Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1557/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: RECURSO ORDINÁRIO: PRESSUPOSTOS DA SUA ADMISSIBILIDADE
SUCUMBÊNCIA: SUA MEDIDA EM CASO DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS PARA EFEITOS DE RECURSO
Data do Acordão: 09/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 678º, Nº 1; 687º, Nº 4; E 701º, DO CPC
Sumário: I – A decisão que admite o recurso não vincula o Tribunal superior – artº 687º, nº 4, do CPC – e, como é também jurisprudência uniforme e pacífica, com o despacho do Relator, proferido no âmbito do artº 701º do mesmo código, não se constitui caso julgado formal, já que tal despacho, sendo provisório, visa apenas assegurar o prosseguimento do processo para ulterior sujeição/apreciação do colectivo dos juízes .

II – Só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse Tribunal, como resulta do artº 678º, nº 1, do CPC, salvo as situações excepcionais consagradas na lei .

III – O que se pretendeu alcançar com o estabelecimento da regra da sucumbência foi evitar-se a reapreciação dos julgados quando a parte reage a uma condenação de valor legalmente considerado menor, aferindo-se a dimensão do seu efectivo prejuízo por uma referência objectivamente tabelada : o valor correspondente a metade da alçada do Tribunal .

IV – No caso de cumulação objectiva de pedidos simples o valor real da sucumbência deve ser determinado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, ou seja, para que o recurso seja admissível em relação a todos eles é necessário que o valor da sucumbência se verifique quanto a cada um deles .

V- A ratio legis inculca o entendimento claro de que a sucumbência, enquanto condição de admissibilidade do recurso, pressupõe que a decisão (ou parte dela) a que se pretende reagir seja, essa sim, desfavorável para o impugnante em montante relevante, em valor superior a metade da alçada do Tribunal .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I
1 – A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandou no Tribunal do Trabalho da Fig. Foz a Sociedade R. «B...», com sede em Monte Redondo, pedindo, a final, a sua condenação no pagamento, entre outras, das quantias respeitantes a retribuição e subsídio de férias, indemnização de antiguidade, subsídio de isenção de horário de trabalho, de respectivamente € 2.261,64, € 3.392,46 e € 2.472,50, com juros de mora, tudo perfazendo o montante global reclamado de € 12.689,09.
Pretextou para o efeito, em resumo útil, que foi admitido ao serviço da R. em 1 de Março de 2003 para exercer as funções de vendedor, por contrato de trabalho a termo, a prazo de seis meses, que se converteu em contrato de trabalho por tempo indeterminado a partir de 1 de Setembro de 2004.
Na sequência das vicissitudes descritas, o A. Acabou por rescindir o contrato, alegando justa causa, com efeitos a partir da recepção da carta registada que enviou à R. em 11 de Fevereiro de 2005.

2 – Tentada, sem êxito, a conciliação das partes, a R. veio contestar, por excepção e impugnação, orientando a sua defesa no sentido da total improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos conta si formulados.

3 – Com resposta do A., proferiu-se Despacho Saneador tabelar e, realizada a Audiência de discussão/produção de prova, foi lavrada sentença a julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação da R. no pagamento ao A. da quantia global de €5.304,62, acrescida de juros de mora, tudo conforme circunstanciadamente consta do dispositivo, a fls. 224-5.

4 – Inconformada, a R. interpôs recurso da decisão, oportunamente admitindo como apelação, alegando e concluindo:

§ Foi dado como provado que o local de trabalho do recorrido era o distrito de Coimbra;
§ Em momento algum, quer anterior, quer posteriormente à celebração do contrato de trabalho sujeito foi consignado que o recorrido exploraria preferentemente as áreas próximas da sua residência ou com ela confinantes, com exclusão de qualquer outra;
§ Ao atribuir ao recorrido a zona de Coimbra para que ele a passasse a explorar, a recorrida fê-lo no do pleno direito que lhe assiste de organizar a sua força de vendas, no caso concreto os vendedores, por forma a melhor a rentabilizar;
§ A zona de Coimbra esta dentro do local de trabalho do recorrido;
§ A única importância que o recorrido tinha a certeza de receber mensalmente, quer fizesse vendas, quer não fizesse, era a retribuição mensal de € 460,00 paga pela recorrente;
§ Para passar a explorar a zona de Coimbra, o recorrido não tinha que mudar de residência, não sendo assim alterada a sua organização familiar, económica e social;
§ Assim, o recorrido, ao despedir-se, fê-lo sem qualquer justa causa, pelo que não lhe é devida qualquer indemnização pela extinção do contrato de trabalho.
§ Decidindo, como decidiu, a douta sentença violou, na parte recorrida o n.2 do art. 411.º do Código do Trabalho.

