Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1559/06.4TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: SEGREDO DE JUSTIÇA
LEI APLICÁVEL
Data do Acordão: 06/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2º, 4, 371º DO CP, 86º DO CPP
Sumário: 1. Embora regulado no art. 86 do CPP, a violação do segredo de justiça ao constituir crime, nos termos do art. 371 do CP, é lei substantiva, pelo que se deve aplicar o regime mais favorável ao agente –art. 2 nº 4 do CP, pelo que se deve pronunciar o arguido, porque aqueles factos concretos deixaram de constituir violação do segredo de justiça, e consequentemente deixaram de ser punidos.
2. Como no processo que deu origem a estes autos já havia sido deduzida acusação quando foi dada a noticia, já não se verificava obrigação de sigilo, caso vigorasse ao tempo a redacção da lei 48/07.
3. Mas, tem a mesma de ser aplicada retroactivamente dado que é mais favorável ao arguido. A situação concreta constituía crime, face á lei antiga, e deixou de o ser, face á lei nova.
Decisão Texto Integral: Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

            No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu não pronunciar o arguido A… , determinando-se o arquivamento dos autos.

Inconformado, o Magistrado do Mº Pº, apresenta recurso para esta Relação.

Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso.

1ª. A não permitir que o visado por uma acusação possa requerer a manutenção do segredo externo em sede de Instrução, a actual redacção do art. 86°, n.º 2, do C.P.P., considerado na decisão recorrida, é inconstitucional por violação dos arts. 20°, n.º 3, e 32°, n.º 2, da Constituição;

2ª. As necessidades de transparência da coisa pública a que a publicidade do processo penal visa dar satisfação, enquanto valor extrínseco, deve projectar-se essencialmente para uma fase em que importa já a verificação e determinação probatória da responsabilidade limitada a factos concretos, ou seja, ao julgamento, que deve ser livremente acessível;

3ª. Uma vez deduzida acusação, o segredo a que o processo esteja sujeito nos termos do actual art. 86°, n.º 2, do C.P.P., não deixa de subsistir imediatamente, deve antes persistir por mais algum tempo, pelo menos até ao momento em que o processo evolui para fase processual diferente.

Pelas razões enunciadas, na procedência do presente recurso, deve o despacho recorrido ser revogado e, por aplicação do regime anterior relativo ao segredo de justiça, substituído por outro que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação, seguindo-se os demais termos até final.

Respondeu o arguido, concluindo, que o recurso deve ser julgado improcedente e mantido o despacho recorrido.

Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A., apôs o visto.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:


***

            É do seguinte teor o despacho recorrido:

            (…) Decidindo:

A definição de um núcleo de actos de um processo, designadamente penal, cuja publicidade se encontra vedada ou reservada, está prevista na Constituição da República Portuguesa cujo nº 3 do art. 20 estipula: A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

O segredo de justiça veio, assim, a obter positivação normativa infra-constitucional, de cariz processual e de cariz penal.

No processo penal, a fase de inquérito surge como aquela em que se justifica, de forma mais acutilante, a compressão ou supressão do princípio da publicidade.

Justifica-o o interesse na eficiência e funcionalidade da administração da justiça, designadamente na salvaguarda das diligências de prova e da investigação, muito embora, reflexamente, o interesse na tutela da presunção de inocência[1] e do bom-nome dos visados[2] também possa ser uma decorrência da derrogação da publicidade.

Na lei penal, surpreende-se o art. 371 do Código Penal que prevê a punição de quem, ilegitimamente, der a conhecer, no todo ou em parte, o teor de acto processual que se encontre coberto pelo segredo de justiça [ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral] .

"Trata-se, pela sua própria natureza e finalidade, de dois regimes autónomos [o penal e o processual], que não se sobrepõem e que não coincidem" ( ... ) de tal forma que "pode dizer-se que a regulação processual do segredo de justiça contida no art. 86 do Código de Processo Penal tem, por um lado, um âmbito material mais vasto do que o âmbito material do tipo incriminador previsto no art. 371 do Código Penal, mas, por outro, o âmbito subjectivo deste tipo incriminador   pode ser mais vasto do que o âmbito subjectivo traçado no art. 86 do Código de Processo Pena1[3]".

Ora, "não definindo a lei penal o conteúdo de segredo de justiça nem explicitando os actos processuais reservados, e uma vez que estamos manifestamente perante elementos típicos normativos ( ... ) , a concretização da matéria proibida, o mesmo é dizer, do conteúdo do segredo de justiça e seus limites temporais, há-de procurar-se alliunde, através da remissão implícita que a norma penal faz para a sedes materiae da questão, as normas processuais penais"[4].

