Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1252/04.2TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
FORMA
NULIDADE POR FALTA DE REDUÇÃO A ESCRITO
ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL SOBRE O MONTANTE REMUNATÓRIO DO TRABALHADOR
Data do Acordão: 01/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 5º DA LEI Nº 28/98, E 115º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – Num contrato de trabalho desportivo, sujeito a forma escrita e a ser assinado por ambas as partes, é possível fazer prova testemunhal para determinar o montante da remuneração do trabalhador, na medida em que, no segmento contratual respectivo a exigência de redução a escrito do elemento remuneração constitui uma formalidade ad probationem.

II – Já quanto à prova da existência do contrato de trabalho desportivo ela não pode resultar de prova testemunhal, sendo nulo todo o contrato dessa natureza que não observe a forma escrita.

III – Porém, em matéria de contrato de trabalho os efeitos jurídicos do contrato nulo subsistem como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução – artº 115º do Código do Trabalho.

IV – Daí que a prova dos elementos do contrato nulo, enquanto tal, tenham de ser apurados para determinar os seus efeitos, não havendo limitações de prova a este respeito.

V –É hoje pacífica a possibilidade de reparação dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual, o que decorre do disposto no artº 798º do C. Civ., não havendo nenhuma razão para a limitar no caso de se tratar de contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra a ré a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que esta seja condenada: a) no pagamento das remunerações de base não pagas; b) no pagamento das retribuições suplementares compensatórias; c) no pagamento do subsídio de alimentação convencionado não pago; d) nos pagamento dos prémios de jogo pelas vitórias e conquista da taça de Aveiro; e) no pagamento de férias e subsídio de férias, bem como subsídio de Natal, referentes ao ano da sua contratação; f) no pagamento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal; g) no pagamento da indemnização por violação do direito a férias e por caducidade do contrato; h) no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais sofridos; i) no pagamento de juros de mora, dos encargos e honorários e, além de custas e procuradoria, bem como no pagamento de uma quantia diária de 300,00€ no caso de incumprimento pontual ou integral da sentença a proferir. Tudo num total de € 22.268,75.
Alegou para tanto, em síntese, como refere a sentença recorrida, que celebrou com a ré um contrato de trabalho desportivo, com concretas estipulações que alega, nomeadamente prémios e pagamento de despesas. Que tal contrato caducou em Junho de 2004, tendo ficou credor das remunerações, subsídios e prémios, cujo pagamento reclama. E que foi violado o seu direito a férias, tendo direito à compensação por caducidade do contrato e por danos não patrimoniais que descreve.

Após audiência de partes, notificada para o efeito, contestou a ré alegando, em resumo, que, ao contrário do que afirma o autor, não foi celebrado qualquer contrato de trabalho desportivo, mas que aquele era praticante amador. E que entre as partes não foi acordada qualquer remuneração, sendo certo que lhe pagou algumas quantias apenas a título de despesas de deslocação.
Concluiu, pedindo a improcedência da acção.

O autor deduziu resposta à contestação e reafirmou a celebração de um contrato, negando a sua qualidade de praticante amador, reafirmando as suas pretensões.
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Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-a do demais pedido, condenou a ré no pagamento ao autor da quantia de € 7.189,36, da qual € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais.

