Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5282/09.0T2AGD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS GIL
Descritores: EXECUÇÃO
INEPTIDÃO
CONTRATO DE MÚTUO
SEGURO DE VIDA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – ÁGUEDA – JUÍZO DE EXECUÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.4, 45, 55, 193, 279, 818 CPC, 458 C COMERCIAL
Sumário: 1. Não enferma de ineptidão o requerimento executivo em que vêm concretamente identificados os contratos de mútuo exequendos, indicando-se a data em que se verificou o alegado incumprimento dos contratos, bem como os capitais em dívida e as taxas de juro aplicáveis, cumprindo aos executados a alegação e prova de eventuais pagamentos de capital que hajam efectuado e que não tenham sido considerados pelo exequente.

2. Não é de suspender acção executiva com fundamento em existência de causa prejudicial.

3. A entidade bancária mutuante, mesmo após a verificação de sinistro que pode vir a ser coberto por seguro de vida dos mutuários por si contratado e em seu benefício, pode demandar em acção executiva o mutuário sobrevivo.

4. Do art. 458º do Código Comercial não se pode retirar, a contrario sensu, a conclusão de que, fora dos casos nele contemplados, a seguradora que cobre o risco de perda da vida responde sempre, substituindo-se aos outros responsáveis principais ou garantes, bem como às garantias reais eventualmente prestadas.

Decisão Texto Integral: ***

            Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            1. Relatório

A 24 de Novembro de 2009, no Juízo de Execução de Águeda, do Tribunal da Comarca do Baixo-Vouga, por apenso à acção executiva nº 5282/09.0T2AGD, AP (…) MC (…) e MF (…) deduziram a presente oposição à execução contra o Banco (…), SA alegando, para tanto, em síntese, que existe causa prejudicial desta execução, sendo ela a acção ordinária nº 608/09.9TVLSB, que corre termos na 2ª secção, da 5ª Vara Cível de Lisboa, em que a 1ª opoente demanda a Seguradora – (…), SA, pretendendo que a ré seja condenada a pagar-lhe o montante que se vier a liquidar, relativo às quantias já pagas ou a pagar ao Banco (…), SA, indevidamente, desde a data do sinistro (14 de Novembro de 2007), data em que faleceu o mutuário J (…); que a acção executiva a que deduzem oposição padece de falta de fundamento porque o exequente beneficia dos seguros de vida que foram contratados aquando da celebração do contrato de mútuo exequendo, tendo o dever de accionar esses seguros, o que determina a ilegitimidade passiva dos executados; que o requerimento executivo enferma de ineptidão, por não vir acompanhado do plano de pagamento do capital em dívida, nem se mostrar discriminado o montante do capital relativo a cada prestação paga e, finalmente, por não constar do requerimento executivo o cálculo que permitiu chegar ao apuramento dos montantes peticionados na acção executiva.

            A opoente AP (…) comprovou ter-lhe sido concedido apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

A oposição foi liminarmente admitida, sendo o exequente notificado para contestar, o que fez, alegando que não tem cabimento a suspensão da execução por prejudicialidade, em virtude de não existir identidade de partes na acção declarativa instaurada pelo opoente A (…) e na presente acção executiva, tendo sido indeferido o chamamento do exequente nestes autos naquela acção declarativa, que a seguradora que cobriu o risco da perda de vida do mutuário J (…) recusou o pagamento do sinistro ao exequente, que não existe plano de pagamento em vigor, porquanto está vencida toda a dívida desde 02 de Outubro de 2008, atento o não pagamento, nessa data, das prestações devidas, afirmando ainda que os executados são partes legítimas.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a invocada ineptidão do requerimento executivo e se indeferiu a suspensão da execução por prejudicialidade, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, respondendo-se à matéria de facto considerada relevante para a boa decisão da causa.

Proferiu-se sentença a julgar a oposição totalmente improcedente.

Inconformada com tal decisão, a opoente AP (…) interpôs recurso de apelação contra a mesma, requerendo a admissão do recurso de apelação com efeito suspensivo, em virtude da acção executiva incidir sobre a habitação da recorrente, fundando-se, para tanto, no disposto no artigo 692º, nºs 2 e 3, alínea b) e nº 4, do Código de Processo Civil.

A recorrente não se ofereceu a prestar caução e formulou, a final, as seguintes conclusões:

“1ª – Se mostra provado que (K) Na sequência da celebração dos contratos de mútuos com hipoteca e fiança, foram celebrados contratos de seguro de vida; (L) Sendo deles beneficiário o exequente; (M) Tais contratos garantem o pagamento de todo o capital mutuado e juros em débito em caso de morte dos mutuários ou de apenas algum deles; (N) O mutuário J (…) faleceu em 14.11.2007; (O) Facto de que foi dado conhecimento ao exequente.

