Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50/17.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
RESOLUÇÃO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 289, 432, 433, 434, 801, 808 CC
Sumário: 1 - A parte não tem de provar sub causas ou causas de um facto praticado pela outra parte tendencialmente ilícito; pelo que, provado este, compete a quem o praticou justificá-lo.

2. - A interpelação admonitória, tendente à resolução do contrato, reporta-se apenas a um certa e exigível dívida, sendo irrelevante para obstar aos seus efeitos o dissídio quanto ao modo de pagamento pelas partes anuído.

3. - As consequências normais da resolução – mútua restituição retroativa de tudo o que foi prestado: artºs 433º e 289º do CC - não são admissíveis se contrariarem a sua finalidade: justa composição dos interesses em presença; e, outrossim, por via de regra, nos contratos de execução continuada ou periódica – artº 434º do CC.

Decisão Texto Integral:



ACORDAM NO TRIBUNAL DA  RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

T (…), Lda., instaurou contra TT (…), Lda, ação declarativa, de condenação, com processo  comum.

Pediu:

1 – A resolução do contrato de compra e venda  referente à viatura pesada de passageiros matricula (...) RA, e a favor da A., sendo assim o  mesmo considerado totalmente sem qualquer efeito, devendo a Ré ser condenada à entrega da mesma viatura à A. no estado em que se encontra.

2 – A condenação da ré no pagamento da indemnização de € 97.369,49 (Noventa e sete mil trezentos e sessenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), por perdas e danos sofridos pela A., acrescido de juros legais vencidos contados a partir da citação.

3 – Condenação da ré a consentir na venda da viatura matrícula (...) RA, para pagamento da referida indemnização, ou outra fixada nos autos, e no mais que for devido, tudo nos termos do artº 18º nº 1 do Dec. Lei 54/75, uma vez que a A. é a titular do registo de reserva de propriedade.

Em alternativa (melhor diria: subsidiariamente) caso tal não se entenda:

A condenação da ré no reconhecimento da resolução do contrato, na entrega do veículo, e no consentimento da venda do mesmo acrescido do pagamento da restante parte do preço em dívida, referente ao preço do contrato no  montante total de € 27.668,12 (Vinte e sete mil seiscentos e sessenta e oito euros e doze cêntimos) sendo € 22.134,50 de capital e € 5.533,62 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e sessenta e dois cêntimos) de juros vencidos até 05/01/2017, desde Setembro de 2010, acrescido dos vincendos a partir da mesma data, calculados à taxa de juros legais (4%) até integral pagamento.

Para tanto, alegou:

Em 20-05-2006, vendeu à ré o veículo automóvel com a matrícula (...) RA, pelo preço de 96.800,00€, a que acresceu o valor de 10.000,00€ a título de encargos, tendo ambas acordado que após a entrada inicial de 35.000,00€ e descontado o valor dos serviços de transporte da requerente para a requerida, no valor de 2.900,50€, o remanescente do preço seria pago em 35 prestações mensais de 2.000,00€.

Ambas as partes acordaram a constituição de reserva de propriedade a favor da requerente, devidamente registada.

Em 24-01-2008, a requerida devia à requerente o montante de 48.974,51€, sendo que após essa data apenas pagou à requerente a importância de 23.000,00€, tendo-lhe igualmente pago em serviços de transporte o valor de 3.840,01€.

A A. interpelou a Ré em 11-10-2011, para que a mesma pagasse o valor do débito atrás referido em oito dias, ou seja até ao dia 19-10-2011, e a mesma apesar do referido prazo nada fez, e nada mais pagou ou quis pagar.

A ré contestou e reconveio.

Pediu a improcedência da acção, a condenação da autora no pagamento de 22.533,56 euros por prejuízo decorrente da apreensão do veículo e como litigante de má fé em multa e indemnização.

