Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
342/04.6TAAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL E CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
CRIME CONTINUADO
PERÍODO DE SUSPENSÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS, 50º, 5 DO CP, 105º/1 E 107º DO RGIT E DO ART.º 27º -B DO RGIFNA
Sumário: 1. A prática do crime de abuso de confiança fiscal tal como o crime de abuso de confiança contra a segurança social consumam-se com a não entrega das prestações relativas a cada período.
2. Há assim tantos crimes quantos os períodos em que se verificou a falta de entrega das prestações.
3. Mas não existem tantos crimes quanto o número de trabalhadores ou o número de membros dos órgãos sociais relativamente a quem se verifique a falta de entrega das contribuições ou quotizações
4. No âmbito do RGIT [ou do RGIFNA] não se aplica a limitação temporal recentemente introduzida no n.º5 do art.º 50º do Código Penal quanto à satisfação do pagamento.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra –
I –
1- No processo comum 342/04 do 2º Juízo Criminal de Aveiro foram condenados pela prática do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social os arguidos “A,L.da”e D..., aquela em 300 dias de multa à taxa diária de € 6 e este num ano e seis meses de prisão com a execução suspensa por igual período na condição do pagamento de € 105.739,97 e respectivos juros de mora ao Instituto de Segurança Social.
2- O arguido recorre, concluindo –
1) Tendo o arguido deixado de ser o representante comercial da A, Lda. por força da insolvência decretada em 3/6/2003, não pode ser responsável pelas não entregas de contribuições posteriores a essa data. Assim o ponto 3 da matéria de facto deve ser alterado em conformidade.
2) A prova produzida, designadamente os depoimentos do próprio arguido e da testemunha R..., não permite concluir que tenha havido uma única resolução na determinação da conduta do arguido. A própria motivação da convicção do tribunal revela que assim não sucedeu. Além de que ocorreu uma descontinuidade temporal incompatível com a existência de uma única resolução. Assim nessa parte se discorda do ponto 6 da matéria de facto.
3) Se dos depoimentos das testemunhas e do arguido ainda sobrassem dúvidas sobre o montante do seu vencimento, bastaria que o tribunal solicitasse ao arguido que apresentasse um recibo do seu vencimento actual. Recibo que agora se junta. Pelo que o ponto 13) dos factos provados deve ser alterado em conformidade.
4) O arguido não tem um veículo da marca Audi, modelo A6; e a sua mulher não tem um veículo da marca Smart. O que o arguido disse – e no que respeita às suas condições pessoais e sócio-económicas o Tribunal atendeu ás suas
declarações que considerou sinceras nesse particular (conf. parte final da motivação da convicção do Tribunal) – foi que se limita a conduzir um veículo Audi A6 e o mesmo sucede com a sua esposa relativamente ao Smart.
Pelo que o ponto 14) dos factos provados deve ser alterado de acordo com a prova produzida.
5) Se os montantes referidos no ponto 25) dos factos provados são determinados é necessário explicitar o seu valor. Sendo este o que resulta do ponto 12) da contestação e foi confirmado pelo arguido e pela testemunha R....
6) A prova produzida, e principalmente a prova documental, no que respeita ao facto de o arguido se ter arruinado pessoalmente, ao ponto de ser declarado insolvente, para tentar a todo o custo salvar a empresa, impunha que fosse dado como provado que o arguido não obteve qualquer benefício com a não entrega das contribuições à Segurança Social. Aliás a própria motivação do Tribunal deixa implícito que de facto não houve qualquer benefício para o arguido.
7) Desde logo o hiato temporal entre Janeiro e Junho de 2002, no que respeita às não entregas de contribuições, é incompatível com a qualificação do crime em causa como da execução permanente.
Depois também é certo (vide motivação) que o arguido entregou dinheiro ao contabilista que não o entregou à Segurança Social.
O quadro de dificuldades da empresa e a ausência da inspecção da Seg. Social determinaram o arguido a tomar sucessivas decisões mensais de não entrega das contribuições descontadas. Pelo que estamos perante uma pluralidade de resoluções criminosas.
8) Pelo que não estamos perante um crime de execução permanente mas sim perante um crime de execução continuada, cuja noção está vertida no art. 30/2 do Código Penal.
Mas mesmo que se estivesse perante um crime de execução permanente, a redacção do n.º7 do art. 105° do RGIT não exclui a sua aplicabilidade aos crimes de execução permanente, já que o que está em causa para os valores a considerar são aqueles que devem constar em cada declaração a apresentar à administração tributária.
9) Conjugando as declarações de fls. 280 a 349 com os mapas de fls. 356 a 363 constata-se que mensalmente, nenhum dos valores não entregues ultrapassa os 50.000,00 €. O que significa que o crime não se enquadra no n.º5 mas sim no n.º1 do art.º 105º do RGIT, sendo admissível uma pena de multa em alternativa à pena de prisão.
