Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
125/20.6T8TND.C1-A
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
ASSINATURA DE DOCUMENTO PARTICULAR
FORMA DA DOAÇÃO DE COISAS MÓVEIS
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TONDELA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR MAIORIA
Legislação Nacional: ARTIGO 636.º, DO CPC E ARTIGOS 373.º, N.º 1 E 947.º, N.º 2, 2.ª PARTE, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Se os recorridos pretendem a eliminação de determinados factos provados, que indicaram apenas na resposta à alegação da contraparte, e não no seu recurso principal, tal pretensão deverá ser desatendida se não ampliado o objeto do recurso conforme se prevê no art.º 636º do CPC.

II - Assinatura é a subscrição do documento com o nome do seu autor; a subscrição é requisito essencial do documento particular - art.º 373º, n.º 1 do Código Civil.

III - No referido normativo não se especifica se o ato de assinar o documento exige, para que se considere existir assinatura (documento assinado), que o signatário escreva o seu nome completo ou apenas só alguns nomes, pelo que não será necessário que a assinatura contenha o nome completo.

IV - Na situação prevista no art.º 947º, n.º 2, 2ª parte, do CC (doação de coisa móvel sem tradição da coisa doada), interessa que os carateres lançados no documento mostrem que foi assinado por determinada pessoa, que o quis assinar e assinou efetivamente.

V - Se a doadora “estava debilitada fisicamente e por isso, nos últimos tempos, já só assinava com o primeiro nome”, devemos considerar o documento assinado e a doação formalmente válida

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

              I. Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de AA, em que são interessados BB (requerente), CC (cabeça-de-casal) e DD, esta reclamou contra a relação de bens referindo a omissão de relacionamento de créditos (da reclamante), de bens móveis e de um imóvel, e a exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo), ou, se assim não se entender, que se relacione como crédito da reclamante o montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo que pagou pela participação dos montantes em numerário existentes nas contas bancárias.

            A cabeça-de-casal respondeu à reclamação: refutou a omissão de créditos, opôs-se à exclusão da “verba n.º 1” e aceitou o relacionamento dos restantes bens (móveis e imóvel).

            Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação, pelo que:

            A) Reconheceu os créditos da reclamante sobre a herança relativos a despesas de funeral (€ 1 660); B) Reconheceu o crédito da reclamante sobre a herança relativo à devolução do montante indevidamente pago a título de reforma à inventariada (€ 408,58); C) Reconheceu os créditos da reclamante, sobre a herança, referentes às despesas em vida com a reclamante (€ 152,57); D) Reconheceu o crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança; E) Determinou que os créditos em causa sejam relacionados; F) Indeferiu o pedido de exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo).

            Inconformados, a cabeça-de-casal CC e o interessado BB apelaram formulando as seguintes conclusões:

            1ª - A matéria constante do facto provado em que “Reconhece os créditos da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança” foi incorretamente julgada, mostrando imprecisões.

            2ª - Os concretos meios de prova que impõem decisão diversa são os documentos juntos - confronto entre a matéria de facto alegada pelas partes e a prova, testemunhal e documental, carreada para os autos, com uma correta interpretação e aplicação do direito.

            3ª - Na reclamação à relação de bens, veio a Recorrida alegar que o valor de € 13 753,50 estava diretamente relacionado com a participação do óbito às finanças, designadamente com a relacionação de depósitos bancários, ou seja, alegando tratar-se de

imposto sucessório.

            4ª - Tal não encontra consonância com a realidade dos factos nem com a realidade vertida nos documentos juntos, tendo o Mm.º Juiz a quo errado quanto à subsunção dos factos ao direito, analisando incorretamente a incidência objetiva e subjetiva do imposto de selo e as operações a ele associadas, conforme se demonstrará.

            5ª - Nas transmissões gratuitas [art.º 2º, n.º 2 CIS] são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitem os bens, sem prejuízo das seguintes regras: a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.

            6ª - In casu, e de uma leitura atenta do doc. 9 junto com a reclamação à relação de bens verifica-se que o imposto em causa está diretamente associado, não com a participação de imposto de selo conforme alegado pelo Recorrida, mas sim com o contrato de doação do valor de € 159 000 junto igualmente com a reclamação à relação de bens, como docs. 7 e 8, motivo pelo qual o ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira se encontra dirigido à Recorrida e não à cabeça-de-casal Recorrente.

            7ª - Apesar de habilmente a Recorrida ter “tapado” parte das informações constantes do ofício da Autoridade Tributária e Aduaneira, consegue-se ler que se trata de “demonstração da liquidação – doação”.

            8ª - Acresce que do doc. 11 junto com a reclamação à relação de bens, designadamente na dita participação de imposto de selo por óbito da Sr.ª AA, inventariada nos autos principais, verifica-se que de facto foram relacionados créditos, encontrando-se, no entanto, o valor dos mesmos a € 0,00, não podendo ser dessa forma, a Autoridade Tributária e Aduaneira autonomamente atribuído o valor de € 159 000 aos mesmos.

            9ª - Tratou-se assim de uma forma por parte da Recorrida de tentar “enganar” o tribunal e a Recorrente, por forma a integrar como encargo da herança um valor que só a si diz respeito.

            10ª - Assim, tal quantia não poderá ser reconhecida como crédito sobre a herança, pelo que deve o referido facto dar-se como não provado, não devendo o crédito ser relacionado como encargo da herança.

            A reclamante também recorreu, concluindo:

            1ª - Incorreu o Tribunal a quo numa omissão de pronúncia, nulidade que expressamente se invoca, e deve, assim, a sentença recorrida ser revogada, e ser deferido o pedido de exclusão da verba 1 - depósito a prazo n.º ...331.

            2ª - Porquanto, o Juiz a quo, na Sentença, não resolveu todas as questões que a parte submeteu à sua apreciação, mormente, sequenciou omissão de pronúncia ao não sem pronunciar na decisão de direito sobre a doação ocorrida em 09.01.2020, mesmo tendo dado como provada.

            3ª - A decisão proferida no procedimento cautelar não faz caso julgado na ação principal correlativa.

            4ª - Tais pontos deviam ser fundamentados com base no documento particular de doação, junto a fls. 42, datado de 09.01.2020, coadunado com as declarações prestadas por parte das testemunhas EE e FF.

            5ª - Pois que, o acórdão para o qual o Tribunal a quo remete (fls. 133/processo n.º 125/20....) apenas se pronuncia quanto à doação de 12.01.2020, documento assinado a rogo – atendendo que no arrolamento foi apenas ouvida a testemunha GG, funcionária do Banco.

            6ª - Acresce que existe uma contradição com a matéria de facto dada por provada e a matéria de direito.

            7ª - Considerou o Mm.º Juiz na matéria de facto dada por provada que a inventariada:

            “De tal forma que, a D. AA doou à reclamante DD sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no Banco 1... – o que foi aceite pela sua sobrinha.

            Tendo aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz.

            A D. AA estava debilitada fisicamente e por isso nos últimos tempos já só assinava com o primeiro Nome.

            Doação que foi também corroborada pela bancária do Banco 1... que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D. AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D. AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no Banco 1... para a reclamante no montante total de 159.000,00€.”

            8ª - Constando dos factos provados a doação do dia 09.01.2020, deveria constar expressamente:

            - Por documento junto a fls. 42 datado de 09.01.2021, AA, doou a DD, todo o dinheiro que possui junto do Banco 1..., no valor de € 159 000, que foi aceite pela donatária;

            - Tal doação ocorreu por documento assinado por AA, apondo o nome “AA”, o que fez na presença de EE e HH.

            9ª - Porquanto, alicerça o Mm.º Juiz a fundamentação da matéria de facto dada por provada o documento junto a fls. 42, ou seja, a doação do dia 09.01.2020.

            10ª - Ademais, e ainda antes de ser proferido Acórdão da RC, foram os interessados notificados para responder à reclamação da relação de bens e não impugnaram a mesma, pelo que aceitaram todos os factos alegados e documentos juntos.

            11ª - Nos art.ºs 7º a 49º da reclamação da relação de bens, a reclamante fundamenta o seu pedido para exclusão da verba 1 da relação de bens correspondente à quantia de € 159 000 existente na conta do Banco 1....

            12ª - Na resposta à reclamação da relação de bens a cabeça de casal limita-se apenas e tão só a mencionar que (veja-se ponto 21): “…deve para já continuar a constar da relação de bens uma vez que aguarda decisão do recurso interposto da sentença final do processo de arrolamento apenso a este processo, bem como se impugna em ação de nulidade relativamente ao documento particular apresentado.”

            13ª - Os interessados confundem o apenso de arrolamento com os presentes autos de inventário, pois que, a decisão no apenso não produz quaisquer efeitos nestes autos, sendo certo que se impunha a tomada de posição quanto à matéria alegada na reclamação da relação de bens e não o fazendo existe uma aceitação dos factos alegados na mencionada reclamação.

            14ª - Sendo certo que, a invocada ação que apregoaram nunca a recorrente foi citada para a mesma.

            15ª - Nos termos do disposto no art.ºs 1105º e 427º do Código de Processo Civil (CPC) os documentos juntos devem ser impugnados com o articulado, in caso com a resposta à reclamação da relação de bens.

            16ª - Nunca os interessados impugnaram as doações juntas aos presentes autos docs. 7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens.

            17ª - Ora, a falta de impugnação dos documentos deve ter-se como aceitação.

            18ª - Como os interessados foram notificados através da sua mandatária com procuração junta aos autos e a mesma nada disse em relação aos docs. 7 e 8 juntos com a reclamação da relação de bens, por isso aceitaram a assinatura neles aposta mormente da doação de 09.01.2020 – doc. n.º 7. Nos termos do disposto no art.º 374º do Código Civil (CC): A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.

            19ª - Assim, nos termos do disposto no art.º 947 do CC está cumprida a formalidade que a lei exige para a doação de bens móveis, considerando que feita por documento escrito e estando o mesmo assinado pela doadora e aceite pela donatária.

            20ª - "Tratando-se de um incidente do processo de inventário, a norma própria deste (art.º 1349º CPC) não proíbe ou posterga a cominação derivada da falta de resposta.

            21ª - Sendo assim, é aplicável o disposto no art.º 293º, n.° 3 do CPC, por aplicação subsidiária do art.° 567º, n.° 1 CPC, pelo que a falta de impugnação no prazo legal, determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere.

            22ª - Não prevendo nas normas próprias do inventário em que se insere o incidente, qualquer efeito cominatório, impõe-se aplicar as regras próprias do processo ordinário, ou seja, os art.ºs 567º, n.° I e 574º, n.° 2, CPC, por aplicação do art.° 549º, n.°1 (in fine) CPC.

            Mas mesmo que até assim não se entendesse e face à reapreciação das mencionadas provas, impõem, decisão diversa, como infra se demonstrará.

            23ª - A doação datada de 09.01.2020 não foi impugnada, a assinatura nela aposta foi aceite, e nos termos em que se encontra aposta, pois que, como resulta dos factos provados, a falecida “(…) nos últimos tempos já só assinava com o primeiro nome (…)” - depoimentos das testemunhas FF e EE.

            24ª - E assim, nos termos do disposto no art.º 374º do CC, a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.

            25ª - Assim, nos termos do disposto no art.º 947º do CC encontra-se cumprida a formalidade que a lei exige para a doação de bens móveis, considerando que feita por documento escrito e estando o mesmo assinado pela doadora e aceite pela donatária, considerando que nas doações de bens móveis a lei não menciona qualquer obrigação quanto à assinatura do doador, não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito, facto este corroborado por documento particular e pelas testemunhas EE e FF.

            26ª - Não há dúvidas de que a intenção da D. AA foi doar a dita importância à recorrente face às relações de proximidade afetiva que entre elas existiam, como aliás resulta dos factos provados e dos próprios depoimentos das testemunhas FF e EE.

            27ª - A doação assumiu a forma escrita, como se estatui no art.º 947º, n.º 2, e por isso, quanto à doação datada de 09.1.2020 inexiste a nulidade plasmada no art.º 220º ambos do CC.

            28ª - Assim, o valor de € 159 000 existente na conta bancária do Banco 1..., já não pertencia ao acervo hereditário por ter sido doado em vida da falecida AA à ora recorrente.

            29ª - Considerando que por não ter a D. AA herdeiros legitimários, podia a mesma dispor de todos os seus bens (2156º e 2157º do CC).

            30ª - E ainda assim, não obstante tal verba não integrar o acervo hereditário, a sua integração na relação de bens em inventário não é sequer necessária a fim de verificar uma eventual inoficiosidade da doação porque inexistem herdeiros legitimários.

            Remata dizendo que deve ser revogada a decisão proferida considerando que é nula por omissão de pronúncia ou por existir contradição entre a decisão da matéria de facto dada por provada e a decisão da matéria de direito, ou deve face à prova produzida ser proferida decisão que considere válida a doação efetuada à recorrente datada de 09.01.2020.