A autora replicou  pedindo a improcedência da reconvenção e mais impetrando a condenação da ré por má fé.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julgar a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, mais decide:

3.1.Absolver a Ré TT (…), Lda, da totalidade dos pedidos formulados pela Autora T (…)  Lda.;

3.2.Julgar improcedentes ambos os pedidos de condenação das partes como litigante de má-fé e consequentemente:

3.2.1. Absolver a Autora do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Ré; e

3.2.2. Absolver a Ré do pedido de condenação, em multa e indemnização, como litigante de má-fé, a esse título formulado pela Autora.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

No caso vertente.

Pretende  a autora   a alteração dos pontos 4 e 13 dos factos provados e o aditamento de mais três pontos factuais: 19, 20 e 21.

O teor da pretensão é o seguinte:

Ponto 4.

Do provado:

«Ambas(as partes) declararam ainda acordar que tal pagamento se faria em 35 prestações mensais, com início em julho de 2006, obrigando-se a autora a contratar serviços à ré naquele montante e a ré a prestá-los, autorizando-se mutuamente ambas as partes a descontarem o valor dos serviços de transporte de passageiros, que a ré realizasse após requisição.»

A provar:

« Ambas as partes declaram ainda acordar que tal pagamento se faria em 35 prestações mensais, com inicio em Julho de 2006, obrigando-se a autora a contratar serviços à Ré, e a Ré a prestá-los, autorizando-se mutuamente ambas as partes a descontar o valor dos serviços de transportes de passageiros, que a Ré realizasse após requisição planeada por parte da autora, esta a liquidar mensalmente através do valor dos serviços efectivados ou em dinheiro.»

Ponto 13.

Do provado:

«Por algumas vezes, a autora solicitou à ré a prestação de serviços de transporte de passageiros, tendo esta se mostrado indisponível para os realizar.»

A provar:

« A Autora solicitava semanalmente e mensalmente à Ré a prestação de serviços de transporte de passageiros a descontar no preço mensal do contrato, mostrando-se quase sempre a Ré indisponível para os realizar por não ter autocarro disponível , não responder ou não aceitar o preço »

Ponto 19:

«O preço do contrato acordado, deveria ser pago até 31 de Maio de 2009 .»

 Ponto 20:

«O valor do débito da Ré para com a A . decorrente do preço do contrato em Setembro de 2010 era de € 22.134,50 (vinte e dois mil cento e trinta e quatro euros e cinquenta cêntimos) valor a que acrescem os juros legais reclamados.»

Ponto 21:

«A A. dispendeu no transporte do autocarro referenciado nos autos o montante de € 569.49.»

O julgador fundamentou as respostas nos seguintes termos:

«Para prova dos factos 1 a 8, o Tribunal fundou-se na leitura e análise do teor do contrato de compra e venda junto a fls. 11 e ss., não oferecendo assim dúvidas quanto aos termos do contrato que as partes quiseram celebrar.

Quanto ao acordado referido no facto 7, ajudou a reforçar a convicção do Tribunal o teor do fax enviado pela Autora à Ré, constante de fls. 64 e ss…

Para prova dos factos 13 e 14, o Tribunal fundou-se no teor dos documentos de fls. 116 a 145 e fls. 152 e ss., conjugado com o teor das declarações do legal representante da Autora, (…), conjugados com o teor do depoimento da testemunha (…), colaboradores da autora, os quais relataram ao Tribunal ter chegado a contactar o legal representante da ré, no sentido de que esta procedesse à realização de serviços de transporte, referindo, em síntese, que o mesmo recusava o serviço, não concordando com os preços apresentados, sugerindo um preço mais elevado, depoimentos que foram considerados credíveis, uma vez que não foram detetados aspetos que pudessem minar ou comprometer a sua credibilidade.»

Já a recorrente pugna no sentido supra plasmado nas suas conclusões, essencialmente com base em interpretação díspare da prova produzida.

Foi apreciada a prova.

Perscrutemos.

Quanto ao ponto 4 a recorrente não tem razão.