10) As graves dificuldades financeiras da A,Lda. que quando foi declarada falida apresentava um passivo de 1.438.159,38 € cuja origem está bem identificada na sentença, o esforço que, apesar delas, a empresa faz entre 2000 e 2003 para regularizar a sua situação fiscal – tendo pago mais de 65.000.000$00 – sendo que o arguido pediu dinheiro emprestado para pagar parte deste dinheiro, a própria insolvência pessoal do arguido e esposa, que se arruinaram e afundaram com a empresa, são factores que atenuam substancialmente a culpa do arguido e justificam que a pena aplicável seja uma pena de multa.
11) Sendo certo que as condenações por crimes de abuso de confiança fiscal de que o arguido foi alvo ocorreram por factos praticados exactamente no mesmo contexto daqueles que estão na origem do presente processo. Pelo que não constituem factor de agravamento da pena a aplicar neste processo. Não ocorrendo exigências especiais de prevenção geral e de prevenção especial. Não se demonstrando que o arguido fora da situação excepcional que originou a sua conduta delituosa mantivesse a mesma. Pelo contrário, entre 1988 e 1997, quando a empresa funcionava normalmente, nunca correram situações delituosas.
12) Ademais o arguido é insolvente, é consultor de segurança, não se vislumbra que possa vir a ser novamente membro de órgãos estatutários de empresas, além de que moral, psicologicamente e socialmente foi severamente castigado pelas duplas insolvências que o atingiram, pelo que não se vê necessidade de medidas que visem impedir que o arguido possa reincidir nas mesmas práticas.
13) A pena de prisão aplicada [1 ano e 6 meses] é excessiva face à moldura prevista no art. 105°/1do RGIT, justificando-se a sua redução.
14) A subordinação da suspensão da execução da pena à condição de o arguido pagar no mesmo período de 1 ano e 6 meses a importância de 105.739,97 € é extremamente gravosa.
15) Tal condição, não sendo necessária face do art. 14° do RGIT ­porquanto o arguido não obteve para si qualquer benefício indevido – na realidade tendo em conta a sua situação de insolvente e baixo rendimento acaba por representar a aplicação diferida duma pena de prisão efectiva. Pelo que, no mínimo, o período de satisfação dessa condição deveria ser alargado para 5 anos, período máximo estabelecido no art. 14°/ 1 do RGIT.
16) A obrigação de entrega das contribuições descontadas deriva da lei, pelo que a sua violação não implica responsabilidade civil de natureza extra­contratual. Não decorrendo do caso qualquer alargamento do prazo prescricional derivado do art. 498°/ 3 do C. Civil que não se aplica. E também a constituição de arguido ocorrida em 8 de Julho de 2004 é irrelevante para o decurso do prazo prescricional das dívidas aqui em causa.
17) Assim à presente data encontram-se prescritas as dívidas compreendidas entre Agosto de 1997 e Junho de 1998 tendo em conta o prazo de prescrição de 10 anos estabelecido no art. 14º do DL 103/80 de 9 de Maio. E encontram-se prescritas as dívidas datadas de Fevereiro de 2001 a Junho de 2003 por força do disposto no art. 63° n.º2 (prazo de 5 anos) da Lei 17/2000 de 8 de Agosto. Pelo que o pedido de indemnização civil deveria ter improcedido na sua maior parte.
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado do recurso, no que foi secundado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Decisão de facto inserta na sentença –
a) Factos provados
1) A A,Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com início de actividade em 23 de Junho de 1988, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro com o nº ……….., cujo objecto social radica na comercialização e instalação de sistemas electrónicos de segurança.
2) A gerência dessa sociedade comercial ficou a cargo do arguido D... e de M....
3) O arguido, na qualidade de representante legal da referida sociedade comercial e no interesse desta, procedeu ao desconto de cotizações para a Segurança Social nas remunerações efectivamente pagas aos trabalhadores da sociedade arguida nos períodos compreendidos entre Agosto de 1997 e Janeiro de 2002 e entre Junho de 2002 e Setembro de 2003, no montante global de € 63.993,65 dos quais € 57.801,80 correspondiam aos descontos de contribuições nas remunerações dos trabalhadores por conta de outrem e € 6.191,85 aos descontos das contribuições nas remunerações pagas aos membros de órgãos estatutários da sociedade.
4) O arguido não procedeu à entrega dessas cotizações descontadas dos salários até ao dia 15 do mês subsequente àquele a que respeitavam, nem nos 90 dias subsequentes a ao termo desse prazo, nem até à presente data.
5) A A,Lda por intermédio do arguido D... fez desses valores coisa sua afectando-os ao pagamento de débitos contraídos no exercício da sua actividade comercial.
