Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4151/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
REQUISITO DA VIOLÊNCIA
Data do Acordão: 02/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 393º A 395º DO CPC, E 1261º, Nº2, DO C. CIV. .
Sumário: I – Nos termos do artº 393º do CPC, disposição legal que, com as seguintes, adjectiva a norma substantiva do artº 1279º do C. Civ., no caso de esbulho violento pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência .
II – Nos termos do artº 1261º, nº2, do C. Civ., considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coacção moral nos termos do artº 255º.

III - A violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas. Mas a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A... e esposa, B... intentaram procedimento cautelar contra C... e esposa, D..., pedindo o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse relativamente a uma faixa de terreno que identificaram.
Alegaram, em síntese, que sempre utilizaram tal faixa de terreno para aceder a um prédio de que são proprietários, na convicção de serem titulares de uma servidão de passagem; e que os requeridos mediante agressões físicas e ameaças, impedem o uso da indicada servidão, tendo mesmo colocado no respectivo leito silos, gruas e blocos de betão que impossibilitam a passagem de quaisquer máquinas agrícolas.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelos requerentes, após o que foi decretada a providência cautelar requerida.
Citados os requeridos, foi por eles deduzida oposição em que impugnaram a factualidade alegada pelos requerentes, nomeadamente no que concerne ao seu invocado direito de servidão e à violência do esbulho.
Realizada a audiência final, foi proferida a decisão certificada de fls. 3 a 9, confirmando a providência já decretada.
Irresignados, os requeridos interpuseram recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Na alegação apresentada, em que pedem a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que indefira a providência cautelar, os agravantes formularam as conclusões seguintes:
1 – O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente a providência cautelar de restituição provisória da posse interposta pelos recorridos.
2 – No entender dos recorrentes, não se verificou no caso sub judice, o requisito da violência, pelo que a providência deveria ter sido indeferida.
3 – Considerou o Tribunal a quo, ter-se verificado violência sobre as coisas, sendo relevante por ter reflexos sobre as pessoas, como forma de intimidação,
4 – Mais sustentando que, “ se a violência contra as coisas pode funcionar como intimidação, ou seja, como coacção moral, nos termos do artº 255º do Código Civil, também pode funcionar como coacção física”.
5 – Assim, entendeu o Tribunal a quo, que no caso de esbulho violento, “haverá coacção física quando os possuidores são fisicamente impedidos de exercer os actos característicos da posse sendo colocados perante uma situação de vis absoluta, que torna a sua vontade perfeitamente irrelevante”,
6 – Considerando estar verificado o requisito da violência no esbulho, sob a forma de coacção física, pelo facto dos recorrentes terem colocado gruas, blocos de cimento e outros objectos, na faixa de terreno usada como passagem pelos recorridos, para o seu prédio.
7 – É vasta a jurisprudência no sentido da negação da violência sobre as coisas como forma de violência no esbulho, e por isso, da sua inadmissibilidade
como pressuposto da restituição provisória da posse ( vide Ac. RL, de 9.10.1981, in BMJ, 315º-320; Ac. RL, de 10.11.1987, in BMJ, 371º-542; Ac. RE. de 26.9.1996 in Col. Jur. 1996, 4º-281).
8 – Considera-se que só contra as pessoas e não contra as coisas é possível usar, como resulta do nº 2 do artº 1261º do Código Civil, de coacção física ou moral.
9 – A sentença relativa ao caso em apreço, afastou a existência de violência exercida directamente contra os recorridos, pelo que deveria, sem mais, ter julgado improcedente a providência por eles interposta.
10 – Por outro lado, a mera deslocação de objectos para a faixa de terreno usada pelos recorridos como passagem para o seu prédio – para mais ocupando, como se provou, apenas parte desse terreno –, não configura qualquer violência sobre as coisas.
11 – Tal deslocação poderá configurar, quando muito, o esbulho da posse, mas nunca a privação desta por meio de violência.
12 – É larga a jurisprudência neste sentido, de onde se destaca o Ac. RP, de 18.9.1995, in BMJ, 449º-566, relativo a situação análoga ao caso sub judice, que se cita:
“A alegação de que a ré colocou no caminho de servidão um portão gradeado em ferro, fechado à chave, impedindo o autor de usar o caminho caracteriza simplesmente o esbulho da posse e não a privação deste por meio de violência”.
