Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
894/06.6TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ALIMENTOS
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
CASAMENTO
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 9º, Nº1, DO DEC. LEI 322/90 DE 18/10, 6º DO DEC. LEI 7/2001 DE 11 DE MAIO E 2020º DO CÓD. CIVIL
Sumário: 1. O cônjuge sobrevivo de beneficiário da Segurança Social que não reúna as condições de atribuição de pensão de sobrevivência a que alude o art. 9º, nº1, do Dec. Lei 322/90 de 18/10, porque o período de vigência do matrimónio é inferior ao prazo aí previsto (um ano), pode peticionar a atribuição dessa prestação invocando uma situação de união de facto verificada antes do casamento.

2. Nestes casos, é de aplicar o regime próprio instituído para a atribuição da pensão em causa ao membro sobrevivo de união de facto, exigindo-se a verificação dos requisitos a que alude o art. 8º do mesmo diploma e 6º do Dec. Lei 7/2001, competindo ao requerente o ónus de alegar e provar, para fazer valer esse seu direito, nomeadamente, os factos pertinentes à situação de necessidade e à impossibilidade de obter alimentos, nos termos do art. 2020º do Cód. Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra 

I. RELATÓRIO

A…. intentou a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra o Instituto de Segurança Social, I.P., CNP pedindo que se declare:

a) “a situação continuada de união de facto em tudo igual à dos cônjuges de sexo diferente da A. com B…, dois anos e meio antes do casamento”;

b) “a qualidade da A ser titular do direito às prestações por morte do beneficiário do I.S.S. - Centro Nacional de Pensões, B...”.

Posteriormente, procedeu a aditamento à petição inicial, pretendendo que o tribunal condene o réu a reconhecer:

c) “que a A. e o beneficiário B..., viveram na situação de facto, por lapso de tempo (dois anos e meio) que somado ao tempo de casamento perfaz mais de um ano, preenchendo todos os requisitos legais para ser habilitada às prestações por morte de seu marido e concedidas as prestações por morte deste.”

Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que viveu em situação de união de facto, durante cerca de dois anos e meio, com B...e casou com o mesmo em 03/10/2005, casamento dissolvido por óbito deste, ocorrido seis meses depois, em 03/04/2006; o B... era beneficiário da segurança social e não deixou bens, carecendo a autora de alimentos e não tendo ascendentes, descendentes, nem irmãos que lhos possam prestar.

O réu apresentou contestação, impugnando alguns dos factos articulados na petição inicial.

Procedeu-se ao saneamento do processo e fixou-se a factualidade assente, com elaboração da base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“Pelo exposto decido o seguinte:

a) Julgo improcedente por não provada a acção e, consequentemente, declaro que A... não é titular de direito a prestações por morte de B..., beneficiário do ISSS/CNP com o nº 095050925.

Custas a cargo do Autora.

Registe e notifique”.

A autora recorreu, peticionando a revogação da sentença e que se declare a acção procedente, “reconhecendo-se à A. o direito às prestações por morte do beneficiário B..., por reunir todos os requisitos legais, condenando-se o R. a reconhecer e atribuir esse direito à A.”. Formula as seguintes conclusões:

 “- A sentença interpretou e aplicou erradamente o disposto nos arts. 2020º e a alínea a do art. 2009 do Código Civil e Leis 7/2001; 135/99 e 322/90 e D.L. 1/94, no caso concreto da A.   

- A A provou que vivera casada com o Beneficiário B... 6 meses antes do óbito e só tinha que provar o requisito de vivência em comum, como de cônjuges, um ano antes do casamento – desde 8/4/2003 – em situação de união de facto com o marido B....

- Provou a sua necessidade de Alimentos (provado que a A não tem bens nem aufere qualquer rendimento) e vivia o casal – a A e B...– exclusivamente da reforma dele.     

- Provou que a Herança de B...(o cônjuge da A.) é que tem a obrigação em prioridade e com exclusão das outras classes sucessivas de prestar alimentos aos seus Herdeiros, ou seja, provou a insuficiência da Herança para poder prestar-lhos.   