O seu teor, na parte, impugnada – pagamento da totalidade do  remanescente  por serviços solicitados pela autora à ré - e como expressado na fundamentação do Julgador, dimana do próprio contrato firmado.

Efetivamente, na sua clausula I) é expressamente consignado que:

 « Como garantia do pagamento desta importância  (68.899,50 euros) … desde já a  primeira (outorgante autora) se obriga a contratar serviços da segunda (ré) naquele montante e a segunda se obriga a prestá-los…».

 Este  texto não deixa margem para  tergirversar.

Se as partes mal se expressaram, sibi imputet.

Mas tal não parece ser o caso, já que através da declaração  de fls. 63 vº a autora assume a responsabilidade pela movimentação das 35 letras aludidas na clausula j) do contrato e atinentes ao pagamento em causa, pois que este pagamento seria efectuado através da prestação de serviços por banda da ré.

Certo é que, atento o disposto no artº 9º nº2 do CC, não pode, perante a inequívocidade da letra do contrato e da declaração aludida, ser considerada outra interpretação.

Ademais, e por princípio, nem sequer poderiam tal texto e exégese serem infirmados por prova testemunhal – artº 392º e 393º do CC.

Aliás, a redacção dada pelo Sr. Juiz, é a mais consonante com o teor do ponto 7, o qual a autora não impugna.

Finalmente, esta pretensão mostra-se algo contraditória ou incongruente com a pretensão proposta para o ponto 13, para o qual a recorrente pretende se dê como provado que ela: «solicitava semanalmente e mensalmente à Ré a prestação de serviços de transporte de passageiros a descontar no preço mensal do contrato…».

O que demonstra que a sua pretensão nuclear era que o preço fosse pago pela prestação de  tais serviços.

A ré até poderá ter pago, em parte, em dinheiro. Mas, perante o contrato, não era obrigada a fazê-lo.

No atinente ao ponto 13.

A alteração pretendida mostra-se inócua.

Na verdade, a prova, pelo julgador, de que a autora, «algumas vezes» solicitou à ré a prestação de serviços de transporte, tendo esta se mostrado «indisponível» para os realizar, é o bastante para acobertar as várias hipóteses plausíveis da decisão jurídica, atento o modo como as partes delinearam o objecto da causa.

Porém, em  abono da verdade probatória e da preferência na concretização e discriminação das realidades probandas, há que convir que os documentos juntos aos autos e mencionados pela recorrente, provam que esta, bastas vezes,  pelo menos durante os anos de 2007 e 2009, e com uma periodicidade sensivelmente mensal, solicitou à ré a prestação dos serviços.

Destarte, a redacção que temos mais conforme à prova produzida é a seguinte:

Bastas vezes, e com uma periodicidade  sensivelmente mensal, a autora solicitava,  à Ré, pelo menos nos anos de 2007 a 2009, a prestação de serviços de transporte de passageiros a descontar no preço mensal do contrato, mostrando-se quase sempre a Ré indisponível para os realizar.

Quanto ao mais pretendido aditar.

O Ponto 19 é irrelevante ou inócuo.

É que já  resulta dos factos já dados como provados no ponto 6.

Se o pagamento das 35  prestações mensais se iniciava em julho de 2006, ele terminava em maio de 2009.

No atinente ao ponto 20.

Em janeiro de 2008 as partes  trocaram correspondência da qual se retira que a ré aceitou que tinha em dívida os valores de 23 mil euros, que pagou – cfr. facto 10 –, e de 25.974,51 euros – cfr.  docs. de fls.  64 e segs.

Mais de tais documentos dimana que a ré aceitou ter em dívida este último montante, pois que pediu para que ele fosse pago em serviços sem periodicidade mensal – fls. 66.

Está provado que desde fevereiro de 2008, data em que pagou os 23 mil euros, e até à presente data, a ré apenas prestou serviços à autora no valor de 3.840,01€, e, pelo menos desde 30-06-2010, não procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia nem à prestação de qualquer outro serviço.- factos 11 e 14.