13 – Nesse sentido, decidiu também o Ac. ST J, de 26.5.1998, in BMJ, 477º-506, de que se transcreve parte:
“A violência, para caracterização do esbulho, tanto pode ser praticada sobre as pessoas como sobre as coisas que constituem obstáculo ao esbulho. Não integra essa violência, a colocação de um obstáculo no acesso ao objecto da posse, como no caso de se haver colocado uma corrente e um cadeado para fechar o portão, exterior ao prédio, impedindo assim o acesso a um anexo deste”.
14 – Atentos os doutos acórdãos que acabam de transcrever-se e reportando-nos ao caso em análise, resulta evidente que a simples colocação dos objectos na faixa de terreno não configura qualquer violência sobre as coisas,
15 – Trata-se precisamente do caso típico que o art. 393º do CPC pretende excluir do seu domínio, ao exigir o requisito da violência.
16 – Não estando preenchidos os requisitos cuja verificação a Lei exige para a restituição provisória da posse – por falta do pressuposto da violência -, sempre tal providência deveria ter sido julgada improcedente.
17- Mesmo que se considere a mera colocação de objectos na faixa de terreno usada como passagem dos recorridos para o seu prédio, como se tratando de uma forma de violência sobre as coisas, esta só seria relevante se se reflectisse, ainda que indirectamente, sobre as pessoas, como forma de intimidação.
18 – Não se provou que tal violência se tenha repercutido, directa ou indirectamente sobre os recorridos, como forma de intimidação, não sendo admissível deduzir-se, instantânea e imediatamente, que a simples colocação dos objectos no terreno produziu temor ou insegurança nos recorridos.
19 – Para relevar, tal violência haveria de preencher determinados requisitos, que no caso em apreço se não verificaram.
20 – Desde logo, e citando o douto Acórdão da Relação de Évora,
“A violência que caracteriza o esbulho, ainda que exercida directa e imediatamente contra a coisa, tem de atingir de algum modo a pessoa do possuidor ou de quem defenda a coisa, devendo, para tal, ser acompanhada de ameaças ou outro comportamento susceptível de afectar a segurança de quem possui ou detém” (Ac. RE, de 25.11.1993, in BMJ, 431-584 ).
21 – Ou o douto Acórdão da mesma Relação, que se cita:
“A coacção e, portanto, a violência, como requisito da restituição provisória da posse, tanto pode respeitar às pessoas como às coisas. Só que, neste caso, quando exercida directamente sobre elas, tem, de algum modo, de atingir a pessoa do possuidor ou daquele que defende a posse dessas coisas, criando nele um estado psicológico de insegurança ou de receio” (Ac. RE. de 7.2.1995, in BMJ, 442°-281).
22 – No mesmo sentido, o douto Acórdão da Relação de Lisboa, de que se transcreve parte:
“A violência contra as coisas só releva se se pretender por via dela intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, sendo irrelevantes os meros actos materiais de danificação ou destruição inaptos para afectar o possuidor em termos psicológicos” (Ac. RL, de 12.12.1996, in BMJ, 462º-481).
23 – Ainda o douto Acórdão da Relação de Coimbra, que se enuncia:
“Não haverá violência relevante, se os actos praticados sobre as coisas ou as ameaças proferidas não tiverem sobre o esbulhado qualquer influência psicológica que afecte a sua liberdade, segurança e tranquilidade” (Ac. RC, de 3.12.1998, in Col. Jur. 1998, 5°-37).
24 – Dos acórdãos transcritos, avulta uma ideia fundamental: a de que, para que a violência sobre as coisas releve para efeito da restituição provisória de posse, necessário se torna que a mesma influencie psicologicamente o esbulhado, designadamente por vir acompanhada de ameaças ou de outro comportamento susceptível de lhe produzir sentimentos de receio, insegurança ou intranquilidade.
25 – Da simples colocação de objectos na faixa de terreno não poderá resultar qualquer sentimento de receio ou insegurança para os recorridos, nem isso se provou,
26 – E a colocação dos objectos não foi acompanhada de ameaças ou de qualquer comportamento por parte dos recorrentes, susceptível de afectar psicologicamente os recorridos, ao nível da sua insegurança ou receio.
27 – Os fundamentos invocados na douta sentença, pelos quais se dá como verificado o requisito da violência, levam, em última análise, à conclusão ilógica de que não existem situações de esbulho sem violência, pois se a simples colocação de objectos na faixa de terreno constitui, desde logo, violência no esbulho, não se vislumbram situações – uma vez que o esbulho pressupõe sempre um acto do esbulhador – em que haja esbulho sem violência.
28 – A ser assim, todo e qualquer comportamento do esbulhador configuraria, inevitavelmente, uma situação de violência, e a restituição provisória de posse apenas exigiria a existência de posse e de esbulho, porque este último, por natureza, já englobaria a violência.
29 – O esbulho verifica-se quando, por acto de terceiro, alguém é impedido de exercer a posse que detém sobre uma coisa, usando ou não de violência.
30 – O caso em análise consubstanciaria, quando muito, uma situação de esbulho simples, mas nunca de esbulho violento.
31 – A douta sentença do Tribunal a quo esvazia de conteúdo e utilidade o conceito de esbulho simples, porquanto reconduz uma situação típica desta figura, ao esbulho violento.
32 – Ao exigir a violência como requisito para a restituição provisória de posse, o art. 393º do CPC pretende, precisamente, excluir do seu domínio casos como o presente, pretendendo apenas abranger aqueles outros em que, ou o esbulho é praticado com violência directamente sobre a pessoa do esbulhado, ou, no limite, em que exista violência sobre as coisas.
33 – Certo é que na segunda hipótese (violência sobre as coisas), apenas releva a violência que se reflicta na pessoa do esbulhado como forma de intimidação, pelo que nele terá de produzir sentimentos de receio ou insegurança, designadamente por ser acompanhada de ameaças ou comportamentos que influenciem psicologicamente o esbulhado.
34 – O caso sub iudice não integra qualquer uma das duas hipóteses enunciadas, antes constituindo a situação típica que se pretende excluir – mediante a exigência do requisito da violência –, do domínio da restituição provisória de posse.
35 – Atento o exposto, deveria a providência cautelar de restituição provisória de posse ter sido indeferida, por não se encontrar preenchido o requisito da violência exigido pelo art. 393º do CPC.
Não houve resposta.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se está ou não verificado o requisito da violência exigido pela lei (artºs 393º a 395º do Cód. Proc. Civil) para que possa ser decretada a restituição provisória da posse.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Não tendo sido impugnada a decisão de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, tem-se por suficientemente indiciada a factualidade assim considerada pela 1ª instância e que é a seguinte:
3.1.1. Os requerentes são donos e possuidores do prédio rústico composto por terra de cultura sita às Matas, limites da Melga, da freguesia de Pombal, com a área de 5.700 m2, a confrontar de norte com Joaquim Lopes Gonçalves actualmente com António Bernardino, do sul com a antiga estrada, do nascente com Manuel Gameiro Longo e do poente com Manuel Mendes, inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.° 30.619 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 7.674.
3.1.2. Tal prédio adveio à titularidade e posse por aquisição da requerente mulher:
- ½ por sucessão “mortis causa” de sua mãe Luzia dos Santos, conforme partilhas realizadas em 18/02/1993, mediante escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Ansião, a fls. 6, do livro n.° 317-A.
- ½ por doação do pai da requerente, Manuel das Neves, em escritura celebrada no dia 28/08/95, no Cartório Notarial de Soure, a fls. 51, do livro n.° 99-E.
3.1.3. O prédio identificado em 3.1.1. havia sido adquirido em 12/07/73, pelos transmitentes: ao Manuel das Neves Júnior e mulher, Luzia dos Santos, seus anteriores proprietários, já – há muito – falecidos, conforme escritura lavrada no Cartório Notarial de Ansião a fls. 35 v. do livro de notas B-72.
3.1.4. Os pais da requerente mulher, em suas vidas e durante mais de 30 anos consecutivos, sempre possuíram todo o mencionado prédio.
3.1.5. Desde a doação efectuada em 28/08/48, eles e só eles o agricultaram e exploraram.
3.1.6. Sempre cavaram, plantaram, semearam, sacharam e colheram culturas tradicionais como milho, trigo, aveia, batata, couves, bem assim como vinha e árvores de fruto.
3.1.7. Todos os actos materiais foram praticados dia após dia, à luz do dia e sempre que necessário.
3.1.8. Sem interrupção temporal, oposição ou intromissão de quem quer que fosse.
3.1.9. Na convicção de assim exercerem um direito próprio pleno e singular de propriedade.
3.1.10. Tal prática, com as características acima descritas, havia sido exercida e mantida pela doadora, Luzia Lopes e marido, José Lopes Pedreiro, por si durante mais de 40 anos consecutivos, contados imediatamente, antes da doação.
3.1.11. E a mesma prática, com as mesmas características, foi continuada pelos ora requerentes, a partir de 1993 em metade e, a seguir à doação do pai, de 28/08/95 por si a na totalidade pelos requerentes.
3.1.12. O prédio referido em 3.1.1. sempre foi servido, pelo seu lado poente/sul, por uma faixa de terreno com cerca de 30 metros de comprimento e cerca de 3 metros de largura, seguida de uma vala com cerca de 50 cm de fundo.
3.1.13. Designadamente aquando das passagens no trânsito e acesso, para e do mesmo prédio, a pé, com animais, veículos de tracção animal e, mais tarde, com tractores e máquinas ceifeiras debulhadoras, sempre se serviu desta faixa de terreno.
3.1.14. Na mesma sempre foram notados trilhos e marcas dos rodados, das continuadas e sucessivas passagens, em toda a sua extensão e profundidade.
3.1.15. Encontrando-se o piso liso, a terra calcada, endurecida e situada a um nível ligeiramente mais baixo do que o prédio dos requerentes.
3.1.16. Os requerentes e antepossuidores do prédio identificado em 3.1.1. sempre usaram e dispuseram da mesma faixa de terreno ao longo daqueles anos, sempre e quando necessário o desejassem para ir e vir do dito prédio rústico.
3.1.17. Com a convicção de terem o direito de passagem em proveito e benefício do seu prédio.
3.1.18. A referida faixa de terreno sempre esteve livre e disponível em todo o seu leito e percurso.
3.1.19. No início do ano de 2004 os requeridos começaram gradualmente a ocupar a faixa de terreno com silos, gruas, baldes, ferros, blocos de betão, objectos que se encontram dispostos ao longo da mesma.
3.1.20. Tais objectos ocupam a faixa de terreno em todo o seu comprimento e metade da sua largura.
3.1.21. Sem o consentimento dos requerentes.
3.1.22. Não se conseguem remover ou deslocar tais objectos, dado o seu peso de várias centenas de quilogramas.
3.1.23. Não podem os requerentes passar com um tractor e atrelado maior, nem com qualquer ceifeira ou debulhadora.
3.1.24. Não permitindo o trânsito dos aludidos veículos, a exploração do prédio e o normal transporte das colheitas.
3.1.25. Seja aquando das lavras, das sementeiras, plantações, adubações, como ceifas e transporte de estrumes, adubo e das colheitas.
3.1.26. Parte dos ferros são aguçados e pontiagudos, encontrando-se semi-camuflados pela erva entretanto crescida.
3.1.27. Os requerentes já foram agredidos pelo requerido marido e pelo pai deste.
3.1.28. Por causa da mencionada faixa de terreno.
3.1.29. Tal agressão ocorreu em data anterior a 20 de Abril de 2001.
3.1.30. Os requerentes receiam e temem pela sua segurança.
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3.2. De direito
Nos termos do artº 393º do Código de Processo Civil [Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais adiante citadas sem outra menção.], disposição legal que, com as seguintes, adjectiva a norma substantiva constante do artº 1279º do Cód. Civil, no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
Como decorre da norma mencionada, são pressupostos ou requisitos do decretamento da providência cautelar em causa a posse, o esbulho e a violência.
No caso em análise foi entendido pelo tribunal “a quo” que se verificavam todos os aludidos requisitos e, por isso, foi a restituição provisória decretada.
Os recorrentes não questionam a posse nem o esbulho, sustentando apenas que da factualidade indiciada não resulta verificada a violência, tal como esse requisito deve ser entendido.

Nos termos do artº 1261º, nº 2 do Cód. Civil, considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255º.
Coacção física é aquela em que através do recurso à força física, se anula e exclui totalmente a liberdade exterior do coacto, conduzindo à completa ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de impossibilidade material de agir [Artº 246º do Cód. Civil e Ac. do STJ de 13/11/1984 (Relator: Cons. Moreira da Silva); de 12/06/1991 (Relator: Cons. Tato Marinho) e de 25/11/1998 (Relator: Cons. Silva Graça), in www.dgsi.pt/jstj.].
Coacção moral é a conseguida mediante ameaça provocadora de inibição da capacidade de reacção do coagido, através de um processo psicológico obstrutivo, levando-o a deixar o campo livre à actuação do agente, por receio de que algum mal, que poderá incidir sobre a pessoa, a honra ou a fazenda do próprio ou de terceiro, lhe seja infligido [Artº 255º do Cód. Civil e Acórdãos do STJ de 12/06/1991 e de 25/11/1998, já citados.].
A violência, para efeitos de restituição provisória da posse, tanto pode incidir sobre as pessoas como sobre as coisas [Acórdãos do STJ de 20/05/1997 (Relator: Cons. Lopes Pinto), 10/07/1997 (Relator: Cons. Sousa Inês), 26/05/1998 (Relator: Cons. Martins da Costa), 25/06/1998 (Relator: Cons. Herculano Namora) e 25/11/1998 (Relator: Cons. Silva Graça), in www.dgsi.pt/jstj.]. Mas, como bem se refere na decisão sob recurso, a violência sobre as coisas, para relevar em termos de restituição provisória de posse, terá de ter reflexos, ainda que indirectos, como forma de intimidação, sobre as pessoas [Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, págs. 73/74.].

No caso em apreciação e no que ao requisito da violência tange, encontra-se indiciariamente provado que no início do ano de 2004, sem o consentimento dos requerentes, os requeridos começaram gradualmente a ocupar a faixa de terreno com silos, gruas, baldes, ferros e blocos de betão, objectos que se encontram dispostos ao longo da mesma, que a ocupam em todo o seu comprimento e metade da sua largura, que não se conseguem remover ou deslocar, dado o seu peso de várias centenas de quilogramas e que impedem os requerentes de passar com um tractor e atrelado maior ou com qualquer ceifeira ou debulhadora, não permitindo o trânsito dos aludidos veículos, a exploração do prédio e o normal transporte das colheitas, seja aquando das lavras, das sementeiras, plantações, adubações, como ceifas e transporte de estrumes, adubo e das colheitas; que parte dos ferros são aguçados e pontiagudos, encontrando-se semi-camuflados pela erva entretanto crescida; e que os requerentes, em data anterior a 20 de Abril de 2001, foram agredidos pelo requerido marido e pelo pai deste, por causa da mencionada faixa de terreno, pelo que receiam e temem pela sua segurança.
Tal circunstancialismo, interpretado no seu conjunto, traduz, se bem vemos, uma situação de violência sobre as coisas, com reflexos sobre os requerentes, seguramente intimidados e moralmente coagidos. Com efeito, os requerentes, lembrados da agressão de que em tempos foram vítimas e perante a obstrução voluntária do leito da servidão, com objectos diversos, entre eles ferros aguçados e pontiagudos camuflados pela erva entretanto crescida, sentem-se naturalmente receosos e temerosos pela sua segurança, ficando inibidos de reagir e deixando, apenas por tal motivo, o campo livre aos requeridos.
Ou seja, em síntese, toda a actuação, passada e presente, dos requeridos é de molde a fazer com que os requerentes se sintam intimidados, receosos e inseguros, prevendo que qualquer atitude sua no sentido do exercício da servidão conduzirá, com grande probabilidade, a nova situação de agressão. O que os condiciona irremediavelmente, levando-os a abster-se de acederem ao seu prédio e de reagir contra a violação do seu direito de passagem. E integra violência, para efeitos de restituição provisória de posse.

Caso se entendesse que apenas se verificam os requisitos da posse e do esbulho, faltando o requisito da violência, nem por isso teria necessariamente de indeferir-se o procedimento cautelar e de deixar de aplicar-se a adequada providência cautelar.
É que, por um lado, de acordo com o artº 395º, ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no artigo 393.°, é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum. E, por outro, nos termos do artº 392º, nº 3, o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida.
Assim, tendo sido já cumprido o contraditório e encontrando-se indiciado o periculum in mora – vejam-se os pontos 3.1.23 a 3.1.25., supra – ainda que se considerasse inexistir violência, sempre seria, face à posse e ao esbulho, de decretar a restituição [Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, pág. 83 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, págs. 52/54.].

Soçobram, portanto, as conclusões da alegação dos recorrentes, motivo pelo qual se deverá negar provimento ao agravo e manter a decisão recorrida.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
As custas são a cargo dos agravantes.
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Coimbra,