2ª – A fls. dos Autos, onde foi junta através do requerimento de 13/04/2010, com a referência 4356762, encontra-se uma certidão extraída da Acção Ordinária com o Proc. nº. 608/09.9TVLSB, da 2ª. Secção, da 5ª. Vara Cível de Lisboa, de onde decorre que a Oponente A (…), intentou contra a SEGURADORA (…), S.A., acção destinada a accionar a apólice de seguro com ela contratada, que garante o pagamento aos beneficiários do capital seguro previsto, de acordo com o estabelecido nas Condições Gerais e Especiais da Apólice, no Certificado Individual e Actas Adicionais, em caso de morte por acidente de pessoa segura e sempre que esta ocorra nos três primeiros anos do contrato. Após esse prazo, garante o pagamento aos beneficiários do capital seguro em caso de morte por doença ou acidente … No Contrato de Seguro Vida Habitação Total, garante, em caso de morte da Pessoa Segura, e sempre que esta ocorra antes do termo do contrato, o pagamento aos Beneficiários do capital seguro previsto, de acordo com o estabelecido nas Condições Gerais e Especiais da Apólice, no Certificado Individual e Actas Adicionais.

3ª - A Seguradora em questão é uma extensão do Banco Exequente, a quem está incindivelmente ligada.

4ª – Decorre do documento nº. 2, apenso à aludida Certidão, que a Recorrente A (…)vivia em comunhão de mesa e habitação com o J (…), que faleceu a 14/11/2007, há mais de 3 anos e meio.

5ª – Junto à aludida certidão sob os docs. nºs. 4 e 5, encontram-se os Contratos de Seguros “Crédito à Habitação – Vida Habitação – Seguro de Vida Grupo 2 cabeças – Certificado Individual”, que abrange a Recorrente AP (…)  e J (…).

6ª – A 16/03/2009, ou seja, meses antes de o Exequente instaurar a presente execução, já a Recorrente A (…) havia accionado judicialmente a (…)S.A.”, dela reclamando o accionamento das apólices de seguro (certificados nºs. 255448 e 255449) com aquele contratadas, que estavam associadas aos empréstimos que sustentam o pedido executivo … Acção essa em que requereu o chamamento do Exequente para reclamar o seu crédito.

7ª – Foi o próprio Exequente quem agilizou e promoveu a celebração dos contratos de seguro naquela Seguradora, que é uma sua extensão e, por isso, tem conhecimento cabal da existência das apólices e, como tal, deveria ter accionado a Companhia de Seguros e não os Executados nestes Autos.

8ª – O pedido formulado está em intima relação e conexão com o pedido deduzido pela Recorrente A (…) na acção cível que corre os seus termos pela 2ª. Secção, da 5ª. Vara Cível de Lisboa, sob o nº. 608/09.9TVLSB, que, face à data da sua instauração, não teve como finalidade obter qualquer pretexto para suspender esta execução.

9ª – O Tribunal “A Quo” deveria ter ordenado a suspensão da presente execução, face à questão prejudicial discutida naquela outra acção, sendo que os prejuízos de uma eventual suspensão da Instância Executiva não são superiores às vantagens, e nada obsta à suspensão da Execução (cf. Ac. STJ. de 18/06/1996: in Col. Jur./ Acs. STJ., 1996, 2º - 149; Ac. RC. de 13/06/1995, in BMJ., 431, 448º - 450; Ac. RC. de 20/01/2004: Proc. 3398/03.dgsi.net).

10ª – Não decidindo pela suspensão da Instância Executiva, o Tribunal “A Quo” violou o disposto no artº. 279º nº. 1 do C.P.C.

11ª – Dos factos provados constantes das als. (K), (L), (M), (N) e (O) da Sentença de fls. , emerge que o Exequente, ora Recorrido, tem o seu crédito devidamente salvaguardado e garantido, através dos contratos de seguro de vida que ele próprio impôs e exigiu dos mutuários como condição de concessão dos empréstimos … Seguros esses de que é beneficiário, e que garantem o pagamento de todo o capital mutuado e juros em débito no caso de morte dos mutuários/segurados, ou apenas de algum deles.

12ª - Na sequência da participação do sinistro e do óbito do (…) ao Exequente, este podia e devia accionar os contratos de Seguro com vista a obter o pagamento dos seus créditos, e estava, como está, legitimado para o efeito, uma vez que foi constituído beneficiário do capital seguro naqueles contratos, já que se mostram garantidas as quantias mutuadas através das ditas apólices … sendo, assim, óbvia a ilegitimidade passiva da ora Recorrente e dos demais executados,

13ª - Se em ambos os contratos a que se reportam os Autos, o cumprimento do plano de pagamento do empréstimo se mostra expressamente garantido, através dos contratos de Seguro de vida … que não foram accionados pelo Exequente … Não pode o Exequente, que não accionou os ditos contratos de seguro e, portanto, é o único responsável pela não cobrança do seu crédito, imputar o incumprimento aos mutuários, ou aos fiadores … De onde que a ilegitimidade passiva substantiva dos Executados e, portanto, da ora Recorrente, para os termos da Execução, é clara e evidente, tudo a determinar a absolvição destes do pedido executivo.

14ª – A ausência das condições contratualmente previstas, referida na al’(P) dos Factos Provados, não vem demonstrada, nem foram alegados, nem tidos por provados, nos presentes Autos, factos concretos que conduzissem a essa conclusão e, de todo o modo, essa é questão que ainda não está apurada, nem provada, pois está em discussão nos Autos de Acção Ordinária com o Proc. nº. 608/09.9TVLSB, da 2ª. Secção, 5ª. Vara Cível de Lisboa, onde ainda não foi realizada a audiência de julgamento, nem proferida decisão de mérito, sendo que, julgada aquela acção procedente, por provada, a mesma fará soçobrar a presente execução, relativamente à qual constitui questão prejudicial.