- Ónus que lhe incumbia provar”.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade:

1. A... e  B… casaram um com o outro no dia 03.10.2005.

2. B...faleceu no dia 03.04.2006.

3. No âmbito dos autos de inventário n.º 8/87 que correu os seus termos por este Tribunal Judicial de Tomar, coube a B...:

- 4/6 da casa de habitação com a superfície coberta de 48 m2, construída no ano de 1937,sita na Póvoa, freguesia de X…, inscrita sob o artigo matricial n.º 931; - 1/15 de um prédio rústico sito no Caldeirão, freguesia de X…;

- 4/6 de um prédio rústico sito nas Coutadas, freguesia de X....

4. A Autora nasceu no dia 29.07.1938.

5. Por escritura pública de 01.08.2003, foram declarados habilitados como herdeiros de  H…, falecido no dia 08.04.2003:

- A..., na qualidade de cônjuge;

- C…, na qualidade de filho

- D…, na qualidade de filha;

- E…, na qualidade de filho;

- F…, na qualidade de filho;

- G…, na qualidade de filho.

6. B...era beneficiário do ISSS/CNP com o nº 095 050925.

7. A Autora e B...viveram como marido e mulher desde 08.04.2003.

8. Os prédios referidos em C) não dão qualquer rendimento.

9. A... e B...viviam exclusivamente da pensão de reforma daquele.

10. A... reside na casa de habitação sita na Póvoa, freguesia de freguesia de X..., inscrita sob o artigo matricial n.º 931.

11. A casa de habitação necessita de obras.

12. A Autora não tem bens nem aufere qualquer rendimento.

13. A Autora não sabe ler nem escrever.

14. C... é trabalhador ao dia na construção civil e habita com a Autora, não dispondo de rendimentos para sustentar a Autora.

15. G... aufere para a sua família o vencimento mensal de € 471,00, não dispondo de rendimentos para sustentar a Autora.

16. H... deixou como herança uma casa em ruínas que necessita de obras.

17. A herança de B...não dá rendimento aos seus herdeiros.

18. B...não faleceu devido a acidente.

19. Nem de doença contraída ou manifestada depois do casamento.

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

No caso dos autos, assentamos que está em causa apreciar:

- se a circunstância da autora ter casado com o beneficiário da Segurança Social, falecido seis meses depois do casamento, obsta a que possa invocar a situação de vivência em união de facto com o de cujus, com vista a que lhe seja concedida pensão de sobrevivência (ao invés de peticionar essa pensão na qualidade, que tinha, de cônjuge do beneficiário).

- dos requisitos constitutivos do direito à pensão de sobrevivência nos casos de união de facto;

2. Na decisão recorrida, a Sra. juiz partiu do pressuposto que era admissível à apelante o recurso ao regime instituído para as situações de vivência em união de facto, pese embora a apelante tivesse entretanto casado com o beneficiário da Segurança Social, com quem tinha vivido em união de cama, mesa e habitação durante alguns anos, e que veio a falecer seis meses depois do casamento – o casamento ocorreu em 3 de Outubro de 2005 e o marido da autora faleceu a 3 de Abril de 2006 – , invocando a autora a inexistência de filhos do casal.

Compreende-se que, na base dessa opção, está a exigência prevista no art. 9º, nº1 do Dec. Lei 322/90 de 18/10 e a constatação de que a autora não satisfazia o requisito temporal que aí se exige para a concessão da pensão. Efectivamente, nos termos do referido preceito “não havendo filhos do casamento, ainda que nascituros, o cônjuge sobrevivo só tem direito às prestações se tiver casado com o beneficiário pelo menos um ano antes da data do falecimento deste, salvo se a morte tiver resultado de acidente ou de doença contraída ou manifestada depois do casamento”.

Parece razoavelmente evidente a ratio do preceito, a saber, obviar aos casamentos de conveniência, realizados exclusivamente com vista à obtenção da pensão de sobrevivência e constituindo, nessa medida, um negócio em fraude à lei.

Partilhamos do entendimento que está subjacente à decisão recorrida – a 1ª instância não abordou expressamente esta questão – , que nos parece ser o que melhor se adequa ao quadro legal fixado para a protecção por morte dos beneficiários abrangidos por regime de segurança social, realizada a favor do seu agregado familiar, mediante a concessão de pensões de sobrevivência, ponderando a articulação entre os dois regimes instituídos, aquele que releva nas hipóteses de casamento e o que é aplicável às situações de união de facto.

