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1336/08.8TBGRD-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SENTENÇA RECTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.17, 36 AL.C) CIRE, ARTS.667,668,669 CPC, ART.10 CC
Sumário: I – A fixação da residência dos administradores da devedora, nos termos da alínea c) do art.36 do CIRE, destina-se a regular o bom andamento do processo e deve constar da parte dispositiva da sentença.

II – Se o juiz na sentença que declara a insolvência omitiu a fixação de residência dos administradores da devedora, deve suprir oficiosamente tal omissão, por aplicação analógica do art.667 nº1 do CPC.

III – As declarações que um interveniente processual tenha produzido no âmbito de diligência processual e constem da respectiva acta, não podem ser corrigidas a requerimento de outro sujeito processual, mesmo que se alegue não corresponderem à realidade.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):

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Recorrente A (…)

Recorrido B (…) e Outros.


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I. Relatório:

a) Por sentença proferida em 29 de Outubro de 2008 foi declarada em estado de insolvência a empresa B (…), com sede (…).

Foi dado como provado na sentença que «O requerente em sede executiva não logrou obter bens suficientes para satisfazer o seu crédito, não lhe sendo conhecidos outros bens penhoráveis».

Mais tarde, o Sr. juiz do processo, dando-se conta de que não tinha indicado na parte dispositiva da sentença quem era ou eram os representantes legais da insolvente, para efeitos do disposto na al. c), do artigo 36.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), veio suprir tal omissão, por despacho de 18 de Novembro de 2008, nestes termos: «Fixo a residência da administradora da insolvente (…) – no Largo de (…), nesta cidade».

Outra ocorrência processual consistiu em ter ficado a constar da acta n.º 1 da Reunião da Comissão de Credores, o seguinte texto: «Relativamente aos outros assuntos, o administrador de insolvência informou os presentes de que a legal representante da devedora o informou presentes de que a legal representante da devedor o informou das contas bancárias, em que existe saldo pertencente à empresa, tendo efectuado a entrega dos montantes respectivos para depósito na conta a abrir em nome da massa»

b) Com o presente recurso, a recorrente pretende:

1 – Que se revogue o despacho que não atendeu ao requerimento no qual pediu a correcção do erro constante da sentença que declarou a insolvência, erro que consistiu em ter sido exarado nos factos provados da sentença o segmento «O requerente em sede executiva não logrou obter bens suficientes para satisfazer o seu crédito, não lhe sendo conhecidos outros bens penhoráveis», isto, porque não existem nos autos quaisquer indicações de ter havido uma execução movida pelo requerente da insolvência contra a insolvente.

Como a recorrente não pretendeu recorrer da sentença, mas quis obter a supressão daquele parágrafo da sentença, apenas lhe restou pedir a correcção daquilo que entendeu ser um erro material.

O tribunal «a quo» não atendeu ao pedido com a justificação de que a sentença já tinha transitado.

Porém, a recorrente entende que a sentença sempre poderia ter sido objecto de reforma, nos termos do artigo 669.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil.

2 – A recorrente pretende também que se revogue o despacho complementar da sentença que declarou a insolvência da empresa B (…) no qual a recorrente foi instituída como administradora da empresa insolvente e lhe foi fixada residência, pela razão de que estava esgotado o poder jurisdicional do juiz, sendo certo que a matéria acrescentada não se integra no conceito de correcção de erro material, mas sim de  reforma da sentença.

Porém, neste caso, a recorrente sustenta que o juiz já não tinha poder jurisdicional para, oficiosamente, indicar quem eram os representantes legais da insolvente.

O acrescento gerou nulidade arguível perante o tribunal a quo, por não se tratar de nenhuma das referidas no artigo 668.º do Código de Processo Civil, pelo que, o tribunal devia ter-se pronunciado sobre ela.

Diz também que este despacho está ferido de inconstitucionalidade nos termos do artigo 20.º e 205.º da CRP.