6) O arguido D... no âmbito de uma única resolução quis agir do modo atrás descrito em nome e no interesse da A,Lda, sabendo que ao não entregar à Segurança Social nos 90 dias subsequentes ao termo dos prazos indicados as importâncias atrás indicadas, deduzidas das remunerações pagas, levava a empresa a perceber benefícios patrimoniais a que sabia não ter direito.
7) Mais sabia o arguido que ao actuar da forma descrita colocava em crise o regular funcionamento do sistema de Segurança Social e dos interesses por esta servidos, como quis.
8) Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
9) O arguido D... foi condenado por sentença de 21 de Março de 2002, proferida no Processo Comum Singular nº 112/99.1IDAVR do 2º Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de Aveiro por crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 7 meses de prisão com execução suspensa pelo período de 1 ano.
10) Também foi condenado por sentença de 12 de Dezembro de 2003, proferida no Processo Comum Singular nº 53/01.4IDAVR do 2º Juízo Criminal deste Tribunal Judicial de Aveiro por crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 5 meses de prisão com execução suspensa pelo período de 1 ano.
11) O arguido D… tem actualmente 52 anos de idade.
12) Exerce a profissão de consultor de segurança por conta da empresa A,lda da qual é gerente a sua filha.
13) Ganha um ordenado não concretamente apurado, não inferior a € 700.
14) O arguido tem um veículo de marca Audi, modelo A6, e a sua mulher tem um veículo de marca Smart.
15) A falta de entrega das contribuições deduzidas não afecta as prestações sociais devidas pela Segurança Social aos trabalhadores.
16) Os juros incidentes sobre a dívida de cotizações atrás indicada, até Julho de 2005, perfazem € 41.746,32.
17) A A,Lda... foi declarada falida no âmbito do Processo de Falência nº 300/03.5TBAVR do 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Aveiro, tendo a data da falência sido fixada em 3 de Junho de 2003.
18) Quando foi declarada falida, a A,Lda... tinha um passivo total de pelo menos € 1.438.159,33.
19) Em 1997, faliram 3 clientes que a A,lda tinha na zona de Viseu, deixando uma dívida superior a Esc. 40.000.000$00.
20) Em 1998, faliram 2 clientes que a A,Lda... tinha em Aveiro, deixando uma dívida de cerca de Esc. 10.000.000$00.
21) Em regra, essas dívidas eram tituladas por letras pelas quais a A,Lda... se obrigava junto dos bancos.
22) Em 1998, a actividade de segurança privada foi liberalizada.
23) Pelo último alvará da sua actividade, a A,Lda... tinha gasto Esc. 4.500.000$00.
24) A sede da A,Lda... foi penhorada no âmbito de uma execução fiscal.
25) Para evitar a venda desse espaço, a empresa pagou, entre 2000 e 2003, determinados montantes à administração fiscal.
26) Os valores que iam sendo pagos à administração fiscal (que até Dezembro de 1999 procedia também à cobrança das dívidas à Segurança Social) eram imputados ao pagamento de impostos.
27) O arguido D... foi declarado insolvente.
28) É considerado uma pessoa responsável pelas pessoas que lhe são mais próximas.
29) Adoptou em audiência uma postura correcta e colaborante.
b) Factos não provados –
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, designadamente,
1) Que M... também tenha concordado com o desconto das contribuições dos trabalhadores e gerentes da A,Lda... para a Segurança Social e com a não entrega desses valores à Segurança Social
2) Que a A,Lda... e o arguido D... não tenham obtido um benefício com a não entrega das contribuições à Segurança Social.
3) Que o arguido seja, no plano profissional, uma pessoa cumpridora das suas obrigações.
c) Motivação da convicção
O Tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência, apreciando esses elementos à luz das regras da experiência.