As normas processuais que regulam o regime do segredo de justiça só são convocadas na medida em que definem o âmbito temporal e o conteúdo de tal segredo e apenas alcance com esse enquanto chamadas a densificar o tipo incriminador - podem considerar-se normas materiais.

Na verdade, a sede positiva de uma norma - no caso, o Código de Processo Penal - não define, à partida, a sua natureza substantiva ou adjectiva, não faltando exemplos de regras de recorte eminentemente substantivo ou misto dispersas por legislação adjectiva.

Ora, uma realidade insofismável é que, por si, o art. 371 do Código Penal é uma forma vazia de conceitos e que estes últimos se encontram inscritos em normas formais.

Utilizando a retórica setecentista oriunda de Konigsberg dir-se-á que formas sem conceitos são cegas, pelo que o âmbito temporal (e, até certo ponto, o âmbito material) do segredo de justiça só são dados a conhecer nas regras do Código de Processo Penal, não se tratando aqui de uma remissão total do tipo incriminador, até porque o âmbito subjectivo do crime [quem] está delimitado no Código Penal.

"Em suma, do art. 371, nº 1, do Código Penal resulta um dever penal autónomo de não praticar uma conduta (dar ilegitimamente a conhecer) em função dum certo objecto (teor de acto processual sujeito a segredo de justiça ou outro regime de reserva), e não um dever condicionado vinculação processual decorrente do art. pela 86, nº 4, do Código de Processo Penal"[5].

O âmbito material do art. 371 abrange a revelação do teor do acto processual mas não divulgação do facto histórico da a mera ocorrência do acto em si mesmo.

É, porém, do ponto de vista da vigência temporal do sigilo que o requerente retira as consequências por que pugna.

Na verdade, até 15 de Setembro de 2007, altura da entrada em vigor da actual redacção do Código de Processo Penal, o segredo de justiça vigorava durante todo o inquérito e até ao momento em que não poderia já ser requerida a instrução, o que resultava do nº 1 do art. 86 do Código de Processo Penal, a contrario, sendo que mesmo na fase instrutória, o regime de segredo poderia em certos casos, não cessar, embora a publicidade a partir dessa altura pudesse estar condicionada, como sucedia, e sucede, com os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meio de prova, existindo ainda situações em que poderia ser ordenada a exclusão da publicidade mesmo após a instrução.

Actualmente, o processo penal é público, por via de regra, embora o titular da acção penal possa, em determinadas circunstâncias, com concordância do juiz, determinar a aplicação do segredo de justiça limitado este à fase de inquérito (art. 86, nº 3 do Código de Processo Penal).

Depois dessa fase, e tal como anteriormente, o segredo mantém-se para os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meio de prova (nº 7 art. 86), sendo que, para os meios de comunicação social, é permitida a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça (art. 88 nº 1), não estando autorizada a reprodução de peças, imagens etc..., sob pena de desobediência simples, em situações que nada têm a ver com a destes autos, como já anteriormente sucedia (nºs 2, 3 e 4 do art. 88 actual e anteriores 2 e 3 do art. 88).

Temos, pois, que após a fase de inquérito e salvaguardadas as hipóteses de resguardo elencadas na lei (e basicamente coincidentes com a versão revogada em 2007), o processo passa a ser público. Sendo-o, é permitido aos órgãos de comunicação social a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça.

A crónica judiciária é, assim, legítima após o encerramento do inquérito o que constitui uma manifestação de um direito também constitucionalmente consagrado que é o da liberdade de imprensa (artºs 37 e 38da CRP).[6]

Ora, o encerramento do inquérito ocorre quando o Ministério Público o arquiva ou deduz acusação (art. 276, nº 1 do Código de Processo Penal), sendo que apenas no primeiro caso - arquivamento - a eficácia processual do despacho se mantém sob reserva da cláusula rebus sic stantibus, uma vez que poderão sobrevir novos elementos de prova que imponham a reabertura dos autos (art. 279 do Código de Processo Penal), mas nem neste caso o legislador permitiu deferir o regime de publicidade para um qualquer momento posterior.

Ao contrário do que se encontrava previsto anteriormente, não há na lei actual qualquer referência ao esgotamento do prazo para requerer abertura de instrução, arguir nulidades ou qualquer outro tipo de reacção processual que possa fazer prorrogar no tempo o sigilo que tenha sido decretado anteriormente.

A diferença é significativa.

Se o processo é público, via de regra, ao contrário do que sucedia anteriormente, a supressão da referência a qualquer outra condição a partir da qual cessariam os efeitos da excepção - i.é, da  decisão que derrogue aquele regime não pode deixar de ter o sentido de terminar com uma  norma que vinha já do Código de Processo Penal de 1929 de cujo art. 70 decorria a norma de que o processo era secreto até ser notificado o despacho de pronúncia ou equivalente.[7]

De regresso à situação sub iudice, a crónica noticiosa que deu conhecimento da prolação da acusação num dado processo e de alguns pormenores dessa peça, ocorreu já depois de encerrada a fase de inquérito. Na época, os autos encontravam-se sob segredo de justiça que perduraria ainda durante a fase de instrução por tanto ter sido requerido pelo arguido que suscitou essa fase.

Não se vislumbra em tal relato jornalístico qualquer referência a dados processuais cuja reserva se impusesse.

Na verdade, segundo os parâmetros actuais, tendo o inquérito sido encerrado, a divulgação  do conteúdo da acusação, a enumeração dos crimes, a referência a co-arguidos ou ao genérico contexto dos factos imputados, nunca constituiria crime. É que, não obstante as regras e excepções actuais ao regime de publicidade, a divulgação aqui em causa não buliu com nenhum dado que importasse, actualmente, manter sob sigilo e nenhum sentido faz, salvo o respeito devido, cogitar-se sobre se seria ou não possível que aquele processo, naquela fase, se mantivesse, no todo ou em parte, ainda sob regime de segredo externo.

Não faz sentido porque o contexto daqueles autos, mirado sob o regime actual, exclui de todo, a possibilidade de derrogação da publicidade após encerramento do inquérito, i.é, uma vez deduzida a acusação.

De resto, ainda que essa hipótese pudesse ser colocada, não nos parece que a falência do sistema actual, porque não vigente à época, pudesse redundar em desfavor do arguido.

É que aqui joga-se um importante princípio de assento constitucional: Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente leis penais conteúdo mais favorável ao de as arguido.

Em princípio tempus regit actus. Todavia, no âmbito penal, uma das consequências do princípio da legalidade é o da proibição da retroactividade em tudo quanto funcione contra reum, o que vem a redundar no princípio da aplicação da lei (ou do regime) mais favorável (artºs 29, nº 4 da CRP, e 2, n º4 do Código Penal).

Uma das hipóteses cogitáveis é a de a lei nova banir o crime do elenco normativo penal, aqui se incluindo as situações em que, embora se não tenha operado uma descriminalização, se observou uma  mudança do bem jurídico protegido ou, simplesmente, se alterou a factualidade típica.

Nesta última situação integram-se nos casos que Taipa de Carvalho denomina de continuidade normativo-típica[8] sendo que a lei nova não é uma lei especial mas especificadora, isto é, "como se trata de uma qualidade que como permite uma quantificação, sem perder a sua natureza, o quid que a faz ser aquela e não outra qualidade a lei nova apenas altera, delimita o quantum da qualidade (característica ou elemento) - qualidade que é comum à lei antiga e à lei nova - necessário para que o facto seja punível", de modo que "quando a lei nova, mediante a adição de novos elementos, restringe a extensão da punibilidade, há despenalização se o elemento adicionado é especializador; não há despenalização, se o elemento adicionado é especificador", neste último caso, o facto praticado no âmbito da lei anterior só permanecerá punível se preencher o elemento especificador da lei nova.[9]

Na situação que nos ocupa, a lei nova - o novo regime do segredo de justiça convocado permanentemente pelo tipo incriminador apresenta-se especificadora, vale por dizer que a lei nova não é especial relativamente à lei anterior, não adiciona qualidades às características da lei anterior (o regime do sigilo já anteriormente estava consagrado), mas apenas alterou o seu âmbito compreensivo, o quantum da qualidade do facto (comum às duas leis) para que tal facto seja punível.

O facto respeita aos actos submetidos ao segredo de justiça e o quantum ao período temporal durante o qual se mantém aquele facto.

Este período temporal, na lei nova, é manifestamente inferior ao da lei antiga.

Assim, não tendo existido despenalização, a exigência especificadora da lei nova (o período processual de vigência do sigilo) constitui um plus que não existia na lei anterior, pelo que se conclui que a lex mellior se deve aplicar retroactivamente apenas para aferição qualidades tipificadoras factualidade das da criminal.[10]

Destafeita, afigura-se-nos assistir razão ao requerente, não porque a Lei 48/07, de 29.8, tenha operado uma descriminalização reflexa relativamente ao crime de violação do segredo de justiça, mas porque, in casu, esta lei introduziu um elemento especificador ao regime do segredo de justiça, elemento esse que não existia na lei anterior e que, por via disso, não está reunido, não podendo deixar de se aplicar retroactivamente a norma do art. 371 do Código Penal, com a remissão para o actual art. 86 do Código de Processo Penal, por se revelar mais favorável ao arguido.

Pelo exposto, decido não pronunciar o arguido, João Luís Pereira Soeiro de Campos, determinando o arquivamento dos autos.
                Conhecendo:
            O despacho sob recurso pronunciou-se sobre a alteração ao segredo de justiça resultante da alteração legislativa ao CPP, introduzida concretamente ao art. 86, pela lei 48/07 de 29-08.
            Transcreveu-se o teor do despacho, na parte essencial, por se concordar inteiramente com a bem fundamentada decisão.

            O fundamento da acusação nestes autos era, a redacção e publicação em imprensa de artigo que dava conta de que o Mº Pº havia terminado investigação e deduzido acusação contra pessoa que identifica. Ou seja, seis dias antes da notícia havia sido deduzida acusação naquele processo.

            O segredo de justiça existia antes e continua a existir após a lei 48/07.

            Porém, esta lei especificou o funcionamento processual do segredo de justiça.

            Se a regra, antes, era vigência do segredo de justiça até à decisão instrutória, tornando-se o processo público a partir dessa decisão, com a nova redacção do art. 86, a regra passou a ser a publicidade do processo, embora com algumas restrições.

            Mas as restrições à publicidade, ou seja, vinculação ao segredo de justiça, apenas funciona, agora, “durante a fase do inquérito”.

            Sendo que o inquérito termina com a acusação ou o arquivamento –art. 276 do CPP.

            Assim, como no processo que deu origem a estes autos já havia sido deduzida acusação quando foi dada a noticia, já não se verificava obrigação de sigilo, caso vigorasse ao tempo a redacção da lei 48/07.

            Mas, tem a mesma de ser aplicada retroactivamente dado que é mais favorável ao arguido. A situação concreta constituía crime, face á lei antiga, e deixou de o ser, face á lei nova.

            Embora regulado no art. 86 do CPP, a violação do segredo de justiça ao constituir crime, nos termos do art. 371 do CP, é lei substantiva, pelo que aplicando o regime mais favorável ao agente –art. 2 nº 4 do CP, bem andou a Meritíssima Juiz ao não pronunciar o arguido, porque aqueles factos concretos deixaram de constituir violação do segredo de justiça, e consequentemente deixaram de ser punidos.

            E, esta interpretação é suficiente para solucionar os casos pendentes, afigurando-se-nos desnecessária qualquer norma transitória.

            Mas, mesmo considerando que se trata de norma adjectiva, por consagrada no CPP –art. 86, de imediato vigorava a lei nova, porque a lei processual penal é de aplicação imediata –art. 5 do CPP.

            Nem se pode entender, como o faz o recorrente, que com este entendimento haveria quebra da harmonia e unidade do sistema, pois que temos que com a entrada em vigor da lei 48/07, e relativamente à questão sobre a qual nos debruçamos, cessaram os efeitos da lei antiga relativamente a todos os processos. Ou seja, processos em fase de instrução e a vigorar o segredo de justiça, automaticamente deixou de vigorar com a lei agora vigente.

            E, in casu não se vislumbra que pudesse resultar agravamento sensível para o arguido naquele processo, pois que com o sigilo se visa acautelar o sucesso da investigação, e a fase investigatória, por excelência, é o inquérito.

            Após a acusação, que é notificada, interessa a publicidade, que como refere o prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 21 “a publicidade é uma garantia de transparência da justiça e consequentemente um modo de facilitar a fiscalização da legalidade do procedimento”.

            Do exposto resulta o nosso entendimento de que a norma em causa não viola qualquer preceito constitucional, nomeadamente os referidos arts. 20 nº 3 e 32 nº 2 da Constituição.

O art. 20 nº 3 apenas refere que a lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça, e entendemos que a lei actual o faz, de forma mais correcta que a lei anterior. A lei tem de ser adaptada à realidade actual.