Inconformada, a ré interpôs a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões:
A) NULIDADE DA SENTENÇA
1- A douta sentença recorrida enferma, desde logo do vício da nulidade, porquanto a meritíssima juíza a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, violando o disposto na alínea d) do artigo 668º nº 1 do C.P.Civil, e invocou fundamentos que estão em oposição com a decisão proferida, violando assim, também, a douta sentença, o disposto na alínea c) do artigo 668° nº 1 C. P. Civil.
2- É da competência do Ministério Público determinar se existiu ou não acidente de trabalho e se dele resultou ou não incapacidade para o trabalhador - artigo 99º nº 1 e seguintes do C.P.Trabalho,
3- E já não em acção emergente de contrato de trabalho, como a que está em questão, além de que,
4- Tais acidentes de trabalho haviam sido participados ao Ministério Público pelo trabalhador, e não foram assumidos pela ré (n° 19 dos factos provados), pelo que,
5- A meritíssima juíza a quo ao dar como provados os factos descritos em 18º e 19º da douta sentença, condenando, a ré em danos morais por não cumprir com a prestação de cuidados de saúde para com o seu trabalhador,
6- Pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, violando, por tal, o artigo 668° nº 1 alínea d) do CP.Civil, o que determina a sua nulidade,
7- Resultou provado que o Autor participou dois acidentes de trabalho ao Ministério Público
8- Mas também que a Ré não assumiu ter responsabilidade em tais acidentes (factos descritos em 18° e 19°), pelo que,
9- Nunca a ré poderia ser condenada a pagar danos morais em resultado de acidentes de trabalho pelo qual não assumiu a sequer a caracterização dos mesmos como acidentes de trabalho, encontrando-se tal a ser averiguado pelo Ministério Público.
10- Assim, os fundamentos estão em oposição com a decisão proferida, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 668°, nº 1 alínea c) do C.P.Civil.
B) DA APELAÇÃO
1- A recorrente discorda do entendimento da douta decisão proferida, bem como da decisão da matéria de facto, com os quais não se conforma. Efectivamente,
2- Entende a recorrente que a matéria constante dos nºs 3 e da matéria de facto tida como apurada não poderia ter sido dada como provada.
3- O contrato de trabalho desportivo é um contrato formal, caracterizado como um contrato a termo, sendo a sua validade dependente, antes de mais, da sua redução a escrito. E,
4- Elemento essencial do contrato de trabalho de trabalho desportivo é a retribuição e deve constar obrigatoriamente do contrato de trabalho desportivo (art° 10° do Código de Trabalho e art° 4°, n° 1 alínea c) da LCTD, estando sujeita, por isso, à forma exigida para o contrato, sob pena de nulidade (artigo 220° do CC).
5- É verdade que a douta sentença recorrida deu como provado a existência de um contrato de trabalho desportivo,
6- Contrato este que não foi junto aos autos,
7- Pelo que, a retribuição de base mensal líquida de €600,00 da matéria dada como apurada, no seu nº 3, foi-o tendo em conta apenas e tão só a prova testemunhal.
8- E, não se desconhece os perigos que tal prova, por si só, é capaz de originar. Efectivamente,
9- O facto 3° dado como provado, apenas o poderia ter sido com base no próprio contrato de trabalho desportivo, por razões da forma prescrita para o mesmo,
10- Ou através de confissão, o que não foi,
11- Ou de documento ainda que menos solene do que o exigido para o contrato de trabalho.
12- Certo é que não existe nos autos qualquer prova escrita.
13- Por outro lado, o princípio da livre apreciação e admissibilidade dos meios probatórios (art° 655°, nº 1, do C. P. Civil), sofre o importante desvio fixado no nº2 desta norma: quando a lei exija, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada, da mesma forma que se terão por não escritas as respostas do julgador de facto sobre factos que só possam provar-se por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão das partes - art° 646º nº 4 do C. P. Civil
14- Por isso, sempre tal facto não poderia ter sido dado como provado, violando, por tal, o tribunal a quo, o disposto nos artigos 220° , 238° nº 1, 364°, 392° e 393° do Código Civil e 646° nº 4 e 655° do C. P.Civil,
15- Sempre tendo o tribunal a quo que alterar a matéria de facto dada como provada, dando como não escrito o facto constante da matéria apurada, com o nº 3, e, por tanto, não provado que na celebração do contrato as partes tenham convencionado uma remuneração de base mensal líquida de 600,00 euros, revogando-se a douta sentença proferida.
16- Entende a recorrente que, a possibilidade de reparação dos danos morais no direito do trabalho existe apenas quando o despedimento é declarado ilícito (artigo 436° nº 1 alínea a)) do Código de Trabalho. Ora,
17- Não é o caso da questão em apreço, uma vez que o contrato celebrado entre a recorrente e o recorrido foi julgado válido na douta sentença, pelo que,
18- Não era ao abrigo do direito do trabalho que o recorrido poderia ser ressarcido de danos não patrimoniais. Além de que,
19- É manifestamente excessivo o valor de € 2.000,00 atribuídos a título de danos não patrimoniais, sendo certo que a douta sentença recorrida considerou o salário de € 600,00 e da não prestação de cuidados de saúde, com o qual não se concorda.
20- Violou a decisão recorrida, pela forma descrita, o disposto nos artigos 220º, 238º nº 1, 364°, 392° e 393° do Código Civil, 646° nº 4 e 655°, 668º nº 1 alíneas d) e c) do C. P. Civil, 436º nº 1 do Código de Trabalho, 99º do C. P. Trabalho, determinando a sua nulidade.
Terminou pelo pedido de improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido.