E a ré não provou, como lhe competia – artº 342º nº2 do CC – ter pago qualquer valor a outro título, vg. em numerário.

Tem assim de concluir-se que ela, pelo menos desde aquela data de 30.06.2010, ficou em dívida para com a autora na quantia de  22.134,50 euros.

Pelo que este facto tem de ser dado como provado.

A referência aos juros é inadmissível, pois que tal é questão de direito, a dilucidar em sede de subsunção jurídica, e não de facto.

Finalmente o ponto 21.

Existe documento nos autos que prova ter a autora sido intimada a pagar a quantia invocada.

O documento não foi impugnado.

Tal facto deve, pois, ser dado como provado.

5.1.4.

Decorrentemente, e no parcial deferimento desta pretensão, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito os ora alterados/aditados.

1. Em 20 de maio de 2006, a Autora declarou vender e a Ré declarou comprar a viatura pesada de passageiros, com matrícula (...) RA, de marca (...) , pelo preço de 96.800,00€.

2. A esse preço acresceu o montante de 10.000,00€, a título de encargos e despesas de execução, pelo que o valor total que a requerida se obrigou a pagar à requerente era de 106.800,00€.

3. A autora e a ré declararam ainda acordar que o pagamento do preço, após a entrada inicial de 35.000,00€, seria em prestações mensais de 2.000,00€.

4. Ambas declararam ainda acordar que tal pagamento se faria em 35 prestações mensais, com início em julho de 2006, obrigando-se a autora a contratar serviços à ré naquele montante e a ré a prestá-los, autorizando-se mutuamente ambas as partes a descontarem o valor dos serviços de transporte de passageiros, que a ré realizasse após requisição

5. Na data do contrato, para além do valor da entrada inicial de 35.000,00€, declararam e acordaram ambas as partes proceder ao desconto ao valor total do valor dos serviços de transporte já prestados pela requerida à requerente no montante de 2.900,50€.

6. No contrato, as partes declararam e acordaram que o valor de 68.899,50€ seria pago em trinta e cinco prestações mensais, a partir de julho de 2006, sendo as primeiras trinta e quatro de 2.000,00€ e a trigésima quinta de 899,50€.

7. Ainda declararam e acordaram que, como garantia do pagamento dessa importância, a autora se obrigava a contratar serviços da ré naquele montante e a ré se obrigava a prestá-los, obrigando-se a autora a fazer um planeamento antecipado de, pelo menos, quinze dias, autorizando a ré a compensar o valor daqueles serviços no pagamento daquelas prestações.

8. Autora e ré declararam ainda acordar na constituição de reserva de propriedade do veículo de matrícula (...) RA, a favor da autora, tendo declarado acordar que a referida reserva se extinguiria no final do pagamento do preço.

9. Desde o dia 21 de maio de 2007 que se encontra registada na Conservatória do Registo Automóvel de (...) , a favor da Autora, reserva de propriedade sobre o veículo com a matrícula (...) RA.

10. Em fevereiro de 2008, a requerida procedeu ao pagamento à requerente, por conta do preço, da importância de 23.000,00€.

11. A partir dessa data e até à presente, a ré pagou à autora, através da prestação de serviços de transporte de passageiros realizados a pedido da autora, a importância global de 3.840,01€.

12. Em 11 de outubro de 2011, a autora enviou à ré uma notificação judicial avulsa, nos termos da qual lhe solicitou o pagamento do montante de 22.134,50€, no prazo de 8 dias a contar da data da notificação, sob pena de o contrato celebrado entre ambas se ter por resolvido.

13. Bastas vezes, e com uma periodicidade  sensivelmente mensal, a autora, pelo menos nos anos de 2007 a 2009, solicitava à Ré a prestação de serviços de transporte de passageiros a descontar no preço mensal do contrato, mostrando-se quase sempre a Ré indisponível para os realizar.

14. Desde, pelo menos, 30-06-2010, a ré não procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia, nem à prestação de qualquer outro serviço.

