Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7699/16.4T8CBR.12.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REPARAÇÃO
PENSÃO DA BENEFICIÁRIA VIÚVA
ATUALIZAÇÃO DA PENSÃO
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: LEI N.º 2127, DE 3-08-1965, LEI N.º 100/97, DE 13-09, E LEI 99/2009, DE 4-09, DLEI N.º 668/75 DE 24-11, NA REDAÇÃO DO DLEI N.º 39/81, DE 7-03, DLEI N.º 142/99, DE 30-04, E PORTARIA N.º 1323-B/2001, DE 30-11
Sumário: No caso de acidente de trabalho mortal, para o cálculo da pensão da beneficiária viúva aquando da alteração em função do aumento de 30% para 40% da retribuição base do sinistrado à data do acidente, alteração que ocorre por atingir a idade de reforma por velhice, devem aplicar-se todas as atualizações que a pensão melhorada teria sofrido se fosse devida desde o início, embora a atualização só ocorra a partir da data em que aquela atinge a idade de reforma.
Decisão Texto Integral:

Apelação 7699/16.4T8CBR.12.C1

Relator: Azevedo Mendes

Adjuntos:

Felizardo Paiva

Paula Maria Roberto

Autora: AA

Ré: A..., SA


            Acordam no Tribunal da Relação ...:

I. Em processo emergente de acidente de trabalho, foi proferida sentença em 09-12-1987, homologando acordo parcial firmado em tentativa de conciliação na fase conciliatória do processo, na qual a ré foi condenada a pagar à beneficiária AA, viúva do sinistrado vítima mortal de acidente BB, uma pensão anual e vitalícia em montante ali indicado até perfazer 65 anos e, após essa idade, com um aumento também indicado no mesmo auto.

Em 02-02-2022, a seguradora veio comunicar que tinha actualizado a pensão, com efeitos reportados a 01-01-2022, para € 1.685,37, em conformidade com a Portaria 6/2022, de 04-01-2022.

Em 03-02-2022 foi proferido o seguinte despacho:

«- da atualização da pensão:

A viúva atingiu a idade da reforma em 23 de agosto de 2021, pelo que a partir dessa data a pensão passou a ser no montante de €2.368,44.

Esta pensão atualizada com efeitos a 1 de janeiro de 2022 será de €2.392,12.

Assim sendo, determino a correção pela seguradora do valor atualizado da pensão para o referido montante.

Notifique.»

Perante discordância manifestada pela seguradora em requerimento, foi proferido novo despacho sobre a questão, do seguinte teor:

 «- da atualização da pensão:

Entende a seguradora que em virtude de se ter fixado no auto de conciliação que a viúva quando atingisse 65 anos (a idade da reforma) passaria a ter direito à pensão de € 1.030,83, devem as atualizações posteriores incidir sobre este valor.

Como referido na promoção que antecede, o valor da pensão da viúva calculado com base em 40% da retribuição do sinistrado, não pode fazer caso julgado, para a partir de tal valor serem efetuadas as subsequentes atualizações.

Desde logo, porque à data em que tal foi efetuado (9 de dezembro de 1987) eram outros os requisitos da idade da reforma: à data atingia a idade da reforma quando atingisse os 65 anos e agora necessita de esperar mais 1 ano e 6 meses.

Ou seja, o facto de na tentativa de conciliação se ter feito alusão ao valor da pensão calculada com base em 40% da retribuição do sinistrado, nada tem a ver com a sua atualização, até porque à data nem sequer se sabia quando se começaria a atualizar tal pensão, pois tal dependia do aumento que viesse a ter o SMN e de saber até quando a retribuição do sinistrado continuaria a ser superior ao salário mínimo nacional.

Com efeito, o regime de atualização de pensões de acidente de trabalho previsto no art.º 39.º, n.º 3 da Lei 100/97, de 13/09, veio a ser regulamentado pelo DL 142/99, de 30/04, prevendo o seu art.º 6.º que as pensões de acidente de trabalho serão anualmente atualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social.

Substituiu-se, assim, o anterior sistema de atualização das pensões de acidente de trabalho instituído pelo DL 668/75 de 24/11, na redação dada pelo DL 39/81, de 7/03 que, basicamente, previa que se atualizassem as pensões com base no salário mínimo nacional vigente a partir da altura, e só aí, em que esse salário atingisse um montante superior ao salário tido em conta na fixação inicial da pensão.

A substituição dos regimes operou-se em 1 de janeiro de 2000, data da entrada em vigor da Lei 100/97, de 13/09 e do DL 142/99, de 30/04, com expressa revogação da Lei n.º 2127 de 3 de agosto de 1965 e de toda a legislação complementar, conforme previsto nas disposições conjugadas dos art.ºs 41.º e 42.º da citada Lei 100/97 e art.º 1º do DL 382.º-A/99, de 22/09.