O autor apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e pedindo a condenação da ré como litigante de má fé no pagamento de multa e de indemnização.
Veio ainda requerer a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 684°-A do Código de Processo Civil, afirmando fazê-lo a título subsidiário, caso o tribunal a quo não venha proceder à reforma da sentença nos termos que nele requerera, conhecendo este tribunal ad quem, do fundamento do decaimento, prevenindo assim, a necessidade da sua apreciação, a incidir, nomeadamente, sobre a não atribuição da compensação devida pela caducidade contratual, e sobre o desconto efectuado aos créditos laborais, das quantias recebidas a título de despesas de deslocação, bem como na nulidade da sentença (também a título subsidiário), pelo facto de o tribunal a quo não se haver pronunciado sobre a totalidade dos pedidos formulados na petição inicial pelo autor recorrido (pedido de condenação da ré recorrente “no pagamento dos encargos do processo a despender pelo autor em honorários e em despesas administrativas ao seu mandatário” em valor cuja liquidação se relegou para execução de sentença) e porque não se pronunciou sobre pedido de condenação da ré como litigante de má-fé.


Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.
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II- OS FACTOS:
Do despacho que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a factualidade que vem dada como provada:
1- No dia 15 de Julho de 2003, foi o autor contratado pela ré para desempenhar as funções de praticante desportivo de futebol, por conta e sob a autoridade, fiscalização e direcção da mesma, pelo período de uma época desportiva.
2- O autor obrigou-se a, durante a vigência do contrato, representar a ré como atleta de futebol e a integrar o plantel da sua equipa, mediante a respectiva retribuição acordada.
3- Na celebração do contrato as partes convencionaram uma remuneração de base mensal líquida de 600,00€.
4- A ré nunca facultou ao autor o duplicado do referido contrato individual de trabalho.
5- Em virtude da natureza e das exigências do trabalho prestado, o autor tinha por obrigação participar nas sessões regulares de treino, as quais decorriam semanalmente às terças, quartas, quintas e sextas-feiras, no horário compreendido entre as 19H00 e as 22H00, e acatar os métodos e disciplina nelas ditados.
6- O autor estava ainda sujeito, por convenção, à colaboração em estágios e em sessões de apuramento técnico, táctico e físico, bem como á presença nas provas e competições desportivas.
7- O autor tinha por obrigação deslocar-se ao local de treinos, às horas marcadas, quer no programa desportivo de base quer nas convocatórias, sob pena de sanção disciplinar.
8- No dia 6 de Junho de 2004, após a última jornada do campeonato, o contrato de trabalho desportivo que vinculava as partes caducou pelo decurso da época nele estipulado.
9- Durante a vigência do contrato, a ré nunca pagou a totalidade das remunerações, apesar de várias insistências por parte do autor.
10- A ré nunca pagou ao autor o subsídio de alimentação.
11- A ré obteve durante a época desportiva as seguintes vitórias:
- Na 1.ª jornada, contra o Mealhada;
- Na 11.ª jornada, contra o Aguinense;
- Na 12.ª jornada, contra o Mourisquense;
- Na 13.ª jornada, contra o São Roque;
- Na 15.ª jornada, contra o Oliveirinha;
- Na 16.ª jornada, contra o Alba;
- Na 16.ª jornada, contra o Pinheirense;
- Na 17.ª jornada, contra o Nogueirense;
- Na 19.ª jornada, contra o Pinheirense;
- Na 20.ª jornada, contra o Mealhada;
- Na 23.ª jornada, contra o Bustelo;
- Na 24.ª jornada, contra o Rio Meão;
- Na 25.ª jornada, contra o Calvão;
- Na 26.ª jornada, contra o Argoncilhe;
- Na 30.ª jornada, contra o Aguinense;
- Na 31.ª jornada, contra o Mourisquense;
- Na 32.ª jornada, contra o São Roque;
- Na 33.ª jornada, contra o Paivense;
- Na 34.ª jornada, contra o Oliveirinha;
- Na taça de Aveiro, contra o S.B. Gafanha;
- Na taça de Aveiro, contra o Fermentelos;
- Na taça de Aveiro, contra o Alba;
- Na taça de Aveiro, contra o Macinhatense;
- Na taça de Aveiro, contra o Avança;
- Na taça de Aveiro, contra o Cucujães e
- Na taça de Portugal, contra o Sertanense.
12- A ré não pagou ao autor as férias e respectivo subsídio relativamente ao ano da contratação.
13- A ré não pagou ao autor o subsídio de Natal relativamente ao ano da admissão.
14- A ré não pagou ao autor os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no ano da cessação do contrato.
15- A ré não pagou qualquer compensação pela caducidade contratual.
16- A ré sabia muito bem, até por imposição contratual, que o autor praticava a modalidade desportiva como profissão exclusiva, sendo a retribuição auferida o seu único sustento.
17- O autor teve de recorrer vezes sem conta á ajuda do irmão mais velho para fazer face ás suas despesas diárias, para promover a satisfação das suas necessidades mais básicas e evitar a acumulação de dívidas.
18- A ré nunca proporcionou ao autor os cuidados e o acompanhamento médico necessários, durante a vigência do contrato, nem antes nem depois dos acidentes de trabalho por si sofridos.
19- O autor, durante o tempo em que laborou por conta da ré, sofreu dois acidentes de trabalho, cuja responsabilidade jamais foi assumida por aquela, e os quais foram participados ao Ministério público para os devidos e legais efeitos.
20- Em consequência das violações, o autor sentiu-se revoltado e desamparado.
21- O autor adoeceu, vindo a sofrer de pesadelos, perturbações do sono, insónias, angústias, ansiedade, instabilidade emocional e depressão grave, entre outras sequelas.
22- Levando-o a socorrer-se, necessariamente, de ajuda especializada e de tratamento terapêutico e farmacológico.
23- Há muito tempo que o autor vive em Coimbra, fora da casa dos pais, relativamente aos quais é totalmente independente.
24- O autor enviou á ré, no dia 12 de Agosto de 2004, uma carta registada com aviso de recepção, na qual solicitava a liquidação das retribuições em dívida.
25- A ré comunicou a inscrição do autor à FPF em 22.08.2003, através do respectivo formulário entregue na Associação de Futebol de Aveiro.
26- Ao autor foi atribuída a licença n.º 558.778, que lhe permitia participar nos jogos de futebol.
27- O autor era estudante do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra no período de 22.08.03 a 6 de Junho de 2004.
28- A ré pagou ao autor, euros:
- 300, em 5.09.03;
- 341, em 10.10.03;
- 276, em 19.11.03;
- 260, em 23.12.03;
- 325, em 27.01.04;
- 350, em 27.02.04;
- 300, em 10.04.04 e
- 300, em 14.05.04.
29- de acordo com a Associação de Futebol de Aveiro e com o calendário de jogos por esta entregue à ré, a época de 2003/2004 iniciou-se em 31 de Agosto de 2003 e terminou em 6.06.2004.
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III. Direito
As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- se ocorre nulidade da sentença por violação do disposto nas alíneas c)e d) do artigo 668º nº 1 do C.P.Civil;
- se ocorre impossibilidade de atendimento da matéria constante do nºs 3 da matéria de facto (remuneração) porque considerada com base em prova testemunhal;
- se existe impossibilidade legal de reparação dos danos morais no direito do trabalho, quando não esteja em causa despedimento ilícito;
- se é manifestamente excessivo o valor de € 2.000,00 atribuídos a título de danos não patrimoniais;
Pela ordem, importará de seguida analisar a questão da ampliação do recurso formulada pelo recorrido.