5 – O A. veio por sua vez interpor recurso subordinado, respondendo simultaneamente à Apelação da R.
Alegando, concluiu:
§ Tendo ficado provado que a R., a partir de Novembro de 2003, passou a pagar ‘por fora’, através de mapas de ajudas de custo, o complemento que anteriormente pagava ‘no recibo’ e que pelo menos algumas dessas ajudas de custo não correspondiam a reais deslocações do A., deviam as mesmas ter sido consideradas como retribuição, face à presunção constante do art. 249.º/1 do Código do Trabalho, não ilidida pela R., e esta condenada no seu pagamento (€ 1.417,08);
§ Face ao carácter excepcional da possibilidade de, legalmente, a entidade empregadora deduzir na retribuição devida quantias relativas ao uso de telefone (art.270.º/1 e 2, e), do Código do Trabalho), só por documento poderia a R. fazer prova desse crédito (o que, a existir, era fácil mediante facturas do operador de telefone), pelo que não deveriam ser dados como provados os factos elencados na sentença sob os n.ºs 38 e 39;
§ Em consequência, provadas as diferenças entre as comissões a que o A. tinha direito e as que lhe foram pagas, deveria a R. ter sido condenada no pagamento dessa diferença (€ 750,58);
§ O conceito de retribuição constante do art. 254.º do Código do Trabalho não se restringe à parte fixa da mesma ou à retribuição-base (como, v.g., o art. 443.º), antes equivale à totalidade da retribuição, tal como o art. 255.º;
§ Não diferindo o art. 254.º do Código do Trabalho do art. 2.º do D.L. n.º 88/96, de 3/7, nada justifica a alteração da pacífica jurisprudência que, na vigência daquele, unanimemente considerou que, para cálculo do subsídio de Natal, deveriam ser consideradas as médias das comissões, ajudas de custo, retribuições em espécie, etc., com carácter regular e periódico, pelo que deverão ser atribuídos também ao A. os montantes de € 992,48 e € 83, 85, incluídos nos peticionados sob as alíneas c) e f) e não concedidos pela sentença;
§ Estando provado ter o A. feito muitas vezes mais de 40 horas semanais e ter-lhe a R. passado a pagar desde Outubro de 2004 subsídio de isenção de horário, no valor de € 115,00 mensais, tal significa o reconhecimento desse trabalho suplementar e da sua necessidade;
§ Como tal, deveria a sentença ter condenado a R. a pagar ao A. também o indicado quantitativo nos meses anteriores, ou seja, de Março de 2003 a Setembro de 2004, num total de € 2.303,84, a acrescer aos € 168,66 em que condenou, estes relativos a Janeiro e Fevereiro de 2005;
§ Além dos € 105,82, relativos a comissões angariadas no mês de Fevereiro de 2005, deveria a douta sentença ter ainda condenado a R. a pagar ao A. o valor da retribuição-base proporcional ao tempo de trabalho desse mês (€ 460x12/28 = € 213,57);
§ Ao entender de modo diverso, violou o Tribunal, entre outras, as normas do art. 342.º, 344.º, 364.º e 393.º/2 do Cód. Civil, arts. 249.º. 254.º e 270.º do Código do Trabalho;
§ O recurso da R. não merece de forma nenhuma provimento porquanto a retirada, por parte da R., das suas melhores zonas de actividade, com a inerente (e provada) diminuição da retribuição e acréscimo de tempo de trabalho, sem que para tanto apresentasse qualquer justificação, e não tendo essa alteração carácter temporário, era, como bem se decidiu, por si só, justa causa de rescisão;
§ Por mera cautela de patrocínio, e para a eventualidade de assim se não considerar, requer-se a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 684.º-A do C.P.C., de forma a considerarem-se também como fundamentos da justa causa, quer de per si, quer conjugados com a transferência e diminuição de retribuição, os demais fundamentos da rescisão, ou seja, o não pagamento de trabalho suplementar/subsídio de isenção de horário e a não inclusão da retribuição variável nos subsídios de férias e de Natal.