A requerente defende ainda que ela apenas pode ser considerada sócia da insolvente com poderes de gerência, juntamente com a outra sócia (…) e a (…), mas não administradora, pois os sócios não são gerentes para efeitos do disposto nos artigos 36.º, al. c) e 6.º do CIRE, podendo os poderes de gerência ser actuados pelo conjunto dos sócios – artigo 24.º, n.º 2, al. a) do CIRE.

3 – Em terceiro lugar, pretende que se revogue o despacho que não atendeu o seu pedido no sentido de ser corrigida a acta n.º 1 da Reunião da Comissão de Credores, na parte em que afirma «Relativamente aos outros assuntos, o administrador de insolvência informou os presentes de que a legal representante da devedora o informou presentes de que a legal representante da devedor o informou das contas bancárias, em que existe saldo pertencente à empresa, tendo efectuado a entrega dos montantes respectivos para depósito na conta a abrir em nome da massa».

b) O objecto do recurso consiste, por conseguinte, nos três grupos de questões acabados de identificar.

II. Fundamentação.

Passando à análise das questões objecto do recurso.

1 – Quanto à pretensão de revogação do despacho que não atendeu ao requerimento no qual pediu a supressão do segmento da sentença «O requerente em sede executiva não logrou obter bens suficientes para satisfazer o seu crédito, não lhe sendo conhecidos outros bens penhoráveis».

Verifica-se, efectivamente, que consta do teor da sentença a parcela de texto em causa, por duas vezes; uma no relatório e a outra na indicação dos factos provados.

A recorrente afirma que o requerente da insolvência nunca instaurou execução contra a empresa insolvente.

Pelo que consta dos elementos que instruem o recurso, verifica-se que não há notícia de ter sido instaurada, efectivamente, alguma execução.

Com efeito, como se vê pelo teor da petição inicial (folhas 73 e seguintes), não foi alegada tal factualidade e não tendo sido inquiridas testemunhas (como é certificado a folhas 71) também é certo que tal matéria não resultou da respectiva inquirição.

É de ter como certo, por conseguinte, que o referido segmento de texto não corresponde à realidade.

Não consta dos autos a data de trânsito em julgado da sentença que declarou a insolvência, mas afigura-se que a presente questão pode ser resolvida apesar de se desconhecer tal data.

A resolução desta primeira questão passa por saber se o segmento de texto «O requerente em sede executiva não logrou obter bens suficientes para satisfazer o seu crédito, não lhe sendo conhecidos outros bens penhoráveis» introduzido na sentença, pode ser ou não qualificado como «erro material» para efeitos do disposto no artigo 667.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe o seguinte:
«1. Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2. Em caso de recurso, a rectificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à rectificação.
Se nenhuma das partes recorrer, a rectificação pode ter lugar a todo o tempo, cabendo agravo do despacho que a fizer».

Os erros materiais são erros originados pela falta de sintonia entre o pensamento e a escrita, verificando-se uma divergência entre a vontade e a sua execução material; o juiz tinha «A» em mente e escreveu, por lapso, «B».

São estes os erros cuja rectificação é viabilizada por esta norma.

Não se trata, por conseguinte, de erros de raciocínio, pois, nestes casos, a vontade e a sua expressão escrita coincidem e, sendo assim, não há nada a rectificar.

A correcção do erro de raciocínio efectua-se através do mecanismo do recurso, se a decisão o admitir.

Por vezes não é fácil ou possível distinguir uns erros de outros.

Nas palavras do Prof. Alberto dos Reis, para concluirmos pela existência de um erro material, «É necessário que as circunstâncias sejam de molde a fazer admitir, sem sombra de dúvida, que o juiz foi vítima de erro material: quis escrever uma coisa, e escreveu outra. Há-de ser o próprio contexto da sentença que há-de fornecer a demonstração clara do erro material. Suponhamos que todas as considerações e todos os dizeres da sentença ou despacho inculcam nitidamente que a acção vai ser julgada procedente; o juiz afirma claramente que o autor tem razão e que é infundada a defesa do réu; mas, ao chegar à decisão, escreve “Julgo a acção improcedente”, em vez de “Julgo a acção procedente”. O lapso é manifesto; o artigo 667.º autoriza-o a corrigir o erro, declarando a acção procedente» - Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 131, Coimbra/1984.