15ª - Os contratos celebrados entre a aqui Executada/ Oponente e a Seguradora são claros contratos a favor de terceiro, nos termos dos quais a seguradora assumiu perante outra, a aqui Exequente, que tem na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio … Sendo que, através do contrato a favor de terceiro, têm as partes a possibilidade de remitir dívidas ou créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais, conforme decorre do artº. 443º do C. Civil.

16ª – Se a Segurada celebrou com a seguradora um contrato pelo qual esta se obrigou a garantir a um terceiro beneficiário, até determinada quantia, o cumprimento das obrigações daquela, o beneficiário pode e deve exigir da Seguradora o pagamento do valor necessário ao cumprimento da obrigação (Ac. RL. de 05/02/1982: CJ., 1982, 1º - 173).

17ª – O Tribunal “A Quo”, face ao contrato a favor de terceiro, celebrado entre a Segurada e a Seguradora, deveria ter proferido Sentença de absolvição da Executada/Oponente do pedido executivo e, não o fazendo, violou o disposto nos artºs. 443º do C. Civil e 493º nº. 3 do C. P. Civil.

18ª – O Exequente não discrimina como chegou aos valores reclamados nos Autos, não junta extractos dos pagamentos efectuados, das prestações em mora e respectivos valores de cálculo dos juros sobre o capital do empréstimo, não decorrendo dos títulos executivos, nem da matéria levada ao requerimento executivo, quais foram os meios, documentos e critérios de que o Exequente se serviu para chegar aos valores reclamados na execução … Que, assim, é incerto, ilíquido e inexigível, ferindo a petição executiva de ineptidão, nos termos do artº. 193º nº. 1 do C. P. Civil, com a consequente absolvição da Instância da Executada/ Oponente, nos termos do disposto no artº. 494º al’b) e 493º nº. 2 do C. P. Civil.

19ª – Não decidindo pela ineptidão do requerimento executivo e absolvição da Executada/ Oponente da instância, o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 193º nº. 1; 494º al’b) e 493º nº. 2, todos do C. P. Civil.

            A recorrente termina as suas conclusões pedindo a revogação da sentença sob censura, com a absolvição da recorrente da instância e do pedido executivo ou, não se entendendo assim, ordenando-se a suspensão da instância executiva até que seja proferida sentença no processo nº 608/09.9TVLSB, da 2ª secção, da 5ª Vara Cível de Lisboa.

            O recorrido contra-alegou pugnando pela total improcedência do recurso.

            O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

            As partes foram ouvidas sobre a eventual alteração da factualidade vertida na alínea M da decisão da matéria de facto.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

            2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e cronológica[1] e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

2.1 Da ineptidão do requerimento executivo;

2.2 Da prejudicialidade da acção declarativa que corre termos sob o nº 608/09.9TVLSB, na 2ª secção, da 5ª Vara Cível de Lisboa, relativamente à acção executiva a que estes autos estão apensados;

2.3 Da ilegitimidade substantiva da recorrente para a acção executiva;

3. Fundamentos de facto enumerados na decisão sob censura, que não foram impugnados e bem assim resultantes do que foi articulado no requerimento executivo e dos documentos com ele oferecidos e que não foram impugnados na oposição à acção executiva e ainda da alteração oficiosa da decisão da matéria de facto, ex vi artigo 712º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil


3.1

            No dia 30 de Agosto de 2006, Banco (…), SA celebrou com AP (…)e com o entretanto falecido J (…), um contrato de mútuo com hipoteca e fiança para habitação própria permanente, nos termos do qual emprestou àqueles o valor global de 83.000,00€ (alínea A das respostas à matéria de facto e documento de folhas 286 a 298 que instruiu o requerimento executivo).

3.2

A quantia foi efectivamente entregue aos mutuários que dela se confessaram devedores (alínea B das respostas à matéria de facto).

3.3

Para garantia deste empréstimo foi constituída hipoteca sobre a fracção autónoma “A” correspondente à habitação tipo T-2, rés-do-chão esquerdo do Bloco Um (norte), destinada a habitação, do prédio urbano submetido a propriedade horizontal situado na Rua Padre Manuel Bernardes, na freguesia de Gafanha da Nazaré, Concelho de Ílhavo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº 4756, da freguesia de Gafanha da Nazaré e inscrito na matriz sob o artigo 9098, hipoteca registada provisoriamente por natureza pela apresentação nº 11, de 17 de Agosto de 2006, convertida em definitiva pela apresentação 23, de 02 de Outubro de 2006, para garantia do pagamento do capital de oitenta e três mil euros, juro anual de 7 %, acrescido de sobretaxa de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas no montante de € 3.320,00, sendo o montante máximo assegurado de € 113.710,00 (alínea C das respostas à matéria de facto integrada pelo que consta dos documentos oferecidos com o requerimento inicial executivo e juntos a estes autos de folhas 285 a 299 e 316 a 321).

3.4

MC (…) e MF (…) constituíram-se fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão prévia (alínea D das respostas à matéria de facto).

3.5

O empréstimo seria pago em 480 prestações mensais, constantes e sucessivas vencendo-se a primeira prestação no dia dois após o último dia do mês subsequente ao da assinatura dos contratos (alínea E das respostas à matéria de facto, integrada pelo teor dos documentos juntos de folhas pelo teor dos documentos juntos de folhas 285 a 312).