O arguido reconheceu no essencial os factos de que vem acusado. Contudo, alegou que a falta de pagamento das cotizações à Segurança Social – dos valores descontados dos salários dos seus trabalhadores – se verificou num contexto de dificuldades económicas e financeiras da empresa, particularmente ao nível da sua liquidez. Salientou que na altura em que as dívidas à Segurança Social eram cobradas pelo Serviço de Finanças, a empresa não conseguia liquidar essas dívidas porque todos os valores entregues à administração fiscal eram imputados ao pagamento de impostos que também estavam em dívida. A este respeito, adiantou que em 1999, a empresa tinha uma dívida fiscal da ordem dos Esc. 30.000.000$00. Instado a esse propósito, o arguido demonstrou ter conhecimento da obrigação de entrega à Segurança Social dos valores das cotizações que eram descontados dos salários dos trabalhadores. Com efeito, reconheceu expressamente “Eu tenho consciência que a minha atitude é um crime”. Acrescentou que a dada altura a empresa aderiu ao Plano Mateus. Mais declarou que o contabilista da empresa lhe deu conta, em diversas ocasiões, que as folhas de remuneração eram envidas à Segurança Social em os respectivos meios de pagamento, situação com a qual se conformou. Notou, no entanto, que em relação a alguns meses, as declarações eram enviadas, ele próprio, arguido entregava os meios de pagamento à empresa de contabilidade, mas esta não entregava os valores à Segurança Social. Apontou a liberalização do sector da segurança privada como um dos factores da crise que assolou a empresa. Por um lado, disse, essa liberalização acarretou a frustração dos investimentos antes efectuados (nomeadamente com o licenciamento da actividade); por outro lado, trouxe muita competição, pois alguns dos anteriores colaboradores de empresas de segurança passaram a trabalhar por sua conta, tendo sido criadas empresas paralelas. Mais disse que o próprio se endividou pessoalmente, tendo prestado avales pessoais e sendo posteriormente declarado insolvente. Também referiu que sensivelmente desde 2000 a A,Lda... coexistiu com a A,Lda... 2, gerida pela sua filha, e que essa empresa foi criada como forma de diversificação da actividade, para tentar reagir à crise decorrente designadamente da liberalização do sector. Outro factor que contribuiu para a crise financeira da empresa foi a perda de diversos clientes importantes.
As testemunhas de acusação confirmaram a veracidade da tese da acusação.
Com efeito, S..., gestora de contribuinte, em serviço no Núcleo de Gestão de Contribuições do Centro Distrital de Segurança Social de …., disse ter sido a pessoa quem fez a análise da conta-corrente da empresa, o que efectuou em 2005, tendo-se apercebido da falta de entrega de cotizações descontadas dos salários dos trabalhadores no valor de € 63.993,65, precisamente o valor mencionado na acusação. A respeito do valor concretamente em dívida, foi também relevante a análise da certidão de dívida de fls. 401. A referida testemunha esclareceu que as folhas de remunerações eram enviadas; os respectivos meios de pagamento é que não. A esse propósito, explicou que o referido valor (€ 63.993,65) foi definido precisamente pelas declarações de remuneração que a própria empresa, nos termos legais, enviava mensalmente aos serviços da Segurança Social. Adiantou que até ao momento a dívida se mantém nos precisos termos indicados.
Por seu turno, A…, que à data dos factos descritos na acusação exercia as funções de Director do Serviço de Inspecção do Centro Distrital de Segurança Social de …, confirmou que a A,Lda... enviava as declarações de remuneração, mas não os respectivos meios de pagamento. Lembrou-se de ter participado na acção de inspecção que esteve na origem dos presentes autos, de ter contactado directamente com o arguido e de o ter interpelado para proceder ao pagamento pelo menos dos valores das cotizações retidas dos salários dos trabalhadores e não entregues à Segurança Social (correspondentes a 11% dos salários dos trabalhadores e 10% em relação às remunerações dos gerentes) para evitar o procedimento criminal. Acrescentou que depois dessa interpelação aguardou um determinado tempo e depois formalizou o auto de notícia, dando assim origem a este processo, em face da permanência da falta de pagamento das cotizações descontadas e não entregues.
Os depoimentos das testemunhas de defesa foram importantes para enquadrar o quadro de dificuldades económicas e financeiras em que a empresa se movia, mas não afastaram os pressupostos do ilícito típico imputado.
A filha do arguido, R..., afirmou que a dada altura a empresa deixou de receber pagamentos de vulto dos seus clientes, sendo certo que alguns clientes pagavam em letras, as quais não vieram a obter pagamento e assim aumentaram o passivo da empresa perante os bancos. Estes, acrescentou, a partir de determinada altura, deixaram de conceder crédito à A,Lda..., o que agravou as suas dificuldades. Mencionou que o último alvará de licenciamento da actividade custara cerca de Esc. 5.000.000$00. Disse que os salários eram pagos, embora com alguns atrasos. Disse também que o seu pai estava consciente de que se não pagasse as cotizações retidas cometeria um crime, mas era por dificuldades económicas que as dívidas à Segurança Social não eram liquidadas. Explicou que a empresa também devida impostos e que os valores entregues à administração fiscal eram canalizados para amortização dessas outras dívidas.
L…, anterior trabalhadora da A,Lda... a actual trabalhadora da A,Lda... 2, disse que recebia os salários, embora nem sempre no tempo oportuno. Confirmou que as dificuldades começaram com a liberalização do sector, pois antes era exigido um alvará e a colocação dos trabalhadores no quadro da empresa, o que depois deixou de ser exigido às outras empresas e trabalhadores por conta própria que se lançaram no sector. Declarou que os descontos eram espelhados nas suas folhas de vencimento e que recebia, por isso, os ordenados líquidos.