Termos em que, na improcedência do recurso principal e na procedência do recurso subordinado, deve ser revogada a decisão e substituída por outra que condene a R. na totalidade dos pedidos das alíneas a), b), c), f), g) e i), desta forma acrescendo à condenação proferida o montante de € 5.691,40, e juros.

Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir o douto Parecer de fls. 275-6 – cumpre apreciar e decidir.


II –

1 – DOS FACTOS
Vem seleccionada a seguinte factualidade:
1 – O A. foi admitido ao serviço da R. em 1 de Março de 2003, mediante contrato de trabalho a termo certo, celebrado pelo prazo de seis meses, para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, exercer as funções inerentes à categoria profissional de vendedor, mediante remuneração;
2- Tal contrato, porque não denunciado por qualquer das partes, renovou-se em 1 de Setembro de 2003 e 1 de Março de 2004;
3- Não obstante o contrato escrito referir, apenas, uma retribuição fixa, desde o início da sua execução, a remuneração do A. compreendia uma parte fixa, inicialmente do montante de € 450,00 e uma remuneração variável, determinada em função do volume de vendas conseguido pelo Autor, designadas comissões, correspondentes a 2% das cobranças relativas às vendas efectuadas;
4- E ainda, mensalmente, prémios de € 75,00 quando atingia € 22.500,00 de vendas, e mais € 75,00 por cada € 5.000,00 que acrescessem àquele valor;
5- E recebia ainda um montante variável, pago a título de ajudas de custo, o qual, até Outubro de 2003 era incluído no recibo;
6- A partir de Novembro de 2003, esse complemento passou a ser pago "por fora", através de mapas de ajudas de custo, algumas das quais, pelo menos, não correspondiam a reais deslocações do Autor;
7- A Ré não pagava subsídio de refeição, porque pagava o efectivamente gasto no almoço, até € 6,50 por refeição, mediante a apresentação da respectiva factura;
8- A Ré até Novembro de 2004 apenas efectuava descontos para a Segurança Social sobre a parte fixa da retribuição;
9- Conforme acordado, o local de trabalho, ou seja, a zona de incidência da actividade do A., era o distrito de Coimbra;
10- Tendo sido fundamentalmente nas zonas de Figueira da Foz (todo o concelho), Montemor-o-Velho, Tentúgal, Tocha e Cantanhede aquelas onde a actividade do A. se concretizou com maior expressão, obtendo crescente volumes de vendas e, consequentemente, crescentes valores de comissões;
11- Na sua actividade, o Autor trabalhava muitas vezes para além de 40 horas semanais;
12- A Ré nunca pagou horas extraordinárias ao Autor;
13- A Ré em Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 pagou ao Autor a título de isenção de horário a quantia mensal de € 115,00;
14- A Ré não incluía a parte variável do que pagava ao Autor, nomeadamente comissões e prémios, nos subsídios de férias e de Natal que ao mesmo pagava;