Trata-se de seguir aqui a mesma normatividade que disciplina a exteriorização e fixação da vontade nos negócios jurídicos (Neste sentido ver o Ac. do S.T.J. de 8-6-78, B.M.J. n.º 278-165, anotado pelo Prof. Vaz Serra na RLJ ano 111.º, pág. 382).

Dispõe, com efeito, o artigo 249.º do Código Civil, que «O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».

Voltando às palavras do Prof. Alberto dos Reis, «…é necessário que o próprio conteúdo da sentença ou despacho, ou dos termos que o precederam, se depreenda claramente que se escreveu coisa diferente do que se queria escrever; se assim não for, a aplicação do art. 667.º é ilegal. Quer dizer, importa evitar que à sombra deste artigo, o juiz se permita emendar erro de julgamento, que, como já assinalámos, é espécie diversa de erro material» - ob. cit., pág. 132.

No caso dos autos, verifica-se que não existe um lapso detectável, objectivamente, através da leitura da sentença, mas pode concluir-se facilmente pela ocorrência de erro através das circunstâncias em que foi elaborada a sentença.

Com efeito, não há nos autos qualquer certidão que prove a existência de um processo executivo instaurado pelo requerente da insolvência contra a insolvente.

E, como já se referiu, não foram ouvidas testemunhas, pelo que, não se coloca a hipótese de tal informação ter tido origem em prova desta natureza e, por fim, o requerente da insolvência não alegou tal facto.

Reunidas estas circunstâncias factuais é de ter como certa a ocorrência do alegado erro material (eventualmente originado pelo recurso o meios informáticos, com aproveitamento de sentença anterior para elaborar a sentença dos autos, não tendo, por desatenção, sido suprimido tal parcela de texto que diria respeito a caso diverso, anterior).
Concluiu-se, por conseguinte, pela existência de erro material que deverá ser corrigido pelo tribunal, pois, não tendo havido recurso da decisão, como não houve, «a rectificação pode ter lugar a todo o tempo» - n.º 2 do artigo 667.º do Código de Processo Civil.
Passando à segunda questão.

2 – A recorrente pretende que se revogue o despacho complementar da sentença que declarou a insolvência da empresa B (…) no qual a recorrente foi instituída como administradora da empresa insolvente e lhe foi fixada residência, pela razão de que estava esgotado o poder jurisdicional do juiz e a matéria acrescentada não se integrar no conceito correcção de erro material de sentença, mas sim de  reforma de sentença, mas, neste caso, entende que o juiz já não detinha poder jurisdicional para indicar quem eram os representantes legais da insolvente; não se tratando da correcção de um erro de escrita, mas de reforma da decisão, nos termos do artigo 669.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, que não pode ser feita oficiosamente.

Diz também que este despacho está ferido de inconstitucionalidade nos termos do artigo 20.º e 205.º da CRP.

A requerente defende ainda que ela apenas pode ser considerada como sócia da insolvente, com poderes de gerência juntamente com a outra sócia (…)  e a Herança de (…).

E que os sócios não são gerentes para efeitos do disposto nos artigos 36.º, al. c) e 6.º do CIRE, podendo os poderes de gerência ser actuados pelo conjunto dos sócios – artigo 24.º, n.º 2, al. a) do CIRE.

Vejamos.

O artigo 36.º do CIRE determina o conteúdo que deve ter a sentença que declara a insolvência, constando do seu proémio que «Na sentença que declarar a insolvência, o juiz: …», referindo-se, de seguida, na respectiva al. c), que o juiz «Fixa residência aos administradores do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular».

