Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
377/00.8GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
LEI MAIS FAVORÁVEL
RETROACTIVIDADE
REABERTURA DA AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 07/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO371º-A DO CPP
Sumário: 1-Os pressupostos de aplicação do art.º 371º-A do CPP são cumulativos:
- que o arguido requeira a reabertura da audiência com esse fundamento;
- não ter cessado a execução da pena
- a prévia existência de caso julgado da decisão condenatória
- que a lei nova mais favorável tenha entrado em vigor após o trânsito da decisão condenatória .
2- Não há violação do princípio da igualdade, do princípio da aplicação da lei mais favorável e dos direitos de defesa do arguido, quando a medida pretendida com o requerimento interposto nos termos do art.º 371º - A do CPP já foi apreciada no âmbito da lei nova.
3-O que violaria frontalmente o princípio da igualdade seria a possibilidade de uma segunda apreciação da mesma questão, à luz da mesma lei nova.
Decisão Texto Integral: Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

O ora Recorrente, B... foi condenado nestes autos, por decisão transitada em julgado em 26.6.08 (fls. 1245), após indeferimento da reclamação do despacho que não lhe admitiu o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, na pena de quatro anos de prisão.

Posteriormente, em 27.8.08 (fls. 1259), veio requerer a reabertura da audiência nos termos e ao abrigo do art. 371º-A do Código de Processo Penal.

Em 4.2.09 (fls. 1348), foi proferida decisão sobre a admissibilidade de reabertura de audiência, tendo sido indeferido o pedido formulado pelo arguido para reabertura da audiência prevista no art. 371º-A do Código de Processo Penal.


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Inconformado, o condenado interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

A)   Entende o tribunal recorrido que a reabertura da audiência, no caso sub judice, violaria o princípio do caso julgado.

B)   Este entendimento constitui uma violação do princípio da igualdade, do princípio da aplicação da lei mais favorável e dos direitos de defesa do arguido, constitucionalmente garantidos (arts. 29° e 13° da Constituição da República Portuguesa).

C)   O arguido fica em desvantagem em relação a outros arguidos, cuja decisão tivesse transitado em julgado antes de 15/09/2007, data de entrada em vigor da referida redacção do Código Penal.

D)   Não existem razões podem justificar o diferente tratamento entre aqueles que em 15/09/2007 já haviam sido condenados por decisão transitada em julgado e aqueles outros que nessa mesma data, ou anteriormente, tivessem interposto recurso da decisão condenatória?

E)   Por ter lançado mão do mais elementar direito de defesa constitucionalmente consagrado, previsto no art. 32° da Constituição da República Portuguesa, e que é a hipótese de recurso, o arguido é prejudicado ao ser-lhe negado a possibilidade de reabertura da audiência.

F)   O legislador teve intenção de, com a nova redacção do art. 2°, n.º 4 do Código Penal, alargar as hipóteses em que é possível aplicar retroactivamente a lei mais favorável e, dessa forma, alargar os casos em que é possível a suspensão da execução das penas de prisão, pois incluiu as decisões já transitadas em julgado, visando desta forma diminuir os casos de prisão efectiva.

G)   Não faz sentido excluir as hipóteses em que a decisão ainda não transitou em julgado antes da entrada em vigor da lei mais favorável.

H)   A reabertura da audiência requerida não viola o princípio do caso julgado.

I)   A sua finalidade não é a de, novamente, apreciar os factos já apreciados e julgar novamente o arguido, mas verificar se estão reunidos os pressupostos para que se possa suspender a execução da pena de prisão a que foi condenado, o que, salvo melhor entendimento, não foi feito nos autos em apreço.

J)   Uma interpretação estrita e literal do referido art. 371°-A, que privilegia em absoluto o facto de a decisão ter ou não transitado em julgado antes da entrada em vigor da lei mais favorável, viola, pois, os arts. 29°, n.º 4 e 13° da Constituição, pelo que só uma interpretação extensiva ou "ad majorem" e constitucionalmente correctiva se adequará aos princípios da necessidade das penas e da igualdade - cfr. arts. 28°, n.º 2 e 13° da Constituição.

K)   Neste sentido também vejam-se o acórdão de 10/09/2008 e o de 21/05/2008, ambos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e publicados no sítio www.dgsi.pt.

L)   Não pode e não conseguiu o STJ apreciar, em concreto, e é atendendo ao caso sub judice que se fará a devida e acostumada justiça, se o arguido se encontra em condições de ver suspensa a execução da pena de prisão aplicada.

M)  Não é o Supremo Tribunal de Justiça que tem elementos de facto para apreciar a existência dos requisitos que podem levar à suspensão da execução da pena de prisão.

N)  A reabertura da audiência, como a própria designação indica, deve ser levada a cabo pelos tribunais de primeira instância, cabendo a estes apreciar os factos constantes dos autos e os novos factos que o arguido alega.

O)  Só assim estará respeitado o princípio da igualdade, o princípio da aplicação da lei mais favorável e o próprio princípio do caso julgado.


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O Ministério Público respondeu, concluindo nos seguintes termos:

I) - Tendo transitado em julgado o acórdão que condenou o arguido, após o início de vigência da lei penal mais favorável, não se verifica um dos requisitos para a aplicação ao mesmo, do disposto no art. 371 ° A do C.P.Penal para a reabertura da audiência de julgamento;

II) - Além disso, a eventual suspensão da execução da pena de prisão já foi objecto de apreciação e ponderação em sede de recurso que o arguido interpôs para o S.T.J., pelo que, não pode o tribunal reapreciar tal questão, sob pena de violar o caso julgado;

III) - Por outro lado, o novo regime penal não tem, no caso do recorrente, eficácia, porquanto, as normas penais pelas quais foi condenado nestes autos não sofreram alteração com a nova lei e que o pudessem beneficiar;

IV) - Por manifesta improcedência, deve o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no art.420° nº 1 al. a) do C.P.Penal, ou, caso assim se não entenda, manter-se na íntegra, o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso.


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Nesta instância, a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

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Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).

II – FUNDAMENTAÇÃO

As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal).

É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).


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A questão a decidir prende-se com a possibilidade de reabertura da audiência prevista no art. 371º-A do Código de Processo Penal numa situação em que a lei nova entrou em vigor antes de ser proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça mas depois de ter sido proferida decisão pelo Tribunal da Relação.     

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É o seguinte o teor do despacho recorrido:

Importa conhecer, como questão prévia - aliás já expressamente mencionada no despacho de fls. 1324 - da questão da admissibilidade de reabertura de audiência prevista no art° 371°-A do Código de Processo Penal, o que equivale a averiguar se in casu ocorrem os respectivos pressupostos.

No requerimento de reabertura de audiência, o arguido requer que a pena única de prisão de 4 anos que lhe foi aplicada seja substituída pena de suspensão da sua execução.

Importa reter os seguintes factos processuais:

Em 9 de Fevereiro de 2005 foi proferido acórdão condenatório pelo Tribunal de 1ª instância.

Conhecendo em recurso desse acórdão, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou essa decisão condenatória por acórdão proferido em 4 de Janeiro de 2006.

O Supremo Tribunal de Justiça confirmou esse acórdão por acórdão proferido em 20 de Dezembro de 2007.

Na sequência de o Supremo Tribunal de Justiça não ter admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional em relação ao acórdão de 20 de Dezembro de 2007, dele houve reclamação para este Alto Tribunal, que a indeferiu por acórdão de 17 de Abril de 2008. Deste acórdão foi interposto recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, que o não admitiu por decisão de 6 de Maio de 2008, e novamente foi apresentada reclamação pela não admissão daquele recurso, a qual foi indeferida por acórdão de 11 de Junho de 2008 proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional.

Este último acórdão transitou em julgado em 26 de Junho de 2008 (d. certidão de fls. 1245).

O arguido apresentou o pedido de reabertura da audiência em 28 de Agosto de 2008. Ora, prescreve o artº 371°-A do Código de Processo Penal que "Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime".

Os pressupostos de aplicação dessa norma são cumulativos e nenhuma dúvida se oferece quanto à verificação de dois deles: que o arguido requeira a reabertura da audiência com esse fundamento; que a pena não esteja extinta.

O nó górdio da questão que urge apreciar prende-se com o requisito do trânsito em julgado da decisão condenatória correlacionado com a entrada posterior em vigor de lei penal mais favorável ao arguido. Para ocorrer a possibilidade de abertura da audiência o legislador exigiu que a lei nova mais favorável tenha entrado em vigor após o trânsito da decisão condenatória.

É precisamente este requisito que não se verifica no caso em apreço, porquanto quando a decisão condenatória transitou em julgado -26 de Junho de 2008 -já estava em vigor a actual redacção do Código Penal, nomeadamente a que respeita ao artº 50° invocado pelo arguido e que, na sua óptica, lhe impunha a suspensão da execução da pena única que lhe foi aplicada nos autos, vigência esta que se iniciou em 15 de Setembro de 2007 (cf. Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, rectificada pela Declaração de rectificação n.º 102/2007, de 31 de Outubro e, quanto à vigência, art° 13° daquela Lei). Mas mais: quando essa decisão condenatória do Supremo Tribunal de Justiça é proferida - 20 de Dezembro de 2007 -já estava em vigor a invocada nova redacção do Código Penal, nomeadamente quanto ao seu art° 50°. Logo, a lei penal mais favorável não entrou em vigor após o trânsito em julgado da condenação.

Como se diz no parecer do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, a fls. 1151 e 1152, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos autos "procedeu à ponderação das circunstâncias concretas do caso (que, naturalmente, implicou a aplicabilidade da lei nova, mais favorável ao arguido". Com efeito, basta atentar no teor de fls. 1085 v", ponto 5, a 1087 dos autos, que aqui se considera reproduzido) para se perceber que o Supremo Tribunal de Justiça avaliou e ponderou [até por expresso pedido do arguido] se devia ou não suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido à luz da actual redacção do art° 50° do Código Penal - e concluiu que não se justificava materialmente aplicar essa norma, na actual redacção, e suspender a execução da pena de prisão.

Por isso se não pode agora reabrir a audiência ao abrigo do art° 371°-A do Código Penal (d. no mesmo sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2008, proferido no recurso penal n.º 4552/08 da 1a Secção, publicado no Boletim n.º 32 dos Sumários desse Tribunal).

A entender-se de modo diferente violar-se-ia o princípio do caso julgado, garantido pelos art°s 29°, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e art° 4°, n.º 2 do Protocolo Adicional n.º 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade católica Editora, 2ª edição, p. 936.

Em síntese, saliente-se que no caso dos autos a questão da suspensão da execução da pena à luz da lei penal actualmente vigente - objecto proposto pelo arguido para a reabertura da audiência prevista no citado art° 371°-A - já foi decidida, concreta e fundamentadamente decidida, nos autos, por acórdão entretanto transitado em julgado, e, por isso, não pode agora o Tribunal apreciar de novo a mesma questão.

Uma nota final para dizer que o princípio da igualdade e as razões de humanidade e justiça material invocadas pelo arguido, no caso em nada infirmam a conclusão acabada de expor, pois não permitem ultrapassar, derrogando, o inciso legal vertido no artº 371°-A do Código de Processo Penal. Adianta-se ainda que o invocado princípio da igualdade reforça o entendimento do Tribunal, que veda que o arguido veja apreciada a mesmíssima questão por duas vezes, após a primeira ter sido objecto de decisão transitada em julgado e sem que se esteja perante um recurso extraordinário ou dentro das balizas legais do artº 371°-A do Código de Processo Penal.

Termos em que se decide indeferir o pedido formulado pelo arguido para reabertura da audiência prevista no artº 371º-A do Código de Processo Penal.

Como se lê na decisão sumária proferida nestes autos, citando o despacho que decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional:

Não tendo indicado a(s) norma(s) da Constituição que entende violadas, foi convidado a fazê-lo, conforme dispõe o art. 75°-A n° 5 da Lei do Tribunal Constitucional.

Considera o recorrente terem sido violados o art. 50° do Código Penal e os arts. 12°, 13°, 16°. 18°. 27° e 32° da Constituição e os princípios da igualdade, da liberdade, das garantias do processo criminal e da proporcionalidade. Afirma ainda que se, na data em que foi preferida a sentença de lª instância, tivesse ocorrido a alteração ao art. 50° do Código Penal, teria sido suspensa ao arguido a pena de prisão, por ser a lei penal de aplicação retroactiva, quando é favorável ao arguido.

Com o recurso para o Tribunal Constitucional intenta o arguido modificar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de forma a que seja suspensa a execução da pena de prisão em que foi condenado.

Diz o recorrente que foi violado o disposto no art. 50° do Código Penal. Só que o Tribunal Constitucional não cuida de apurar tal violação se não estiver em causa o respeito por preceitos ou princípios constitucionais.

Tendo sido alterado o art. 50° do Código Penal e sendo a nova versão mais favorável ao arguido, na medida em que permite suspender a execução da pena de prisão não superior a 5 anos, o acórdão deste Supremo Tribunal, depois de ter fixado a pena única em 4 anos de prisão, ponderou, face à existência dos elementos de facto provados, a possibilidade de formular um juízo de prognose favorável ao arguido, que servisse de fundamento à aludida suspensão da pena. Todavia por ter concluído pela impossibilidade de um tal juízo de prognose favorável e ainda por considerar que “o sentimento de reprovação social do crime é elevado, não sendo suficiente uma pena de prisão suspensa na sua execução para se atingir a finalidade da pena que consiste na prevenção geral de integração”, o Supremo acabou por não decretar tal suspensão.

A interpretação e aplicação das normais penais que foi levada a efeito no acórdão de que o arguido pretende recorrer são integralmente respeitadoras dos diversos preceitos que o recorrente enumerou, bem como dos princípios constitucionais que indicou. Destacaremos daqueles preceitos o art. 27° n° 2 para esclarecer que os factos praticados pelo arguido integram o crime de homicídio, o que legitima a aplicação duma pena de prisão decretada por sentença condenatória, reafirmando que, ao ponderar a aplicabilidade da suspensão da execução da pena, abstractamente possível face à nova redacção do art. 50° do Código Penal, o Supremo Tribunal de Justiça respeitou integralmente o art. 29° n° 4 (parte final), e bem assim o princípio da proporcionalidade que foi rigorosamente observado da decisão em causa.

Não se vê quais os aspectos que servem para o recorrente sustentar a violação dos princípios da igualdade e da liberdade, nem o das garantias do processo criminal, visto que foram cuidadosamente observados todos os preceitos processuais.

Por tudo isto se conclui que se mostra manifestamente infundado o seu pedido de recurso para o Tribunal Constitucional.

Em consequência, vai indeferido o requerimento para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, conforme permite o art. 76° n°s 1 e 2 da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Organização. funcionamento e processo do Tribunal Constitucional).

Por fim, diga-se que o Recorrente já havia requerido expressamente ao Supremo Tribunal de Justiça, por requerimento atravessado nos autos a fls. 1062 a 1067 a apreciação da possibilidade de suspensão da execução da pena tendo em conta a alteração ao art. 50º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007 de 4.9 ou “caso assim não entenda, ordenar o envio do processo à 1ª instância, com a consequente reabertura da audiência de julgamento, para que seja aplicado ao Arguido/Recorrente o novo regime da lei mais favorável, nos termos do art. 371º-A do Código de Processo Penal”. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos (fls. 1075 a 1087) foi mantida a decisão recorrida e consigna-se expressamente, em resposta ao requerimento do Recorrente:

Dir-se-á, finalmente, que não há que providenciar pela aplicação do disposto no art. 371º-A do Código de Processo Penal, visto que tal norma tem como pressuposto que a condenação tenha transitado em julgado, o que não se verifica ainda no caso dos autos.

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O acórdão do Tribunal Constitucional 164/08 de 5.3.08, publicado na IIª série do DR de 10.4.08 analisou já a conformidade constitucional do art. 371º-A do Código de Processo Penal e resulta claramente do seu teor a exigência de cuidados na sua adequação ao princípio do caso julgado. Por outro lado, parece não merecer crítica o segmento da norma que limita a possibilidade de “reabertura da audiência” aos casos em que a lei entre em vigor “após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena”.


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Para além dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça teve outras oportunidades de se pronunciar sobre a questão tendo decidido que “o caso julgado pode ser afectado por aplicação retroactiva de leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, no enquadramento definido pelos artºs 29º nº 4 e, 282º nº 3 da Constituição Política da República.

Assim, o artigo 371-A do CPP, veio permitir a reabertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável: Se após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.

Esta possibilidade legal, em benefício do arguido, pressupõe, necessariamente, a prévia existência de caso julgado da decisão condenatória e, não ter cessado a execução da pena”[i].

Também os Tribunais da Relação vêm sustentando univocamente a necessidade de trânsito em julgado da decisão condenatória antes da entrada em vigor da lei nova[ii].Deve ser indeferido o pedido de reabertura da audiência prevista no art. 371º-A do Código de Processo Penal com vista à aplicação do regime previsto no art. 44º do Código Penal se, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas ao Código Penal pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, o Supremo Tribunal de Justiça, julgando recurso interposto pelo condenado, apreciou e decidiu a questão da determinação da pena, tendo já em conta a nova lei” afirma o supra citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.1.09, em situação semelhante à dos autos.

A interpretação majorativa efectuada nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21.5.08 e 10.9.08 citados pelo Recorrente e subjacente ao raciocínio expendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.10.07 supra citado, não implica um raciocínio diferente e continua a respeitar os limites da necessidade de condenação anterior à entrada em vigor da lei nova. Como aí se escreve: “O art. 371-A do CPP veio apenas consagrar, em letra de lei, o mecanismo processual para a reapreciação dos casos já julgados, por decisão transitada, impondo a reabertura da audiência. Tendo a norma consagrada em tal preceito natureza adjectiva e instrumental, não pode ela restringir o âmbito de aplicação da norma substantiva do art. 2.º/4 do Código Penal, até sob pena de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da aplicação da lei penal mais favorável”. De acordo com essa interpretação apenas não obsta à reapreciação do caso a circunstância de a lei nova ter entrado em vigor no período compreendido entre a publicação da sentença e o respectivo trânsito em julgado. De qualquer forma não é esse o caso dos presentes autos.

O Supremo Tribunal de Justiça por vezes opta por remeter a questão da ponderação sobre a adequação da suspensão da execução da pena de prisão para a 1ª instância[iii]. Porém isso acontece em situações em que aquele Tribunal não tem elementos para decidir, o que não foi o caso dos autos. Nenhum argumento a favor da tese do Recorrente se pode extrair da posição que essas decisões sustentam.

Dir-se-á, assim, que a interpretação que o Recorrente pretende dar ao art. 371º-A do Código de Processo Penal permitiria que os tribunais se pronunciassem duas vezes sobre a mesma questão e, ambas as vezes, à luz da lei nova.


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Quanto à violação do caso julgado, importa esclarecer que o despacho recorrido afirma a existência de caso julgado no processo porque o Supremo Tribunal de Justiça, nestes autos, já se pronunciou sobre a possibilidade de suspensão da execução da pena ao abrigo do Código Penal com as alterações introduzidas pela Lei 59/07 de 4.9 e já descartou definitivamente a hipótese de recurso ao mecanismo do art. 371º-A do Código de Processo Penal.

Aliás, como se viu, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se após requerimento do recorrente nesse sentido.

O supra citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.1.09, em situação semelhante à dos autos chama a atenção para que: “Impunha-se, assim, ao Sr. Juiz a quo indeferir a pretensão do recorrente (caso contrário, criar-se-ia o absurdo de a 1ª instância pretender alterar a decisão do STJ, o que não podia ser, por lhe falecer competência para o efeito, além de poder incorrer em responsabilidade disciplinar por estar a desobedecer a decisão superior transitada em julgado que já se pronunciara definitivamente sobre a mesma matéria)”.

A existência desse caso julgado é assim inquestionável.

Não se vislumbra como é que o entendimento explanado no despacho recorrido constitui uma violação do princípio da igualdade, do princípio da aplicação da lei mais favorável e dos direitos de defesa do arguido.

O arguido está em igualdade com todos os outros arguidos que já viram a sua situação apreciada à luz da lei nova. O que violaria frontalmente esse princípio seria a possibilidade de uma segunda apreciação da mesma questão, à luz da mesma lei nova, como o Recorrente pretende.

O princípio da aplicação da lei mais favorável foi respeitado. Esse princípio apenas exige que a questão seja aflorada à luz do regime concretamente mais favorável, o que aconteceu. Não obriga o tribunal a aplicar automática e acriticamente a suspensão da execução da pena só porque ela é possível. Ainda é exigível uma análise concreta sobre se verificam os pressupostos que permitem o juízo de prognose favorável. Essa apreciação foi efectuada.

Por outro lado a norma do art. 371º-A é apenas uma norma processual e estabelece apenas um mecanismo que permite a apreciação da lei nova caso não tenha sido feita anteriormente.

Não se vislumbra também como é que os direitos de defesa do arguido possam ter sido violados.

Por fim, diga-se, a crítica à apreciação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a inadequação da suspensão da execução da execução da pena não pode colher qualquer efeito jurídico por via de recurso ordinário. 

III – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso e em manter a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça do recurso em 5 (cinco) Ucs.

          Coimbra, 15 de Julho de 2009


(Texto elaborado, revisto e rubricado pelo relator

e assinado por este e pelo Ex.mo Adjunto)

(Jorge Simões Raposo)

(Fernando Ventura)



[i] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.08, no proc. 08P1018. Embora não analisando directamente a questão, no mesmo sentido encontram-se ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.09, 12.6.08 e 18.10.07, respectivamente nos proc.s 09P0102, 08P1771 e 07P2311, todos em www.dgsi.pt. 
[ii] Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 5.3.08, 16.4.08, 4.2.09 e 22.4.09, nos proc.s 428/03.4GCVIS.C1, 303.2GTAVR, 33/02.2JALRA-W.C1 e 23/04.0TAVNO-C2, acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16.4.08 e 14.1.09, nos proc.s 0811831 e 0817073, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.10.07, 26.2.08 e 29.7.08, nos proc.s 5585/07-5, 1267/2008-5 e 6699/2008-9, em www.dgsi.pt. 
[iii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.12.07, 24.1.08, 23.4.08 e 30.4.08, respectivamente nos proc.s 07P3210, 07P4574, 05P3199 e 07P4723, em www.dgsi.pt. Em sentido semelhante, ainda o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.08, no proc. 0815181.