1- A questão da nulidade da sentença.
Cumpre afirmar desde já que não existem as invocadas nulidades.
O Sr. Juiz a quo, quando tomou posição sobre a respectiva arguição, não as reconheceu e explicou muito bem porque o fez.
As nulidades invocadas seriam fundamentadas nas alíneas c) e d) do artigo 668.º, n.º 1 do CPC:
-porque a sentença considerou que o autor sofreu dois acidentes de trabalho, sendo da competência do Ministério Público determinar se existe ou não acidente de trabalho;
- porque houve pronúncia sobre questões de que não podia tomar conhecimento ao condenar-se a ré por danos morais por não cumprir as prestações de cuidados de saúde para o seu trabalhador e porque, também por isso, os fundamentos estão em oposição com a decisão proferida.
As normas invocadas estabelecem que a sentença é nula se houver oposição entre os fundamentos e a decisão (al. c)) e se o tribunal conheceu questão que não podia conhecer (al. d)).
Ora, na sentença o tribunal não conheceu de qualquer acidente de trabalho e, mesmo que o fizesse incidentalmente, para efeitos de apreciação de um pedido emergente de contrato de trabalho alheio às prestações reparatórias daquele, previstas na lei, não estaria impedido de o fazer.
Como referiu o Sr. Juiz, o tribunal apoiou-se em factos apurados em anterior decisão de facto (não objecto de qualquer reclamação) para considerar que, independentemente de lesões ou doenças do autor terem tido origem na execução do acordo laboral (nexo causal que não se provou, de resto), se justificava a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais (indemnização peticionada) porque “(...) teve de recorrer à ajuda de terceiros para a satisfação das suas necessidades mais básicas. E viu-se, o que é natural, emocionalmente instável e deprimido (...)”, em consequência da falta de pagamento das remunerações pela ré.
A decisão não está assim em oposição aos fundamentos que invoca, sendo certo que, como refere o mesmo Sr. Juiz, o “conhecimento dos danos morais não é questão impedida ao juiz; o contrário: no caso, não o fazer é que seria praticar a nulidade prevista no já citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d)”.
Assim, como começámos por dizer, não ocorrem as nulidades invocadas.

2- A questão da matéria de facto referente ao contrato de trabalho considerada com base em prova testemunhal.
A questão equacionada pela recorrente é a de saber se é possível o recurso a prova testemunhal para determinar o montante da remuneração em contrato de trabalho desportivo, sabendo-se que este está sujeito a forma escrita nos termos do disposto no artigo 5º da Lei nº 28/98.
A questão está desde há muito tratada na jurisprudência, para a hipótese de existência de documento escrito que concretize a forma legal prevista. A resposta, ao contrário do que a recorrente defende, é a de que é possível a prova testemunhal, na medida em que, no segmento contratual respectivo, a exigência de redução a escrito do elemento remuneração constitui uma formalidade ad probationem (v. por todos, com extensa e completa fundamentação, o Ac. do STJ de 25-06-2002, in www.dgsi.pt, proc. nº 01S3722).
Todavia, verdadeiramente, essa não é a questão dos autos, tendo as partes focalizado mal as suas alegações.
O que ali está em causa (e na jurisprudência que citaram) é do domínio de aplicação do artigo 394º do Código Civil (convenção contra o conteúdo de documentos ou além dele).
O que está em causa nos autos é a prova de todo o contrato de trabalho (de todos os seus elementos) na ausência de documento escrito que constitui a sua forma legal. Questão que é do domínio de aplicação do artigo 393º do Código Civil: “se a declaração negocial, por disposição de lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal”. Artigo 393º que, curiosamente, a recorrente alegou ter sido o violado, mas que depois desfocou nas suas alegações, ao reconduzi-las à situação do artigo 394º.
A questão, assim recolocada, acaba por ser bem simples.
Dispõe o n.º 2 do artigo 5º da LCTD:
1. O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito e assinado por ambas as partes, dele devendo constar:
a) A identificação das partes, incluindo a nacionalidade e a data de nascimento do praticante;
b) A actividade desportiva que o praticante se obriga a prestar;
c) O montante da retribuição;
d) A data do início de produção de efeitos do contrato;
e) O termo de vigência do contrato;
f) A data da celebração.
Assim, não restam dúvidas que o contrato de trabalho desportivo deve ser reduzido a escrito, sob pena de nulidade (artigo 220º do Código Civil) e a sua existência enquanto tal não pode ser provada por testemunhas.
Como referem Pires de Lima e A. Varela (in Código Civil Anotado, anotação ao artigo 393º), quando a declaração deva ser reduzida e escrito e não o seja, o acto é nulo sendo, até por isso, irrelevante qualquer espécie de prova.
Só que no caso dos autos, perante a inexistência de redução a escrito do acordo laboral, se impunha ir mais além, tal como a sentença recorrida concluiu.
Em matéria de contrato de trabalho, no que constitui uma especialidade em relação ao regime do direito civil, os efeitos jurídicos do contrato nulo subsistem como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução (assim era no domínio do artigo 15º do DL 49.408 e assim é, hoje, com o artigo 115º do Código do Trabalho).
Daí que a prova dos elementos do contrato nulo, enquanto tal, tenham que ser apurados para determinar os seus efeitos.
E, nesta dimensão precisa, não há as limitações de prova que para o “contrato válido” são impostas, como resulta bem evidente.
Por isso, a prova de todos os elementos do negócio laboral acordado podia ser efectuada, como foi, com recurso à prova testemunhal.
E foi justamente isso que se passou nos autos, tendo a sentença sob recurso concluído pela nulidade do contrato, pela inexistência de forma legal, retirando do acordo nulo os efeitos legais previstos no referido artigo 115º para o tempo da execução do contrato, como se este fosse válido.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso nesta parte.