3.6

Na mesma data, Banco (…), SA celebrou com AP (…)e o falecido J (…), contrato de mútuo com hipoteca e fiança para fazer face a compromissos financeiros, nos termos do qual emprestou àqueles o valor de 25.146,00€ (alínea F das respostas à matéria de facto e documento de folhas 301 a 312 que instruiu o requerimento executivo).

3.7

A quantia foi entregue aos mutuários, que dela se declararam devedores (alínea G das respostas à matéria de facto).

3.8

Para garantia deste empréstimo foi constituída hipoteca sobre a fracção autónoma “A” correspondente à habitação tipo T-2, rés-do-chão esquerdo do Bloco Um (norte), destinada a habitação, do prédio urbano submetido a propriedade horizontal situado na Rua Padre Manuel Bernardes, na freguesia de Gafanha da Nazaré, Concelho de Ílhavo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o nº 4756, da freguesia de Gafanha da Nazaré e inscrito na matriz sob o artigo 9...8, hipoteca registada provisoriamente por natureza pela apresentação nº 12, de 17 de Agosto de 2006, convertida em definitiva pela apresentação 24, de 02 de Outubro de 2006, para garantia do pagamento do capital de vinte e cinco mil cento e quarenta e seis euros, juro anual de 7 %, acrescido de sobretaxa de 4 % em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas no montante de € 1.005,84, sendo o montante máximo assegurado de € 34.450,02 (alínea H das respostas à matéria de facto integrada pelo que consta dos documentos oferecidos com o requerimento inicial executivo e juntos a estes autos de folhas 302 a 312 e 316 a 321).

3.9

MC (…) e MF (…)constituíram-se fiadores e principais pagadores, renunciando ao benefício da excussão prévia (alínea I das respostas à matéria de facto).

3.10

O empréstimo seria pago em 480 prestações mensais constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação no dia dois após o último dia do mês subsequente ao da assinatura dos contratos (alínea J das respostas à matéria de facto, integrada pelo teor dos documentos juntos de folhas 285 a 312).

3.11

Na sequência da celebração dos contratos de mútuos com hipoteca e fiança, a 04 de Setembro de 2006 e com efeitos a partir de 30 de Agosto de 2008, foram celebrados contratos de seguro de vida, sendo deles tomador e beneficiário o exequente e segurados ambos os mutuários (alíneas K e L das respostas à matéria de facto e documentos juntos de folhas 25 a 26).

3.12

Tais contratos garantem o pagamento de todo o capital mutuado em caso de morte ou de invalidez absoluta e definitiva dos mutuários ou de apenas algum deles, revertendo para o exequente o montante do capital em dívida à data da ocorrência e o capital remanescente do capital em dívida à data da ocorrência a favor dos herdeiros legais[2], em conjunto, na proporção do respectivo título sucessório (alínea M das respostas à matéria de facto, corrigida em face do teor dos documentos juntos de folhas 25 a 26[3]).

3.13

O mutuário J (…) faleceu em 14.11.2007, facto de que foi dado conhecimento ao exequente (alíneas N e O das respostas à matéria de facto).

3.14

O Banco exequente comunicou à Seguradora o falecimento de J (…) a qual declinou a responsabilidade por entender não estarem reunidas as condições contratualmente previstas para pagamento da indemnização (alínea P das respostas à matéria de facto, corrigida face à ostensividade do lapso, pois J (…) não é executado nestes autos, tendo sido mutuário).

3.15

            AP (…), MF (…), MC (…), JM (…) e MF (…),estes dois últimos na qualidade de únicos herdeiros de J (…) não procederam ao pagamento das prestações dos empréstimos mencionados em 3.1 e 3.6 a partir de 02 de Outubro de 2008 (matéria alegada no requerimento executivo não impugnada pelos opoentes).

3.16

            No requerimento executivo o exequente indicou que o capital em dívida, relativamente ao empréstimo mencionado em 3.1, desde 02 de Outubro de 2008, era de € 81.643,66, enquanto relativamente ao empréstimo mencionado em 3.6, desde a mesma data, era de € 24.737,39, mais referindo que sobre os capitais em dívida incidiriam juros de mora à taxa de 6,265 %, acrescida da sobretaxa de 4 % (matéria resultante do requerimento executivo).

3.17

No dia 16 de Março de 2009, AP (…) instaurou uma acção declarativa contra (…) Seguros de Vida, SA que se encontra a correr termos pela 2ª secção, da 5ª Vara Cível de Lisboa, sob o nº 608/09.9TVLSB, na qual, com fundamento nos contratos de seguro mencionados em 3.11 e 3.12 e no falecimento de J (…) pede a condenação da ré ao pagamento à autora das quantias já pagas ou a pagar ao Banco (…), SA, desde a data do sinistro (14 de Novembro de 2007), o qual haverá de ser deduzido dos montantes que o Banco (…), SA tenha direito desde a mencionada data até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na acção, tendo requerido a intervenção, do lado activo, do Banco (…), SA, a fim de reclamar o seu crédito, até ao montante do capital em dívida, a ser pago pelo capital seguro (factos admitidos por acordo das partes e constantes de documento oferecido pelos opoentes e não impugnado).

