Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
171/11.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ENCERRAMENTO DE EMPRESA PRIVADA
Data do Acordão: 09/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 346º, NºS 4 E 5, E 366º DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009.
Sumário: I – A declaração do empregador ao trabalhador, comunicando a caducidade do contrato de trabalho por encerramento total e definitivo da empresa, bem como que lhe seria paga uma compensação pela caducidade calculada nos termos previstos no Código do Trabalho, é uma declaração negocial que se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do trabalhador, passando a ser irrevogável.
II – No caso em que o trabalhador apenas exige judicialmente o pagamento da referida compensação, cumpre reconhecer-lhe o direito à mesma, ainda que se não demonstrem os fundamentos da caducidade do contrato, pois eles não tinham, também no caso, que ser alegados e provados pelo trabalhador como facto constitutivo do seu direito ao montante daquela compensação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. A autora instaurou contra a ré a presente acção declarativa de condenação pedindo a condenação desta na quantia ilíquida de € 5.532,83 a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho, na quantia ilíquida de € 537,49 a título de subsídio de férias do trabalho prestado em 2010, bem como em juros de mora vencidos desde 31/12/2010, à taxa legal de 4% ao ano, até integral pagamento.

Alegou, em síntese, a relação laboral estabelecida entre as partes, a sua cessação por caducidade em virtude do encerramento total e definitivo do estabelecimento da ré e, no mais, liquidou os seus créditos.

Conforme exarado na acta de fls. 38 a 40, a autora desistiu do pedido que formulou no que respeita ao pagamento quantia ilíquida de € 537,49 a título de subsídio de férias do trabalho prestado em 2010.

Contestou o réu pedindo a improcedência da acção. Alegou, em suma, que transmitiu o estabelecimento e que a transmissão em causa ocorre já depois de ter sido comunicado às trabalhadoras a caducidade do seu contrato por causa do encerramento definitivo e total do estabelecimento que se perspectivava. Defendeu que tal causa de cessação dos contratos não se verificou, pelo que a referida comunicação tem de considerar-se como ineficaz face à transmissão, uma vez que as medidas conservadoras do contrato de trabalho se mantêm com a cessão do estabelecimento.

Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

Na mesma ocasião, considerando-se que a autora teria litigado de má-fé, determinou-se a sua notificação para efeitos do disposto no art. 3.º n.º 3 do CPCivil.

Posteriormente, proferiu-se decisão na qual se condenou a autora, como litigante de má-fé, na multa de 3 UC.

Da sentença, inconformada, a autora veio apelar.

Alegando, concluiu:

[…]

Por outro lado, apelou também da decisão que a condenou como litigante de má-fé.

Alegando neste recurso, concluiu:

[…]

A ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência dos recursos.

Ao contrário, o Exmº PGA junto desta Relação pronunciou-se pela procedência da apelação da sentença.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto                 

Na sentença, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:

[…]


*

2. De direito

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver traduzem-se em saber:

- se se justifica a alteração da matéria de facto, tal como é defendido pela apelante;

- se o contrato de trabalho cessou ou não por caducidade e se à mesma deve ser reconhecido o direito a receber a compensação prevista no art. 346.º, n.º 5 do Código do Trabalho;

- se se justificava ou não a condenação da autora como litigante de má fé.

2.1.- Quanto à impugnação da decisão sobre a mataria de facto:

[…]

Dito isto, a matéria de facto provada, com as alterações intoduzidas, passa a ser a seguinte:

[…]

Visto isto, vejamos agora as questões de direito suscitadas na apelação da sentença:

2.2.- A questão de saber se o contrato de trabalho cessou ou não por caducidade e se a autora tem direito à compensação que reclama:

A autora, na presente acção, veio pedir a compensação pela caducidade do contrato de trabalho calculada nos termos legais.

Provou-se (factos 6. a 7.) por referência ao doc. nº 3 junto com a petição e que se deu por integralmente reproduzido, que em 15 de Setembro de 2010 a ré comunicou à autora que ia proceder ao encerramento total e definitivo da “única unidade económica/Estabelecimento de que é proprietária”  (v. o referido doc. nº 3, uma carta que a ré dirigiu à autora) e que, em consequência do encerramento, o seu contrato de trabalho se extinguiria por caducidade em 31 de Dezembro de 2010, nos termos do disposto no artº 346º do Código do Trabalho. Bem ainda que, pela referida carta, comunicando a caducidade do contrato, lhe comunicou que o montante da compensação seria calculado de acordo com o disposto no art. 366º do CT.

Na sentença recorrida, considerou-se que o fundamento da caducidade do contrato não ocorreu, já que o estabelecimento foi transmitido a terceiro, depois da aludida comunicação de caducidade, como a autora veio a ter conhecimento, pelo que o contrato de trabalho se teria transmitido (nos termos do art. 285.º do Código do Trabalho).

E ali se afirmou, designadamente, o seguinte:

É certo que a transmissão em causa ocorre já depois de ter sido comunicado às trabalhadoras a caducidade do seu contrato por causa do encerramento definitivo e total do estabelecimento que se perspectivava.

Contudo, tal causa de cessação dos contratos não se verificou. Pelo que a referida comunicação tem de ter-se como ineficaz face à transmissão, uma vez que as medidas conservadoras do contrato de trabalho se mantêm com a cessão do estabelecimento.

E, por isso, deixou de haver motivo para a caducidade dos contratos, porque o estabelecimento não encerrou total e definitivamente, só este facto justificando a caducidade dos contratos”.

Vejamos:

O exercício de um direito potestativo extintivo do contrato de trabalho, como ocorre com as situações de caducidade, não prescinde da correspondente declaração negocial extintiva, como resulta bem claro do disposto no art. 346.º n.º 4 do CT/2009 (tenha-se em consideração que a empresa da ré é uma microempresa, considerando que se provou que tinha quatro trabalhadoras – v. facto 18. e atento o disposto no art.º 100.º n.º 1 al. a) do mesmo Código do Trabalho).

Dito isto, para a eficácia da declaração negocial deve atender-se ao que dispõe o art. 224.º n.º 1 do Código Civil: a declaração negocial considera-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário.

Como se refere na anotação ao art. 230.º do Código Civil Anotado de Pires de Lima-Antunes Varela, “a recepção ou conhecimento da declaração negocial torna esta eficaz e, consequentemente, irrevogável”. Ou seja, a declaração não pode ser unilateralmente revogada a menos, naturalmente, que a lei o preveja, como é por exemplo o caso, em matéria de cessação de contratos de trabalho, das situações dos arts. 350.º (situação de revogação do contrato de trabalho), 397.º (situação de resolução pelo trabalhador do contrato de trabalho) e 402.º (situação de denúncia pelo trabalhador do contrato de trabalho). Pode, naturalmente, ser revogada por acordo entre ambas as partes, nos termos gerais do disposto no art. 406.º do Código Civil, mas esse acordo não existiu na situação dos autos.

No caso, portanto, nenhum efeito podem ter as declarações da ré de que a cessação do contrato já não teria lugar por força da transmissão do estabelecimento, tal como resulta que possam ter tido lugar dos factos provados.

Ou seja, perante a declaração unilateral de cessação do contrato de trabalho, sempre se deveria concluir que esta se tornou eficaz quando chegou ao conhecimento da autora. E, assim sendo, a colocarem-se como sem fundamento os pressupostos da cessação por caducidade, sempre se teria de concluir quando muito por um despedimento, tal como a ré adianta na contestação.

Por tudo isto, tendo a ré declarado a cessação do contrato para 31 de Dezembro de 2010, a eventual transmissão de estabelecimento em 1 de Janeiro de 2011, como alegou na contestação, já não poderia ter como resultado a “revogação” ou “perda de eficácia” do “efeito extintivo” do contrato de trabalho gerado pela declaração – eficaz, repetimo-lo – da ré, dirigida à autora, no sentido da cessação do contrato.

De todo o modo, os factos provados não evidenciam que tenha ocorrido uma efectiva transmissão do estabelecimento. Na verdade, não só neles se não identifica um negócio jurídico típico que a pudesse afirmar (o contrato promessa referido em 15., entre a ré e terceiros, tem por objecto apenas a promessa de compra e venda de equipamentos que integravam, eventualmente, o estabelecimento – sem que se saiba se todos ou apenas alguns dos equipamentos -, bem como a base de dados de clientes), nem neles se apresentam factos que permitam uma comparação, ainda que tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompunha o estabelecimento, antes e depois da alegada transmissão, permitindo concluir que da mesma estrutura económica se tratava. Nem sequer do facto de se poder retirar da matéria provada que três das quatro trabalhadoras da ré celebraram contratos de trabalho com os terceiros que figuram como promitentes compradores no contrato promessa referido em 15., se pode concluir que os contratos de trabalho se “transmitiram”, na medida em que a verdadeira transmissão de estabelecimento não necessitaria de celebração de novos contratos, pois a posição de empregador se transmitiria ope legis nos termos do disposto no art. 285.º do Código do Trabalho…

Chegados aqui pode considerar-se que também não se provou o encerramento do estabelecimento da ré.

Poderá considerar-se que na falta dessa demonstração, a autora não teria direito à compensação pela caducidade do contrato, pela falta de demonstração dos pressupostos materiais?

Entendemos que não.

À autora bastaria alegar e provar a ocorrência declaração, eficaz como dissemos, de caducidade do contrato de trabalho. À ré, querendo sustentar a inoperância da mesma, caberia a demonstração de uma eventual ausência de fundamento da caducidade, como facto impeditivo dos direitos da autora (art. 342.º n.º 2 do Código Civil).