Assim, as atualizações partem da pensão inicial - que foram sendo efetuadas nos autos, sendo que a pensão à data em que a viúva atingiu a idade da reforma - que é em 23.08.2021 e não em 20.02.2020 como refere a seguradora - era no montante de €1.776,33 e porque essa pensão já fora atualizada e passa de 30% para 40%, importa apenas dividi-la por 3 e multiplica-la por 4 e atingimos então a pensão atualizada majorada para 40% (€ 2.368,44)

Neste contexto, o que na tentativa de conciliação se pretendeu dizer quando se refere que a pensão passará após aquela idade para 206.663$00 é apenas que a pensão passará a ser majorada com base agora em 40% da retribuição (o apontado valor), mas não que seja esse o valor da pensão na data da idade da reforma.

Por conseguinte, e ao contrário do alegado pela seguradora, não se deve partir desse valor, já que se tem de atender às atualizações encobertas, o que é garantido pelo modo de cálculo utilizado para encontrar esse valor, ou seja, atualizando a pensão inicial nos termos normais e na data em que a beneficiária atingir a idade da reforma partindo desse valor, que dividimos por 3 e multiplicamos por 4, obtemos o valor da pensão majorada e atualizada.

A partir desse valor incidem as atualizações legais que sobrevierem.

De resto, mesmo a entender-se ser correto o modo de cálculo da pensão efetuado pela seguradora, a operação aritmética da seguradora enferma de lapso na atualização de 1/12/2021, não se entendendo ao fator de atualização encontrado que deveria ser de 3,5% e não 119,76, pelo que a pensão final sempre seria de € 2.247,15 e não o indicado pela seguradora, ou seja, um valor inferior ao indicado (€ 2.336,87), o que comprova que a sua fórmula de cálculo não garante integralmente as atualizações encobertas.

Em suma, assiste razão ao Ministério Público, pelo que está correta a atualização da pensão no valor de € 2.392,12 com efeitos a 1 de janeiro de 2022, constante do despacho de fls. 149 (€ 2.368,44 x 1,06).

Notifique.»

É deste despacho que a ré seguradora veio apelar apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

“I. Não assiste razão ao Tribunal a quo quando decide que a promoção do MP está correcta e que deverá proceder-se à actualização da pensão no valor de €2.392,12, com efeitos a 01.01.2022.

II. Todas as atualizações futuras deverão incidir sobre a referida pensão de € 1.030,83, devendo o cálculo destas reportar-se ao início da pensão.

III. A pensão da Beneficiária, para o ano de 2022 deverá ser atualizada para € 2.336,87.

IV. Na conciliação realizada a 09.12.1987 foi fixada a pensão anual e vitalícia de €773,12 calculada com base em 30% da retribuição base do sinistrado.

V. Ficou exarado neste auto a pensão anual e vitalícia para a referida beneficiária quando atingisse 65 anos de idade no montante de €1.030,83 calculada com base em 40% da retribuição base do sinistrado.

VI. Todas as actualizações a efectuar deverão incidir sobre a pensão de €1.030,83 que apenas terão o seu início a partir de 01.01.1994 uma vez que a retribuição do sinistrado foi sempre superior aos S.M.N, entre 1988 e 1993.

VII. A partir de 20.02.2020, data em que a beneficiária atingiu a idade referida, a pensão anual é aumentada para € 2.313,73, tendo sido atualizada para € 2.336,87 a partir de 01.01.2022.

VIII. A douta decisão violou, por erro de aplicação e de interpretação o disposto no D.L. n.º 668/75, com as redacções que, sucessivamente, lhe vieram a ser dadas pelo D.L. n.º 456/77, de 2 de Novembro, pelo D.L. n.º 286/79, de 13 de Agosto, pelo D.L. n.º 195/80, de 20 de Junho, e pelo D.L. n.º 39/81, de 7 de Março, de 24 de Novembro, Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, Decreto-Lei n.º 107/2015, de 16 de Junho e Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril.

Nestes termos e nos mais de direito, sempre sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o recurso apresentado ser aceite com todas as devidas e legais consequências, decidindo-se que a partir de 20.02.2020, data em que a beneficiária atingiu a idade de reforma, a pensão anual é aumentada para €2.313,73, tendo sido atualizada para €2.336,87 a partir de 01.01.2022.»

 

Por sua vez, o Ministério Público apresentou contra-alegações, nas quais conclui do seguinte modo:

(…).