4. Fundamentos de direito

4.1 Da ineptidão do requerimento executivo[4]

A recorrente suscita neste recurso o seu inconformismo com a decisão tomada na fase do despacho saneador quanto à ineptidão do requerimento executivo.

A recorrente funda a procedência desta arguição, em síntese, na circunstância do exequente não ter discriminado como chegou aos valores reclamados, não juntando extracto dos pagamentos efectuados, das prestações em mora e respectivos valores de cálculos dos juros sobre o capital do empréstimo, não decorrendo dos títulos executivos, nem da matéria levada ao requerimento executivo quais foram os meios, documentos e critérios de que o exequente se serviu para chegar aos valores reclamados na execução.

Cumpre apreciar e decidir.

A causa de pedir é o facto jurídico de que procede a pretensão accionada em juízo (1ª parte do nº 4, do artigo 498º do Código Civil).

            Em geral, a petição é inepta nos termos do disposto no artigo 193º, nº 2, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (alínea a), do nº 2), quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (alínea b), do nº 2) e quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (alínea c), do nº 2).

Nesta nova redacção do nº 2, do artigo 193º do Código de Processo Civil aditou-se a referência à contradição de causas de pedir, lacuna que alguma doutrina apontava ao elenco dos fundamentos de ineptidão da petição inicial constantes do nº 2, do artigo 193º do Código de Processo Civil[5].

Em sede de acção executiva, alguns autores identificam a causa de pedir com o título executivo[6], concepção que não perfilhamos porquanto, salvo melhor opinião, o título executivo é apenas o instrumento necessário e suficiente para facultar o acesso directo à acção executiva (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil), não tendo o título exequendo que coincidir com o fundamento jurídico da pretensão exequenda, embora isso possa efectivamente suceder nalguns casos.

No caso em apreço, os títulos exequendos são dois contratos de empréstimo no qual tiveram intervenção todos os opoentes, assumindo a ora recorrente a qualidade de mutuária, sendo estes contratos o fundamento jurídico das pretensões exequendas.

Se bem interpretamos a arguição da recorrente de ineptidão do requerimento inicial, tal vício derivaria da impossibilidade de aferir da justeza dos montantes reclamados pelo exequente na acção executiva.

Ora, analisando a factualidade que ficou provada, afigura-se-nos que estão bem identificados os dois contratos que servem de base à pretensão exequenda e que são dois contratos de mútuo celebrados a 30 de Agosto de 2006, mediante os quais o exequente entregou certos montantes pecuniários ao falecido (…) e à ora recorrente, obrigando-se estes ao seu reembolso, acrescido de juros, em quatrocentos e oitenta prestações.

Por outro lado, da mesma factualidade resulta inequívoco que o exequente situa o incumprimento desses contratos no dia 02 de Outubro de 2008 (veja-se o ponto 3.15 dos fundamentos de facto). Nesta medida, face às condições contratuais acordadas (vejam-se os pontos 3.1, 3.5, 3.6 e 3.10 dos fundamentos de facto), conclui-se que nessa data apenas haviam sido pagas vinte e quatro prestações, das quatrocentas e oitenta acordadas.

Face à indicação por parte do exequente do capital em dívida, cumpria aos opoentes a alegação e prova de pagamentos que não tivessem sido considerados pelo exequente, porquanto estão em causa factos modificativos do direito do exequente (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).

Finalmente, vêm também indicadas no requerimento executivo as taxas de juros aplicadas.

Assim, tudo sopesado, a causa de pedir da acção executiva das pretensões exequendas foi inequivocamente individualizada no requerimento executivo e é claramente inteligível, não se verificando a arguida ineptidão, confirmando-se, por isso, ainda que com fundamentos diversos, a decisão de improcedência da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.

4.2 Da prejudicialidade da acção declarativa que corre termos sob o nº 608/09.9TVLSB, na 2ª secção, da 5ª Vara Cível de Lisboa, relativamente à acção executiva a que estes autos estão apensados

A recorrente requereu a suspensão da acção executiva a que estes autos estão apensados até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida em acção declarativa que ainda antes da instauração da acção executiva propôs contra a seguradora que garantiu o pagamento dos capitais mutuados pelo exequente, em caso de morte ou incapacidade permanente de algum ou de ambos os mutuários. Fundamenta essa pretensão na alegação de que o aqui exequente, por efeito de incidente de intervenção que a recorrente aí deduziu, poder vir a reclamar nessa acção o crédito aqui exequendo.

Apreciemos.

Nos termos do disposto no artigo 279º, nº 1, do Código de Processo Civil o “tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens” (artigo 279º, nº 2, do Código de Processo Civil).

A acção executiva destina-se à reparação efectiva do direito violado, à realização coerciva do referido direito (artigo 4º, nº 3, do Código de Processo Civil).

Para a instauração de acção executiva, o exequente deve estar necessariamente munido de um título executivo, sendo por este que se determinam o fim e os limites daquela acção (artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Não se visa na acção executiva a obtenção de uma decisão, mas antes a realização coerciva de uma prestação que está reconhecida no título exequendo. Em rigor, apenas em sede de oposição à acção executiva, quando se vise infirmar total ou parcialmente o título exequendo, se profere uma decisão, ainda que de conteúdo negativo, pois terá sempre como objectivo precípuo ajuizar da subsistência total ou parcial do título dado à execução.