15. No procedimento cautelar apenso aos presentes autos (apenso A), em que era requerente a Autora, e requerida a Ré, por despacho proferido, em ata de 11-10-2016, foi julgado procedente o procedimento cautelar, e ordenada a apreensão da viatura referida no ponto 1 “supra”.

16. A viatura foi apreendida em 19-12-2016.

17. Após dedução de oposição pela aí requerida, foi proferido despacho final, a 10-02-2017, onde se julgou improcedente o procedimento cautelar, revogando-se a providência anteriormente decretada, determinando o levantamento da apreensão da referida viatura e do respetivo certificado.

18. … despacho que foi confirmado por decisão sumária proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2017.

19. A ré tem em dívida para com a autora,  pelo menos desde Setembro de 2010, a quantia de  22.134,50 euros.

20. A A. despendeu no transporte do autocarro referenciado nos autos o montante de € 569.49.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

O direito à resolução dum contrato, enquanto meio de extinção do vínculo contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado  - artigo 432º CC.

Assim, a parte que invoca o direito à resolução  fica obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.

Na verdade, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência, seja ele o incumprimento definitivo, propriamente dito, seja a conversão da mora em incumprimento definitivo.

Este incumprimento definitivo pode advir de uma impossibilidade de cumprimento (objetivo/naturalística ou subjetiva porque imputável a título de culpa ao devedor) – artº 801º do CC.

Ou advir  da transformação da simples mora em incumprimento definitivo, o que pode ocorrer por três vias:

a) convencer o credor da sua perda de interesse na prestação  ex vi da demora no cumprimento; ´

b) demonstrar que a prestação não foi efetivada no prazo razoável que, admonitoriamente, fixou ao devedor – artº 808º do CC;

c) provar que o devedor se recusou, absoluta, perentória e definitivamente, a cumprir.

Importando ainda reter que a simples emergência ou verificação dos fundamentos resolutivos do contrato não opera automaticamente no sentido de atribuir imediatamente jus ao direito à resolução.

Pois que esta: «além de pressupor o incumprimento definitivo de uma prestação contratual, exige a gravidade da violação, não sendo esta apreciada em função da culpa do devedor mas das consequências desse incumprimento para o credor. Não é, portanto, qualquer incumprimento, ainda que definitivo, que viabiliza a resolução»  - Ac do STJ de  18.12.2012, p. 5608/05.5TBVNG.P1.S1.

Assim, e desde logo no que concerne à impossibilidade de cumprimento, importa ter presente que a lei não se contenta apenas com uma mera dificuldade em se efetivar a prestação, exigindo uma efetiva, real e total não consecução da prestação.

No que tange à perda do interesse convém não descurar que ela não pode ser relevada apenas pela convicção ou perspetiva do credor, tendo antes de ser apreciada objetivamente, ie., em função da análise do homem médio, do homo prudens, sopesando-se v.g., a duração da mora e as suas consequências nocivas, o comportamento do devedor e o propósito do credor – nº2 do artº 808 – cfr. Acs. do STJ de 27.05.2010, p. 6882/03.7TVLSB.L1.S1, de 14.04.2011, p. 4074/05.0TBVFR.P1.S1.  e de 13.09.2012, p. 4339/07.6TVLSB.L1.S2, todos in dgsi.pt.

 Pois que: «Não basta que o credor afirme, mesmo convictamente, que a prestação já não lhe interessa para se considere que perdeu o interesse na prestação: há que ver, em face das circunstâncias, concretas e objectivas, se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas» - Ac. do STJ de 05.05.2005, p. 05B724.

No atinente ao cumprimento em prazo razoável,  urge  interiorizar que este prazo tem de ser fixado mediante uma interpelação admonitória.

Ou seja, o accipiens deve notificar o solvens concedendo-lhe um prazo razoável - ie.  adequado, porque ponderado à luz  da natureza, circunstancialismo e à  função do contrato, aos usos correntes e  aos ditames da boa  fé -,  porém final e preclusivo, para o cumprimento.