De todo o modo, a declaração negocial em causa, integrava uma declaração de pagamento da compensação calculada nos termos do art. 366.º do Código do Trabalho. Mesmo que essa declaração possa ser entendida como uma proposta de natureza contratual, ainda assim ela é irrevogável depois de recebida pela autora, nos termos do disposto no art. 230.º do Código Civil.

Neste caso, pretendendo apenas a autora receber a compensação nos termos em que lhe foi declarado pela ré, como compensação pela extinção do contrato, podia ter exigido judicialmente a mesma, como o fez, cabendo reconhecer o seu direito à mesma.

Ou seja, reconhecemos que a autora tem direito a receber da ré a aludida compensação calculada do modo que lhe foi declarado pela ré, isto é, nos termos do art. 366.º do Código do Trabalho, equivalente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade e, no caso de fracção de ano, proporcionalmente a essa fracção. Ou seja, ao montante de € 5.532,83, tal como foi pedido.

A apelação da sentença terá, pois, de ser julgada procedente.

2.3.- A questão da litigância de má fé:

Como se disse, a autora recorre também da sua condenação como litigante de má fé. É o seguinte o teor do despacho que operou tal condenação:

Como ficou provado que a autora acompanhou a par e passo o processo de transmissão da empresa desde a sua génese, jamais podendo invocar que só soube do mesmo em Janeiro de 2011 e alegava o contrário, sendo o facto em causa pessoal, afigura-se que deverá ser condenada como litigante de má fé [art. 456/1 e 2a), do CPC].

Anota-se designadamente que a autora alega que num volte face inesperado a Ré envia uma carta à autora a informar que o estabelecimento foi transmitido (vide art. 13º da PI). E faz crer no seu articulado que o seu contrato teria cessado por força da comunicação a que se refere nos artºs 6º a 8º do seu articulado. Acontece que se provou que, muito antes da carta referida no artº 13º, já a autora sabia que o estabelecimento da ré não ia encerrar. Aliás, foi do seu depoimento que se extraiu a maior parte da factualidade dada como provada em sentido diverso do feito constar no seu articulado (cfr. ata de fls. 95 e ss.).

Note-se que com a reforma de 95/96 foram acrescidas - não diminuídas – as exigências de responsabilizar as partes pelo seu comportamento processual. Daí que, por exemplo, se condene como litigante de má fé, actualmente, não só o litigante doloso, como o litigante temerário (neste sentido, o preâmbulo do Dec. Lei 329-A/95, de 12/12), atitude saudada pela doutrina no seu propósito de atingir uma maior responsabilidade das partes" (Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, Coimbra Editora, 20 vol, Nov2001, págs. 194/199; Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, por exemplo, págs. 62/64).

O que é apenas "uma projecção" do maior rigor da jurisprudência anterior a tal reforma, face à "frequência com que actuações manifestamente reprováveis eram detectadas". Daí que já então se começasse "a adoptar um critério de aferição de condutas reprováveis menos exigente do que aquele que era tradicionalmente seguido" (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II, Almedina, Jan97, págs. 66/68 e 84/85).

(…)

Pelas exposto e ao abrigo das supra citadas disposições legais, condeno a autora como litigante de má fé na multa de 3 UC.

Como se vê a decisão condenatória, tem por base a constatação que houve transmissão do estabelecimento e que a autora disso mesmo tinha conhecimento.

Mas, tal como deixámos dito, não é possível inferir tal realidade da matéria de facto provada, tal como a consignámos depois de alterar a decisão da 1ª instância sobre a mesma matéria.

Assim, sem necessidade de longos considerandos, o juízo de censura efectuado pelo Sr. juiz a quo, ao condenar a autora como litigante de má fé, não pode ser acolhido.

Em consequência, deve ser julgada procedente o recurso nesta parte, como a revogação da referida condenação.


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Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.):

- A declaração do empregador ao trabalhador, comunicando a caducidade do contrato de trabalho por encerramento total e definitivo da empresa, bem como que lhe seria paga uma compensação pela caducidade calculada nos termos previstos no Código do Trabalho, é uma declaração negocial que se torna eficaz logo que chega ao conhecimento do trabalhador, passando a ser irrevogável.

- No caso em que o trabalhador apenas exige judicialmente o pagamento da referida compensação, cumpre reconhecer-lhe o direito à mesma, ainda que se não demonstrem os fundamentos da caducidade do contrato, pois eles não tinham, também no caso, que ser alegados e provados pelo trabalhador como facto constitutivo do seu direito ao montante daquela compensação.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar procedente a apelação da sentença e da decisão que condenou como litigante de má fé e, consequentemente, alterar a sentença recorrida condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 5.532,83 (cinco mil quinhentos e trinta e dois euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 31.12.2010 até integral pagamento, bem como revogar a condenação da autora como litigante de má fé.
Custas no recurso pela ré.


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Coimbra,


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(Azevedo Mendes)

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(Felizardo Paiva)

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(Jorge Loureiro)