O juiz na sentença não fixou a residência «aos administradores» e dando-se conta, mais tarde, da omissão proferiu despacho complementar a colmatar esta falta.

A recorrente diz que não o podia ter feito oficiosamente, por não se tratar de erro material, mas antes um caso de reforma de sentença, esta só possível por iniciativa das partes.

Aparentemente tem razão, mas só aparentemente.

Com efeito, o CIRE manda aplicar aos casos omissos, no seu artigo 17.º, o disposto no Código de Processo Civil, logo, o disposto nos artigos 667.º (Rectificação de erros materiais), 668.º (Causas de nulidade da sentença) e 669.º (Esclarecimento ou reforma de sentença).

O caso dos autos não parece caber na letra do artigo 667.º relativo à rectificação de erros materiais que cobre estas situações:

– Omissão do nome das partes;

– Omissão da decisão quanto a custas;

– Erros de escrita ou de cálculo;

– Quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.

Pode colocar-se a hipótese desta situação se incluir no grupo relativo a «quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto», mas não é o caso..

Com efeito, as «inexactidões» hão-de estar referidas a algo que foi feito de forma deficiente e não aos casos em que algo foi simplesmente omitido.

Não se trata manifestamente de um caso de nulidade de sentença enquadrável nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 668.º, do Código de Processo Civil, ou seja:

«a) Quando não contenha a assinatura do juiz;

b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;

d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».

O único caso que poderia suscitar alguma dúvida é o de saber se a omissão em causa não poderá incluir-se na al. d ), onde se diz que a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…».

Porém, o caso dos autos não se integra neste tipo de nulidade porque as questões aqui previstas são questões suscitadas pelas partes e relativas ao mérito da acção ou à respectiva relação processual, questões controvertidas cuja apreciação foi suscitada e foi omitida.

No caso que agora nos ocupa não se trata de qualquer questão suscitada pelas partes, quer relativa ao mérito quer à relação processual, mas sim de cumprir um requisito que a lei manda constar da sentença.

Também não se trata de questão a resolver em sede de esclarecimento ou reforma de sentença, consoante o disposto no artigo 669.º do Código de Processo Civil, pois nesta norma prevêem-se os casos de:
– Esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha;
– Reforma quanto a custas e multa;
– Quando tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
– Quando constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.

Onde enquadrar o caso dos autos?

Antes de mais, temos de verificar do que realmente se trata.

Lendo as diversas determinações que o artigo 36.º do CIRE, verificamos que estão contempladas nesta norma questões destinadas a regular o andamento do processo após a sentença de declaração de insolvência.

As determinações que esta norma manda incluir na sentença não respeitam, pois, a qualquer questão que seja controvertida ou pertinente quer do ponto de vista do mérito relativo à insolvência, quer respeitante à regularidade da relação processual.

Ou seja, estamos perante matérias de índole processual necessárias ao bom andamento do processo e que se seguem à declaração de insolvência.

São, pois, questões que a própria lei elege como devendo constar da parte dispositiva da sentença e não questões suscitadas pelas partes.

No caso concreto da al. c) do artigo 36.º do CIRE, relativo a fixação de residência dos administradores do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular, a norma, como resulta da sua letra, tem por finalidade fixar o domicílio para onde hão-de ser remetidas as notificações, evitando-se, assim, demoras na comunicação dos actos (Neste sentido Pedro Macedo, Manual de Direito das Falências, Vol. II, pág. 52, quando diz que «Também há que lhe fixar domicílio para receber as notificações, assim se evitando demoras da comunicação dos actos», finalidade que resultava claramente do disposto no antigo n.º 2 do artigo 1192.º do Código de Processo Civil).

Face ao que fica exposto, não se tratando de um caso de «nulidade de sentença», nem de «esclarecimento ou reforma de sentença» ou de «rectificação de erros materiais» estamos perante uma lacuna legal a solucionar nos termos do artigo 10.º do Código Civil.

Cumpre, por isso, verificar se o caso tem analogia com alguma das situações previstas nos mencionados artigos 667.º, 668.º e 669.º do Código de Processo Civil.

Dada a natureza desta questão, relativa ao regular andamento do processo, o assento natural será nos casos de «rectificação de erros materiais».

Com efeito, cabem nestes casos situações de igual ou superior envergadura em relação ao caso dos autos, como é o caso da omissão relativa à decisão sobre custas.

O n.º 1 do artigo 667.º do Código de Processo Civil permite que o juiz, oficiosamente, profira decisão sobre custas nos casos em que omitiu tal decisão.

O que se compreende, pois tratando-se de matéria que obrigatoriamente deve constar da decisão (n.º 1 do artigo 446.º do Código de Processo Civil) não podia tal matéria ser deixada à livre iniciativa das partes, que poderiam ou não pedir a respectiva reforma, podendo até, sendo as custas elevadas, dar-se o caso das partes acordarem em não reclamar da omissão da condenação em custas.

Ora, o assunto sob recurso tem afinidades com o caso relativo à omissão da condenação em custas porque, em ambos os casos, se trata de matéria que a lei manda exarar na sentença.

Por identidade de razões deve adoptar-se a mesma solução processual para todos os casos em que o juiz, sem justificação, tenha omitido, na parte dispositiva da sentença, uma matéria que a lei, expressamente, aí mandava incluir.

Esta solução é permitida pelo disposto no artigo 10.º do Código Civil onde se determina, no seu n.º 1, que «Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos», dizendo o n.º 2 que «Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei».

Dada a analogia existente entre o caso dos autos e os casos em que a decisão é omissa em relação à decisão sobre custas, deve adoptar-se a mesma solução processual, que consiste, na possibilidade do juiz, mais tarde, oficiosamente, colmatar essa omissão.

Pelo exposto, conclui-se que a decisão do juiz não enferma de nulidade na medida em que tem sustentação processual.


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A recorrente sustenta, ainda, que não pode ser considerada «administradora».

Mas não tem razão.

Com efeito, uma sociedade enquanto existir como pessoa jurídica tem de ser representada legalmente por alguém.

Como consta da matéria de facto da sentença, o único gerente da insolvente faleceu e não foi nomeado outro gerente.

Nestas circunstâncias, o n.º 1 do artigo 253.º do Código das Sociedades Comerciais dispõe que «Se faltarem definitivamente todos os gerentes, todos os sócios assumem por força da lei os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes».

Sobre esta questão Raul Ventura referiu que «O art. 253.º, n.º 1, não diz que, faltando definitivamente todos os gerentes, todos os sócios passam a ser gerentes; diz que todos os sócios assumem os poderes de gerência e que o fazem por força da lei. Esta última parte mostra ser desnecessária qualquer designação; a própria lei automaticamente faz os sócios assumirem esses poderes. E assim como não é necessária a designação, também não é necessária a aceitação, nem é lícita a renúncia – tudo se passa por força da lei, contra a qual não vale a vontade de nenhum dos sócios» -  Sociedades por Quotas, Vol. III, pág. 46.

E continua: «Os poderes assumidos pelos sócios são todos os que pertencem aos gerentes que os sócios substituem. Se todos esses poderes dos gerentes são necessários, segundo a lei, para a vida da sociedade, todos eles continuam a sê-lo se a sociedade for gerida pelos sócios; portanto, a administração stricto sensu e a representação activa e passiva» - ob. cit., pág. 47.

Como se referiu acima, a fixação da residência aos administradores, a que alude a al. c) do artigo 36.º do CIRE, destina-se a tornar certo o local onde devem ser contactados os representantes legais da insolvente ao longo do processo.

Sendo esta a finalidade da lei e sendo a representação a sociedade assegurada pelos sócios, também por força da lei, por inexistir outro representante legal, o juiz não tinha qualquer outra alternativa a não ser identificar e fixar residência à recorrente por se incluir nos casos em que a lei a designa obrigatoriamente como representante legal da insolvente.

A lei, na mencionada al. c), do artigo 36.º do CIRE, denomina quaisquer representantes legais da insolvente por «administradores» e a recorrente insurge-se quanto a esta qualificação que lhe é dada.

Porém, é a própria lei que utiliza a denominação de «administrador», que mais não é do que um nome.

Mas a realidade é a que consta do processo: a recorrente sendo sócia da insolvente e não havendo gerente, assume obrigatória e automaticamente os poderes de gerência, por força do disposto no n.º 1 do art. 253.º, do Código das Sociedades Comerciais.


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Por fim, ainda quanto a esta segunda questão, diz que o despacho sob recurso está ferido de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 20.º e 205.º da CRP.

Porém, esta questão não assume relevância na medida em que a inconstitucionalidade se refere apenas a normas jurídicas, não a decisões.

Improcede, por conseguinte, sem necessidade de mais considerações a alegação de inconstitucionalidade.

Passando à última questão.

3 – A recorrente pretende que se revogue o despacho que não atendeu o seu pedido no sentido de ser corrigida a acta n.º 1 da Reunião da Comissão de Credores, na parte em que a acta diz: «Relativamente aos outros assuntos, o administrador de insolvência informou os presentes de que a legal representante da devedora o informou presentes de que a legal representante da devedor o informou das contas bancárias, em que existe saldo pertencente à empresa, tendo efectuado a entrega dos montantes respectivos para depósito na conta a abrir em nome da massa».

Não se pode atender a este pedido.

As actas servem para fixar por escrito aquilo que ocorreu em certo acto.

Quando se escreveu na acta «… o administrador de insolvência informou os presentes de que a legal representante da devedora o informou…», mencionaram-se as próprias declarações do administrador da insolvência.

Ora, as declarações prestadas nesse acto pelo Sr. Administrador e exaradas na respectiva acta reflectem aquilo que ocorreu no acto, sendo certo que a acta deve reflectir precisamente aquilo que ocorreu.

Por outro lado, as declarações em questão pertencem ao Sr. Administrador.

Sendo assim, pertencendo estas declarações ao administrador da insolvência, o tribunal não pode suprimir tais declarações ou substituí-las por outras, designadamente com o fundamento de que elas estão em desarmonia com a realidade, isto é, que não retratam com fidelidade essa realidade.

Ou seja, as palavras que uma pessoa interveniente no acto documentado utilizou, concordantes ou não com a realidade, são dela, pertencem-lhe, não podendo ser alteradas por outrem, designadamente pelo tribunal.

Improcede, por conseguinte, este fundamento do recurso.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e determina-se que o tribunal recorrido proceda à rectificação do erro de escrita assinalado e que consiste em ter-se exarado na sentença, em dois locais (relatório e fundamentação), o seguinte segmento de texto: «O requerente em sede executiva não logrou obter bens suficientes para satisfazer o seu crédito, não lhe sendo conhecidos outros bens penhoráveis».

Julga-se improcedente o recurso quanto aos restantes pedidos.

Custas pela recorrente na proporção de 2/3 e pela parte vencida a final na proporção de 1/3.


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Nos termos do n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil elabora-se o seguinte sumário:

1. A fixação de residência dos administradores da devedora, nos termos da al. c) do artigo 36.º do CIRE destina-se a regular o bom andamento do processo e deve constar da parte dispositiva da sentença.

2. Se o juiz na sentença que declara a insolvência omitiu a fixação de residência dos administradores da devedora, deve suprir oficiosamente tal omissão.

3. As declarações que um interveniente processual tenha produzido no âmbito de diligência processual e constem da respectiva acta, não podem ser corrigidas a requerimento de outro sujeito processual, mesmo que se alegue não corresponderem à realidade.