3- A questão dos danos não patrimoniais.
Alegou a recorrente que a possibilidade de reparação dos danos morais no direito do trabalho existe apenas quando o despedimento é declarado ilícito (artigo 436° nº 1 alínea a)) do Código de Trabalho. Pelo que não sendo o caso, tal reparação não deveria ter sido concedida.
A sentença recorrida condenou a ré no pagamento de € 2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, em consequência da violação do dever de pagamento da retribuição.
Pode hoje considerar-se pacífica a possibilidade de reparação dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual. Efectuada pesquisa não encontramos nenhum aresto dos tribunais superiores que recuse essa possibilidade, incluindo no domínio do contrato de trabalho. Variadíssimos arestos da Secção Social do STJ consideram essa responsabilidade para o caso do incumprimento das obrigações (o mais recente encontrado é o Ac. STJ de 18-01-2006, in www.dgsi.pt, proc. 05S3223).
Tal decorre do disposto no artigo 798º do Código Civil, no âmbito da responsabilidade contratual do devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, não havendo nenhuma razão para a limitar no caso de se tratar de contrato de trabalho.
O art.º 496º, n.º 1, reconhece o ressarcibilidade dos danos não patrimoniais e, de um modo quase uniforme, a doutrina e a jurisprudência tem vindo a entender que essa ressarcibilidade também se aplica à responsabilidade civil contratual, apesar daquele artigo se encontrar inserido no capítulo da responsabilidade civil por factos ilícitos
Terá sido excessivo o valor fixado na sentença?
Socorrendo-nos do Acórdão atrás citado, importa referir que a indemnização por danos não patrimoniais não visa tanto ressarcir os prejuízos sofridos pelo lesado, atenta a natureza imaterial dos bens atingidos. Visa mais atribuir-lhe uma compensação que de algum modo faça minorar os danos sofridos. Ao contrário do que acontece com a indemnização por danos patrimoniais, não se destina a reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento causador do dano (art. 562º do Código Civil) nem se destina, nos casos em que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, n.º 1), a repor o património do lesado no nível em que se encontraria se não fora a lesão praticada (art. 566º).
Como consta do n.º 1 do art. 496.º do Código Civil, a reparação é restrita aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A lei, por outro lado, não estabelece critérios normativos para o cálculo da indemnização. O n.º 3 do art. 496º estabelece que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º.
Dito isto, o montante da indemnização fixado (€ 2.000,00) está ajustado às devidas regras do bom senso, prudência e da justa medida das coisas.
Durante quase um ano a ré nunca pagou a totalidade das remunerações, apesar de várias insistências por parte do autor. Este tinha a retribuição como seu único sustento. Por isso teve de recorrer vezes sem conta á ajuda do irmão mais velho para fazer face ás suas despesas diárias, para promover a satisfação das suas necessidades mais básicas e evitar a acumulação de dívidas. O autor sentiu-se revoltado e desamparado.
O incumprimento da obrigação é evidente (120º al. b) do Código do Trabalho), culposo (799º do Código Civil) e intenso pelo largo lapso de tempo em que se manifestou.
A gravidade dos danos assinalados merece sem dúvida a tutela do direito. Como se refere na sentença recorrida “o autor cumpria e a ré incumpria, quase só beneficiava. É legítimo, por isso, que o autor receba uma quantia que o compense dessa realidade”.
A quantia de € 5.000,00 peticionada pelo autor, perante o padrão seguido pela jurisprudência, é excessiva. Mas, no critério explicitado na sentença, ponderando o tempo de duração contratual, a situação pessoal do autor que a ré não podia desconhecer, é equilibrada a indemnização fixada de € 2.000,00. Menos do que isso, de nada serviria a indemnização para o efeito de compensação pretendido.
Improcedem, pois, na totalidade as conclusões do recurso, tendo este de improceder.