Na verdade a  interpelação admonitória a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 808º, contém e implica (i) a intimação para cumprimento, (ii) a fixação de um termo peremptório para esse cumprimento e (iii) a admonição ou a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo– cfr. Ac. do STJ de 22.11.2012, p. 98/11.6TVPRT.P1.S1.

Quanto aos efeitos da resolução: «na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico…»  -artº 433º do CC -  e «tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução» - artº 434º.

E, assim, «devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» - artº 289º.

5.2.2.

No casso vertente, e porque nos encontramos perante uma venda a prestações com reserva de propriedade, urge ainda chamar à colação, tal como clama a recorrente, o disposto no artº 934º do CC.

A saber:

« (Falta de pagamento de uma prestação)

Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.».

Este preceito é imperativo, não sendo admissível a resolução, mesmo que tal tenha sido convencionado, se o pagamento de uma prestação não ultrapassar a oitava parte da totalidade do preço.

Já se existir falta de pagamento de mais do que uma prestação, a resolução é possível, mesmo que o valor das mesmas não ultrapasse aquele limite – Cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, 2º, 174 e Lobo Xavier, RDES, 21º- 244.

Ou seja, se existir a falta de pagamento de uma prestação que ultrapasse  a oitava parte do preço ou a falta de pagamento de duas ou mais prestações, e independentemente do valor das mesmas, o direito à resolução surge imperativamente na esfera jurídica do vendedor.

Mas este direito  não opera automaticamente pela verificação da previsão legal, antes o vendedor  o devendo invocar e provar em função das regras gerais supra aludidas.

5.2.3.

O julgador não considerou estar presente qualquer fundamento legal alicerçante do invocado direito de resolução pela autora.

Expendeu, nomeadamente:

« Nos termos gerais, o incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objetivamente, o credor perca o interesse na prestação e quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor – a chamada interpelação admonitória (cfr. artº 808.º do Código Civil)…

No caso dos autos, é certo que em 11 de outubro de 2011, a autora enviou à ré uma notificação judicial avulsa, nos termos da qual lhe solicitou o pagamento do montante de 22.134,50€, no prazo de 8 dias a contar da data da notificação, sob pena de o contrato celebrado entre ambas se ter por resolvido (cfr. facto 12).

Contudo, a contraprestação a realizar pela ré, para cumprimento do contrato, não consiste exclusivamente, no pagamento do remanescente do preço, pois que, a contraprestação da ré, como vimos, tanto pode ser efetuada pelo pagamento em dinheiro, como pela prestação em espécie, de serviços de transportes rodoviários à autora.

O que no caso dos autos resultou provado (cfr. factos 13 e 14) foi que, por algumas vezes, a autora solicitou à ré a prestação de serviços de transporte de passageiros, tendo-se esta mostrado indisponível para os realizar, e que, desde, pelo menos, 30-06-2010, a ré não procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia, nem à prestação de qualquer outro serviço.

Contudo, esta factualidade, não permite, sem mais, concluir pela existência de uma impossibilidade definitiva do cumprimento.

Com efeito, não resultou demonstrado que a ré se recuse sempre a prestar serviços à autora. Na verdade como a própria o refere na petição inicial (art.º 13.º), e resultou igualmente provado, a ré pagou à autora, através da prestação de serviços de transporte de passageiros realizados a pedido da autora, a importância global de 3.840,01€ (cfr. facto 11).

É verdade que resultou provado que, desde, pelo menos, 30-06-2010, a ré não procedeu ao pagamento de qualquer outra quantia, nem à prestação de qualquer outro serviço (cfr. facto 14).

Porém, não resultou provado que, desde essa data, a autora haja sequer solicitado a prestação de serviços à ré e que esta, tenha desde então, se recusado consecutivamente a prestá-los.

Também, e pese embora haja resultado provado que a ré se tenha recusado a prestar alguns serviços …importa que, de acordo com o princípio da boa-fé contratual, a realização desses serviços dependa de um prévio acordo das partes, quanto à disponibilidade por parte da ré, e quanto ao preço acordado entre ambos…

Desta forma, a factualidade dada como provada não permite conclui nem pela mora do devedor, nem pela verificação do incumprimento definitivo e culposo, pela ré, da prestação a que está adstrita.

Face ao exposto, não se verificam os pressupostos legais da resolução legal do contrato (cfr. art.º 801.º, n.º 2 do CC), e consequentemente, do direito à entrega da viatura e ao recebimento do remanescente do preço em dívida, pela autora.

Por outro lado, inexistindo incumprimento definitivo e culposo por parte da ré, de igual forma não se mostram preenchidos os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de indemnizar, por parte da ré, com fundamento em responsabilidade contratual (cfr. art.º 798.º do CC).»

Sdr. não se chancela esta interpretação.

Provou-se que a  autora,  no largo lapso de tempo que medeou entre os anos de 2007 e 2009,  interpelou muitas vezes, com periodicidade sensivelmente mensal, ou seja, dezenas de vezes, a ré para prestar os serviços no sentido de pagar o preço conforme anuído.

E que a ré, quase sempre, se mostrou indisponível para tal.

Provada esta indisponibilidade, competia à ré provar a razão justificativa da mesma.

Na verdade, sobre a autora não impende o ónus de provar sub causas, ou causas de um facto  da ré tendencialmente ilícito na economia da relação contratual pelas partes gizada.

Por conseguinte, e versus o mencionado pelo julgador, mostra-se, quer perante o contratado, quer perante a boa fé, inadmissível o argumento  por ele invocado contra a demandante de que a disponibilidade da ré para prestar os serviços anuídos no contrato estaria dependente de «prévio acordo das partes, quanto à disponibilidade por parte da ré, e quanto ao preço acordado entre ambos…»

Pois se nem a ré neste sentido alega e prova!

Aqui chegados verifica-se que se provou ter a ré para com a autora, pelo menos desde Setembro de 2010 - mas que se indicia suficientemente que já vinha desde  2008, ano em que a ré a assumiu e pagou parcialmente -  uma dívida que ascendia a 22.134,50€.

Perante este débito a autora interpelou  admonitoriamente a ré para a solver.

O Sr. Juiz desvaloriza esta interpelação com o argumento que a dívida não era para ser paga  apenas em dinheiro mas em serviços, e que  a autora não provou que a ré se tenha sempre recusado a prestá-los e  ela própria os tenha sempre solicitado.

Desde logo, e pelo que supra se aludiu, esta interpretação assume-se - quer perante os termos do contrato quer perante a atuação com lealdade, lisura e boa fé que é exigível aos outorgantes de um negócio jurídico -, como demasiado «pesada» e onerosa para a demandante.

Efetivamente, atento  e sagazmente interpretado todo o circunstancialismo envolvente do caso,  tem de concluir-se que,  perante  tais termos e princípios, quem menos bem andou foi a demandada, a qual se indicia que, de um modo ou outro, se quis escapulir ao,  ou   protelar o, pagamento.

Depois e decisivamente, o argumento do julgador, de jure strictum, não colhe.

É que a interpelação é atinente e releva apenas em relação à dívida, que não ao seu modo de pagamento.

 Se a dívida existe, é exigível e não é paga, o credor tem, por via de regra, e independentemente do seu modo de pagamento, o direito de interpelar admonitória e perentóriamente o devedor para o seu pagamento.

O caso vertente é  tanto mais  frisante quanto é certo que o próprio julgador assumiu uma interpretação do contrato e dos factos apurados da qual concluiu  que o pagamento do preço tanto poderia ser feito  em serviços como em dinheiro.

Se assim é e se a dívida existia, como se provou, a interpelação admonitória efectivada, porque cumpridora dos legais requisitos, é válida e relevante.