15- A Ré aumentou o Autor, no que toca à parte fixa da retribuição, em Outubro de 2004 de € 450,00 para € 460,00;
16- O gerente da Ré, Pedro Mendes, convocou o Autor para uma reunião, no dia 21 de Janeiro de 2005, pelas 14h30m, tendo lhe sido dito para comparecer com os documentos de vendas correspondentes aos clientes das zonas de Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Tentúgal e Tocha, bem como as fichas dos clientes das mesmas zonas;
17- Na posse dos mesmos documentos, aquele gerente não as devolveu ao Autor;
18- Na mesma reunião, aquele gerente Pedro Mendes disse ao Autor que o mesmo deixaria de vender para as zonas referidas, que passariam a ser visitadas por outro vendedor, para quem passariam os respectivos clientes;
19- O Autor através do seu mandatário, e por telecópia, remeteu à Ré carta em 24 de Janeiro de 2005 à entidade empregadora, comunicando designadamente que fora contratado como vendedor, para o distrito de Coimbra e, sendo a sua remuneração, constituída por uma parte fixa e uma parte variável, era evidente que ao retirarem-lhe estas zonas, designadamente a de Figueira da Foz, onde tinha uma grande parte das suas vendas, tal significaria uma efectiva diminuição da remuneração, que o não podia aceitar, conforme documento junto a fls. 13, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
20- Perante essa carta a Ré não alterou a sua posição de retirar as zonas então trabalhadas pelo Autor;
21- Enquanto ao serviço da Ré, o Autor teve a sua residência na Figueira da Foz;
22- Na alteração da zona de venda, das zonas de Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Tentúgal e Tocha, para a zona de Coimbra, uma zona de concorrência muito intensa, o Autor estaria pelo menos oito meses a ganhar menos, em comissões e prémios, até alcançar o nível de comissões que já auferia na zona explorada, uma vez que teria de começar os contactos comerciais de novo;

23- A Ré não entregou ao Autor o recibo de remunerações referente ao mês de Janeiro de 2005;
24- Por carta registada, enviada à Ré em 11 de Fevereiro de 2005, o Autor declarou o seguinte:
"Persistindo V. Exas. nos comportamentos ilícitos já apontados por comunicação do meu advogado de 24 de Janeiro de 2005, venho expressamente declarar que não aceito tal situação, a qual é ilegal e lesiva dos meus interesses patrimoniais. Assim, venho, nos termos do art. 441.º, n.º 1 e 2 do Código do Trabalho, declarar que pretendo a cessação imediata do contrato de trabalho, com justa causa, a partir da próxima 2.ª feira, dia 14 de Fevereiro de 2005, inclusivé, dia em que já não irei trabalhar.
O fundamento desta cessação radica, portanto, nos seguintes factos: a) o de me terem sido retiradas as zonas de Figueira da Foz, Montemor-o-Velho, Tentúgal, Tocha e Cantanhede, ou seja, as minhas melhores zonas, com inerente e significativa diminuição das comissões e, consequentemente, do meu salário; b) a ilegal não inclusão da totalidade da retribuição nos subsídios de Natal e de Férias; c) não pagamento de trabalho suplementar nem isenção de horário; d) não entrega à segurança social dos descontos sobre a totalidade do meu salário. Estes factos constituem uma falta culposa do pagamento (integral) da retribuição e ainda uma lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador, previstas nas alíneas a) e e) do n.º 2 do art. 441° do Código do Trabalho, como integrantes de justa causa de cessação do contrato.
Entretanto, muito agradeço o envio, nos termos legais, da declaração modo 346 e, bem assim, o pagamento de tudo o que me é devido, designadamente as comissões relativas aos recibos que me retiraram das mãos no dia 21.1.
Sem outro assunto, de momento.
Com os melhores cumprimentos, "
25- Durante o tempo que durou a relação laboral do Autor adquiriu direitos as seguinte quantias a título de comissões:
Abril de 2003 - € 197,08;
Maio de 2003- € 283,30;
Junho de 2003 - € 411,00;
Julho de 2003 - € 379,06;
Agosto de 2003 - € 274,20;
Setembro de 2003 - € 449,48;
Outubro de 2003- € 423,10;
Novembro de 2003 - € 399,50;
Dezembro de 2003 - € 430,58;
Janeiro de 2004- € 470,37;
Fevereiro de 2004 - € 510,90;
Março de 2004- € 510,00;
Abril de 2004 - € 534,06;
Maio de 2004 - € 562,87;
Junho de 2004 - € 459,97;
Julho de 2004- € 662,83;
Agosto de 2004- € 578,12;
Setembro de 2004- € 583,16;
Outubro de 2004 - € 540,09;
Novembro de 2004- € 581,52;
Dezembro de 2004- € 480,93, num total de € 9.722,12.
26- A Ré só pagou ao Autor das quantias referidas em 23, de comissões, € 8.971,54;
27- O Autor recebeu da Ré a título de prémios os seguintes montantes:
Novembro de 2003 - € 75,00;
Dezembro de 2003 - € 75,00;
Janeiro de 2004 - € 75,00;
Março de 2004 - € 150,00;
Abril de 2004 - € 150,00;
Maio de 2004 - € 150,00;
Junho de 2004 - € 150,00;
Julho de 2004 - € 150,00;
Agosto de 2004 - € 225,00;
Setembro de 2004 - € 150,00;
Outubro de 2004 - € 150,00;
Novembro de 2004 - € 150,00;
Dezembro de 2004 - € 75,00,num total de € 1.725,00;
28- A Ré não pagou ao Autor qualquer quantia referente a férias e subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2004;
29- Nem lhe pagou qualquer quantitativo referente a proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal;
30- A Ré também não pagou ao Autor qualquer quantitativo referente ao trabalho prestado pelo Autor em Fevereiro de 2005;
31- A Ré não pagou ainda ao Autor o montante de € 105,82 referente a comissões a que o Autor tinha direito pelo trabalho prestado à data da cessação do contrato de trabalho;
32- O gerente da Ré, Pedro Mendes, convocou o Autor para uma reunião no dia 21 de Janeiro de 2005, às 14,30 H, tendo-lhe sido dito que deveria ser portador das pastas com as fichas dos clientes;
33- Nessa reunião, Pedro Mendes informou o Autor que a Ré tinha de contratar um novo vendedor, que passaria a assumir as zonas de Aveiro e da Figueira da Foz, tendo-lhe sido dito também que ele iria passar a explorar a zona de Coimbra, para captar novos clientes.
34- A Ré em 4 de Fevereiro de 2005 pagou ao Autor, relativamente ao mês de Janeiro de 2005 por transferência bancária para conta deste, € 460,00 de vencimento base, € 490,27 de comissões, € 75,00 de prémio, conta essa para onde sempre foram feitas as transferências de todas as importâncias que o A. tinha a receber durante o tempo que trabalhou para a Ré;
35- No dia 7 de Abril de 2005, a Ré respondeu ao Autor a acusar a recepção da carta referida supra em 22 e informou-o que aceitava a rescisão do contrato de trabalho, mas não aceitava a existência das razões aduzidas para justificar a invocada justa causa, pelo que a não reconhecia, conforme documento junto a fls. 131 e 132 que aqui se dá por integralmente reproduzida;
36- Ao Autor estava distribuído pela Ré, para uso profissional, um telemóvel com um plafond mensal de € 25,00, verba esta considerada suficiente para os contactos que ele tinha que fazer com os clientes ou com a Ré;
37- Conforme prática na Ré, o valor de todas as chamadas feitas para além do plafond dos € 25,00 fixado, eram suportadas pelo Autor, e por todos os outros vendedores que tem telemóvel distribuído;
38- Desde que o Autor foi admitido na Ré em Março de 2003, que esta foi sempre a prática, tendo sido sempre descontado nas comissões os valores das chamadas feitas além do plafond;
39- A diferença entre o que o Autor tinha direito a título de comissões e o que recebeu, resulta do que lhe foi descontada para pagamento das chamadas que fez no telemóvel, além do plafond atribuído pela Ré;
40- Até Novembro de 2004 a Ré fez descontos para a Segurança Social somente sobre a parte fixa da retribuição do Autor.
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2 – O DIREITO

Aqui chegados, impõe-se-nos imediatamente a consideração da seguinte Questão Prévia:
A presente acção tem o valor de € 12.689,09, correspondente à soma dos pedidos parcelares do A.
A R., na sequência da procedência parcial da acção, foi condenada no pagamento ao A. da quantia final de € 5.304,62…acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde as datas e sobre as importâncias consideradas no dispositivo – cfr. fls. 225.

No recurso independente/principal, a R. circunscreve expressamente o objecto da sua reacção à parte da decisão que a condenou a pagar ao A., a título de indemnização pela resolução com justa causa, a quantia de € 1.380,00, apenas interpondo recurso para esta Instância nessa parte – cfr. fls. 236.

Como é sabido, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior – art. 687.º, n.º4, do C.P.C. – e, como é também jurisprudencialmente uniforme e pacífico, com o despacho do Relator, proferido no âmbito do art. 701.º do mesmo Código, não se constitui caso julgado formal, já que tal despacho, sendo provisório, (porque susceptível de modificação, quer pela Conferência, quer por iniciativa do próprio Relator, dos seus Adjuntos ou até das próprias partes), visa apenas assegurar o prosseguimento do processo para ulterior sujeição/apreciação do colectivo/Conferência dos Juízes da respectiva Secção.


Não se tratando, no caso, de nenhuma das situações excepcionais a que aludem os arts. 79.º do C.P.T., só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunalcomo prescreve o art. 678.º, n.º1, do C.P.C. – só em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência se devendo atender ao valor da causa.
(Não se equacionam obviamente as hipóteses também previstas nos n.ºs 2 a 4 da mesma previsão normativa).


O valor da alçada do tribunal de 1.ª Instância é ainda de € 3.740,98, 'ut' art. 24.º/1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, com a alteração introduzida pela Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro.
Metade desse valor são € 1.870,49.


A questão que se nos põe é exactamente a de saber qual é, no caso, o valor da sucumbência relevante.
Em tese, pareceria, num primeiro conspecto, que não há qualquer reparo a fazer relativamente ao requisito/pressuposto da sucumbência, uma vez que a R. acabou por ser condenada em valor (€ 5.304,62) superior até à alçada do tribunal 'a quo'.

Simplesmente, reflectindo sobre o que efectivamente se pretendeu alcançar com o estabelecimento da regra da sucumbência, cremos que foi objectivo último do legislador evitar a reapreciação dos julgados quando a parte reage a uma condenação de valor legalmente considerado menor, aferindo-se a dimensão do seu efectivo prejuízo por uma referência objectivamente tabelada: o valor correspondente a metade da alçada do Tribunal.

E se há situações em que a determinação do real valor da sucumbência da parte é duvidosa e complexa, (se não mesmo impossível – v.g. se o pedido formulado é único e ilíquido), assim não sucede quando, como 'in casu', estamos perante uma cumulação objectiva de pedidos simples (art. 470.º/1 do C.P.C.).

Sobre o problema ponderou Miguel Teixeira de Sousa, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, (cfr. ‘Estudos Sobre o Novo Processo Civil’, Edição «LEX», pg. 482-3), de cuja lição nos servimos para ilustrar o entendimento que preconizamos.
Com as suas autorizadas palavras diremos pois que ‘No caso de cumulação simples, esse valor deve ser determinado autonomamente para cada um dos pedidos cumulados, ou seja, para que o recurso seja admissível em relação a todos eles é necessário que o valor da sucumbência se verifique quanto a cada um deles’.

De facto, não seria razoável nem sensato – como conclui/mos – que a decisão relativa a um dos pedidos cumulados (de valor inferior ao valor de aferição) se tornasse recorrível apenas porque a decisão globalmente considerada satisfaz o requisito do valor da sucumbência.
Doutro modo – e levando o argumento às suas últimas consequências lógicas – estar-se-ia a frustrar claramente a teleologia da norma.
Basta lembrar que a parte, conformando-se com a generalidade da condenação, (na hipótese sempre em quantia superior a metade do valor da alçada), pode/ria reservar-se a faculdade de vir apenas pretender discutir um valor residual, umas dezenas de Euros…ou cêntimos!

Cremos que a ratio legis inculca o entendimento claro de que a sucumbência, enquanto condição de admissibilidade do recurso, pressupõe que a decisão (ou parte da) a que se pretende reagir seja, essa sim, desfavorável para o impugnante em montante relevante, em valor superior a metade da alçada do Tribunal.

A decisão impugnada, na parte em que o é, é desfavorável para a recorrente em valor (€ 1.380,00 …e juros desde a citação) significativamente inferior a metade da alçada desse Tribunal, razão por que o recurso não é admissível.

O recurso subordinado caduca, por isso, necessariamente, como prescreve o n.º3 do art. 682.º do C.P.C…suportando o recorrente principal todas as custas.
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III – DECISÃO
Nos termos acima expostos, delibera-se não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto pela R., por o mesmo não ser admissível, com a consequente caducidade do recurso subordinado.
Custas integralmente a cargo da recorrente principal.
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Coimbra,