Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
49/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: FUNDO DE GARANTIA SALARIAL - IGFSS
PAGAMENTO
CRÉDITOS SALARIAIS
INDEMNIZAÇÕES NÃO SATISFEITAS PELA ENTIDADE PATRONAL
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 04/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2º, Nº 1, 3º E 4º DO DL Nº 219/99, DE 15/06 , E DL Nº 139/2001, DE 24/04 .
Sumário: I – O FGS assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos caos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma acção nos termos do CPEREF, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação de empresa .
II - Os Tribunais de Trabalho são materialmente incompetentes para apreciarem e decidirem questões relacionadas com o indeferimento de requerimento dirigido ao FGS a solicitar-se o pagamento de créditos salariais e de indemnizações por trabalho prestado por entidade entretanto declarada falida .
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. Nos presentes autos [Proc. nº 234/05.1TTCVL da Secção Única do Tribunal de Trabalho de Covilhã] que A... move contra o Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial e o Director do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Castelo Branco, veio aquela peticionar a anulação do despacho de 04.12.2003 que indeferiu um seu requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial, no qual requeria o pagamento de créditos salariais e indemnização que lhe tinham sido reconhecidos por decisão judicial do Tribunal de Trabalho da Covilhã, mas não pagos pela devedora, B..., que entretanto entrou em falência, com processo judicial a correr termos no Tribunal Judicial de Covilhã.
2. A sua pretensão foi indeferida por acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco de 18.01.2005, “transitado em julgado no processo seleccionado (97/04.4BECTB)” e aplicado a este processo, nos termos e para os efeitos do art. 48º nº 5 do CPTA.
3. Na sequência de recurso interposto desta decisão, o Tribunal Central Administrativo do Sul, pelo acórdão de fls. 222/231, revogou o acórdão do TAF de Castelo Branco, por ter concluído e declarado a incompetência dos tribunais administrativos, em razão da matéria.
4. Remetidos os autos ao Tribunal de Trabalho da Covilhã foi aqui proferido o despacho de fls. 246/7 no qual se julgou incompetente este tribunal, em razão da matéria, para apreciar e decidir a questão jurídica suscitada nos autos.
5. É desta última decisão do Tribunal de Trabalho da Covilhã que, inconformada, a A vem agora agravar.
Alegando, conclui:
1. Os agravantes nunca adquiriram qualquer qualidade vinculística administrativa;
2. O Fundo de Garantia Salarial é dotado de personalidade jurídica, autonomia patrimonial e financeira, sendo-lhe atribuída essa personalidade jurídica de forma a assegurar a sua sub-rogação nos créditos dos trabalhadores cujo pagamento efectue tendo em vista a relação judicial e extrajudicial, no sentido da sua recuperação;
3. Compete-lhe assegurar o pagamento de créditos emergentes de um contrato de trabalho em caso de incumprimento por parte da entidade patronal que esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil;
4. Com o pagamento efectuado o Fundo fica sub-rogado nos direitos dos trabalhadores, mantendo esse crédito os mesmos privilégios creditórios inerentes aos créditos dos trabalhadores;
5. Estes créditos pagos aos agravantes emergiram da cessação de um contrato de trabalho com base na Lei dos Salários em Atraso;
6. Esta relação creditícia sub-rogada por força da lei manteve-se inalterável em todos os seus elementos constitutivos, a qual poderá ser exigível nos tribunais judiciais, no âmbito do processo de recuperação e de falência;
7. O Fundo ao recusar o pagamento dos trabalhadores/agravantes, por conta e em substituição do empregador falido, incumpriu a obrigação de pagamento de créditos salariais, pelo que a relação material controvertida é do foro do tribunal recorrido;
8. Acresce que as normas do DL 212/99 são normas de Direito de Trabalho e de Segurança Social;
9. Violou assim o despacho recorrido o art. 1º e 3º do DL 212/99 de 15 de Junho e ainda as alíneas i) e o) do art. 85º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro.
6. Não foi oferecida resposta.
7. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador Geral Adjunto no sentido de que deve ser confirmada a decisão impugnada.
A A não respondeu a este parecer.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Para além do que se deixou consignado no relatório supra, importa tomar em consideração, como matéria de facto relevante, o seguinte:
a) A A por carta de 13.09.2002 rescindiu o contrato de trabalho que celebrara com B...;
b) Na acção nº 136/03.6TTCVL, que correu termos no Tribunal do Trabalho da Covilhã, foi proferido despacho judicial homologando uma transacção judicial na qual a R. – B... – confessa dever à A as quantias por esta peticionadas a titulo de salários, férias e subsídios de férias, proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal e indemnização por antiguidade;
c) No proc. nº 830/03.1TBCVL, proposto em 31.03.2003, que correu termos no Tribunal de Covilhã, foi decretada a falência da requerida, B..., por sentença de 18.06.2003.
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2. Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver se pode equacionar da seguinte forma:
- os tribunais comuns, através dos tribunais do trabalho, são ou não os competentes para apreciar da legalidade do despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu a pretensão da A, no sentido de esta entidade lhe pagar créditos salariais e a indemnização pela rescisão do contrato de trabalho ?
A decisão recorrida, estribando-se nos votos de vencido constantes do acórdão do TCA e afirmando que a situação não se enquadra nas diversas alíneas do art. 83º da Lei 3/99 de 13/01, conclui pela incompetência do Tribunal do Trabalho.
E, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, cremos que naquela decisão se fez adequada aplicação do direito.
Cumpre justificar.
A solução do problema afigura-se-nos que passa pela análise da classificação, em termos de relação jurídica, da pretensão da A e da obrigação do Fundo de Garantia Salarial.
Estatui o art. 2º nº 1 do DL 219/99 de 15.06:
“O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação, nos casos em que a entidade patronal esteja em situação de insolvência ou em situação económica difícil e, encontrando-se pendente contra ela uma acção nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o juiz declare a falência ou mande prosseguir a acção como processo de falência ou como processo de recuperação de empresa”.
Depois, nos artºs 3º e 4º deste diploma estabelecem-se quais são os créditos abrangidos por aquele pagamento e o montante máximo dos mesmos, nomeadamente consagra-se no nº 1 do art. 3º que apenas serão de pagar os créditos que se tenham vencido “nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou da entrada do requerimento referidos no art. 2º”.
Perante estas normas, cremos que é adequado concluir que a pretensão da A, dirigida ao Fundo de Garantia Salarial, tem por base um direito conferido por normas de interesse público, considerando a protecção que o legislador entendeu dever consagrar para os trabalhadores assalariados, no caso de a entidade patronal não conseguir assegurar o pagamento dos seus créditos laborais em determinadas circunstâncias, basicamente de insolvência.
Por sua vez a decisão do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não só é uma decisão tomada por um órgão de uma pessoa colectiva de direito público [V. o DL 139/2001 de 24.04, que dotou o Fundo de Garantia Salarial de personalidade jurídica e autonomia administrativa, patrimonial e financeira, sendo o seu funcionamento assegurado através da estrutura orgânica do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.] , como é baseada naquelas normas de interesse público, além de que é um acto administrativo [V. artºs 120º do CPA e 51º nº 1 do CPTA.].
Desta forma temos como certo que a pretensão da A., que consiste como vimos, em que o Fundo de Garantia Salarial lhe pague créditos salariais e uma indemnização que a sua entidade patronal, entretanto falida, não lhe pagou, é uma pretensão que tem de ser apreciada em função da relação de direito público que está estabelecida no citado DL 219/99 entre os particulares – trabalhadores que se encontrem em determinada situação factual e jurídica – e uma pessoa colectiva de direito público, integrada na Administração indirecta do Estado, que actua no caso concreto dotada de ius imperii nessa relação, o que nos arrasta para a área da competência dos tribunais administrativos.
Desde logo por força da norma genérica ínsita no nº 1 do art. 1º do ETAF [Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002 de 19.02 e posteriormente alterado pelas Leis nºs 4-A/2003 de 19.02 e 107-D/2003 de 31.12.] , nos termos da qual são os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal aqueles que têm “competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Mas também por aplicação do art. 4º nº 1 al. b) do último diploma citado, que remete para aqueles tribunais o conhecimento dos litígios que tenham por objecto a fiscalização “da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal …”.
Nem se invoque, como se fez no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, para afastar a competência dos tribunais administrativos, o art. 4º nº 3 al. d) do ETAF.
É que, salvo melhor opinião, não se trata aqui, nestes autos, de fazer uma “apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho”. Isso foi feito na referida acção nº 136/03.6TTCVL, onde foi proferida decisão judicial condenando a entidade patronal da A a pagar-lhe créditos laborais. Aqui do que se trata é de saber se o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, apreciando e indeferindo a pretensão da A., tem fundamento legal ou não, à luz daquelas normas de direito público.
Cremos igualmente que as als i) e o) do art. 85º da Lei 3/99, onde se estabelece a competência dos tribunais de trabalho em matéria cível, invocadas pela A nas suas alegações, não permitem retirar a conclusão da competência dos tribunais do trabalho para apreciar da pretensão da A.
Na verdade, quanto à al. i) do art. 85º citado, diremos desde logo que não se trata de questão entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários. Como dissemos o Fundo de Garantia Salarial tem personalidade jurídica e não é uma instituição de previdência ou de abono de família.
No que tange à al. o) do mesmo normativo, o obstáculo é desde logo que a competência dos tribunais de trabalho, para as questões entre um sujeito de uma relação jurídica de trabalho e terceiro, quando tal questão seja emergente de relações conexas com a relação de trabalho por dependência, - onde se poderia enquadrar a situação em causa nos autos – só existe quando o pedido “se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.
Ora, é linear que a A não formula qualquer pedido para que o tribunal seja directamente competente, pelo que também por esta via está inviabilizado fundamentar a competência dos tribunais de trabalho.
Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, conclui-se não só que não assiste razão à recorrente, claudicando a argumentação das suas alegações, como que o entendimento expresso na decisão recorrida não merece censura.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da A. agravante.
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Coimbra,
(António F. Martins)
(Bordalo Lema)
(Fernandes da Silva)