Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2052/05.8PTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 56.º N.º 1 B) CP
Sumário: A condenação da arguida só por si, não infirma a prognose que fundamentou a suspensão da pena
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

Em processo comum singular do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, foi a arguida A..., condenada pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº 3º nºs 1 do Dec. Lei 2/98, de 3/1, na pena de 7 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo período de um ano.
Decorrido o referido prazo e depois de ouvida a arguida em declarações, veio o MP promover que fosse revogada a suspensão da pena, porquanto a arguida, dentro do período de suspensão havia voltado a incorrer na prática do mesmo tipo de crime e de um crime de desobediência, tendo sido condenada em ambos.
Proferiu então a Mmª juiz despacho revogando a suspensão da execução da pena e determinando o cumprimento pela arguida da pena em que fora condenada.
É deste despacho que a arguida interpôs o presente recurso.
Na respectiva motivação vêm formuladas as seguintes conclusões:
“A) O Meritíssimo Juiz a quo deveria continuar a dispensar à arguida um verdadeiro juízo de prognose favorável.
B) Ao revogar-lhe a suspensão da execução da pena de prisão, o despacho recorrido violou os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade, consagrados constitucionalmente, assim como violou o artigo 27°, da Constituição da República Portuguesa.
C) Violados se mostram ainda os artigos 50°, nº 2; 56°, nº 1, alínea b), do Código Penal e 495° do Código de Processo Penal, já que a revogação da suspensão não pode ser automática, como parece depreender-se da motivação do despacho recorrido.
D) Ao não averiguar quaisquer outros factos que justifiquem considerar-se que a arguida já não merece um juízo de prognose favorável e que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena não foram alcançadas, que não sejam as condenações sofridas pela arguida em si mesmas, padece o despacho recorrido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (vide artigo 410°, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal).
E) Com efeito, o percurso de ressocialização actualmente percorrido pela arguida, bem como as suas condições pessoais, atesta que as finalidades da pena aplicada nos presentes autos foram plenamente atingidas.
F) Continua, portanto, a arguida a merecer hoje (talvez mais do que nunca) um verdadeiro juízo de prognose favorável.
G) O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter optado, antes da revogação, pela imposição ao arguido de regras de conduta, cumprimento de deveres ou regime de prova (nomeadamente, aptos a garantir que a arguida se inscrevia e efectivamente frequentava escola de condução credenciada), como condicionantes da suspensão - a prisão é sempre a última ratio. “.
Respondeu o MP defendendo o acerto da decisão recorrida.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto foi de parecer de que o recurso deve merecer provimento, devendo ser substituído o despacho recorrido por outro que, pelo menos, proceda a outras diligências para avaliação da postura e conduta do arguido perante os padrões sociais.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO


Sendo o objecto do recurso delimitado às questões suscitadas pela recorrente nas conclusões da motivação, no caso vertente, elas são as seguintes:
- Saber se deveria ou não terem sido averiguados outros factos com vista a apreciar se a arguida merecia um juízo de prognose favorável
- Saber se o comportamento da arguida e as suas actuais condições de vida, impõem a aplicação à arguida de outras medidas que não a revogação da suspensão.
Passemos então à sua apreciação.
Nos termos do artigo 56.º n.º 1 b) CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 356., a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente “ o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade”.
Por isso, na linha desse entendimento, também nós julgamos que a prática de um crime durante o período em que vigorava a suspensão da pena, só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando por ela se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão.
Impõe-se pois que nesses casos se apure, como o impõe o preceito, se “ as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas”. (o sublinhado é nosso).
Ora analisando o despacho recorrido verifica-se que foi determinante para a revogação da suspensão da pena para além das condenações sofridas pela arguida, também as declarações por si prestadas.
Analisando tais fundamentos constata-se o seguinte:
- No processo sumário nº 120/08.3PTAVR, não obstante a arguida ter sido condenada nos presentes autos em pena de substituição, o Sr. juiz condenou-a pela prática de igual crime, na pena de 9 meses de prisão, cuja execução lhe suspendeu pelo período de 1 ano, como fundamento na confissão dos factos (fls.117 a 121);
- No processo abreviado nº 1837/07.5PTAVR, o Sr. Juiz condenou a arguida como autora material de um crime de desobediência p. e p. pelo artº 348º nº 1 CP, na pena de 8 meses de prisão. Tal pena foi igualmente suspensa pelo período de 1 ano, acompanhada de regime de prova, com a seguinte fundamentação:
“ Considerando os factos constantes destes autos, nomeadamente: a) que a arguida, embora de forma irregular, mantém actividade laboral; b) vive em união de facto com um companheiro o que revela integração familiar e social; c) que as consequências relativas à prática do crime não assumem grande gravidade, cremos que a simples ameaça de execução da pena de prisão será suficiente para fazer a arguida reflectir na sua conduta e no erro que cometeu, alertando-a para a necessidade de pautar o seu comportamento futuro de acordo com o direito”;
. - Ouvida em declarações a arguida referiu, para além do mais, que tem consciência de que corre um grande risco de cumprir a pena de prisão caso volte a praticar este tipo de factos, dá conta da sua situação económica e social e ainda que pretende tirar a carta de condução.
Ora face à fundamentação da suspensão daquelas duas penas de prisão, uma conclusão é de tirar – apesar da condenação da arguida nos presentes autos, os Srs. juízes que proferiram aquelas sentenças entenderam que não havia qualquer razão que impedisse a aplicação das penas de substituição, o que o mesmo é dizer, que a ameaça da prisão continuava a ser adequada e suficiente para as finalidades da punição.
No que concerne às declarações prestadas pela arguida, importava averiguar da sua veracidade o que poderia ser feito através da realização de um inquérito com vista igualmente a apurar se se encontrava definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, isto é se estavam ou não já esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade.
Só na posse desses elementos pode o tribunal então aferir se se justifica a revogação da suspensão da pena ou se, pelo contrário, a arguida se acha já reintegrada e ressocializada, não se impondo nesse caso a privação da liberdade, decidindo em ambos os casos em conformidade.
Daí que se conclua que a condenação da arguida só por si, não infirma a prognose que fundamentou a suspensão da pena.

DECISÃO

Nestes termos, os Juizes desta Relação acordam, em conceder provimento ao recurso e, consequentemente revogam a decisão recorrida que deverá ser precedida das diligências supra referidas, tendentes a avaliar se se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose que esteve na base da suspensão da pena
Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Coimbra, 26 de Maio de 2009.