Nesta conformidade e porque o valor da prestação em falta é superior à oitava parte do preço, à autora assiste jus à resolução do contrato.

5.2.4.

Como se viu, em princípio os efeitos  da resolução equiparam-se aos da nulidade ou anulabilidade,  tendo, pois, efeitos retroactivos e devendo ser restituído tudo o que foi prestado.

Porém, a lei admite exceções a esta regra.

A primeira, de cariz genérico, já supra se mencionou: o  jaez retroactivo fenece se contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução; ou seja, o normal e sempre pretendido fito da aplicação do direito alicerçada que seja em qualquer norma, figura ou instituto, a saber: a justa e equilibrada composição dos direitos e interesses em presença.

A segunda, de jaez mais  específico, vem consagrada no nº2 do artº 434º, o qual estatui:

«Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.»

O caso vertente quadra nestas duas exceções.

Por um lado, o contrato está parcialmente cumprido: a ré compradora tem fruído das utilidades do veículo e a autora vendedora já recebeu parte do preço.

Dado o natural desgaste, idade acrescida, e consequente desvalorização do autocarro, o seu valor actual é desconhecido.

Destarte, fazer retornar as partes ao statu quo inicial seria um tiro no escuro no sentido de se consecutir a justiça material do caso, o que, naturalmente, e como se aludiu, passaria por se atingir uma composição equilibrada dos interesses em causa, o que não se perspectivaria atentas as vicissitudes e complexidade da pretérita situação factual.

Por este motivo o caso cairia na previsão do artº 434º nº1 in fine.

Depois ele subsume-se outrossim na previsão do nº2.

Efetivamente, estamos perante um contrato de execução continuada ou periódica, pelo que a resolução – e sendo certo que não vislumbramos lastro factual que possa acolher a exceção prevista na segunda parte deste segmento normativo -  não abrange as prestações já efectuadas.

Ademais, porque a pretensão da autora deduzida ao abrigo do DL 54/75 – apreensão do veículo para venda –, foi indeferida por sentença transitada em julgado, a sua presente pretensão não tem,  pelo menos necessariamente, de ser perspectivada ao abrigo de tal compêndio legislativo e com as possíveis consequências daí advenientes e  substanciadas no pedido de entrega  a si do veículo para venda.

Nesta conformidade, resta o remanescente do seu pedido: condenação na parte do preço em falta e nas despesas de  transporte provados e  respectivos juros de mora.

E este pedido é de conceder, desde logo pela aplicação das regras gerais atinentes ao pontual cumprimento dos contratos, vg. ao pagamento pelo comprador  do preço anuído – vg. artº 406º, 762º e 879º do CC.

Relativamente aos juros de mora, eles, no  que tange à quantia em dívida do preço, são devidos desde 11.10.2011, data da interpelação – artº 805º nº1 do CC.

E no concernente às despesas se transporte, desde a citação na presente acção.

Procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - A parte não tem de provar sub causas ou causas de um facto praticado pela outra parte tendencialmente ilícito; pelo que, provado este, compete a quem o praticou justificá-lo.

II - A interpelação admonitória  tendente à resolução do contrato reporta-se apenas a um certa e exigível dívida, sendo irrelevante para obstar aos seus efeitos o dissídio quanto ao modo de pagamento pelas partes anuído.

III - As consequências normais da  resolução –  mútua restituição retroativa de tudo o que foi prestado: artºs 433º e 289º do CC - não são admissíveis se contrariarem a sua finalidade: justa composição dos interesses em presença; e, outrossim, por via de regra,  nos contratos de execução continuada ou periódica – artº 434º do CC.

7.

Deliberação.

Termos em que se julga o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, se condena a ré a apagar à autora a quantia de 22.134,50€, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, já vencidos, desde 11.10.2011, bem como o valor de € 569.49 acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação; e, sobre ambas as quantias, os juros  de mora vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2019.02.20.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos