Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1192/09.9TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
HIPOTECA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
REVERSÃO FISCAL
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 868, N.º 4.º DO CPC; ARTIGO 686.º ; 822.º DO CC: ARTIGO 108.º(ACTUAL 116.º) DO CÓDIGO DO IRC; ARTIGOS 18.º, N.º 3; 20.º E 22.º DA LGT (LEI GERAL TRIBUTÁRIA) ;
Sumário: 1. A responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária e efectiva-se por reversão no processo de execução fiscal.

2. O património do responsável subsidiário só pode responder perante dívidas que tenham sido objecto de reversão e não por todas as demais do devedor originário.

3. Relativamente aos bens do responsável subsidiário, que apenas cumpre uma garantia de carácter pessoal, não podem recair os privilégios creditórios, previstos no artigo 108.º do CIRC (actual 116.º), gozando o Fisco apenas e tão só do direito de se pagar pelos bens de tal responsável, em caso de insuficiência do património do devedor originário, mas sem qualquer tratamento preferencial, relativamente aos demais credores do devedor subsidiário.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

            Por apenso aos autos de execução comum n.º 1192/09.9TBTNV, que A....., move contra B....., C....., D.....e E....., veio A..... reclamar o crédito de € 76.015,07 (setenta e seis mil e quinze euros e sete cêntimos), em virtude de ser dona e legítima portadora de três livranças, uma no montante de € 7.317,85 (sete mil trezentos e dezassete euros e oitenta e cinco cêntimos), outra no montante de € 7.323,20 (sete mil trezentos e vinte e três euros e vinte cêntimos) e por fim, uma livrança no montante de € 60.701,71 (sessenta mil, setecentos e um euros e setenta e um cêntimos), todas com vencimento em 1 de Setembro de 2009 e subscritas pela Reclamada,D….e avalizada pelos Reclamados, B..... e C....., a primeira como caução do empréstimo nº 57048530266, concedido pelo desconto de efeito, na conta à ordem nº 40139160863, que lhe foi autorizada e concedida em 12 de Dezembro de 2008, a segunda como caução do empréstimo nº 57048780159, concedido pelo desconto de efeito, na conta à ordem nº 40139160863, que lhe foi autorizada e concedida em 18 de Dezembro de 2008 e a terceira como caução do empréstimo nº 59060008922, que lhe foi concedido em 14 de Julho de 2008. Apresentadas a pagamento as livranças não foram pagas, encontrando-se em dívida a quantia de €76.015,07, tendo a reclamante, em 6 de Outubro de 2009, intentado acção executiva contra os aqui requeridos, que corre seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Torres Novas, com o número 1191/09.0TBTNV, no âmbito da qual foram penhorados o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...; o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... e o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo 12, da secção D.

A fls. 84 seguintes veio A..... reclamar o crédito de € 16.268,04, proveniente de contrato de abertura de crédito com hipoteca de capital e acessórios até ao montante de 6.212.500$00, que celebrou com B..... e C....., através de escritura pública de 07-10-1993, tendo, em 27-04-1999 efectuado uma ampliação do crédito com hipoteca de capital e acessórios até ao montante de 2.100.000$00 (€10.474,76), para garantia dos quais B..... e C..... constituíram hipoteca a favor da reclamante sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... e sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ....

A fls. 120 e seguintes o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, reclama o pagamento do montante global de €46.882,77, referente a IRC do ano de 2008, sendo €42.816,35 a título de imposto e €4.066,42 a título de juros.

           

Na execução a que os presentes autos estão apensos, encontram-se penhorados os seguintes prédios, propriedade dos executados B.....e C….:

a) Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (ap. 2919 de 25-02-2010, 14:16:09 UTC)

b) Prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (ap. 2919 de 25-02-2010, 14:18:51 UTC)

c) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo 12, da secção D (ap. 2930, de 2010/02/25, 14:16:09 UTC).

O crédito da A..... no valor de € 16.268,04, reclamado a fls. 84 e seguintes encontra-se garantido por hipoteca voluntária, registada na Conservatória do Registo Predial pela inscrição Ap. 6, de 1993/08/04 e Ap. 4 de 1999/05/06 sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... e Ap. de 1993/08/04 e Ap. 4 de 1999/05/06 sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ....

