Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3380/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: DIREITO DE DEFESA DO ARGUIDO
DIREITO AO SILÊNCIO
PROVA DO DOLO
Data do Acordão: 11/16/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 13º, 14º DO C. PENAL E ART.º 343º, DO C. P. PENAL
Sumário: Não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um, ser um acto interior, revestindo natureza subjectiva, o facto de o arguido exercer o direito ao silêncio não impede que a existência daquele seja captada através de dados objectivos, através das regras da experiência comum.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O Digno Magistrado do Ministério Público acusou a arguida

A..., filha de B... e de C..., natural de Oiã, Oliveira do Bairro, nascida a 25 de Março de 1975, casada, operária fabril, residente na Rua S.to António, Edifício S.to António, bloco 2, 1.° esq., Carris, Oiã Oliveira do Bairro;

Imputando-lhe a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. pelo art.° 359.°, n.o 1, do C.P

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Efectuado o julgamento foi proferida a sentença de fls.197 na qual

se condenou A... como autora material e sob a forma consumada, de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.° 360.°, n.o 1, do C.P., na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €4 (quatro euros).

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Inconformada, recorreu a arguida, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. A recorrente foi condenada como autora material e sob a forma consumada de um crime de falsidade de testemunho.
2. O Tribunal a quo fundou a sua convicção sobre os elementos de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, designadamente ,nos documentos juntos aos autos, certidão de fls. 2 e segs e certidão de fls. 109 e segs e no depoimento da testemunha Jorge dos Santos leal – registo da prova em fita magnética , volts 0249 a 0409 do lado A.
3. Os documentos provam apenas os factos materiais deles constantes – artº 169º do CPP – sendo que, neste caso, provam apenas a falsidade objectiva ou os elementos objectivos do tipo de crime.
4. O depoimento da testemunha Jorge dos Santos leal apenas afirmou a prova produzida pelos documentos e nada afirmou com vista a determinar o elemento subjectivo do crime – registo da prova em fita magnética , voltas 0249 a 0409 do lado A.
5. Ora o crime p. e p. pelo artº 360º, nº 1 do CP, exige o dolo em qualquer das modalidades, ou, como diz o Mº Juiz a quo “falsidade objectiva não equivale sem mais à tipicidade, uma vez que importa ainda que …lhe seja imputável sob o ponto de vista subjectivo” (cfr. douta sentença) .
6. Nenhum elemento de prova produzido e examinado em audiência demonstra que a arguida sabia e quis produzir um testemunho falso e com o intuito de impedir que sobre o R. na acção sumária 309/00 do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro recaísse sentença condenatória da quantia que aí se pedida, pelo que tal facto não poderia ter sido dada como provado pelo Mº Juiz do Tribunal a quo, verificando-se, assim, erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2 al. c) do CPP:
7. Pelo que, para os termos e os efeitos do disposto no artº 412º, nº 3 do CPP, se considera erradamente provado o facto referido na conclusão 6ª,por inexistência total de prova nesse sentido.
8. O tipo de crime p. e p. pelo artº 360º, nº 1 do CP, exige o preenchimento de todos os respectivos elementos objectivos e subjectivos, pelo que, na falta de qualquer um deles, não há crime, por força do princípio da tipicidade.
9. Acresce que tal crime não é punível a título de negligência – artigos 360º, nº 1 e 13º do CP.
10. A douta decisão recorrida, ao decidir da forma que se vem de analisar, violou o disposto nos artigos 410º, nº 2 al. c) e 169º do CPP e 360º, nº 1 e 13º do CP.
11. Subsidiariamente e atentas as circunstâncias pessoais e sociais da arguida, será de fixar a pena no limite mínimo da moldura do tipo de crime do artº 360º, nº 1 do CP, assim se atendendo ao grau de culpa e ás exigências de prevenção geral e especial.
12. Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, substituindo-se a sentença recorrida por decisão que absolva a arguida.

O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso para tal concluindo:
1- Para que se verifique o dolo é necessária a prática intencional do facto e o conhecimento pelo agente do carácter ilícito ou imoral da sua conduta.
2- Sem deixar de considerar que, de facto, o dolo é um elemento interior que apenas ao próprio agente diz respeito, não podemos, contudo, deixar de considerar que o mesmo, independentemente dos arguidos prestarem ou não declarações, só pode ser infirmado pela matéria de facto dada como provada.
3 - In casu a arguida optou por não prestar declarações.
4- No entanto, não é por tal motivo que daí se retira que o elemento subjectivo só pode ser aferido pelas próprias declarações dos arguidos, já que os factos pertinentes que permitiram ao Mmº Juiz deduzir a intenção com que a arguida actuou estavam já, na acusação, e por conseguinte, resultaram como provados.
5- Quando é deduzida uma acusação, esta deve conter sob pena de nulidade: “A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
6- A lei exige, pois, a indicação de factos e não de conclusões.
7- Dizer-se que “a arguido quis prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante o Juiz e após prestar juramento, faltando à verdade.” ou “a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou, ainda, “a arguida agiu livre e conscientemente”, ou é repetir aquilo que se deduz dos factos alegados ou são meras conclusões que deles se extraem.
8- E tanto assim é que a resposta que o Juiz dá a tais questões vai, necessariamente, buscá-la aos factos e não àquelas alegações repetitivas ou conclusivas.
9- Chegado o momento de julgar, o Juiz confronta-se com as perguntas sobre a existência ou não de dolo e de consciência da ilicitude e, para lhes responder, aprecia os factos em que a acção se traduziu e que lhe permitem, no seu todo, concluir pela afirmativa ou pela negativa.
10- O que o legislador pretende é que ao submeter-se uma pessoa a julgamento se defina aquilo que ela “fez” e a postura subjectiva com que agiu.
11- No caso, a única conclusão que se pode retirar é que a ora recorrente quis prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante o Juiz e após prestar juramento, tinha perfeita consciência de estar a faltar à verdade, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12- Aliás, não se vislumbra qual seja outra a intenção da recorrente em querendo prestar depoimento como testemunha afirma factos que não correspondiam à verdade, que não seja de que a ora recorrente não desconhecia tal facto e a proibição desse comportamento.
13- A dar provimento ao recurso, então, jamais um arguido que optasse pelo silêncio seria condenado, já que o elemento subjectivo, devido à sua natureza intrínseca, nunca poderia ser dado como provado.

A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto, e mantida aquela decisão condenatória, nos seus precisos termos.

Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto concordando com os fundamentos da resposta à motivação deverá ser negado provimento ao recurso.

Parecer que notificado não mereceu resposta.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação,bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são as seguintes:
A. Rejeição do recurso por manifesta improcedência
B. Valoração da prova . Dolo
C. Erro notório na apreciação da prova
D. Pena - Medida

Factos dados como provados:

1-No âmbito da acção com processo sumário, que "D..." intentou contra B... e C... e que correu termos neste Tribunal sob o n.o 309/2000, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

2-No dia 4 de Novembro de 2002, no âmbito da dita audiência de discussão e julgamento que decorreu neste Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, perante Magistrado Judicial e após terem declinado a possibilidade de se recusarem a depor, prestaram juramento legal e foram inquiridos na qualidade de testemunhas A... e E..., respectivamente filha e pai de B....

3-No âmbito do seu depoimento a aqui arguida A... disse: "pediu ao seu avô Lúcio de Oliveira Santos dinheiro para proceder ao pagamento das quantias em dívida à empresa D.... ( ... ) que se dirigiu a casa do seu avô o qual entrou na cozinha depois de lhe pedir o dinheiro e o seu avô retirou-se para uma outra divisão da casa tendo regressado pouco tempo depois e tendo-lhe entregue seiscentos contos em dinheiro. (. .. ) que a foi a própria a contar esse dinheiro em virtude do seu avô não saber contar. C .. ) que entregou a quantia em dívida, cerca de 550 000$00, a um indivíduo magro no escritório da serralharia, empregado da D..., que hoje já aqui prestou depoimento", pretendendo referir-se a Jorge dos Santos Leal.