Por outro lado, estão legalmente previstos os fundamentos legais de suspensão da acção executiva em ordem a que o crédito exequendo fique acautelado, não obstante a suspensão (artigo 818º do Código de Processo Civil), sendo que a aplicação do regime geral da suspensão desacautelaria os interesses do exequente e constituiria um expediente para frustrar as normas especiais previstas em sede de acção executiva.

Por isso, dada a específica natureza da acção executiva, desde há longo tempo se vem sustentando que a prejudicialidade não constitui fundamento para suspensão da acção executiva[7], tendo sido proferido um assento a 24 de Maio de 1960[8] no sentido de que a “execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil[9], aresto que, na nossa perspectiva, continua a produzir efeitos, agora como acórdão uniformizador de jurisprudência, ex vi artigo 17º, nº 2, do decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.

No caso em apreço, além dos argumentos que precedem, acresce ainda que a prejudicialidade invocada pela recorrente está dependente da admissão de um incidente de intervenção de terceiros que deduziu, bem como da dedução por parte do exequente de pedido contra a seguradora ré na acção declarativa proposta prioritariamente pela recorrente. Assim, mesmo no prisma da recorrente, a poder ser juridicamente relevada a prejudicialidade em sede de acção executiva, no que não concedemos, sempre estaria em causa uma prejudicialidade eventual, inidónea a determinar o efeito jurídico pretendido pela recorrente.

Assim, por tudo quanto precede, confirma-se a decisão recorrida no que respeita a questão da suspensão da acção executiva com fundamento na existência de causa prejudicial.

4.3 Da “ilegitimidade” substantiva da recorrente para a acção executiva

A recorrente estriba a sua arguição de ilegitimidade para a presente acção executiva na circunstância do exequente ser beneficiário de seguros de vida que cobrem o pagamento do que aqui reclama, pelo que a partir da verificação do sinistro seguro, o exequente não teria direito a exigir o cumprimento do crédito que a opoente contraiu junto do exequente.

Não está em causa a arguição de uma ilegitimidade processual, a ser resolvida em sede de acção executiva de acordo com o prescrito nos artigos 55º a 57º do Código de Processo Civil, mas antes, se bem entendemos o pensamento da recorrente, a alegação de que o exequente deixou de ser titular de um direito de crédito face à recorrente a partir do momento em que se verificou o sinistro garantido pelo seguro.

Apreciemos, sendo certo que a questão não é jurisprudencialmente virgem[10].

No caso dos autos estão em causa dois contratos de seguro de vida para garantia da totalidade dos capitais mutuados ao abrigo de um contrato de mútuo para habitação própria permanente e de um contrato de mútuo não vinculado a um escopo específico.

A entidade mutuante é tomadora e beneficiária em ambos os contratos de seguro, tendo direito a haver da seguradora o capital que se mostre em dívida à data do sinistro[11]. O capital coberto por cada um dos seguros que exceda o montante em dívida no momento do sinistro reverte para os herdeiros legais da ou das pessoas seguras em que se verifique o sinistro, em conjunto, na proporção do respectivo título sucessório.

A recorrente é devedora principal em ambos os contratos.

Nos termos gerais, podem ser constituídas garantias reais ou pessoais para garantir o cumprimento por parte do devedor principal ou até de um garante (artigos 623º a 732º do Código Civil). Trata-se de uma vantagem conferida ao credor em ordem a assegurar a satisfação do direito de crédito de que é titular, permitindo-lhe ter para esse efeito não só os bens do devedor susceptíveis de penhora (artigo 601º do Código Civil), mas também o património daqueles que pessoalmente se obrigarem perante si ou o valor das coisas que forem dadas em garantia.

O decreto-lei nº 349/98, de 11 de Novembro regula a concessão de crédito à aquisição, construção, realização de obras de conservação ordinária, extraordinária e de beneficiação de habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como a aquisição de terreno para construção de habitação própria permanente (artigo 1º do citado diploma).

Nos termos do disposto no artigo 23º, nº 1, do decreto-lei nº 349/98, de 11 de Novembro, “Os empréstimos serão garantidos por hipoteca da habitação adquirida, construída ou objecto das obras financiadas, incluindo o terreno.

Em reforço da garantia prevista no número anterior, poderá ser constituído seguro de vida, do mutuário e cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo, ou outras garantias consideradas adequadas ao risco do empréstimo pela instituição de crédito mutuante” (artigo 23º, nº 2, do decreto-lei nº 349/98, de 11 de Novembro).

Os mútuos bancários que não caibam dentro do âmbito de aplicação do decreto-lei nº 349/98, de 11 de Novembro não têm qualquer previsão legal que, à semelhança dos normativos que se acabam de citar, prevejam a prestação de garantias de cumprimento, sendo por isso regulados pelas regras gerais, ou seja, em última instância, por força do uso da autonomia contratual das partes, dentro dos limites da lei (artigo 405º, nº 1, do Código Civil).

As normas que se citaram e que regem o crédito à habitação própria permanente,

em obediência às regras gerais, prevêem de forma inequívoca que as obrigações dos mutuários, além de garantidas por hipoteca da habitação adquirida, construída ou objecto das obras financiadas, incluindo o terreno, podem ser também garantidas por seguros de vida, do mutuário e cônjuge, de valor não inferior ao montante do empréstimo, ou outras garantias consideradas adequadas ao risco do empréstimo pela instituição de crédito mutuante.

Nestes casos, a celebração de seguro de vida é configurada legalmente como um reforço da garantia e não como uma substituição de responsáveis, caso se verifique o sinistro coberto. Esta solução legal, vigente num domínio em que o legislador teve especiais cautelas com a tutela dos mutuários, porque se conforma com as regras gerais de prestação de garantias, é também aplicável ao mútuo que a recorrente contraiu para fazer face a compromissos financeiros.

Na verdade, em via de princípio, nada obsta à constituição de uma pluralidade de garantias para segurança de um só crédito, desde que tal não se traduza num fenómeno de sobregarantia[12].

             Os contratos de seguro em discussão nestes autos foram celebrados a 04 de Setembro de 2006 e o sinistro eventualmente coberto pelos mesmos ocorreu a 14 de Novembro de 2007, pelo que não lhes é aplicável o regime constante do decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril (artigo 2º, nº 2, do decreto-lei nº 72/2008, de 16 de Abril), continuando-se a aplicar-se-lhe, entre outras, as normas sobre seguros que constavam do Código Comercial, nomeadamente, o artigo 458º do Código Comercial.

Na nossa perspectiva, do artigo 458º do Código Comercial não se pode retirar, a contrario sensu[13], a conclusão de que fora dos casos contemplados na norma em apreço, a seguradora que cobre o risco de perda da vida responde sempre, substituindo-se aos outros responsáveis principais ou garantes, bem como às garantias reais eventualmente prestadas. Ao invés, como o caso submetido à nossa cognição bem demonstra, a simples assunção da cobertura do risco pela seguradora pode depender de outras condições ajustadas entre as partes[14], além das que vêm previstas no mencionado artigo 458º do Código Comercial, o que, na nossa perspectiva, demonstra a inadequação do argumento a contrario sensu para legitimar o resultado interpretativo que se vem criticando.

            Assim, no caso em apreciação, foram constituídas diversas garantias em ordem a assegurar o reembolso do capital mutuado e juros respectivos, nomeadamente garantias pessoais, reais e contratos de seguro. O exequente participou o sinistro à seguradora, tendo esta declinado a assunção do sinistro. Uma vez que o exequente dispunha de título executivo para accionar, entre outros, a recorrente e que para obter as prestações garantidas pela seguradora[15], face à posição assumida por esta, tinha de a convencer em acção declarativa, sujeitando-se ao insucesso da acção, bem se compreende que tenha optado por esta via mais expedita, mais fiável e menos onerosa para si.

             Pelo exposto, porque os seguros de vida contratados constituem mero reforço das garantias hipotecárias, tudo estabelecido em benefício directo da entidade mutuante[16], não tendo sido ajustado entre as partes que a verificação do sinistro coberto pelos seguros determinava a exoneração dos restantes responsáveis perante o exequente, não tem a recorrente qualquer base legal que ilida a sua responsabilidade pelo pagamento da quantia exequenda.

            Não se demonstrando qualquer facto extintivo ou modificativo dos créditos exequendos, há que concluir que, ao invés do propugnado pela recorrente, é legítima (no sentido de conforme com a lei substantiva aplicável) a sua demanda na acção executiva, improcedendo, in totum, as conclusões do recurso.

5. Dispositivo

Pelo exposto, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AP (…) e, em consequência, em confirmar as decisões tomadas a 18 de Março de 2010, relativamente à questão da ineptidão do requerimento inicial, bem como sobre a inexistência de fundamento para suspensão da acção executiva com base em causa prejudicial e ainda a sentença sob censura proferida a 17 de Dezembro de 2010. Custas do recurso de apelação a cargo da recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.


***

O presente acórdão compõe-se de dezasseis páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Coimbra, 12 de Julho de 2011

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Carlos Gil ( Relator )

Fonte Ramos

Carlos Querido



[1] Por isso, reapreciar-se-ão em primeiro lugar as decisões proferidas em sede de despacho saneador e sindicadas em sede de recurso contra a decisão final ex vi artigo 691º, nº 3, do Código de Processo Civil.
[2] Esta é a formulação que consta das apólices de seguro. Uma vez que a entidade mutuante e beneficiária dos seguros é uma pessoa colectiva, parece que os herdeiros legais em causa serão os da pessoa segurada relativamente à qual se verifique o sinistro morte.
[3] Na resposta à matéria de facto deu-se como provado que os seguros celebrados também garantiam o pagamento dos juros em débito, olvidando-se, por um lado, que estava em causa matéria apenas passível de prova documental (artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil) e, por outro lado, que face ao teor das apólices juntas de folhas 25 a 26, apenas era garantido o pagamento do capital em dívida à data da ocorrência do sinistro seguro.
[4] Na decisão das duas primeiras questões a decidir relevar-se-ão apenas os factos que se deveriam ter por assentes na data em que foram proferidas as decisões impugnadas e que, como ressalta da própria fundamentação da decisão da matéria de facto proferida a 02 de Dezembro de 2010, é a que se mostra vertida nos números 3.1 a 3.13 e 3.15 a 3.17. Em rigor, face a essa constatação, por força do disposto no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil, cremos que o tribunal a quo se deveria ter abstido de responder à matéria que verteu nas alíneas A a O das respostas à matéria de facto. Nas decisões impugnadas não foram alinhados quaisquer factos, pelo que, em ordem em não cometermos uma nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto, se supriu essa omissão.
[5] Sobre esta questão, veja-se, Direito Processual Civil Declaratório, Volume II, Almedina 1982, Artur Anselmo de Castro, página 223.
[6] Neste sentido veja-se, Manual da Acção Executiva, Eurico Lopes-Cardoso, Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1987, página 27.
[7] Assim veja-se o Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, Coimbra Editora 1946, Professor Alberto dos Reis, páginas 271 e 272.
[8] Publicado no Diário do Governo nº 138, I série, de 15 de Junho de 1960.
[9] O artigo 284º do Código de Processo Civil de 1939, subordinado à epígrafe “Suspensão por vontade do juiz” dispunha: “O juiz pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta e quando entender que ocorre motivo justificado; mas o acôrdo das partes não justifica, por si só, a suspensão.”
[10] No sentido sufragado pela recorrente vejam-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Julho de 2007, relatado pelo Sr. Desembargador Abílio Costa, no processo nº 0753388, acessível no site do ITIJ e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Sr. Conselheiro Hélder Roque, no processo nº 08A3947; também aparentemente no mesmo sentido, embora com uma relevante diferença ao nível do que foi acordado entre as partes, o acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 11 de Janeiro de 2011, relatado pelo Sr. Desembargador Arlindo Oliveira, no processo nº 5559/04.0TBLRA-A.C1 (consta dos factos provados deste acórdão que “os mutuários obrigam-se a contratar um seguro de vida cujas condições, constantes da respectiva apólice, serão as indicadas pelo Banco, em sociedade de seguros de reconhecido crédito e da confiança do Banco, a pagar atempadamente os respectivos prémios, a fazer inserir na respectiva apólice a existência desta hipoteca para o efeito de, em caso de sinistro e vencida alguma das obrigações asseguradas, o Banco receber a respectiva indemnização e anular o débito seguro à data, assim como trazer pontualmente pagas as contribuições que incidirem sobre o imóvel hipotecado”- sublinhados nossos); no sentido da decisão sob censura vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de Novembro de 1998, relatado pelo então Desembargador Alves Velho, no processo nº 9831247 e cujo sumário está acessível no site do ITIJ e da Relação de Lisboa, de 30 de Novembro de 2006, relatado pela Sra. Desembargadora Ana Paula Boularot, no processo nº 0753388 e de 13 de Janeiro de 2009, relatado pelo Sr. Desembargador Rui Vouga, no processo nº 6766/08-1, ambos acessíveis no site do ITIJ; ainda neste sentido o acórdão de 27 de Outubro de 2009, do Supremo Tribunal de Justiça, relatado pelo Sr. Conselheiro Garcia Calejo, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano XVII, tomo III/2009, páginas 106 a 110 e com um voto de vencido do Sr. Conselheiro Hélder Roque.
[11] Atente-se que a responsabilidade da seguradora pode não coincidir com a responsabilidade do mutuário, bastando para tanto que à data da verificação do sinistro já estejam em dívida juros, pois que a responsabilidade da seguradora se cinge ao capital em dívida na data da verificação do sinistro.
[12] Sobre esta figura vejam-se, o Professor Calvão da Silva in Revista de legislação e Jurisprudência, Ano 136º, páginas 161 a 162; no domínio da fiança, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina 2000, Manuel Januário da Costa Gomes, páginas 829 a 834.
[13] É preciso ter presente que o argumento a contrario sensu é dos mais falíveis. Sobre esta questão vejam-se, Metodologia da Ciência do Direito, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian 1989, páginas 472 e 473; Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina 1985, J. Baptista Machado, páginas 187 e 188. 
[14] Os autos não nos fornecem a indicação concreta do motivo que a seguradora invocou para se recusar a honrar as garantias do seguro. Dadas as circunstâncias do sinistro – mergulho na Ria de Aveiro para apanha de navalheiras – e a menção em ambas as apólices de que eram excluídos os riscos profissionais do falecido J (…), certamente terá sido invocado que o sinistro se verificou quando o falecido exercia a sua actividade profissional. Acresce ainda que em ambas as apólice consta que: “a exclusão dos riscos profissionais fica a dever-se à necessidade de obtenção de informação complementar pelo que deverá dirigir-se ao seu balcão Totta”.
[15] Não se olvida que a circunstância do exequente e da seguradora se integrarem num mesmo grupo de sociedades poderá facilitar “arranjos” em detrimento dos segurados. Porém, a verificar-se uma tal patologia, a mesma deverá ser debelada pelos meios adequados, nomeadamente, com o recurso à figura da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades ou do abuso de direito por violação das regras da boa fé, tudo sempre dependente da alegação e prova dos pertinentes factos.
[16] No caso de morte, os herdeiros legais do segurado falecido são também beneficiários dos seguros que foram contratados. Ao invés do que foi alegado pela recorrente na acção declarativa que intentou contra a seguradora, a posição jurídica de unida de facto com o falecido mutuário não lhe confere qualquer qualidade sucessória relativamente ao unido de facto pré-falecido.