O crédito da A..... no valor de € 76.015,07 encontra-se garantido por penhora registada sob o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (Ap. 2930 de 2010/02/25, 14:18:51 UTC); o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (2930 de 25-02-2010, 16:18:15 UTC) e o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ..., da secção D (Ap. 2930 de 2010/02/25, 14:18:51 UTC).

Foi dado cumprimento ao disposto no art. 866° do CPC, não tendo havido qualquer impugnação aos créditos reclamados, pelo que, ao abrigo do art. 868°, n° 4, daquele Código, foram os mesmos considerados como reconhecidos.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, esta, depois de proceder ao saneamento tabelar dos autos, entendeu estar já de posse de todos os elementos que lhe possibilitavam a decisão do pleito, o que fez, tendo reconhecido e graduado os créditos reclamados da seguinte forma (cf. sentença de fl.s 168 a 174):

“VI - Pelo exposto, e em conformidade com as supra referidas disposições legais, decide-se:

Julgar reconhecidos os créditos reclamados, graduando-os, nos termos seguintes:

a) Relativamente ao prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...

Em 1º lugar: o crédito reclamado por A..... no valor de € 16.268,04.

Em 2º lugar: o crédito reclamado pelo Ministério Público.

Em 3º lugar: o crédito exequendo.

Em 4.º lugar: o crédito reclamado por A..... no valor de € 76.015,07.

b) Relativamente ao prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...

Em 1º lugar: o crédito reclamado por A..... no valor de € 16.268,04.

Em 2º lugar: o crédito reclamado pelo Ministério Público.

Em 3º lugar: o crédito exequendo.

Em 4.º lugar: o crédito reclamado por A..... no valor de € 76.015,07.

c) Relativamente ao prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ..., da secção D

Em 1º lugar: o crédito reclamado pelo Ministério Público.

Em 2.º lugar: o crédito exequendo.

Em 3.º lugar: o crédito reclamado por A..... no valor de € 76.015,07.

*

Custas do concurso de credores a cargo do executado, saindo precípuas do produto da venda do bem penhorado.”.

Inconformada com a decisão proferida, dela interpôs recurso a reclamante “A…..”, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos de apenso de reclamação de créditos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 210), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

I - Nos autos de execução 1192/09.9TBTNV, a ora recorrente, C ... do Ribatejo Norte, Crl, figura como exequente, sendo o valor do quantia exequenda, 671.998,11 €, encontrando-se penhorados, o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (ap. 2919 de 25-02-2010, 14:16:09 UTC); o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (ap. 2919 de 25-02-2010, 14:18:51 UTC) e o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ..., da secção D (ap. 2930, de 2010/02/25, 14:16:09 UTC).

II - Por apenso aos autos de execução comum n.º 1192/09.9TBTNV, a ora Recorrente, C... do Ribatejo Norte, Crl, reclamou o crédito garantido de € 16.268,04 ( dezasseis mil duzentos e sessenta e oito euros e quatro cêntimos);

III - Por apenso aos autos de execução comum n.º 1192/09.9TBTNV, a ora Recorrente, A….., reclamou o crédito de € 76.015,07 (setenta e seis mil e quinze euros e sete cêntimos);

IV - O valor de € 16.268,04, reclamado pela ora Recorrente, encontra-se garantido por hipoteca voluntária, registada na Conservatória do Registo Predial pela inscrição Ap. 6, de 1993/08/04 e Ap. 4 de 1999/05/06 sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... e Ap. de 1993/08/04 e Ap. 4 de 1999/05/06 sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ....

V - O valor de € 76.015,07 encontra-se garantido por penhora registada, no âmbito do processo 1191/09.0TBTNV, que corre seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Torres Novas, sob o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (Ap. 2930 de 2010/02/25, 14:18:51 UTC); o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o nº ..., da freguesia de Riachos, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (2930 de 25-02-2010, 16:18:15 UTC) e o prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº ..., da freguesia da Golegã, inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o artigo ..., da secção D (Ap. 2930 de 2010/02/25, 14:18:51 UTC).

VI - O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, reclamou no âmbito dos presentes autos, o pagamento do montante global de € 46.882,77, referente a IRC do ano de 2008, sendo € 42.816,35 a título de imposto e € 4.066,42 a título de juros de mora;

No entanto,

VII- B..... e C..... são responsáveis subsidiários pelo pagamento do valor de 42.816,35 €, referente ao IRC do ano de 2008, assim como são responsáveis subsidiários pelo pagamento do valor de 4.066,42 €, referente aos juros de mora.

VIII - A Fazenda Nacional, nem registou qualquer penhora referente aos seus créditos, na

Conservatória do Registo Predial.

IX - Em caso de Reversão, não podem ser reclamados créditos garantidos exclusivamente por privilégios: está-se perante uma garantia de carácter pessoal e não de carácter real, ou seja, os privilégios creditórios previstos no artigo 116º do CIRC não podem recair sobre os bens dos responsáveis subsidiários, B..... e C......

Pelo que,

X - A responsabilidade que têm no cumprimento das dívidas do devedor principal ou originário, dívidas que não são suas, não confere ao credor Fazenda Nacional, a faculdade de ser pago com preferência a outros credores;

XI - E, neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Outubro de 2011, no processo 0571/11, in www.dgsi.pt/jsta.nsf/.../0f32fa6f07a28e4b802579340045f9b7?...1

«(…) A responsabilidade subsidiária apenas confere ao credor o direito de se pagar pelos bens do responsável caso o património do devedor originário se revele insuficiente e não o direito de se pagar preferencialmente sobre os demais credores.

II A inexistência de direito de preferência impede que os bens do responsável subsidiário possam ser objecto de privilégios creditórios, pois para o credor essa responsabilidade afigura-se como uma garantia pessoal e não como causa legal de preferência.

III Deste modo, deve proceder-se a uma interpretação restritiva da expressão normativa «sujeito passivo» constante dos artigos 111º do CIRS e no artigo 116º da CIRC, limitando-a aos sujeitos passivos originários ou aos devedores principais, sobre cujo património se constituíram os privilégios(…)»

Assim,

XII - A garantia hipotecária conferida ao credor reclamante prevalece sobre o crédito reclamado pela Fazenda Nacional

Bem como,

XIII O crédito exequendo de 671.998,11€ e o crédito reclamado pela da Caixa de Crédito Agrícola no valor de 76.015,07 €, ambos garantidos por penhora, prevalecem sobre o crédito reclamado da Fazenda Nacional, porque não podem abranger os bens dos responsáveis subsidiários, sobre quem reverteu a execução fiscal.

XIV - A sentença recorrida encontra-se ferida de ilegalidade.

XV - A sentença recorrida viola o Princípio da Prioridade do Registo- consagrado no artigo 6º do Código do Registo Predial-, ao considerar irrelevante a existência da penhora constituída a favor da Recorrente, concedendo preferência à Fazenda Nacional, sem qualquer registo a seu favor

XVI- Ao decidir como decidiu o M.mo Juiz a quo coarctou o direito da Recorrente de ver o seu crédito, devidamente registado.

XVII- Por tudo quanto até aqui se expôs entende-se, salvo melhor opinião, que deverá o presente recurso obter merecimento, devendo a decisão tomada, ser revogada e em consequência ser substituída aquela sentença por outra, que gradue os créditos reclamados da seguinte forma:

Em 1º lugar: o crédito reclamado da A…… no valor de 16.268,04 €

Em 2º lugar: o crédito exequendo.

Em 3º lugar: o crédito reclamado da A….. no valor de 76.015,07 €.

Em 4º lugar: o crédito da Fazenda Nacional reclamado pelo Ministério Público

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se em caso de reversão fiscal podem ou não ser reclamados créditos garantidos exclusivamente por privilégios creditórios, ou seja, se estes podem recair preferentemente sobre os bens dos responsáveis subsidiários.

            Os factos a ter em consideração para a apreciação e decisão desta questão, são os que constam do relatório que antecede.

Passando à apreciação e decisão da questão de saber se em caso de reversão fiscal podem ou não ser reclamados créditos garantidos exclusivamente por privilégios creditórios, ou seja, se estes podem recair preferentemente sobre os bens dos responsáveis subsidiários, importa averiguar qual a natureza dos créditos reclamados e efeitos que dos mesmos decorrem sobre a execução de que os presentes autos são apenso.

Não foi colocada em crise a parte da sentença recorrida em que se reconheceram os demais créditos reclamados, apenas restando averiguar se, relativamente ao reclamado pelo MP qual o lugar (graduação) que lhe compete em confronto com os restantes, designadamente, se deve ceder perante a totalidade dos créditos reclamados pela ora recorrente.

Foram penhorados três prédios rústicos (imóveis) pertença dos executados B.....e C…..

O crédito da recorrente, no montante de 16.268,04 €, encontra-se garantido pela acima referida hipoteca voluntária e o exequendo, bem como o crédito da recorrente, no montante de 76.015,07 €, apenas gozam da garantia resultante das penhoras de que beneficiam, sendo que a do crédito exequendo é a mais antiga (e relativamente a esta questão, não foi colocada em crise a sentença recorrida).

O crédito reclamado pelo MP respeita a IRC.

Nos termos do disposto no 686.º, n.º 1, do CC, a hipoteca confere ao seu beneficiário o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, com preferência sobre os demais reclamantes, que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

Prevalece entre as penhoras a da anterioridade do respectivo registo como decorre do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al.s h) e n), 5.º e 6.º do Código de Registo Predial.

Por outro lado, nos termos do artigo 822.º CC, o credor adquire o direito de ser pago com preferência a qualquer outro que não tenha garantia real anterior.

Assim, até porque não objecto de recurso, nada a alterar quanto a todos os créditos reclamados, com excepção do reclamado pelo MP, que constitui o objecto deste recurso.

Quanto a este, resulta o mesmo respeita ao Tributo de IRC referente ao ano de 2008, no montante de 42.816,35 € e respectivos juros de mora, no montante de 4.066,42 €.

Pelo pagamento do IRC relativo aos últimos três anos, cf. artigo 108.º do Código de IRC (ora, artigo 116.º, em face da alteração que a este Código foi introduzida pelo DL 159/2009, de 13/7), goza a Fazenda Nacional de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente.

Como é bom de ver, o IRC não dera devido, em primeira linha, pelos executados B.....e Isabel Maria, que apenas por ele poderiam responder a título subsidiário, através da reversão fiscal.

Como refere José Cabalta Nabais, in Direito Fiscal, 4.ª edição, Almedina, a pág.s 259 e seg.s a respeito do sujeito passivo lato sensu ou das titularidades passivas em sede da relação jurídica fiscal, distinguem-se as figuras do contribuinte, devedor de imposto e sujeito passivo da relação jurídica fiscal.

Ali acrescentando, a fl.s 261 que se “Em sentido estrito, o devedor de imposto limitar-se-ia ao chamado devedor principal ou originário, aquele em relação ao qual o Fisco exige, em princípio ou em primeira linha, a satisfação do crédito de imposto. Todavia, num sentido mais amplo, o devedor de imposto abrange também os chamados devedores indirectos, derivados ou acessórios, aos quais o Fisco exige excepcionalmente ou em segunda linha o crédito de imposto.”.

Do que decorre existir entre estes obrigados ao pagamento de impostos, uma solidariedade tributária, da qual decorre que o credor de imposto pode exigir o cumprimento da obrigação integral da dívida tributária tanto ao devedor como ao responsável ou responsáveis, cf. autor e ob. cit., a pág.s 278 e 279.

Acrescentando, a pág. 280 que a responsabilidade tributária, é de acordo com o disposto nos artigos 22.º e 23.º da LGT e 159.º e 160.º do CPPT, por via de regra subsidiária face ao devedor originário, sem embargo de diferentes relações, quanto a tal, em caso de pluralidade de responsáveis tributários.

Efectivamente, de acordo com o disposto nos artigos 18.º, n.º 3; 20.º e 22.º da LGT, prevê-se que o responsável tributário tanto pode ser “directo” como “substituto”, “originário” ou “não originário”.

Daqui decorre, pois, que, no âmbito da responsabilidade tributária, o responsável subsidiário é configurado como sujeito passivo responsável pelo pagamento de uma dívida fiscal que, originariamente, não lhe incumbia satisfazer (nos termos consagrados no artigo 22.º, n.º 3 da LGT, pode ter que assumir “a responsabilidade tributária por dívidas de outrem”).