4- A ampliação do recurso formulada pelo recorrido.
Como se disse o autor, nas suas contra-alegações veio requerer a ampliação do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 684°-A do Código de Processo Civil, afirmando fazê-lo a título subsidiário, caso o tribunal a quo não venha proceder à reforma da sentença nos termos que nele requerera.
Depois de proferida a sentença, o autor veio efectivamente requerer a reforma da sentença, ao abrigo do artigo 669.º, n. º2, alínea a) do C.P.Civil.
O tribunal recorrido considerou, no entanto, que como o n.º 3 do artigo 669º impõe que “cabendo recurso da decisão (...) - o requerimento de reforma - é feito na própria alegação”, condicionando a lei o modo de requerer a reforma à abstracta possibilidade de recurso e não à concreta decisão de recorrer, então, como a sentença admitia recurso e o autor não recorreu, não podia apreciar o requerimento de reforma, pelo que o não fez.
Este despacho não foi impugnado.
Também por via da ampliação do recurso, o autor não pode lograr a apreciação das questões que colocou.
A ampliação do recurso, prevista no artigo 684º-A, destina-se a permitir que o tribunal de recurso possa conhecer de fundamento da acção não considerado na sentença recorrida, no caso em que determinado pedido tenha pluralidade de fundamentos e, por força do recurso, o fundamento acolhido naquela sentença venha a ser considerado improcedente. Por exemplo, se numa acção de despejo o autor invoca várias causas de resolução e a sentença que o venha a decretar só considera uma delas, então convirá que o autor (vencedor), no caso de recurso, proceda à ampliação às outras causas prevenindo a necessidade da sua apreciação se decair na que foi antes considerada como suficiente.
No caso dos autos, a ampliação do recurso não reúne aqueles pressupostos. Nela está em causa a não atribuição da compensação devida pela caducidade contratual e o desconto efectuado aos créditos laborais, das quantias recebidas a título de despesas de deslocação. Ora, a recorrente não atacou a sentença nessa parte, pelo que o autor não decairia nunca nos fundamentos da mesma parte, nem se pode dizer que nela houvesse pluralidade de fundamentos.
O mesmo se diga quanto à questão da nulidade da sentença, já que o nº 2 do artigo 684º-A prescreve esta possibilidade de ampliação, apenas a título subsidiário, para o caso de procedência das questões do recurso. Ora, como vimos, o recurso não procede.
Todas as questões colocadas pelo autor poderiam ser apreciadas se tivesse interposto recurso subordinado (trata-se de questões em que a sentença não lhe foi favorável), nos termos do artigo 682º do C.P.Civil. Não o fez e, como se viu, a opção pela via da ampliação do recurso não é a própria.
Por isso, não conhecemos da matéria da ampliação.

Resta, por último, a questão do pedido de condenação do réu como litigante de má fé.
O autor formulou esse pedido de condenação na 1ª instância.
A sentença não atendeu esse pedido e não foi devidamente atacada, por isso, por via de recurso.
Não deverá, assim, esta Relação pronunciar-se sobre a eventual litigância de má fé manifestada no decurso do processo naquela instância.
Já no que toca ao comportamento processual nesta instância de recurso, cumpre dizer que o comportamento litigante da recorrente não merece tão elevada censura.
O autor alega que as alegações se enquadram na litigância de má fé porquanto nelas se invocam nulidades em vão, argumentos contraditórios, citando jurisprudência indevida, desvirtuando a mesma. Digamos antes que o réu produziu alegações que improcedem, mas que de nenhuma forma se podem enquadrar nos exigentes critérios do artigo 456º do C.P.Civil, designadamente no seu nº 2 al. a), sob pena de se limitar excessivamente o direito de defesa, condenando como litigante de má fé quem esgrime com argumentos que acabam por simplesmente não ser aceites (o que depende sempre das perspectivas jurídicas, que são muitas, como se sabe…).
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III- DECISÃO
Termos em que, concluindo, se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da apelante.