             A cabeça-de-casal e o interessado BB responderam, pugnando pela improcedência do recurso da reclamante e a exclusão dalguns dos factos dados como provados.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, principalmente: a) nulidade da decisão; b) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); c) decisão de mérito [exclusão da relação de bens da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo) e do crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50 (imposto de selo)].


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[1]

            a) A reclamante DD pagou à Agência Funerária e referente ao funeral da inventariada o montante de € 1 410.

            b) A reclamante pagou ainda referente ao funeral da inventariada as seguintes quantias: Junta - € 60; Coveiro - € 100; Igreja - € 70 e Vigas - € 20.

            c) Com receio de gerar mais despesas e juros, a reclamante pagou a quantia de € 408,58 referente à devolução do valor da reforma da inventariada transferido indevidamente para a conta da inventariada do Banco 1....

            d) A reclamante pagou € 51,10 e € 47,58 referente a despesas com a inventariada e que foram suportadas pela reclamante nos últimos dias de vida daquela, no total de € 152,57.

            e) A reclamante é sobrinha da falecida AA.

            f) A falecida sempre teve uma relação muito próxima com a mãe da reclamante e com esta.

            g) A falecida AA era madrinha de batismo da reclamante DD.

            h) A falecida era solteira e nunca teve filhos, pelo que sempre tratou esta sua sobrinha e afilhada como sua filha e os filhos desta como netos.

            i) A falecida AA pôde, durante toda a sua vida, contar apenas com o apoio da sua sobrinha/reclamante e família desta.

            j) Era a sua sobrinha e filho II quem a ajudava nas compras, nas idas aos médicos e em tudo o que aquela precisasse.

            k) Nas suas folgas a reclamante e o marido iam a casa da tia AA ou iam buscá-la para passar o dia na casa da requerida.

            l) Há longos anos estava de relações cortadas com os seus irmãos, a cabeça-de-casal e o interessado BB.

            m) Que não visitaram a inventariada no hospital, ou sequer ligavam para saber como a mesma estava, e nem sequer o requerente BB se deslocou ao funeral, sendo que a requerente CC apareceu no funeral criando um grande espanto para todos os ali presentes que bem sabiam que a D.ª AA tinha até pedido à sobrinha para nunca os deixar ir ao seu funeral.

            n) A reclamante no dia 06.01.2020 deslocou-se a casa da sua tia AA, considerando que foi alertada por uma vizinha que já há quatro dias não via a D.ª AA, pois que era habitual a mesma estar no exterior da sua casa sentada.

            o) Apesar da falecida ter referido que estava bem, a sua sobrinha/reclamante chamou logo o INEM e bombeiros pois que a D.ª AA assim que abriu a porta de casa desmaiou.

            p) A reclamante acompanhou a tia até ao Hospital ..., onde a mesma foi observada e pretendiam dar-lhe alta.

            q) A reclamante não aceitou que lhe dessem alta considerando que a sua tia ainda se queixava de muitas dores no abdómen.

            r) Por tal facto e após a interessada DD ter reclamado, foi a tia AA levada para o Hospital ....

            s) No qual, no dia 07.01.2020, lhe foi descoberto um cancro no intestino.

            t) Já no hospital e mesmo antes da cirurgia a tia dizia insistentemente que queria dar todos os bens à requerida, pois que se assim não fosse “nem a terra do cemitério a comia” pois não queria “deixar nada para aqueles comilões”, referindo-se aos irmãos; contudo, a requerida disse-lhe “está bem, tenha calma”.

            u) Nos dias que se seguiram a reclamante disse à tia que não podia voltar para casa, pelo que, logo que tivesse alta iria primeiro para um Lar enquanto aquela iria criar-lhe um quarto no rés-do-chão.

            v) Porque a reclamante não tinha as condições para receber a sua tia em casa, pretendeu que a mesma fosse para um Lar provisoriamente o que aquela concordou.

            w) Assim, a falecida AA pediu à reclamante para falar com a Dr.ª GG do Banco 1....

            x) A reclamante falou com a mesma para se deslocar ao hospital, considerando que a tia queria falar-lhe, informando-a ainda da necessidade de tratar de alguma forma de poder pagar as despesas no futuro com o Lar.

            y) A reclamante reservou uma vaga para a tia AA no lar da JJ – KK e LL em ....

            z) Durante os dias que se seguiram a tia AA manifestou à sua sobrinha DD que lhe dava todos os bens.

            aa) Contudo e porque a sua sobrinha gostava mesmo da tia nem quis acreditar que o fim desta estava para breve e referia-lhe que tivesse calma.

            bb) A D.ª AA era clara ao manifestar a sua oposição a que os irmãos viessem a receber um cêntimo das suas poupanças e dos seus bens e por isso insistia para que a requerida ficasse com todos os seus bens, dizendo-lhe que lhos dava.

            cc) De tal forma que, a D.ª AA doou à reclamante DD sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no Banco 1... – o que foi aceite pela sua sobrinha.

            dd) Tendo, aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz.

            ee) A D.ª AA estava debilitada fisicamente e por isso, nos últimos tempos, já só assinava com o primeiro nome.

            ff) Doação que foi também corroborada pela bancária do Banco 1... que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D.ª AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D.ª AA assinado tal doação e atestado a manifestação de vontade em doar todos os dinheiros que tinha no Banco 1... para a reclamante no montante total de € 159 000.

            gg) A falecida AA esteve sempre lucida até à sua morte.

            hh) Tudo indicava que iria ter alta, pois que só piorou no dia 15.01.2020, como consta do relatório médico de internamento.

            ii) Contudo, veio a falecer, no dia 23.01.2020 (com a idade de 89 anos)[2], não do mal de que padecia, mas por motivo decorrente da expiração de vómito.

            jj) A D.ª AA declarou perante o Banco 1... (respetiva Bancária que o representa) que pretendia doar para a Recorrida o montante da conta bancária.

            kk) Assim, e porque era vontade da D.ª AA em fazer todos os bens à sua sobrinha esta porque não estava preocupada em se apoderar dos dinheiros, mas apenas e só do bem-estar da tia aguardou que a mesma tivesse alta para dar cumprimento integral à sua vontade de lhe fazer todos os demais bens a si, enquanto sobrinha.

            ll) Os depósitos só não foram transferidos para a conta da requerida, porque os mesmos opuseram-se junto do Banco.[3] 

            mm) A reclamante, participou o óbito às finanças relacionando os referidos depósitos e liquidando o respetivo imposto no montante de € 13 753,50.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A recorrente DD veio arguir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, dizendo que não se pronunciou sobre a doação ocorrida em 09.01.2020, embora a tenha dado como provada.

            Reporta-se, assim, à causa de nulidade prevista no art.º 615º, n.º 1, d), 1ª parte, do CPC.

            Sobre aquela concreta “questão” o Mm.º Juiz do tribunal a quo pronunciou-se nos seguintes termos: «Quanto à verba do dinheiro referente ao depósito a prazo nº. ...331, encontramo-nos vinculados, intraprocessualmente ao acórdão proferido no apenso, a fls. 133, cujo tero se dá por reproduzido, sendo estultícia a repetição dos argumentos,» (sic)

            Aludiu, pois, implicitamente, à exceção de caso julgado, considerando que tal questão já tinha sido apreciada no procedimento cautelar de arrolamento de bens.

            E, a final, decidiu indeferir o pedido de exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo).

            Improcede, assim, a invocada “nulidade”, que não se confunde com eventuais falhas/erros da decisão de facto ou “erros de julgamento”.

            3. a) Todos os interessados se insurgiram contra a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo a cabeça-de-casal e o interessado BB que seja dado como não provado o facto aludido em II. 1. mm), supra, e, ainda, conforme vieram dizer na resposta, que sejam eliminados, “designadamente”, os factos mencionados em II. 1. t), z), bb) a ff), jj) e kk), supra, por violação do “caso julgado” formado no procedimento cautelar de arrolamento; por seu lado, a recorrente DD pretende que sejam aditados dois factos complementares com a redação indicada na “conclusão 8ª” do seu recurso (cf. ponto I., supra).

            b) Na fundamentação da decisão da matéria de facto o Mm.º Juiz do Tribunal a quo exarou, nomeadamente:

            «(…) No documento de fls. 42 cujo teor se dá por reproduzido, e de onde resulta a declaração de vontade da autora da sucessão, e cuja valoração será realizada em sede da discussão de direito.

            No documento de fls. 44-47vs que consubstancia o pagamento do imposto de selo decorrente da herança, bem como nas certidões de teor matricial.

            Tais documentos foram confrontados com o depoimento das testemunhas:

            GG, (...) Bancária a exercer funções no Banco 1... - ..., (...), a qual relatou as circunstâncias em que foi chamada, pela reclamante, sendo que avaliou a inventariada que lhe pareceu lúcida e que manifestou uma vontade livre.

            Relatou que conhecia a inventariada, por ser da mesma localidade e cliente do banco.

            No depoimento de EE, (...) sogra da filha da reclamante e que relatou a forma como a inventariada era tratada pela reclamante, sendo presença regular em casa da reclamante, nos dias festivos, chegando a ser levada, pela reclamante para casa da testemunha para confraternizar.

            Factos que ocorreram nos últimos sete anos de vida da inventariada.

            (...)

            FF, Comerciante, (...) que explorou a actividade de táxi e que muitas vezes transportou a inventariada a ..., a pedido da reclamante, sempre que esta não podia transportá-la, para ir a consultas, compras e bancos.

            Referiu a relação entre a inventariada e a reclamante, ter ouvido a inventariada expressar a vontade de que os seus bens ficassem para a afilhada, os cuidados que a reclamante tinha para com ela.

            (...)

            Afirmou que foi visitar, por várias vezes a inventariada ao hospital e que esta sempre lhe pareceu lúcida, pessoa que conhece há muitos anos, e que nunca viu qualquer outro familiar a cuidar da inventariada.

            II, Polícia Municipal, (...) filho da reclamante o qual relatou a relação que tinha com a inventariante, como se fosse sua avó, e que mãe tinha uma relação com a inventariada como mãe e filha.

            Corroborou o depoimento de EE, quanto as presenças nas festas de família.

            (...)

            Afirmou que a inventariada, desde há muito, dizia que o dinheiro que tinha, seria para a reclamante.

            (...)

            MM, Fisioterapeuta, (...) genro da reclamante, o qual relatou a forma como a sua sogra se dava com a inventariada, tendo ouvido dizer à mesma que o dinheiro era para a afilhada, tendo citado a mesma que dizia, “nem vou bem para a cova se o dinheiro vai para aqueles comilões”.

            (...)

            NN, vigilante, (...) marido da reclamante que descreveu a relação da sua esposa com a inventariada como sendo mãe e filha, que a reclamante, desde sempre cuidou da mesma, por vontade da inventariada, que não se dava com os irmãos.

            Que a vontade de dar o dinheiro à reclamante partiu da vontade da inventariada. (...)»

            c) Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que, ante o objeto dos recursos, a matéria em análise releva para a boa decisão das questões relacionadas com o imposto pago na sequência da doação à reclamante DD e a exata configuração do mesmo contrato de doação plasmado no documento datado de 09.01.2020.

            Porém, a pretendida eliminação de determinados factos provados, que a recorrente CC indicou, apenas, na sua resposta à alegação da reclamante, e não no (seu) recurso principal, não poderá ser acolhida, desde logo, por falta de fundamento legal, pois aquela dispunha do mecanismo processual (subsidiário) da ampliação do objecto do recurso, previsto no art.º 636º do CPC, nomeadamente no seu n.º 2, mecanismo que, contudo, não mobilizou.

            d) Relativamente à modificação da decisão de facto, defendida pela cabeça-de-casal e o interessado BB no sentido de ser dado por não provado o último facto enunciado, o tribunal recorrido fundou a sua decisão “No documento de fls. 44-47vs que consubstancia o pagamento do imposto de selo decorrente da herança, bem como nas certidões de teor matricial.”

            Na reclamação contra a relação de bens, veio a interessada DD alegar que o valor de € 13 753,50 estava ligado à participação do óbito às finanças e respetiva relacionação de depósitos bancários, correspondendo tal valor ao imposto de selo.

            Do correspondente documento que juntou com a reclamação contra a relação de bens (“doc. n.º 9” / fls. 73 dos presentes autos), verifica-se que o imposto em causa está associado à invocada doação pela inventariada à DD do valor de € 159 000.

            Consequentemente, importa refletir esta realidade (a donatária procedeu, em 29.4.2020, ao pagamento do tributo inerente a tal doação) no respetivo facto provado, alterando a redação em conformidade.

            e) No que concerne à impugnação da recorrente DD, com a finalidade de ver aditados dois factos complementares a determinada factualidade, conforme indica, é evidente que se trata de matéria ligada ao que ficou provado, principalmente, em II. 1. cc) a ee), supra, e nas alíneas seguintes.

            Quanto à comprovada doação, o tribunal recorrido fundamenta o respetivo acervo fáctico reportando-se ao documento (datado de 09.01.2020) que faz “fls. 42” dos respetivos autos (junto a fls. 71 dos presentes autos de recuso), como se retira da aludida motivação da decisão de facto, acima transcrita, onde se exarou: “No documento de fls. 42 cujo teor se dá por reproduzido, e de onde resulta a declaração de vontade da autora da sucessão, e cuja valoração será realizada em sede da discussão de direito.”

            Visto o aludido documento é isso mesmo que dele resulta, pelo que só há que inserir no facto provado II. 1. cc), as pertinentes precisões, tendo em conta, ainda, os seguintes excertos da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento:

            - EE (fls. 149 verso):

            A relação (entre a reclamante e a D.ª AA) era boa. Pelo menos, desde que eu a conheci, para aí há sete anos que foi (...) quando eu comecei a frequentar a casa da D.ª DD, (...) quando havia anos, no Natal, ou assim uma festa, que nós nos juntávamos todos para almoçar ela estava lá sempre. E (...) até quando às vezes havia anos em minha casa que eu os convidava todos, a D.ª DD dizia-me sempre ´olhe não se importa que eu leve a minha tia porque eu tou com ela`, ´(...) posso a levar?` E muitas vezes ela foi lá à minha casa. [dizia-lhe a D.ª AA] “A minha DD (...) é que quer saber de mim. (...) não tenho mais ninguém.”

            Relativamente às circunstâncias da assinatura do documento datado de 09.01.2020, afirmou, nomeadamente: “(...) Eu cheguei lá [ao hospital] estava lá só a D.ª DD. Depois, passado um bocado é que chegou a D.ª HH. (...) O que foi dito foi o seguinte: (...) eu disse ´Então, D.ª AA, está tudo bem?` [e ela respondeu] ´Ai, estou melhor.` (...) Entretanto ela disse ´deixe vir a D.ª HH`, (...). A vontade da D.ª  AA era pôr o dinheiro todo que ela tinha, as coisas, o dinheiro que ela tinha no banco, pôr em nome da D.ª DD. Aliás, ela disse-me isto muita vez… (...). O dinheiro que estava no banco era tudo para ela, que ela é que depois pagava ao Lar e que o dinheiro ficava todo para ela. (...) Um documento que a D.ª DD tinha, que o leu a ela, a D.ª AA, à minha frente e à frente da D.ª HH. (...) Ela [AA] tinha a mão muito inchada e (...) disse ´ai isto já chega, o que eu fiz já chega`, mas depois chamamos cá a Sr.ª do banco (...); mesmo para escrever isso ela teve um bocado de dificuldade, em escrever. (...) Ninguém estava a pressionar. Até porque (...) ela muitas vezes disse isso. Não é? (...) Ela é que pediu à D.ª DD (...) e disse (...) ´eu pedi à minha DD para tratar disso, para ir junto de alguém que soubesse para tratar do documento porque eu quero tratar disso, enquanto…` (...) O pouco que assinou foi ela. Que eu vi, foi à minha frente, que ela não conseguiu escrever mais... (...) ela até falou muito bem connosco e estava em perfeito juízo. Daquilo que eu a conhecia estava precisamente igual. Eu lidei com ela muitas vezes. Estava precisamente, precisamente lúcida … (...) Sei que foi no início de janeiro, primeiros dias de janeiro. (...) ela foi operada nesse dia de manhã, porque quando eu cheguei, ela própria é que me disse, e eu até lhe perguntei (...) ´A Sr.ª está tão bem-disposta?` [e ela respondeu] ´Ai, correu tudo bem, qualquer dia eu já vou para casa!` (...); até disse ´a minha DD já me tratou do Lar`… (...) ela disse-me que tinha sido operada de manhã. (...) estive a falar um bocadinho com ela antes de chegar a outra Sr.ª.”

            - FF (fls. 149 verso):

            “(...) não sei precisar o dia, mas fui no princípio de janeiro que a DD falou-me se eu podia lá ir porque a tia queria assinar uma coisa qualquer a favor da DD. E, depois, a DD foi-me falar se eu podia lá ir e eu fui. Mas o que nada me espantava porque é assim, ela [inventariada] (...), pelas conversas das viagens (...) ela dizia sempre ´tudo o que eu tenho é para a minha afilhada, para a minha DD`. Ela dizia ´a minha DD`. Porque ´é ela que me vale, eu não tenho mais ninguém`. (...) Ela dizia sempre que o dinheiro era para a DD.”

            Relativamente às circunstâncias da assinatura do documento datado de 09.01.2020, afirmou, designadamente: “Fomos lá um dia. Fui lá à noite, éramos para ir à hora do almoço, mas depois a DD ligou-me e disse-me ´olha que afinal a minha tia vai ser operada de manhã, vai ser impossível irmos à hora da visita do meio dia (...), se puderes ir ao fim do dia era mais fácil`. E eu disse ´tá bem`. (...) E depois então, (...) fui ter lá acima, cheguei lá já lá estava a DD e uma outra Sr.ª (...) Eu conheço aquela Sr.ª de vista, da casa da DD, porque tenho lá uma casa ao lado… disse que a D.ª AA estava um bocadinho fraca, que tinha sido operada de manhã, (...) estava assim um bocadinho e começou a dizer ´Diz lá à HH e à outra Sr.ª o que é que quero, estou farta de te chatear porque eu quero resolver as coisas que eu não sei, posso morrer`, e a DD disse-lhe, assim, ´lá está você com coisas!`, tirou um documento, umas folhas e começou a ler onde dizia que todo o dinheiro que estava no banco (...) A D.ª AA disse ´é isso que eu quero porque (...) sempre te disse que nem a terra do cemitério me come se o dinheiro não ficar para ti e as coisas para ti, porque nunca ninguém quis saber de mim e passam por mim como seja um cão, ninguém quer saber de mim`. Ela disse sempre. Mas isso não me era estranho porque durante as conversas que nos tínhamos, nas viagens, ela falava várias vezes... (...) Eu vi-a assinar, ela só escreveu ´Alice`, um bocado torto. Agora, é assim, ela depois estava um bocadinho cansada, tinha a mão inchada e ao mesmo tempo acho que ela ficou um bocado nervosa e disse ´Ai, eu acho que chega, mas chama a GG [1ª testemunha ouvida em audiência de julgamento / funcionária bancária], chama-me a GG`, e (...) a DD disse, assim, ´Para quê a GG?`, [e a D.ª AA respondeu] ´Eu quero ter a certeza de que as coisas ficam bem no banco, quero ter a certeza que fica tudo resolvido`. (...) Ela queria ter a certeza de que ficavam as coisas em condições (...).”

            f) Atentas as soluções plausíveis da questão de direito, antolha-se indiferente a circunstância de a assinatura em análise (poder) ter sido aposta na presença das testemunhas EE e FF.

            4. Afigura-se desnecessário/inútil analisar os outros fundamentos convocados pela recorrente DD na sua alegação de recurso.

            Atendendo à indicada prova documental e pessoal, na parcial procedência das referidas impugnações de facto, decide-se:

            - O facto mencionado em II. 1. mm) passa a ter a seguinte redação: “A reclamante participou o óbito às Finanças relacionando os referidos depósitos e liquidando imposto do selo devido por doação à própria no montante de € 13 753,50.

            - O facto aludido em II. 1. cc) fica com a seguinte redação: “De tal forma que a D.ª AA doou no dia 09.01.2020, através do documento de fls. 42, no qual apôs apenas o nome “AA”, à reclamante DD, sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no Banco 1..., no valor de € 159 000, o que foi aceite pela sua sobrinha.

            5. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares (art.º 363º, n.º 1 do CC). Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares (n.º 2).

            Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (art.º 364º, n.º 1 do CC).

            A força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal (art.º 366º do CC).

            Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar (art.º 373º, n.º 1 do CC). Nos títulos emitidos em grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode a assinatura ser substituída por simples reprodução mecânica (n.º 2). Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor (n.º 3). O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante (n.º 4).

            Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (art.º 940º, n.º 1 do CC).

            A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador (art.º 945º, n.º 1 do CC). Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos (n.º 3).

            Sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado (art.º 947º, n.º 1 do CC). A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito (n.º 2).

            A doação tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato (art.º 954º do CC).

            6. A questão de fundo consiste em saber se a doação (de bens móveis) feita pela falecida AA é válida.

            É manifesto que sendo a doação de coisas móveis e não tendo havido tradição dos bens, se impunha uma formalidade - a redução da vontade da doadora a escrito, para assegurar a validade do ato (cf. art.º 947º, n.º 2, 2ª parte, do CC[4]); inquestionável é o facto de a doação ter sido aceite em vida da doadora.

            A doação é um contrato pelo qual o doador “à custa do seu património, aumenta o activo do outro contraente, atribuindo-lhe um direito[5].

            Normalmente, com a doação o doador pretende beneficiar terceiros, que sente na obrigação moral de recompensar, por motivos ligados a sentimentos de gratidão e afetividade - assim aconteceu no caso sub judice.

            7. Assinatura é a subscrição do documento com o nome[6] do seu autor (signatário). Pode ser autógrafa, isto é, feita pelo próprio punho do signatário, ou simplesmente alógrafa (a rogo).

            O documento particular é formado por qualquer pessoa; é aquele que tem por autor um simples particular, mas sem intervenção de funcionário público e que se não ache reconhecido autenticamente.

            Nos documentos particulares assinados é a assinatura que indica a proveniência, a paternidade ou a autoria do documento – indica-a, mas não a certifica nem a impõe; há que verificar se a indicação corresponde à verdade, se o documento emana realmente da pessoa que figura como autor. [7]

            8. Na situação em análise [documento aludido em II. 1. cc), na redação referida em II. 4), supra] estamos perante um documento simples (sem legalização alguma) em que é pacífica a autoria do documento e a aposição da assinatura, pela doadora/inventariada AA, corporizada no nome «AA».

            No entanto, poder-se-á questionar se, para a validade do contrato de doação formalizado em documento particular, é bastante ou suficiente a assinatura mediante a aposição daquele simples nome (“nome civil” / “nome próprio”) ou se, pelo contrário, é necessário que o doador subscreva o documento em causa com a sua assinatura completa (nome completo), ou seja, fazendo constar o seu “nome civil” e  o respetivo “nome de família”.[8]

            Este, diga-se, o problema que importa solucionar, porquanto as demais questões de mérito suscitadas têm uma resposta que se crê evidente.

            9. Sobre esta matéria, o Professor Vaz Serra, nos trabalhos preparatórios do Código Civil, depois de afirmar que a subscrição é requisito essencial do verdadeiro e próprio documento particular, e de verificar e analisar as soluções de diversos sistemas jurídicos, designadamente o francês, italiano e alemão, conclui assim:

            «Salvo algumas divergências, verifica-se, deste modo, que as soluções são sensivelmente idênticas em todos estes direitos.

            A assinatura é o acto pelo qual o autor do documento faz seu o conteúdo deste, o acto, portanto, com que lhe confere a sua autoria e que justifica a força probatória do mesmo documento. Deve, pois, ser feita, em princípio, pela própria mão do autor do documento e com a sua letra.

            Não parece haver razão para exigir que escreva o nome completo (isto é, para que não baste o nome ou o prenome) ou para que se não admita o uso de pseudónimo ou alcunha: o que importa é que a subscrição seja suficientemente clara para não deixar dúvidas acerca da identidade do subscritor. Se o for, não interessa que seja legível, pois mesmo que seja ilegível, se for suficiente para identificar o subscritor, não parece de exigir mais».[9]

            Assim, importa sobremaneira individualizar o seu autor, individualizar a pessoa com suficiente precisão[10], sendo que a assinatura deve ser aposta abaixo do texto ou a seguir a ele.[11]

            10. À luz de idêntica disposição legal do Código Civil de 1867 (art.º 1458º, § 2º), Cunha Gonçalves ensinava que quando a doação de cousa mobiliária não fosse acompanhada de tradição, podia ser feita ´por escrito` de qualquer natureza.

            A propósito da doação de bens imobiliários, referia que em caso de assinatura a rogo do doador, não sabendo ele escrever, exigia-se que duas testemunhas escrevessem o seu nome por inteiro.[12]

            11. No art.º 373º, n.º 1, do CC, não se especifica se o ato de assinar o documento exige, para que se considere existir assinatura (documento assinado), que o signatário escreva o seu nome completo ou apenas só alguns nomes, como, por exemplo, o nome próprio e o apelido.

            Não existindo na lei tal especificação[13], afigura-se que não se pode exigir que a assinatura contenha o nome completo.

            Conclui-se que o documento se deve considerar assinado quando o signatário o assina de modo a resultar objetivamente claro, reconhecível, que ele o quis assinar e assinou efetivamente.

            Como refere Vaz Serra, o que interessa é que os carateres lançados no documento mostrem que o documento foi assinado por determinada pessoa.

            12. Atendendo ao contexto/circunstâncias do documento, verifica-se que no seu cabeçalho vem identificada a subscritora com o seu nome completo, o seu número de identificação fiscal, naturalidade, estado civil e residência.

            Por outro lado, constam da matéria de facto provada, designadamente, os seguintes factos:

            - De tal forma que a D.ª AA doou no dia 09.01.2020, através do documento de fls. 42, no qual apôs apenas o nome “AA”, à reclamante DD, sua sobrinha e única pessoa que sempre lhe deu amor e carinho, todo o dinheiro de que era titular no Banco 1..., no valor de € 159 000, o que foi aceite pela sua sobrinha.

            - Tendo aliás, a tia AA e mal assinou o referido documento dito que já estava mais em paz.

            - A D.ª AA estava debilitada fisicamente e por isso, nos últimos tempos, já só assinava com o primeiro nome.

            - A falecida AA esteve sempre lúcida até à sua morte [cf. II. 1. cc), dd), ee) e gg), com a nova redação do 1º facto dita em II. 4., supra].

            Ou seja, não há dúvida que a doadora quis fazer a doação em causa e não há também qualquer dúvida que foi ela a assinar o documento e colocou nele o seu nome próprio «AA» e que a identifica naquela qualidade.

            Dúvidas também não existem de que quis dar o dinheiro à sobrinha/donatária, pelas razões que bem se evidenciam nos autos, e que esta aceitou a doação/liberalidade.

            Daí, muito embora o documento contenha apenas o primeiro nome da doadora «AA», é inquestionável que o documento está assinado e foi assinado pela própria falecida.

            De resto, as regras da experiência e a medicina (em particular, a psiquiatria geriátrica) também nos dão conta que com o avançar da idade e as inerentes e acrescidas dificuldades (designadamente, mnésicas e na utilização dos membros superiores), por vezes, a pessoa (idosa) passa a escrever o seu nome abreviado ou apenas o nome próprio[14], como que retornando à forma primitiva/primeira como cada um de nós começa por se individualizar/nomear, por escrito, desenhando o seu (primeiro) nome...

            Assim, devemos considerar o documento assinado e a doação formalmente válida, porquanto observados os requisitos exigidos pelo art.º 373º, n.º 1, do CC.

            Por conseguinte, sendo a doação válida (sem quaisquer vícios internos ou externos), importa excluir a “verba n.º 1” da relação de bens [cf. fls. 51/86 e, designadamente, os art.ºs 954º, alínea a), 2156º e 2157º do CC].

            13. Obviamente, não existe “caso julgado” que obste ou impeça aquele entendimento, desde logo porque a decisão do procedimento cautelar de arrolamento incidiu sobre a mesma doação, mas baseada, apenas, no documento datado de 12.01.2020, com aposição da impressão digital (art.º 51º do Código do Notariado) e rogo da doadora AA (declaração negocial que esta Relação, em recurso, declarou nula, porque o rogo não foi reconhecido notarialmente, nos termos dos art.ºs 373º, n.º 4, do CC e 154º do Cód. Notariado[15]), sendo que, agora, está em apreciação a mesma doação lavrada no documento datado de 09.01.2020.

            Acresce que, nos termos do art.º 364º, n.º 4, do CPC, nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal.

            Não há, assim, qualquer “caso julgado” que se possa importar do procedimento cautelar para a ação principal.

            E se fosse igualmente de apreciar a doação plasmada no escrito de 12.01.2020, teríamos que decidir no mesmo sentido do acórdão desta Relação proferido no procedimento cautelar de arrolamento, não por via do “caso julgado”, mas sim por aplicação dos citados preceitos legais - art.ºs 373º, n.º 4, do CC, e 154º do Código do Notariado[16] -, que conduzem ao resultado declarado na Relação.[17] 

            14. Relativamente à questão da exclusão da relação de bens do (invocado) crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, dúvidas não restam, face à redação agora dada ao último facto provado, que esta participou o óbito às Finanças relacionando os referidos depósitos e liquidando imposto do selo devido por doação à própria no montante de € 13 753,50 - cf. II. 4., supra.

            Nos termos do Código do Imposto do Selo/CIS (aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11.9), no seu art.º 2º, n.º 2, nas transmissões gratuitas são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitem os bens, sem prejuízo das seguintes regras: a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.

            In casu, o sujeito passivo do imposto é a donatária/beneficiária/reclamante (cf., ainda, o art.º 5º, alínea a) do CIS). Consequentemente, não poderá ser crédito desta sobre a herança - assim foi admitido com a dedução do correspondente pedido (de relacionação) por via subsidiária.[18]

            15. Procedem, desta forma, as “conclusões” do recurso da reclamante.

            O atendimento da pretensão dos demais interessados/recorrentes, corporizada no seu recurso, decorre, necessariamente, da mera procedência daquele pedido (da parte contrária) deduzido a título principal – cf. pontos II. 12., in fine e II. 14., in fine, supra.


*

            III. Pelo exposto, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 4., supra, e revoga-se a decisão recorrida quanto ao reconhecimento do «crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo» e sua «relacionação» e quanto ao indeferimento do «pedido de exclusão da verba n.º 1 (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo)», mantendo-se o demais decidido; declara-se a validade da doação efetuada à recorrente DD, em 09.01.2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, pelo que a dita “verba n.º 1”, por lhe pertencer, fica excluída da relação de bens.

            Custas, nas instâncias, pelos interessados CC e BB.


*

12.7.2022


Voto de vencido

Atento o disposto no art. 947º, nº 2, 2ª parte, do CC, dado inexistir tradição da coisa doada, a lei exige que a doação tem de ser feita por escrito. O que no caso concreto ocorreu, como resulta do facto provado anteriormente sublinhado. Resta analisar a assinatura aposta nesse contrato escrito de doação.

Esse escrito é um documento particular simples. Dispõe o art. 373º, nº 1, do CC, que os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor (ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar). Temos, pois, respectivamente, assinaturas autógrafas ou alógrafas.

Assinatura é a subscrição do documento com o nome do seu autor (signatário), como refere Anselmo de Castro, em D. Proc. Civil, Vol. III, 1982, pág. 315 (nota 1). Ora, a doadora, cujo nome é AA, limitou-se a apor o seu primeiro nome “AA”, não o seu nome completo. Se por acaso houvesse que fazer um reconhecimento notarial simples ou por semelhança da sua assinatura nem seria possível fazê-lo, por não conter o documento referido o seu nome integral, como decorre, conjugadamente, dos arts. 46º, nº 1, n), 48º, nº 1, b), 153º, nºs 1 a 3, 5 e 6, e 155º, nº 2 e 5, do Cód. Notariado.

Temos, assim, um escrito, um documento particular simples, referente a contrato de doação, sem o nome completo da doadora, o mesmo é dizer sem a sua assinatura, em contravenção ao mencionado art. 373º, nº 1, do CC.

Por isso, a referida doação não é válida por não satisfazer a exigência legal de forma ad substantiam, nos termos do art. 364º, nº 1, do CC (neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 366º, pág. 323) sendo a declaração negocial no documento inserida nula (art. 220º do CC).

Daí não daria procedimento ao recurso da interessada DD.   

Importa fazer mais 3 acrescentos, sobre o a fundamentação jurídica apresentada no acórdão maioritário:

- O estudo do Prof. Vaz Serra tem mais de 60 anos, desconhecendo-se se o direito comparado estrangeiro referido ainda será o mesmo, 6 décadas depois;

- Parece-nos que se está a desvalorizar o direito notarial, pois se o documento que titula a doação de 9.1.2020 tivesse sido levado a reconhecimento notarial, nenhum notário a faria com a simples existência do nome “AA”.

Não terá sido por acaso, que os interessados estando cientes da fragilidade documental desse título, 3 dias depois reproduziram o mesmo texto, mas agora a D. AA já não assinou, apondo simplesmente a impressão digital e assinando a rogo. 

- O acórdão da RL de 28.5.2015-processo 207/11.5TBVFC-B.L1-8, publicado no “site” da dgsi, que vem citado, parece-nos nada ter a ver com o caso concreto dos autos.

                                                                                                                                                                                                                                     Moreira do Carmo


[1] Retificou-se e simplificou-se a redação [v. g., alíneas c), g), l), s), t), x), y), hh), ii) e jj)].
[2] Cf. documento de fls. 96 verso.

  Faleceu sem testamento ou outra disposição de última vontade; deixou como herdeiros os aludidos BB e CC, seus irmãos e a dita sobrinha DD, em representação da pré falecida irmã OO (cf. habilitação de herdeiros reproduzida a fls. 97).
[3] Reproduz parcialmente o alegado sob o art.º 47º da reclamação contra a relação de bens, sendo de admitir a sua conjugação com o alegado no art.º 11º da petição do procedimento cautelar de arrolamento instaurado pelos irmãos da inventariada (cf. fls. 60 e 94 verso).
[4] Não se alterou o regime do art.º 1458º do Código Civil de 1867.
[5] Vide I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, pág. 80.
[6] (Do lat. nomen) – Palavra ou palavras que servem para designar e identificar uma pessoa ou um grupo. Equipara-se “nome civil” a “nome de batismo”, dado no momento desse sacramento e que antecede o nome de família (apelido/sobrenome), usado por todos os descendentes de um grupo familiar e que indica a filiação – cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, pág. 2 609. 
[7] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 229 e J. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, 4ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, págs. 400 e 402.
[8] Cf. “nota 7”, supra.

[9] Vide o Estudo «Provas (Direito Probatório Material)», in BMJ 111º (dezembro de 1961), págs. 155 e seguintes, 160 e 161.
[10] De resto, os documentos particulares, uma vez assente a sua proveniência da pessoa que os subscreve, também são autênticos (hoc sensu), razão pela qual se defende que talvez a distinção se fizesse por termos mais rigorosos, classificando os escritos em públicos e particulares – vide Vaz Serra, Estudo cit., pág. 76, posição a que aderem Pires de Lima e A. Varela, na anotação ao art.º 363º do Código Civil (cf. CC Anotado, Vol. I., 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 320).
[11] Vide Vaz Serra, Estudo cit., pág. 164.
[12] Vide Tratado de Direito Civil, Vol. VIII, Coimbra Editora, 1934, pág. 161.

[13] E se para determinados contratos estão previstos específicos e diversos requisitos de forma, por exemplo, o contrato de mútuo [art.º 1143º do CC / «Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a (euro) 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a (euro) 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.»], tal não deriva da subscrição/assinatura do documento propriamente dita, mas, sobretudo, das especiais e complementares exigências de forma previstas noutras codificações [cf., por exemplo, os art.ºs do 46º, 48º, 153º e 155º (cujo n.º 2 refere que os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário) do Código do Notariado, aprovado pelo DL n.º 207/95, de 14.8].

   Cremos que se poderá dizer que à data da publicação do Estudo mencionado nas “notas 10 e 12”, supra, o Código do Notariado então vigente (aprovado pelo DL n.º 42 933, de 20.4.1960) continha normas similares (v. g., nos seus art.ºs 61º e 162º e seguintes) às dos Códigos que se lhe seguiram, até ao atual.

[14] Veja-se, a propósito, a factualidade do caso decidido pelo acórdão da RL de 28.5.2015-processo 207/11.5TBVFC-B.L1-8, publicado no “site” da dgsi.

[15] Cf. acórdão da RC de 14.12.2020-processo 125/20.6T8TND-A.C1 [com o sumário: «São requisitos legais da assinatura a rogo a leitura do documento ao rogante e que o rogo seja dado ou confirmado na presença do notário. A assinatura, naqueles termos, é elemento integrante e essencial do documento particular produzido por quem não sabe ler nem escrever, não sabe ou não puder assinar. A falta de demonstração do reconhecimento notarial que lhe empresta ou confere validade implica preterição de formalidade ad substantiam do documento, com a consequente nulidade da declaração negocial nele ínsita.»], publicado no “site” da dgsi.

[16] Que preceitua: «A assinatura feita a rogo só pode ser reconhecida como tal por via de reconhecimento presencial e desde que o rogante não saiba ou não possa assinar (n.º 1). O rogo deve ser dado ou confirmado perante o notário, no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante (n.º 2).»

[17] Por acórdão (conferência) de 09.02.2021 foi indeferido o pedido de reforma do aresto mencionado na “nota 16”, supra, explicitando-se que a Relação apenas reavaliou juridicamente a doação titulada pelo documento de 12.01.2020 (doação como titulada pelo documento de 12.01.2020), sendo que o documento de 09.01.2020, só por si, não impunha uma decisão diversa (cf. fls. 140 verso).
[18] Cf. art.º 50º da reclamação contra a relação de bens (fls. 60 verso) e ponto I., supra.