*

II.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.

Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é a de saber se aquando da alteração da pensão da beneficiária viúva de 30% para 40% (da retribuição base do sinistrado), por ter alcançado a idade de reforma, a mesma deve ser calculada na actualização com referência à data desde a qual era devida a pensão (em 10-09-1987), embora a actualização só ocorra a partir da data em que atinge a idade de reforma.

O caso em apreciação é similar (incluindo quanto ao âmbito da legislação temporalmente aplicável à reparação de ambos os acidentes – nesse e neste processo) ao caso tratado pelo Acórdão desta Relação de 06-03-2020, proc. 1017/15.6T8CBR.C1 (relator: Ramalho Pinto), in www.dgsi.pt, também subscrito pelo aqui 1.º Adjunto, firmando jurisprudência que agora aqui mantemos.

Pode ler-se nesse aresto:

«O despacho recorrido actualizou a pensão, aplicando os coeficientes legais ao valor da pensão a que a beneficiária, viúva do sinistrado, teria direito, tendo em conta a data em que mesma atingiu a idade legal da reforma em 29 de Agosto de 2019, ou seja, a partir de 29/08/2018, € 2.314,93 (1.736,20 : 0,30 x 0,40), e, a partir de 01/01/2019, € 2.351,97 (pensão de 2018 x 1,016 = Pensão de 2019 ).

Com este critério não concorda a recorrente-seguradora, entendendo que se deve aplicar ao valor correspondente a 40% da retribuição base auferida pelo sinistrado todas as actualizações que seriam devidas desde a data inicial da fixação da pensão, nos termos do artigo 6°, nº 1, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 Abril, a que o despacho recorrido não atendeu.

Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que assiste razão à apelante.

Tendo o acidente de trabalho ocorrido na vigência da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de1965, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 Agosto, é este o regime legal aplicável.

Como refere o acórdão da Relação de Lisboa de 18/05/2016 (proc. 82/10.7TTSTB.L1.4, in www.dgsi.pt), o regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional – foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via do DL 668/75, de 24/11, motivado pela “desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida”, como se lê no seu preâmbulo. Essa actualização estava condicionada a determinados critérios legais – valor anual da retribuição que, sendo indexado ao valor da retribuição mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exercesse a sua actividade e para o território onde a exercesse, não poderia ser superior àquela remuneração mínima mensal, e o grau de incapacidade permanente, necessariamente igual ou superior a 30%.

Depois, com a entrada em vigor da Lei 100/97, de 13/9, as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização apenas para os casos de incapacidade permanente (fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse absoluta para o trabalho habitual), ou por morte – artº 39º, nº 2, mas agora nos termos em que o fossem as pensões do regime geral de segurança social, como dispõe o artº 6º do DL 142/99, de 30/04.

Depois, a Lei 99/2009, de 4/09 – que regula o actual regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (NLAT), veio revogar a Lei 100/97 e o respectivo regulamento (DL 143/99), mas não afectou o DL 142/99, de 30/04, que não foi revogado (expressa ou tacitamente), nem tão pouco alterado para se adequar ao novo regime de pensões actualizáveis, pelo que é este diploma que continua a reger as actualizações das pensões devidas por acidentes de trabalho.

Os presentes autos de acidente de trabalho tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 1 de Maio de 1989, e do qual resultou a morte do sinistrado J...

No auto de conciliação datado de 29 de Novembro de 1990, devidamente homologado, à viúva do sinistrado foi fixada “a pensão anual, no montante de 122.400$00, até perfazer a idade de 65 anos e a pensão anual de 163.200$00, a partir dos 65 anos, a partir do dia 30 de Maio de 1989”.

Convertendo os referidos valores para a nossa moeda actual, a pensão foi fixada em €610,53 até perfazer 65 anos e em € 814,04 após essa idade.

Dispõe a base XIX da Lei nº 2.127, no seu nº 1:

“Pensões por morte

1. Se do acidente resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:

a) Viúva, se tiver casado antes do acidente: 30 por cento da retribuição-base da vítima até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho; (...)”.

A Lei nº 22/92, de 14 de Agosto, veio alterar esta Base XIX da Lei nº 2.127, com efeitos reportados a 6 de Outubro de 1988, passando a mesma a determinar, no seu número 1, que:

“1. Se do acidente de trabalho ou da doença profissional resultar a morte, os familiares da vítima receberão as seguintes pensões anuais:

a) Cônjuge - 30% da remuneração base da vítima até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho;(...)”.

Ou seja, no caso presente, a beneficiária tem direito a receber uma pensão actualizada – 40% da retribuição base do sinistrado - a partir da idade de reforma por velhice, actualmente fixada nos 66 anos e 4 meses, conforme disposto na Portaria nº 99/2017, de 7 de Março, ou seja, a partir de 29 de Agosto de 2018.

Como se refere no Ac. da Relação de Guimarães de 17/05/2018, proc. 4077/16.9T8VCT.12.G1, que merece a nossa inteira concordância, “Não se trata de uma nova pensão, o facto constitutivo do direito é o mesmo e a data a que se reporta o direito à pensão, a pensão por óbito de cônjuge em sinistro laboral, é o que a lei refere, o dia seguinte ao do falecimento (artigo 56º do D.L. 360/71).

Do que se trata não é de fixar uma nova pensão, mas antes de fixar a pensão devida para o mesmo “direito”, com base em critério diverso, em função de circunstância relevada pela lei como motivo bastante para justificar um montante indemnizatório mais elevado. A al. a) da base refere como se calcula a “pensão” da viúva, não aludindo a direito a “pensões”. A pensão é a mesma, o seu valor é que diverge a partir da idade de reforma.

A pensão fixada agora com base em 40% não é uma atualização da anterior pensão, mas sim a mesma pensão calculada de forma diversa (pelas razões já expendidas), ocorre uma alteração do valor indemnizatório. Tal pensão deve ser atualizada, tendo em conta a data do vencimento do direito, até data a partir da qual a beneficiária passará a recebê-la, sob pena de o valor nominal a entregar não corresponder ao valor real, em virtude da desvalorização da moeda.

Note-se que se à data do óbito a viúva já tiver atingido a idade de reforma, a pensão será desde logo fixada com base em 40% da retribuição base da vítima, o mesmo acontecendo se sofrer de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho.

A reforma estava associada ao termo do período activo da pessoa, podendo ocorrer uma quebra nos rendimentos próprios, e acréscimo de necessidades designadamente ao nível da saúde, o que justifica a majoração da pensão da viúva. Veja-se ainda a segunda hipótese prevista na lei para a fixação da pensão desde logo em 40%, relacionada com uma diminuição de capacidade de por si angariar meios de subsistência. A atualização da pensão visa ajustar o valor tendo em consideração a desvalorização do valor da moeda, de forma a que a pensão a atribuir em cada ano corresponda ao seu valor real e efetivo, em termos de “bens” a que a quantia correspondia, tendo em conta a data a considerar para a sua fixação, pois só assim o direito não se degrada. Visa-se pois a manutenção do valor real inicial.

Tendo em vista tal finalidade a lei estabelece a atualização, fixando com a periodicidade adequada o valor de atualização, valor que vale para o período a que se destina, não podendo falar-se em revogação.

A lei refere 40% da retribuição base. Deve ser esse o valor a atribuir. Mas em termos reais, ou seja o valor que a esta data corresponde àqueles 40%. A não ser assim estaremos a cortar na pensão que a lei refere.

À pensão alterada, devem aplicar-se todas as atualizações que teria sofrido se fosse devida desde início, embora apenas seja devida apenas a partir do momento em que a beneficiária atinge a idade de reforma.

Quanto à atualização refere o artº 6.º do D.L. 142/99:

Atualização anual

1 - O valor das pensões de acidentes de trabalho é atualizado anualmente com efeitos a 1 de janeiro de cada ano, tendo em conta os seguintes indicadores de referência:

(…)

4 - A atualização anual das pensões consta de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do trabalho e da solidariedade social.

5 - A taxa de atualização é arredondada até à primeira casa decimal.

(Anteriormente o D.L. 39/81 e despacho normativo nº 180/81).

O objetivo sempre foi o da manutenção do valor real inicial.
Para se encontrar o valor final correspondente em termos reais a 40% retribuição-base da vítima à data do decesso, a pensão alterada deve ser atualizada por forma a fazer face à desvalorização da moeda.

Adicionar ao valor calculado com base em 40% o valor correspondente à atualização ou atualizações que foi sofrendo a pensão calculada com base em 30% carece de sentido, autonomizando a atualização em relação ao valor de referência, e por outro daria origem a desigualdades entre beneficiários já “reformados”, em idêntica condição, variando apenas a idade em que haviam atingido aquela idade de reforma” (negritos nossos).

Neste sentido, embora com a referencia à pensão objecto de revisão, mas tendo em conta que o raciocínio, a razão de ser e os fundamentos legais são os mesmos, vejam-se o acórdão desta Relação de Coimbra proferido no processo 700/10.7TTVIS.1.C1, o acórdão da Relação do Porto de 11/10/2018, processo 596/14.0T8VFR.10.P1, bem como o acórdão do STJ de 3/3/2010 (proc. 14/05.4TTVIS.C2.S1, in www.dgsi.pt), que indicou que, se a pensão revista deve ser calculada do mesmo modo que o foi a pensão inicial, então os coeficientes de actualização devem sobre a mesma incidir como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data de entrada do requerimento que deu início ao incidente de revisão.

Assim, há que dar razão à seguradora-apelante quando afirma que à pensão a que a viúva tem direito, em virtude de sinistro laboral, aquando da alteração de 30% para 40%, por ter atingido a idade legal de reforma, devem aplicar-se todas as actualizações que teria sofrido se fosse devida desde o início, embora apenas seja devida a partir do momento em que a beneficiária atinge a idade de reforma.»

No nosso caso, em apreciação, também o despacho recorrido actualizou o valor da pensão, aplicando os coeficientes legais ao valor da pensão a que a beneficiária viúva teria direito, tendo em conta a data em que atingiu a idade legal da reforma por velhice, em 23 de Agosto de 2021, obtendo aquele valor a partir do anterior que estava em pagamento - de € 1.776,33 - e, na operação de actualização de 30% para 40%, dividindo-o por 3 e multiplicando a seguir o produto por 4.

Já vimos que seguindo o critério do Acórdão acima transcrito, como seguimos, essa solução de cálculo não pode ser aqui acolhida.

A razão assiste, quanto a nós, à apelante, pelo que se deve aplicar ao valor correspondente a 40% da retribuição base auferida pelo sinistrado todas as actualizações que seriam devidas desde a data inicial da fixação da pensão, nos termos do artigo 6.° n.º 1 do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 Abril e no antes dele vigente sistema de atualização das pensões de acidente de trabalho regulado pelo Decreto-Lei n.º 668/75 de 24/11, na redação dada pelo DL 39/81, de 7/03, que previa que as actualizações se fizessem com base no salário mínimo nacional vigente, a partir da altura em que atingisse um montante superior ao salário tido em conta na fixação inicial da pensão.

Os presentes autos de acidente de trabalho tiveram a sua origem no acidente ocorrido em 9 de Setembro de 1987 e do qual resultou a morte do sinistrado BB.

No auto de conciliação datado de 9 de Dezembro de 1987, homologado por sentença, à beneficiária viúva do sinistrado foi fixada “a pensão anual e vitalícia de 154.997$00, até perfazer a idade de 65 anos” e a pensão anual de 206.663$00 “após aquela idade” (convertendo aqui os referidos valores para a actual moeda, euro, a pensão foi fixada em € 773,12 até perfazer 65 anos e em € 1.030,83, após essa idade).

Por conseguinte, seguindo o critério enunciado, a beneficiária tem direito a receber uma pensão actualizada - 40% da retribuição base do sinistrado - a partir da idade de reforma por velhice, actualmente fixada nos 66 anos e 4 meses, conforme disposto na Portaria nº 99/2017, de 7 de Março, ou seja, a partir de 23 de Agosto de 2021, e não antes – aos 65 anos – como parece defender a seguradora.

À pensão alterada, como se escreveu no Acórdão supratranscrito, devem aplicar-se todas as atualizações que teria sofrido caso fosse devida desde início, embora o seja apenas a partir do momento em que a beneficiária atingiu a idade de reforma.

Posto isto, observando os cálculos apresentados pela seguradora apelante, concretamente no mapa de cálculo de fls. 152 v.º do processo em suporte de papel, também divergimos do seu acerto final, tal como o Mº Pº refere nas suas contra-alegações, já que o factor de actualização a considerar na actualização reportada a 01-12-2001 deveria ser o de 3,5% (previsto na Portaria n.º 1323-B/2001, de 30 de Novembro) e não o valor nominal de € 119,76, como ali se apresenta.

Por conseguinte, conforme refere o Mº Pº, seguindo o critério defendido pela seguradora (como aqui o aceitamos no presente Acórdão) o valor da pensão final actualizada a 1 de Janeiro de 2022 é o de € 2.247,15 e não o indicado pela seguradora (este mais alto até, ou seja, no valor de € 2.336,87).

Procederá assim o recurso, em conformidade com o que fica dito.


*

Sumário:

(…).


*

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, altera-se a decisão recorrida, no sentido de que os montantes actualizados da pensão são no valor de € 2.247,15 com efeitos a 1 de Janeiro de 2022, devendo ter-se em conta nas futuras actualizações legais os critérios acima enunciados.

Sem custas.


*

   Coimbra, 12 de Julho de 2022

 (Luís Azevedo Mendes)

 (Felizardo Paiva)

 (Paula Maria Roberto)