A criminalidade complexa e a preocupação de perseguir os criminosos e a descoberta da verdade justificam o segredo durante a investigação, mas essa situação mantém-se, embora seja necessário requerimento e despacho do juiz de instrução a determinar o segredo durante a fase do inquérito.

Mas com o segredo visa-se salvaguardar a honra do suspeito e familiares, dada a presunção de inocência consagrada no art. 32 nº 2 da Constituição.

Mas levado este principio a rigor, temos que a presunção de inocência se alonga até ao transito em julgado da sentença de condenação –art. 32 nº 2 da CRP.

Mas, com a acusação (terminus do inquérito) hão-de ficar recolhidas provas indiciárias fortes sobre a pessoa do arguido e sua eventual responsabilidade.

E, como refere o Prof. Germano Marques da Silva, ob. cit. pág. 22, a partir da acusação, o segredo aproveita sobretudo ao arguido, acrescentando, “em defesa da honra do arguido o segredo só se justifica relativamente aos estranhos ao processo e, por isso, quando o Mº Pº conclua a investigação e deduza acusação já não se justifica o segredo relativamente ao próprio acusado”.

Assim, que se entenda improcederem todas as conclusões do recurso.

Decisão:

Pelo que exposto ficou, acordam, nesta relação e Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Magistrado do Mº Pº, e em consequência, manter o despacho recorrido.

Sem custas.

Coimbra,

            ________________________

[1] Embora se reconheça que é discutível que a restrição associada ao segredo de justiça se justifique pela presunção de inocência. A este propósito, Medina Seiça, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, págs. 645 e 646, escreve: "(...) não julgamos que a presunção da inocência do arguido por si mesma justifique o segredo de justiça. (...) aceitar que a divulgação dos termos de um processo implica uma limitação à presunção de inocência deveria estender a reserva a todas as fases processuais, incluindo as de audiência e julgamento. Por outro lado, um correcto esclarecimento sobre o processo pode contribuir de forma mais perfeita para o reforço daquela presunção do que a especulação e o mistério em que os casos tantas vezes se movem (...). Por último, embora se aceite que a tutela do segredo de justiça se prende, nalguns aspectos de regime, com a protecção da reserva da vida privada e até da honra das pessoas envolvidas, a verdade é que essa tutela não participa dos fundamentos justificadores da sua existência nem como eles se confunde".

[2] Sobre o fundamento do segredo de justiça, Maria João Antunes, O Segredo de Justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção, in Liber Discipulorum para Figueiredo Dias. págs. 1244 e ss.

[3] Frederico da Costa Pinto, Segredo de Justiça e acesso ao Processo, in Jornadas de Direito Processual e Direitos Fundamentais, pág. 72.

[4] 4 Medina Seiça, ibidem.

[5] F. da Costa Pinto, ibidem, pág. 81.

[6] A liberdade de imprensa é "uma manifestação paradigmática das liberdades de expressão e informação no contexto das sociedades contemporâneas (...) e é seguramente portadora de lastro axiológico e das credenciais ético-juridicas próprias daquelas outras liberdades", Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, pág. 40, que prossegue, enunciando um leading case decidido pelo Tribunal Constitucional Federal alemão: O direito fundamental de liberdade de expressão, como a mais directa expressão (unmittelbarster Ausdruck) da personalidade humana na sociedade, é um dos mais proeminentes direitos do Homem (um des droits le puls précieux de I'homme segundo o art. 11 da declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). Ela é pura e simplesmente constitutiva para uma ordenação estadual livre e democrática, pois só ela torna possível o permanente debate cultural, o confronto de opiniões que é seu elemento vital. Ela é, em certo sentido, o fundamento de toda a liberdade, 'the matrix, the indispensable condition of nearly every other form of freedom (...) '.

[7]  Vide Parecer 121/80 da Procuradoria-Geral da República, in Pareceres, Vol. VII, págs. 47 e ss.

[8] Sucessão de Leis Penais, 1990, pág. 142.
[9] Ibidem, pág. 145.

[10] Está, por isso, afastada a aplicação ex tunc do novo regime do sigilo aos actos processuais praticados no domínio da lei anterior, não só porque essa solução contraria a regra do mo 5°, nº 1 do Código de Processo Penal, mas sobretudo porque não é isso que aqui está em causa, mas sim a definição dos contornos típicos de um crime cujos recortes não dispensam conceitos insertos na lei processual penal.