Abonando o comportamento do arguido, C... disse que o arguido é um “bom técnico”, sendo certo que por diversas ocasiões quando a sua empresa (da testemunha) tinha excesso de trabalho, subcontratava a A,Lda...; JJ… disse que o arguido é honesto e cumpridor, já lhe tendo emprestado dinheiro, o qual foi totalmente devolvido, consoante as possibilidades do arguido; e CJ…, anterior trabalhador da A,Lda..., disse que nessa empresa os salários eram sempre pagos, embora nem sempre no mesmo dia.
Foram analisados os documentos juntos aos autos, nomeadamente:
A certidão da registo comercial da sociedade comercial A,Lda... –. (fls. 123 a 125);
Exemplos das folhas de remuneração processadas pela empresa (fls. 39 a 76), das quais resulta que a empresa procedia a descontos nos ordenados a título de cotizações para a Segurança Social;
Exemplos das declarações de remunerações enviadas aos serviços da Segurança Social (fls. 138 a 242, 244 a 277 e 280 a 349);
Os registos das folhas de remunerações enviadas pela A,Lda... ao Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro (fls. 4 a 9);
A sentença pela qual a A,Lda... foi declarada falida, no âmbito do Processo nº 3000/03.5TBAVR do 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Aveiro, autos que começaram por seguir a forma do processo especial de recuperação da empresa (fls. 556 a 558) e a sentença pela qual o arguido D... foi declarado insolvente, no âmbito do Processo nº 2300/05.4TBAVR do 1º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Aveiro (fls. 567 e 568). Relativamente aos antecedentes criminais do arguido foi decisivo o CRC junto. Finalmente, no que se refere às condições pessoais e sócio/económicas do arguido o tribunal atendeu às suas declarações que se afiguraram sinceras nesse particular.

2- O arguido discorda da decisão de facto quanto aos pontos 3,6,13,14 e 25 do provado; e quanto ao ponto 2 do «não provado».
Discorda da qualificação como crime permanente encontrada na sentença para falta das entregas das contribuições devidas à Segurança Social, tendo a conduta como crime continuado. Assim, a seu ver, a pena é de encontrar nos termos do n.º1 do art.º 105º do RGIT e não do seu n.º5 já que singularmente consideradas as prestações ficam muito aquém dos €50.000. Consequentemente, deverá ser punido em simples multa ou então em prisão substancialmente reduzida.
Entende também que a suspensão da execução da pena de prisão não dever ser condicionada ao pagamento das contribuições em falta e respectivos acréscimos. Ou, pelo menos, ser o prazo de pagamento alargado aos 5 anos previstos no art.º 14º do RGIT.
Finalmente, invoca a prescrição das contribuições mais antigas.
*
3- Apreciação –
3.1- Comecemos então pela decisão de facto. O recorrente discorda da decisão relativamente aos pontos 3, 6, 13, 14, e 25 do «provado» e quanto ao ponto 2 do «não provado».
- Quanto ao ponto 3 –, alega que deixou de representar a arguida a 3/6/2003 não podendo ser responsabilizado pelas faltas de entrega das prestações posteriores a tal data. Mas o que é extraível da sentença e se colhe de fls. 444/445 é que a declaração da falência é de 14/5/2004 na sequência dum processo de recuperação.
A data da falência foi fixada por decisão judicial em 3/6/2003 mas desconhece-se em que data foi nomeado o gestor judicial no processo de recuperação, sabendo-se apenas que a falência foi declarada nos termos do art.º 53º do CPEREF [Dec-Lei nº 132/93 de 23/4].
Assim, é de presumir que o processo de recuperação teria 6 meses à data da declaração da falência [14/5/2004].
Ora isto é insuficiente para acolher a pretensão do recorrente.
- Quanto ao ponto 6 –, o arguido nega ter havido uma só resolução de não entregas das prestações, mas tantas quantas as omissões havidas. Quanto a este pormenor nada por ele foi dito na audiência de julgamento, pelo que não se colhe o fundamento para o tribunal ter afirmado «uma única resolução» de não entrega das prestações, sabendo-se que as mesmas são mensais.
Depois há um período de tempo em que não se constata a falta de pagamentos, [Fevereiro a Maio de 2002], pelo que é contraditória com este facto a afirmação duma só resolução.
De resto entregando-se mensalmente as declarações das remunerações desacompanhadas das correspondentes quotizações e contribuições, ter-se-á de ter por renovado tal propósito sempre que ocorriam essas entregas.
Consequentemente suprime-se do ponto 6 a expressão «no âmbito de uma única resolução».
- Quanto ao ponto 13-, O arguido declarou auferir na “A,Lda... II” a remuneração de €700 mensais, enquanto a sua filha R... referiu a remuneração mensal de €750.
O recibo junto na fase do recurso não pode ser considerado pois o prazo limite para junção de documentos é o encerramento da audiência de julgamento em 1ª instância, nos termos do art.º 165º/1 do Código de Processo Penal.
A justificação para este termo final refere-a o Prof. Germano Marques da Silva [Curso de Processo Penal, II p. 186 e III p. 315] da seguinte maneira: “O considerar a nossa lei que o objecto do recurso é a decisão [e não a questão sobre que incidiu a decisão] tem importância prática muito grande. Nomeadamente não é possível juntar nas alegações de recurso ordinário novos elementos de prova que não tiverem sido considerados na decisão recorrida (…)”.
Mantém-se, pois, inalterado o ponto o ponto 13 da decisão.
- Quanto ao ponto 14 –, O arguido declarou «Tenho um Audi A6» e a sua mulher «tem um Smart». A sua filha R... adiantou que o A6 foi comprado pelo avô mas está em nome do seu irmão.
É óbvio que o tribunal não credibilizou este segmento do depoimento já que não acompanhado de melhores justificações que lhe conferissem credibilidade.
O tribunal seguiu neste pormenor as regras da experiência comum e não se comprometeu com a pertença do veículo pois que a expressão «tem» tanto consente uma “pertença” como uma “detenção”.
Nada, pois a alterar.
- Quanto ao ponto 25 –, mantém-se o decidido pois a indicação da entrega de tal montante [65 mil contos] às Finanças careceriam de prova documental já que não são as declarações do arguido ou o depoimento da sua filha Rita que impõem decisão diversa.
- Quanto ao ponto 2 do «não provado» –, mantém-se inalterado já que os escritos que o recorrente faz apelo, tal como o que se retira das suas declarações, apenas provam que o arguido prestou o seu aval na subscrição de letras aceites pela arguida.
3.2- O recorrente parece ter razão ao afirmar que a sua actuação não configura um crime permanente mas uma continuação criminosa.
3.2.1- Temos para nós como adquirido que a prática do crime de abuso de confiança fiscal tal como o crime de abuso de confiança contra a segurança social se consumam com a não entrega das prestações relativas a cada período. É o que retiramos do enunciado dos art.ºs 105º/1 e 107º do RGIT e do art.º 27º -B do RGIFNA.
Isso era expressamente dito no n.º6 do art.º 24º do RGIFNA «Se a obrigação da entrega da prestação for de natureza periódica, haverá tantos crimes quanto os períodos a que respeita tal obrigação» na sua versão original. Alfredo José de Sousa opinava que no âmbito da nova redacção do RGIFNA continuava a ser válida tal doutrina. E pensamos que a mesma é de manter face à redacção do art.º 105/1 e 7 do RGIT. Neste é dito que «(…) os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária».
A entrega deve ser feita até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que disserem respeito (art.º 5º/2 do Dec-Lei nº 103/80; art.º 18º do Dec-Lei nº 140-D/86 e art.º10º/2 do Dec-Lei nº 199/99 de 8/6 que revogou o Dec-Lei nº 140-D/86 à excepção dos seus art.ºs 8 e 19).
O decurso do período de 90 dias neles referidos não integra o crime, sendo uma condição de procedibilidade criminal Ou de punibilidade, segundo outros na esteira da letra da lei..
Refere Tolda Pinto [RGIT, Coimbra Editora, 2002, p. 333] que o momento da consumação do crime não é o imediatamente subsequente ao decurso dos referidos 90 dias, mas sim o do decurso do prazo legal para a entrega da prestação. O decurso daqueles 90 dias configura tão só uma condição de punibilidade.
Não há assim um só crime como refere a sentença, mas tantos crimes quantos os períodos em que se verificou a falta de entrega das prestações.
Mas não existem tantos crimes quanto o número de trabalhadores ou o número de membros dos órgãos sociais relativamente a quem se verifique a falta de entrega das contribuições ou quotizações. O crime reporta-se à prestação total ou parcial de cada período referida indiferenciadamente a todos ou a alguns dos trabalhadores e /ou membros dos órgãos sociais. O art.º 105/1 do RGIT fala de «prestação tributária» total ou parcial; e o art.º 107º/1 fala em «montante total ou parcial das contribuições devidas e deduzidas».
Quando a falta de entrega se protela no tempo, i é, por períodos de vários meses ou anos, pode ou não haver uma continuação criminosa. Tudo depende do circunstancialismo factual exterior que ficar provado em julgamento em que se verificaram essas faltas. Numa continuação criminosa, no seguimento dos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva, teremos tantos crimes quantas as faltas verificadas embora unificados apenas para efeitos de punição – cfr. art.ºs 30º e 79º do Código Penal.
A continuação criminosa é prevista no art.º 30º/2 do Código Penal e aí se enuncia que “ constitui crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime (...), executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Figueiredo Dias Direito Penal, I, p.1030 afirma que na figura do crime continuado tal como se encontra plasmado no art.º 30º/2 cabe tanto um dolo conjunto [em que as diversas actuações do agente foram previamente por si planeadas], um dolo continuado [em que no plano do agente se repete a acção caso a ocasião se proporciona] como uma pluralidade de resoluções. Afirma ainda que o ponto a que a lei confere relevo não é este, mas o de exigir que a acção seja enformada por uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente: aqui se depara com um elemento subjectivo que há-de estender-se à inteira relação de continuação.
O crime continuado distingue-se do concurso real de crimes apenas em razão dos elementos aglutinadores que a lei prevê: unidade do bem jurídico protegido, execução por forma essencialmente homogénea e diminuição considerável da culpa em razão duma mesma situação exterior Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 318. . São assim elementos constitutivos do crime continuado, a realização plúrima do mesmo tipo de crime estando em causa o mesmo bem jurídico; a homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção); a lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); a unidade do dolo em que as diversas resoluções se conservam dentro da mesma linha psicológica continuada (unidade do injusto pessoal da acção); e a persistência da mesma situação exterior que facilita a execução do crime e que diminui consideravelmente a culpa do agente. Mas o elemento verdadeiramente determinante da figura é a diminuição considerável da culpa do agente no caso concreto determinada pela disposição exterior das coisas para o facto.
Da factualidade provada não existem dúvidas que a actuação do arguido se deveu a forte constrangimento financeiro levando-o a privilegiar o pagamento de outras dívidas em prejuízo da Segurança Social.
3.2.2- O arguido deve pois ser censurado pelo n.º1 do art.º 105º do RGIT Pressuposta a aplicação deste diploma como afirma a sentença e que o recorrente perfilha. e não pelo seu n.º5 já que a prestação mais elevada em falta é de €1.572,57 reportada a Dezembro de 1997.
Mas isto não significa que haja de condenar-se o recorrente em simples pena de multa.
O preceito prevê as penas de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias. No caso entende este tribunal que haverá de optar-se pela pena de prisão por razões de prevenção quer geral quer especial, sempre como é óbvio dentro dos limites da culpa.
Quanto às razões de prevenção geral não se vê como defender-se que em crimes tributários donde resultou um prejuízo, não reparado, de €63.993,65 para a Segurança Social pudessem ser punidos com simples multa já que se trata de valor elevado e imperarem fortes razões de prevenção geral.
A multa não assegura as exigências mínimas de prevenção geral que se fazem sentir já que daria ao arguido e à sociedade a errada noção de que se está perante ilícitos de menor dimensão que, de resto, do ponto de vista económico seriam muito lucrativos para os seus autores.
Há que manter a sabedoria popular espelhada na frase de que “o crime não compensa”. A necessidade de reafirmar a eficácia nas normas violadas e a gravidade das consequências de condutas desta natureza desaconselham a opção pela simples multa.
Depois o arguido já foi condenado por outras duas vezes em prisão por crime de igual natureza e há fortes motivos para recear que volte a prevaricar já que se mantém no exercício da actividade que o levou à prática destes crimes.
Por outro lado, é uma pessoa responsável e de resto encontra-se perfeitamente integrado na família, no trabalho e, em geral, na sociedade. O seu reconhecimento, no essencial, dos factos não se revelou decisivo para a descoberta da verdade mas o arguido revelou uma atitude de assumpção da sua responsabilidade, postura correcta e colaborante que atenuam as exigências punitivas. É casado e exerce actividade profissional remunerada.
Nestes termos parece-nos adequada a pena de prisão por um ano, embora suspensa na sua execução.
3.2.3- Neste aspecto deve também reduzir-se a pena à arguida apesar de não ter interposto recurso, isto por força da estatuição do art.º 402º/2 do Código de Processo Penal. Assim, pelas mesmas razões (enquadramento típico quanto à pena no art.º 105º/1do RGIT) reduz-se para 200 dias a multa que lhe foi aplicada.
3.3- Quanto à alegada prescrição da obrigação de pagamento das contribuições e quotizações em falta mais antigas não cremos que assista razão ao recorrente. Senão, vejamos –
A obrigação contributiva da arguida sempre decorreu directamente da lei, constituindo-se com o início da actividade dos trabalhadores ao seu serviço e sendo pelo pagamento ela a responsável Trata-se da figura jurídica da substituição contributiva, que corresponde à substituição tributária definida na legislação tributária (LGT, art.ºs 20º e 28º), em correspondência com o princípio geral sobre pagamento de obrigações estabelecido na lei civil (art.º 767º/1 do Código Civil). Por esta via a lei impõe a outra pessoa (substituto) a obrigação de pagar em lugar do devedor (substituído). (v/ o regime decorrente das Leis n.ºs 28/80, 17/2000 e 32/2002 que sucessivamente se foram revogando).
Por força do art.º 14º do Dec-Lei nº 103/80 de 9/5, o prazo de prescrição das contribuições era de 10 anos. Contudo este prazo foi reduzido para 5 anos com a entrada em vigor [a 4/2/2001] da Lei n.º14/2000, de 8/8 (v/ art.º 63º/2).
Este prazo de cinco anos foi mantido pela actual lei de bA,Lda... da segurança social –, Lei n.º32/2002 [em vigor desde 20/1/2003].
Contudo, face à alteração do prazo de prescrição ocorrido com a entrada em vigor da Lei n.º17/2000, há que ter em conta com o que se dispõe no n.º1 do art.º 297º do Código Civil, segundo o qual «A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado em lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar».
Partindo destas considerações –, que vão ao encontro do afirmado pelo recorrente quanto à natureza das obrigações em causa –, as prestações mais antigas (Agosto de 1997 e ss.) prescreveriam sucessivamente a partir de Agosto de 2007. Mas com a entrada em vigor da Lei n.º17/2000 [a 4/2/2001] o prazo foi reduzido para cinco anos. Ou seja, o momento da prescrição foi antecipado para 4/2/2006 [já que o novo prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei].
Contudo, com a acção inspectiva dos serviços da Segurança Social iniciada a 5/1/2004 (cfr. fls. 3) interrompeu-se a contagem deste prazo. Efectivamente, o art.º 49º/2 da Lei n.º 32/2004 já em vigor a essa data estatui (tal como o anterior art.º 63º/3 da Lei 17/2000) que a prescrição se interrompe por qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.
E nova interrupção se deu com a notificação do pedido de indemnização formulado a 18/7/2005 (art.º 323º/1 do Código Civil) – cfr. fls. 393 e ss.-, sabendo-se que com cada interrupção se reinicia a contagem do prazo prescricional ( art.º 326º do Código Civil).
Daqui se vê que ainda não prescreveu a obrigação de pagamento de qualquer das quotizações e contribuições.
3.4- Discordamos da aplicação no âmbito do RGIT [ou do RGIFNA] da limitação temporal recentemente introduzida no n.º5 do art.º 50º do Código Penal quanto à satisfação do pagamento. O RGIFNA, tal como o RGIT, é lei especial só subsidiariamente se aplicando o Código Penal. É o que se estatuía no art.º 4º do RGIFNA e agora se estatui no art.º 3º do RGIT.
O Código Penal optou por não prever expressamente os crimes de natureza antieconómica e fiscais, propósito referido no ponto 24 do preâmbulo do Dec-Lei nº 400/82, de 23/9 que aprovou o Código Penal. Aí se diz que «não se incluíram no Código os delitos económicos, de carácter mais mutável, melhor enquadráveis em lei especial, seguindo, aliás, a tradição jurídica portuguesa e a ideia de que o direito penal tem uma natureza pragmática». Esta posição tem-se mantido.
Ela traduz a aceitação do carácter estruturalmente mutável dos ilícitos que integram o direito penal económico onde se insere o direito tributário, e corresponde à tradição portuguesa de tipificar o chamado delito antieconómico em legislação especial.
Sendo o Código Penal apenas subsidiário do RGIT conclui-se que se mantém a estatuição do seu artigo 14º cujo n.º1 dispõe que «A suspensão da execução da pena de prisão é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais (…)».
Esta formulação legal tem como pressuposto um prazo de suspensão que não seja inferior ao prazo dado para o pagamento.
E não pode ter-se por tacitamente revogado nesta parte o art.º 14º do RGIT já que a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador como estatui o n.º3 do art.º7º do Código Civil. Ora, essa diferente intenção do legislador não existe no caso (cfr. a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro).
De resto tornava-se absurdo que –, impondo a lei o pagamento como condição para a suspensão da execução da pena –, quanto mais leve fosse a pena por força duma menor culpabilidade, menor fosse o prazo concedido para o pagamento, criando-se situações mais gravosas para culpas mais leves. Ou seja, quanto maior fosse a culpa maior o prazo concedido para o pagamento de montantes em falta quiçá sensivelmente de iguais.
Assim, face às dificuldades dos arguidos é de ponderar a possibilidade dum pagamento mais dilatado e que se fixa nos cinco anos.
III –
Decisão – Termos em que se decide – a) Suprimir do ponto 6 dos factos provados a expressão «no âmbito de uma única resolução»; b) Reduzir para 1 ano a pena de prisão aplicada ao arguido e para 200 (duzentos) dias a multa aplicada à arguida/sociedade; c) Alargar para cinco anos o prazo de pagamento reportado à condição de suspensão da pena de prisão, pelo que forçosamente se estende esta para igual período.
Custas pelo recurso, com a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Coimbra,