4-Por seu turno, no âmbito do seu depoimento o aqui arguido Lúcio Martins dos Santos disse: "a sua neta A... lhe pediu o dinheiro em causa no pátio da sua casa tendo-se dirigido para a cozinha de onde retirou seiscentos contos, que o próprio contou, de uma gaveta da cozinha. ( ... ) que a A... viu o depoente retirar o dinheiro da gaveta da cozinha".

5-Contudo, contrariamente ao que afirmou, nunca a aqui arguida A... entregou qualquer quantia ao funcionário da "D..." a quantia de Esc. 803 615$00, acrescida de juros vincendos desde a data da propositura da acção sobre a quantia de Esc. 556 577$00.

7-A arguida A... agiu livre e conscientemente, sabendo e querendo prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante Juiz e após prestar juramento, faltando à verdade, com o intuito de impedir que sobre o R. na dita acção recaísse sentença condenatória da dita quantia.

8- Agiu ainda sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.

9-A arguida é operária fabril auferindo rendimento mensal não concretamente apurado mas não inferior a € 370. É casada. O marido é pedreiro. Tem um filho menor a cargo. Vive em casa própria. É proprietária de um veículo automóvel.

10-Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.

Não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contradição dos que foram dados como assentes, nomeadamente, que o arguido E... não tenha entregue qualquer quantia à arguida A... com o fim de saldar a dívida de B... e mulher, C..., para com D... " OU que a tenha entregue; que o arguido E... tenha agido livre e conscientemente, sabendo e querendo prestar depoimento, na qualidade de testemunha, perante Juiz e após prestar juramento, faltando à verdade, com o intuito de impedir que sobre o R. na dita acção recaísse sentença condenatória da dita quantia ou que assim não tenha agido; e, finalmente, que o arguido tivesse agido sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal ou que assim não tenha agido.

O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida, nomeadamente, nos documentos juntos aos autos e no depoimento da testemunha Jorge dos Santos Leal, inquirida em sede de audiência de julgamento.

A certidão da acta de uma das sessões da audiência de discussão e julgamento realizada no âmbito da acção declarativa que correu termos neste Tribunal sob o n.º 309/2000, junta a fls. 2 a 3, permitiu concluir que os aqui arguidos foram aí inquiridos na qualidade de testemunhas, perante Juiz, após terem sido advertidos da faculdade de se recusarem a depor e de prestarem juramento, bem como apreender o teor dos depoimentos que então prestaram.

A certidão da acta de uma outra sessão da dita audiência, junta a fls. 6 a 8, bem como a certidão da decisão sobre a matéria de facto efectuada no âmbito da dita acção declarativa, junta a fls. 109 e 111, permitiu concluir que teria sido a Jorge dos Santos Leal que, segundo o referido depoimento prestado por A..., esta teria entregue a dita quantia.

Por seu turno, o referido Jorge dos Santos Leal foi peremptório ao afirmar que nenhum dos arguidos lhe havia entregue qualquer quantia, o que mereceu credibilidade por parte do Tribunal, face à isenção e coerência demonstrada no seu depoimento.

O teor dos dois depoimentos prestados, enquanto testemunhas, por cada um dos arguidos na dita acção declarativa, permite concluir que se verificam entre eles contradições no que concerne às circunstâncias que alegadamente teriam rodeado a alegada entrega do dinheiro por parte do arguido à arguida. Contudo, sobre este aspecto, na falta de qualquer outro elemento de prova, não se apurou o que realmente se passou entre os dois, pelo que não se poderá afirmar se tal entrega na realidade ocorreu ou não e, na afirmativa, em que circunstâncias.

A conjugação dos referidos elementos de prova determinou no Tribunal uma dúvida, sobre se tal entrega de dinheiro por parte do arguido à arguida ocorreu ou não o que, embora não tenha permitido dar como provado que a mesma não ocorreu, não conseguiu afastar, face às divergências detectadas, as suspeitas de tal entrega não ter na realidade ocorrido.

Relevou ainda o teor da certidão da sentença proferida no âmbito da dita acção declarativa, junta a fls. 112 a 117.

No que concerne às condições sócio-económicas da arguida relevaram as declarações da própria. No que diz respeito aos antecedentes criminais da arguida relevou o C.R.C. junto aos autos.

A- Rejeição do recurso por manifesta improcedência

Primeira e prévia questão que cumpre conhecer é a que foi suscitada no exame preliminar, qual seja a da rejeição do recurso na parte em que vem impugnada a decisão de direito.

Estabelece o nº 1 do artº 420º do CPP, que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência ou se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artº 414º, nº 2 do CPP.

Conquanto a lei adjectiva penal não forneça qualquer definição sobre o conceito de manifesta improcedência , certo é que os nossos tribunais superiores vêm entendendo, sem dissonância, que aquela situação se verifica quando o recurso se mostre desprovido de fundamento ou quando a sua inviabilidade se revele inequívoca( -Cfr. entre muitos outros os acs. do STJ de 97.09.18 e de 97.10.30, proferidos nos processos nºs 663/97 e 937/97)

É manifestamente improcedente o recurso quando é clara a inviabilidade do recurso, quando no exame necessariamente perfunctório a que se procede no visto preliminar, se pode concluir, face à alegação do recorrente, á letra da lei e ás posições da jurisprudência sobre as questões suscitadas, que aquele recurso está votado ao insucesso.( - Ac. do STJ de 18-4-02 Processo nº 1082/02- 5ª)

É o que iremos demonstrar de seguida.

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B- Valoração da prova - Dolo

Em processo penal, toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de um facto ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, juízo a formular segundo as regras da experiência e o princípio da livre convicção (artº 127º do CPP).

Submetidas ao crivo do contraditório e demais regras processuais que asseguram todas as garantias de defesa ao arguido, a prova é pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é , a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos, em princípio, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou texto processuais onde as mesma se encontram documentadas, mas sim através do contacto direito com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal ( em sentido amplo) quer directa, quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma , tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio ,mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal regras de experiência.( -Cr. O ac. desta Relação de 99.05.05, proferido no recurso nº 169/99, sumariado no Boletim de Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, nº 2, Abril a Junho de 1999, 126.)

No caso ora em apreciação, da análise da transcrição da prova produzida em julgamento, nada resulta que justifique a formulação de um juízo valorativo diferente do assumido pelo tribunal a quo, designadamente no que tange aos pontos considerados incorrectamente julgados pela recorrente.

Vejamos:

A questão suscitada nos presentes autos prende-se com o facto de a mesma decisão ter aceite como válida uma das versões em confronto sobre os acontecimentos ocorridos, nomeadamente a constante do libelo acusatório, por contraposição à posição da arguida.

Tal opção encontra-se devidamente fundamentada em sede de motivação

É evidente que estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias nada impede que este tribunal fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova , conclua de forma diversa do tribunal recorrido. Ponto é que tal conclusão tenha uma base sólida e objectiva.

Existe, porém , uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instancia e a efectuada em tribunal de recurso com base nas transcrições dos depoimentos. : - A sensibilidade á forma como a prova testemunhal se produz e que se fundamenta num conhecimento das reacções humanas e análise dos comportamentos psicológicos que traçam o perfil da testemunha só logra obter uma concretização através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequência concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que , quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação ( v. g. quando o julgador refere que os depoimentos não foram convincentes num determinado sentido ) o tribunal de recurso não tem possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Então , perguntar-se-á , qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento ?

É evidente que o tribunal de recurso poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária ás regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso , admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto , o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém , o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do principio da imediação.

Ora no caso a decisão recorrida demonstra o processo lógico que seguiu, esclarecendo os elementos preponderantes na formação da sua convicção.

E analisada a prova documentada não se vislumbra como é que , perante o funcionamento daqueles princípios da imediação e da oralidade , este tribunal tenha possibilidade de criticar a convicção firmada na decisão recorrida.

Na verdade sem necessidade de grandes explanações sobre a teoria do crime e dos seus elementos típicos - Por todos, cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1971, pág. 273 e segs. e Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, 1981, págs. 201 e segs. essenciais , tem-se por assente que qualquer tipo legal é composto de elementos objectivos e subjectivos.

Traduzem os primeiros as condutas que encarnam a negação de valores jurídico - criminais e os segundos a censura subjectiva ao agente.

São elementos subjectivos: o dolo, traduzido na vontade de praticar os actos típicos; e a consciência da ilicitude, traduzida no conhecimento da antijuridicidade da conduta e, pois, na ausência de qualquer situação de erro, de justificação, de exclusão ou de inimputabilidade.

O dolo infere-se de outros factos apurados dos quais necessariamente alegados, havendo até quem entenda( - Ac. da Rel. de Lisboa de 23.10.02, recurso 0067613, Ac. da Rel de Guimarães 6-10-04 no recurso 1245.04-1) que não necessita de ser expressamente alegado.

Com efeito , dizer-se que “ o arguido quis lesar …” ou “ o arguido agiu com dolo..” ou “ o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” ou, ainda, “ o arguido tinha plena consciência da ilicitude da sua conduta” ou é repetir aquilo que se deduz dos factos alegados ou são meras conclusões que deles se extraem.

E não restam dúvidas que o encadeamento sequencial e lógico dos restantes factos provados permite-nos concluir sem sombra de dúvidas pela verificação do elemento subjectivo do ilícito, pelo que o facto de a arguida ter optado pelo silêncio não impede que se alcance a intenção com que actuou.

Não obstante o dolo pertencer ao íntimo de cada um ,é um acto interior, revestindo portanto natureza subjectiva o certo é que nada obsta a que a sua existência seja captada através de dados objectivos, através das regras da experiência comum.

Assim este tribunal não pode nem deve , porque não detém elementos para tal , e os mesmos não são susceptíveis de ser alcançados, sublinhe-se que o único argumento da recorrente é o facto de ter optado pelo silêncio , alterar a matéria de facto de que o M.º Juiz se convenceu fundada no exercício legítimo do princípio da imediação e da oralidade.( - Ac. desta Relação proferido em 19-3-2003 no Recurso n.º 4136/02- 5)

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C- Erro notório na apreciação da prova – artº 410º, nº 2 al. c) do CP

Qualquer um dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 do artº 410º do CPP, como decorre da letra da lei só se poderá ter por verificado se resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, isto é, com exclusão de exame e consulta de quaisquer outros elementos do processo( -Cfr. entre outros os acs. do STJ de 90-01-10 e de 94-07-13, o primeiro publicado na AJ, 5, 3 e o segundo na CJ(STJ)II,III,197), pelo que a actividade de fiscalização e de controlo do tribunal superior neste particular, conquanto incida sobre toda a decisão, com destaque para a proferida sobre a matéria de facto, não constitui actividade de apreciação e julgamento da prova, sendo que ao exercê-la se limita a verificar se a mesma contém algum ou alguns dos mencionados vícios, sendo que no caso de aquela deles enfermar e, em face disso, se tornar impossível decidir a causa, deverá o processo ser reenviado para novo julgamento, tendo em vista a sua sanação( artº 426º, nº 1 do CPP).

O erro notório na apreciação da prova, enquanto vício previsto na referida al. c) do artº 410º, terá de ser patente, isto é susceptível de ser detectado pelo homem comum, perceptível a um observador médio, pelo que se consubstancia numa incorrecção evidente da apreciação da prova. Não se trata pois de um qualquer erro de apreciação, mas sim um erro claro e inequívoco, de que o leigo se apercebe através da mera leitura do texto da decisão.

Assim, estaremos perante erro relevante, neste particular, quando da leitura da decisão impugnada, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua que os factos nela dados como provados não podem ter acontecido , ou que os factos nela dados como não provados não podem deixar de ter acontecido, isto é, quando os factos dados como provados e como não provados se apresentem e revelem inequivocamente desconforme impossíveis ou seja quando aqueles traduzam uma situação fáctica irreal ,utópica. Estaremos ainda perante erro relevante quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.( Cfr. o Ac. do STJ de 96-10-31, proferido no processo nº 478/96)

Ora do exame e análise da decisão impugnada não se detecta qualquer erro de apreciação ou de raciocínio, qualquer asserção contraria ás regras da experiência comum, nem qualquer juízo ilógico ou contraditório o que é notório e inequívoco.

Conforme decorre da motivação de recurso , a recorrente ao arguir a existência do vício a que vimos de aludir , não o apresenta ou enquadra como vício da sentença tal como o mesmo se encontra estabelecido na lei e de ser por nós definido , isto é , como vício resultante do texto da decisão recorrida , mas antes como resultado de uma imprecisa, deficiente e incorrecta valoração e apreciação da prova.

Deste modo, sendo patente a inexistência do mencionado vício , certo é que o recurso, também nesta parte, terá de ser rejeitado, por manifestamente improcedente (artº 420º, nº 1 do CPP)

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D- Pena - Medida

Pugna o recorrente pela aplicação do limite mínimo da pena aplicável face ao grau de culpa e às exigências de prevenção geral e especial.

Decidindo:

No que respeita ao quantum da pena cominada à recorrente, observar-se-á que a determinação concreta da medida da pena dentro da respectiva moldura – artº 71º do CP – faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no referido dispositivo, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de direito penal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 4º, nº 1 do CP – sem esquecer , obviamente , que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – artº 40º, nº 2 do CP.

Efectivamente , a partir da revisão operada ao Código penal a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção especial , a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de socialização, excepcionalmente negativas ou de intimidação ou seguranças individuais.

É este o critério da lei fundamental – artº 18º, nº 2 da CRP – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 ( - Vide Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal – 3º tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena criminal (2001), 104/111.)

Como refere Anabela Rodrigues( - Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena 177/208.), o artº 40º do CP, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programo político-criminal – a de que todo o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena de onde resulta que:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela necessidade de tutela dos bens jurídicos, isto é, pela exigência de prevenção geral positiva (moldura de prevenção).Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente , a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.”

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa( -O mínimo da pena,como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues , ibidem, 178/179, bem como Taipa de carvalho, Liber Disicpulorum para Jorge Figueiredo Dias,317/329, ao defender que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima.),elegendo em cada caso, aquela que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial á tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não obviamente, num sentido retrospectivo, face a um fato já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.( -Cfr. Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal, 105/106.)

Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece ,ou seja, deve correspondente à gravidade do crime, pois só assim, se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.

Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada á culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral( - Vide Clausa Roxin Culpabilidade y Prevención En Derecho Penal ( tradução de Muñoz Conde), 96/98)

Ao crime em apreço cabe uma pena de prisão de 6 meses a três anos ou multa de 60 a 360 diasde 1 mês a 5 anos de prisão.

Assim como o tribunal a quo consideramos que a conduta da arguida é gave ,o dolo é intenso, posto que directo ou de primeiro grau.

Não confessou os factos, perdendo o tribunal oportunidade de saber se está arrependida por forma a demonstrar que reconheceu o mal praticado e o repudiava, só assim o tribunal podia fazer um juízo favorável sobre o seu comportamento futuro.

São elevadas as exigências de prevenção geral bem como as de prevenção geral atento o facto de arguida, decorrido todo este tempo, continuar a negar a prática dos factos.

Tudo ponderado e tendo também em conta as especiais exigências de prevenção geral neste campo, que impõem uma censura firme, única forma de restabelecer a confiança da comunidade e de defender o ordenamento jurídico, torna-se evidente que a pena cominada não merece censura.

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Nestes termos se decide:
- Rejeitar o recurso por manifesta improcedência.

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Custas pela recorrente – taxa de justiça 5 UCS – a que acrescem mais 5 UCS, nos termos do art.º 420º, n.º 4 do CPP.

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Coimbra, 2005-11-16