Como se referiu no Ac.STJ de 27/05/2003, [ [i] ] em caso similar ao dos autos, não pode defender-se a aplicação do regime instituído para os cônjuges, porquanto, não satisfazendo a demandante os requisitos previstos no art. 9º, nº1 do D.L. 322/90, “defender o contrário seria ignorar o preceito legal em causa e decidir contra lei expressa”.

Mas, assim sendo, justifica-se permitir à demandante o recurso ao regime que vigora para os casos de “situação de facto análoga à dos cônjuges”, sob pena de cairmos numa situação de desprotecção que, manifestamente, o legislador não quis.

A este propósito, permitimo-nos transcrever o já citado aresto:

“Por outro lado, entendemos que a recorrente teria direito às prestações sociais ao abrigo do Art. 8º nº1, não obstante o beneficiário ser casado com ela, pois de contrário, estava a penalizar-se injustificadamente a A. pelo facto de, ao cabo de 12 anos de vida em comum ter casado com o dito beneficiário, o que seria, de todo incompreensível.

Impõe-se, pois, tal interpretação extensiva sob pena de quebra inadmissível de harmonia do sistema.

Assim, embora a A./recorrente não possa beneficiar das prestações sociais em causa, na qualidade de cônjuge do falecido beneficiário pelas razões acima referidas, teria, no entanto, direito a aceder a elas, atendendo à união de facto prévia ao casamento que durou 12 anos, como se provou.

Porém, para aceder às prestações por esta última via, teria de alegar e provar os requisitos legais respectivos, ou seja, tinha de demonstrar, que poderia exigir alimentos da herança do falecido beneficiário por os não poder obter das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do Art. 2009º do C.C.

É certo que há que adaptar às circunstâncias este requisito do direito a alimentos quando referido à herança do falecido beneficiário, visto que, tendo a recorrente casado com o autor da herança, é ela herdeira deste. No caso concreto, conforme o alegado, é mesmo a única herdeira”.  [ [ii] ]

Parece-nos, pois, que a melhor interpretação – ou pelo menos a que melhor se coaduna ao espírito da lei – é aquela que permite ao cônjuge sobrevivo de beneficiário da Segurança Social que não reúna as condições de atribuição de pensão de sobrevivência a que alude o art. 9º, nº1, do Dec. Lei 322/90 de 18/10, porque o período de vigência do matrimónio é inferior ao prazo aí previsto (um ano), peticionar a atribuição dessa prestação invocando uma situação de união de facto verificada antes do casamento e, neste caso, é de aplicar o regime próprio instituído para a atribuição da pensão em causa ao membro sobrevivo de união de facto, exigindo-se a verificação dos requisitos a que alude o art. 8º do mesmo diploma e 6º do Dec. Lei 7/2001.

Efectivamente, não é lícito ao demandante escolher os aspectos particulares que, de um ou outro regime, lhe são mais favoráveis, com vista à sua aplicação, solução que a unidade do sistema jurídico não consente – art. 9º do Cód. Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem.

Cumpre, agora, analisar desses requisitos e da sua verificação no caso concreto. 

3. Nos termos do art. 3º do Dec. Lei nº 7/2001 de 11 de Maio as pessoas que vivem em união de facto, nas condições previstas no referido diploma, têm direito a “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei” –alínea e).

O art. 6º dispõe sobre o “Regime de acesso às prestações por morte”, nos seguintes termos:

“1 — Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artigo 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis.

2 — Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou nos casos referidos no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição”.

O art. 2020º, preceitua que «aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º”.

A doutrina e jurisprudência vêm divergido a propósito da delimitação dos pressupostos a que deve obedecer a atribuição do direito à pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo da união de facto, em caso de morte do companheiro respectivo, beneficiário de um regime público de Segurança Social.

Segundo o entendimento que, cremos, vem sendo maioritariamente seguido pelo STJ e ao qual aderimos, “para que o sobrevivo de união de facto possa pedir a pensão de sobrevivência da Segurança Social tem de alegar e demonstrar:

.que o falecido, à data da morte, não era casado ou, sendo-o, estivesse separado judicialmente de pessoas e bens;

.que o requerente da pensão tenha vivido maritalmente com o falecido, há mais de dois anos, à data da morte;

.que essa convivência marital tenha sido em condições análogas às dos cônjuges;

.não ter o requerente meios de subsistência e não os possa obter do seu cônjuge, ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes ou irmãos”. [ [iii] ]

Para outra corrente, a remessa feita para o art. 2020º deve considerar-se limitada à primeira parte do nº 1 do referido preceito, pelo que é suficiente para assegurar a atribuição da pensão por parte da segurança social a alegação e prova da seguinte factualidade: a) que o beneficiário, à data do óbito, não era casado ou separado judicialmente de pessoas e bens; b) que o requerente vivia com de cujus em situação análoga à dos cônjuges, há mais de dois anos. Para esta corrente é, pois, desnecessária, a prova da carência de alimentos e impossibilidade da sua obtenção. Considera-se, fundamentalmente, que com a publicação da lei 135/99 de 28/08 o legislador pretendeu, em matéria de protecção social, uma total equivalência entre a união de facto e o casamento, tendência que já resultava de outros diplomas e, por outro lado, pondera-se a natureza da prestação em causa, destinada a compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos do trabalho, mostrando-se “totalmente excluída qualquer eventual correlação com os meios económicos do cônjuge do beneficiário”. [ [iv] ]  

Ora, a aplicação restritiva do disposto no art. 2020º não decorre, directamente, de nenhum dos referidos preceitos, nem se encontram razões que a justifiquem.

Também não colhe, quer no âmbito das pensões de sobrevivência da função pública quer no âmbito da segurança social, o argumento de inconstitucionalidade, maxime por violação dos princípios da proporcionalidade – que, stricto sensu, “significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”  [ [v] ] – e da igualdade (artigos 2º, 13º, 18º, n.º 2, 26º, 36º, n.º 1, e 63º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa), porquanto estamos perante realidades social e juridicamente distintas, a justificar, portanto, um tratamento diferenciado, como vem reconhecendo o Tribunal Constitucional, referindo existir fundamento constitucionalmente relevante para a distinção de tratamento em causa. Dir-se-á, liminarmente, que quando celebram o contrato de casamento (art. 1577º) os cônjuges introduzem, voluntariamente, uma alteração no respectivo estatuto jurídico, em função das obrigações que assumem e dos direitos que adquirem, o que não acontece nos casos de união de facto, desde logo porque não implica, necessariamente, solidariedade patrimonial. [ [vi]

Noutra ordem de considerações dir-se-á que se que a análise dos pressupostos em causa, quer para aferição das necessidades do reclamante da pensão, quer da impossibilidade dos familiares prestarem alimentos, pela ordem a que alude o art. 2009º, deve ser feita com razoabilidade, como se referiu no Ac. TRL de 27/04/2004, [ [vii]  ] sob pena de, na maioria dos casos, se inviabilizar o acesso a essa prestação social, pela dificuldade de reunir no processo elementos de prova que apontem abundantemente no sentido pretendido pelo reclamante. Exemplificando, parece não fazer muito sentido um rigor extremo na averiguação das condições económicas do reclamante, quando está assente que este (sobre)vive com o “rendimento mínimo garantido” – como acontecia no caso em análise no referido aresto –, ou indagar da possibilidade de prestação de alimentos por parte de familiares do reclamante quando o reclamante não tem qualquer contacto com os mesmos há imensos anos  e nem sequer se conhece o paradeiro destes…       

No entanto, há que não confundir essa situação com a pura e simples ausência de prova dos factos invocados pelo requerente da prestação social e que traduzem os elementos mínimos básicos indispensáveis para fazer vingar a sua pretensão.

Concluindo, acolhe-se a posição sufragada na sentença recorrida quanto à questão ora em apreço.

4. À luz do que se deixou exposto, temos de concluir que a apelante não logrou satisfazer o ónus que impende sobre si, no que concerne à prova do requisito alusivo à impossibilidade de obter alimentos dos seus descendentes.

A autora invocou ter cinco filhos do seu primeiro casamento – as pessoas identificadas na escritura de habilitação de herdeiros referida supra sob o nº 5 – e alegou, relativamente a cada um deles, o respectivo modo de vida e rendimentos, factualidade que foi levada à base instrutória.

Ora, quanto a essa matéria, respondeu-se negativamente aos quesitos 10º a 12º pelo que daqueles cinco filhos da apelante nada se sabe relativamente a três deles (a D..., o E... e o F...). Para o efeito ora em apreço e ao contrário do que parece entender a apelante, é insuficiente o juízo de que a autora provou a incapacidade da herança para prestar alimentos.  

Por último, e a propósito do requerimento apresentado pela apelante a fls. 270 dos autos, já depois da prolação da sentença recorrida, cumpre referir que não se vislumbra em que medida o Dec. Lei 153/2008 de 6 de Agosto, na parte em que deu nova redacção ao art. 3º do Dec. Regulamentar nº 1/94 de 18 de Janeiro, altera o que se expôs acerca das condições de atribuição da pensão de sobrevivência. Aliás, como se refere no preâmbulo do diploma, essa alteração teve em vista clarificar apenas que “a atribuição das prestações por morte fica dependente de apenas uma acção judicial, deixando de prever a exigência de uma segunda acção a intentar especificamente contra a instituição de segurança social competente para a respectiva atribuição”.     

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

                                             *

Conclusões:

1. O cônjuge sobrevivo de beneficiário da Segurança Social que não reúna as condições de atribuição de pensão de sobrevivência a que alude o art. 9º, nº1, do Dec. Lei 322/90 de 18/10, porque o período de vigência do matrimónio é inferior ao prazo aí previsto (um ano), pode peticionar a atribuição dessa prestação invocando uma situação de união de facto verificada antes do casamento.

2. Nestes casos, é de aplicar o regime próprio instituído para a atribuição da pensão em causa ao membro sobrevivo de união de facto, exigindo-se a verificação dos requisitos a que alude o art. 8º do mesmo diploma e 6º do Dec. Lei 7/2001, competindo ao requerente o ónus de alegar e provar, para fazer valer esse seu direito, nomeadamente, os factos pertinentes à situação de necessidade e à impossibilidade de obter alimentos, nos termos do art. 2020º do Cód. Civil.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Notifique.

[i] Proferido no processo 03A927, (Relator: Moreira Alves), acessível in www.dgsi.pt  

[ii] A este propósito cfr. os Acs. desta Relação de Coimbra, de 28/01/2009, proferido no processo 1038/08.5TBAVR.C1 (Relator: Sílvia Pires), acessível in www.dgsi.pt, em que se concluiu que “O casamento de duas pessoas que viviam há mais de dois anos em união de facto na véspera da morte do cônjuge marido, não é impeditivo de que o cônjuge mulher veja reconhecida judicialmente a verificação da situação prevista no art.º 2020º, do C. Civil, para efeitos de atribuição de prestações sociais por morte do beneficiário da segurança social, com fundamento na união de facto” e, no mesmo sentido, o Ac. de 07/06/2005, aí referenciado, proferido no recurso de apelação nº 772/05 (Relator: Rui Barreiros). 

[iii] Ac. STJ  de 27/05/2008, proferido no processo 08B1429 (Relator: Cons. Custódio Montes), acessível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido vão, entre outros, os Acs. do STJ de 13/09/2007, proferido no processo 07B1619 (Relator: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), de 23/10/2007, proferido no processo nº 07ª2949 (Relator: Cons. Azevedo Ramos) e desta Relação de Coimbra, de 22/11/2005, proferido no processo 3350/05 (Relator: Des. Ferreira de Barros), de 08/03/2006, proferido no processo 4197/05 (Relator: Des. Távora Vitor) e de 24/10/2006, proferido no processo 1215/06.3 (Relator: Des. Teles Pereira), acessíveis no mesmo loc.   

[iv] Neste sentido Ac. STJ de 20/04/2004, C.J. (STJ), Ano XII, T. II, 2004, p. 30.

[v] Gomes Canotilho e Vital Moreira, C.R.P. Anotada, Coimbra Editora, 3ª edição, p. 152

[vi] Neste sentido – e contrariando o entendimento anteriormente expresso no Ac. TC nº 88/2004, de 16/04/2004 –, vide os Acs. TC de 233/05 e 614/2005, acessíveis in www.tribunalconstitucional.ptvide, ainda, no mesmo sentido, os Acs. T.C. 275/2002 e 195/2003, bem como o estudo de Rita Lobo Xavier, “Uniões de Facto e Pensão de Sobrevivência”, in Jurisprudência Constitucional, nº 3, Julho – Setembro de 2004, p. 16-24, em anotação aos citados arestos 195/03 e 88/04 .

[vii] Proferido no processo 2884/2004-7 (Relator: Abrantes Geraldes), acessível in www.dgsi.pt