Ou seja, a lei fiscal, nos termos aí expressamente previstos, com base em certos circunstancialismos de facto que se verificam entre as diversas categorias de obrigados, alarga o círculo de sujeitos a quem pode exigir o pagamento de impostos, daí a denominação de devedores directos e indirectos, originários e substitutos, a que acima já se aludiu.

No entanto, como decorre do disposto no artigo 22.º, n.º 3, da LGT, a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária e como se estipula no seu artigo 24.º, n.º 1, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão no processo de execução fiscal, nos termos e condições previstos nos n.os 2 a 5, deste preceito.

E só em tal caso é que, cf. artigo 159.º do CPPT é que a execução reverterá contra os responsáveis subsidiários.

Ora, compulsando as certidões juntas de fl.s 124 a 127 e 129 a 132, relativamente ao mencionado e reclamado Tributo de IRC e respectivos juros de mora, não consta (contrariamente quanto às demais dívidas aí referidas) que tenha havido despacho de reversão de tais dívidas relativamente aos devedores C.....e B…..

Dos preceitos ora referidos, decorre, pois, que o património do responsável subsidiário só pode responder perante dívidas que tenham sido objecto de reversão e não por todas as demais do devedor originário.

Do que decorre que, por ausência da demonstração de decisão de reversão quanto ao tributo de IRC para os devedores subsidiários, não pudesse o crédito reclamado pelo MP ser reconhecido.

No entanto, como, nesta parte, a decisão recorrida transitou em julgado, é o mesmo de reconhecer, apenas nos incumbindo proceder à sua graduação em confronto com os demais.

E no que a esta questão concerne, seguindo o decidido no Acórdão do STA, de 19/10/2001, Processo 0571/11, disponível in http://www.dgsi.pt/jsta, (citado pela recorrente), considerando que, nos termos do disposto nos artigos 22.º a 24.º da LGT, apenas resulta para os devedores subsidiários uma garantia de pagamento com vista a assegurar as obrigações tributárias da sociedade, de natureza ou carácter pessoal, não oponível erga omnes, pelo que, como ali se refere, da responsabilidade dos devedores subsidiários em cumprir a obrigação tributária que, em primeira linha, incumbia à empresa “…não resulta que o credor tributário fica com o direito de se fazer pagar, de preferência a quaisquer outros credores, pelo valor ou rendimento dos bens daqueles responsáveis”.

Ali se acrescentando que:

“o responsável fica pessoalmente obrigado perante o Fisco ao cumprimento da obrigação tributária da empresa que gere. Tal responsabilidade não se traduz, porém, na afectação dos seus bens ao pagamento preferencial dos créditos tributários. A responsabilidade tributária apenas confere ao credor o direito de se pagar pelos bens do responsável caso o património do devedor originário se revele insuficiente e não o direito de se pagar preferencialmente sobre os demais credores.”.

Daqui decorre que, relativamente aos bens do responsável subsidiário, que apenas cumpre uma garantia de carácter pessoal, não podem recair os privilégios creditórios, então, previstos no artigo 108.º do CIRC (hoje, 116.º), gozando o Fisco apenas e tão só do direito de se pagar pelos bens de tal responsável, em caso de insuficiência do património do devedor originário, mas sem qualquer tratamento preferencial, relativamente aos demais credores do devedor subsidiário.

Assim, como pugnado pela recorrente, o crédito reclamado pelo MP, deve ser graduado, relativamente, a todos e cada um dos prédios penhorados, em último lugar, por, nos termos expostos, não gozar de qualquer privilégio ou direito preferencial, relativamente aos demais reconhecidos.

Consequentemente, procede o presente recurso.

            Nestes termos se decide:       

Julgar procedente a apelação deduzida, em função do que se altera a decisão recorrida, no que concerne ao crédito reclamado pela Fazenda Nacional, que, ora se gradua em último lugar, relativamente a todos e cada um dos prédios penhorados e mantendo-a quanto ao mais.

Sem custas, (dado que seriam a cargo da Fazenda Nacional, representada pelo MP, que delas está isenta – cf. artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CCJ).

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves