Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/15.1GTVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: AMEAÇA
TIPO OBJECTIVO
MAL IMINENTE
MAL FUTURO
Data do Acordão: 02/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – JUIZ 2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 153.º DO CP
Sumário: A expressão, dirigida a dois Agentes da GNR no exercício de funções, “Se ninguém vos mata, mato-vos eu”, desacompanhada de qualquer acção, gesto ou atitude que pronunciasse a aproximação da execução do mal anunciado, não pode haver-se como iminente por contraposição a futura, sendo, por conseguinte, idónea à verificação do tipo do crime de ameaça previsto no artigo 153.º do CP.
Decisão Texto Integral:








Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum (singular) n.º 11/15.1GTVIS do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Viseu – JL Criminal – Juiz 2, mediante acusação pública, foram os arguidos A... e B... , ambos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, sendo então imputada à arguida a prática, em autoria material, de dois crimes de injúria agravados e dois crimes de ameaça agravada, p. e p. respetivamente pelos artigos 181º, n.º 1 e 184.º, com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l) e 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea c), todos do C. Penal.

2. Realizada a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual vieram a ser homologadas as desistências de queixa relativamente aos crimes de injúria e, em consequência, nessa parte, julgado extinto o procedimento criminal, por sentença de 15.05.2017, o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]:

Pelo exposto, na procedência da acusação, decide-se:

[…]

II – Condenar a arguida B... , pela prática, em autoria material, de dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1, c) do Código Penal, na pena por cada um desses crimes de 1 (um) ano de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão.

[…].

3. Inconformada com a decisão recorreu a arguida B... , formulando as seguintes conclusões:

Inaplicabilidade do Crime de Ameaça

A) Salvo o sempre devido respeito, a sentença recorrida viola o artigo 153º do C.P. porquanto integrou na previsão da norma uma conduta que a não preenche.

B) A ameaça tem como requisito que o mal ameaçado não possa ser iminente, mas tenha que ser um mal futuro dependente apenas da vontade ou resolução do ameaçador.

Assim,

C) As expressões constantes do ponto 5 do Acórdão, “Mando-vos umas pedras para cima que vos tiro daqui”, “Se for preciso tiro-vos daqui com a caçadeira”, e, subsequentemente, “Se ninguém vos mata, mato-vos eu”, são expressões de absoluto presente e não admite qualquer interpretação de ameaça para o futuro.

D) Têm manifestamente um carácter temporal iminente.

E) Para que se preencha o tipo legal de crime de ameaça, a ameaça, não pode ser iminente, pois que neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal.

F) As expressões supra referidas foram proferidas pela arguida, num determinado contexto, para “afastar” ou “espantar” daquele local, no imediato, os agentes de autoridade que estariam á espera do seu companheiro, o aqui também arguido A... , que se tinha refugiado em casa eximindo-se, assim, ao cumprimento das ordens emanadas pelos agentes da GNR e á realização do teste de alcoolemia – cfr ponto 7 e 8 do Acórdão recorrido.

G) Aliás, as expressões “..tiro daqui..” e “.. tiro-vos daqui..” são expressões que representam indubitavelmente o imediato, o agora, o presente.

Assim,

H) Todas as supracitadas expressões foram proferidas pela arguida no âmbito de um específico e determinado contexto explanado nos pontos 7 e 8 do Acórdão recorrido e que tinham como único e exclusivo objetivo e intuito o “afastamento” imediato dos Agentes da GNR daquele local (“daqui”) de modo a não “perturbarem” mais o seu companheiro e arguido A... .

I) Constituem, pois, um anúncio de um mal atual, iminente, contra a integridade física dos agentes, que começaria e acabaria ali, integrando caso se concretizasse o crime respetivo, sem que, em qualquer dos casos, o mal anunciado se projetasse na liberdade de decisão e de ação futura dos agentes.

J) É também este o entendimento da doutrina e da jurisprudência em geral, o que se pode aferir, por exemplo dos seguintes acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 17/11/2004, 28/05/2008, de 28/11/2007 e de 25/01/2006.

K) Perante as expressões que o Tribunal considerou como provadas, e analisadas rigorosamente e no contexto em que foram proferidas, não estamos perante um mal futuro que gere insegurança, intranquilidade ou medo nos agentes da GNR, de modo a condicionar as suas decisões e movimentos dali em diante.

L) Tanto mais que sendo autoridades policiais estão habituados a enfrentar este tipo de situações no dia-a-dia e lidar com eles, não se amedrontando perante tais expressões, ainda para mais proferidas por uma mulher.

M) Deste modo e por não se verificar o preenchimento de todos os elementos do tipo de ilícito, falta um dos pressupostos legais para que efetivamente se possa afirmar que foi praticado um crime de ameaça, devendo em consequência ser a arguida absolvida da prática do crime de que vem acusada.

N) Há um erro notório na apreciação da prova.

O) Assim, foram violados os artigos 153 nº 1 e 155º nº 1 c) do C.P e 410º 1 c) do CPP.

Violação do artigo 44º nº 2 al. d) e e) do CP

P) Nos termos do artigo 44, nº 1 e 2 d) e e) do CP se a pena de prisão aplicada não for superior a 2 anos esta poderá ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, quando se verifiquem, á data da condenação, circunstâncias de natureza pessoal ou familiar do condenado que desaconselhem a privação da liberdade em estabelecimento prisional, nomeadamente, a existência de menor a seu cargo (al. d)) ou a existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado (al. e)).

Q) Ora, salvo o sempre devido respeito, o Tribunal fez tábua rasa de todo o circunstancialismo constante dos pontos 21, 22, 24, 25, 27, 30, 31, 32, 34, 46, 49 e 51 do Acórdão recorrido que expõe, de forma dramática, uma situação humana e social miserabilista da arguida e do seu agregado familiar, a exigir uma atenção especial por parte da sociedade e do Tribunal, mas que este desconsiderou, relativizou e, inexplicavelmente, absteve-se de o integrar na disposição “humana” constante do artigo 44º do CP.

Como resulta da matéria dada como provada:

R) A arguida tem quatro filhos menores de 17, 15, 12 e 5 anos de idade (ponto 22).

S) O companheiro da arguida encontra-se presentemente a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional x... (ponto 21)

T) O agregado familiar da arguida é composto pela própria, sendo que atualmente o seu companheiro encontra-se recluso no EP x... , pelos 4 filhos menores do casal, pelo companheiro da filha de 15 anos e pelo enteado de 18 anos de idade (ponto 24).

U) Os filhos mais novos frequentam o sistema de ensino (ponto 25).

V) A filha mais velha sofre de doença genética que lhe afetou a locomoção, razão pela qual se desloca em cadeira de rodas elétrica (ponto 27).

W) A situação económica é descrita como difícil, face ao elevado número de elementos, tendo como único rendimento a prestação de RSI, cerca de €500,00 mensais e 0 montante referente aos abonos de família (ponto 30).

X) A arguida não desenvolve atualmente qualquer atividade laboral nem mesmo de forma irregular, verbalizando não ter condições para se ausentar de casa durante muito tempo, dada a dependência em que a filha mais velha se encontra face à prestação de cuidados de saúde (ponto 31).

Y) Relativamente à dinâmica de relacionamento intrafamiliar, existe um clima de coesão e de apoio que lhe tem permitido ultrapassar algumas das dificuldades com que a família se tem deparado (ponto 32).

Z) A arguida descreve a relação com o companheiro como gratificante e isenta de conflitos (ponto 33).

AA) Visita o companheiro semanalmente, sempre que possível, e na companhia dos filhos (ponto 34).

BB) Não existem indícios de consumos de produtos estupefacientes elou consumos abusivos de álcool (ponto 36).

CC) A arguida sempre revelou capacidade de liderança a nível familiar, sendo ela quem orienta a casa e o quotidiano da vida dos filhos, nomeadamente da filha mais velha portadora de doença genética degenerativa, manifesta numa progressiva paralisia muscular, com reflexos na capacidade respiratória e locomotora (desloca-se em cadeira de rodas e necessita de apoio/ supervisão permanente) (ponto 46).

DD) O relacionamento conjugal e familiar será isento de conflitos, sendo de destacar a existência de laços afetivos e forte coesão entre o casal nos cuidados prestados aos filhos, nomeadamente à filha deficiente (ponto 49).

EE) A arguida B... continua a assumir a supervisão da família, sendo descrita como uma pessoa organizada pelas Técnicas da Segurança Social de t... (ponto 51).

FF) Como resulta da Acórdão recorrido, a arguida é o esteio da família, é a figura de que os 4 filhos menores estão dependentes económica, familiar e socialmente.

GG) Com o pai preso no E.P. x... , é a arguida a matriarca, a mãe e o pai dos quatro filhos menores, sendo a ela que cabe sustentar e manter a família unida e intacta.

HH) Como resulta dos pontos 27, 31, 46 e 49 a filha mais velha é portadora de doença genética degenerativa, manifesta numa progressiva paralisia muscular e encontra-se totalmente dependente da arguida, que é quem, desde sempre, trata e cuida dela, nomeadamente, alimentando-a, lavando-a ou transportando-a.

II) A arguida é o pilar e assume o papel dominante em toda a estrutura familiar e condenando-a a prisão em estabelecimento prisional seria o mesmo que condenar, isso sim, quatro crianças menores inocentes (uma das quais deficiente e desamparada) a uma vida retalhada, órfã, de miséria económica, social e sobretudo humana, com todas as consequências nefastas que aí advêm para as crianças.

JJ) Estaríamos perante uma TRAGÉDIA HUMANA.

KK) Em termos humanos e humanitários, o Tribunal devia ter acionado o artigo 44º do CP.

Medida da Pena

LL) A pena de prisão de um ano e sete meses a que a ora recorrente foi condenada, é manifestamente desajustada e exagerada.

MM) Apesar das condenações a foi condenada anteriormente, a ora condenação peca por excessiva em face das circunstâncias específicas supra referidas e as circunstâncias atenuantes aplicáveis ao caso concreto.

NN) Pelo que, considerando todo o quadro circunstancial supra exposto e dado como provado pelo Acórdão recorrido, deverá a medida concreta da pena de prisão ser reduzida e suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50º, nº 1 do CP.

OO) Mesmo que entendam, que a arguida deva cumprir uma pena privativa da liberdade efetiva, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre se dirá que, a pena a que vier a ser condenada a final, não sendo superior a 2 anos, deverá necessariamente ser enquadrada no disposto do artigo 44º do CP, nos termos já supra expostos.

PP) Violou assim o Douto Acórdão o art. 40º, nº 1 e 2, 44º, 71º e 50º, todos do CP.

Assim fazendo.

Vªs. Exªs. e como sempre, farão justiça.

4. O recurso foi admitido com efeito suspensivo.

5. Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: a sentença proferida é insuscetível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade pelo que deverá ser confirmada e, em consequência, ser negado provimento ao recurso interposto pela arguida.

6. Remetidos os autos à Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.

7. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP a recorrente não reagiu.

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

De acordo com as conclusões, através das quais - sem prejuízo das questões de natureza oficiosa - se delimitam os poderes cognitivos do tribunal de recurso, importa decidir se (i) Errou o tribunal na qualificação jurídico-penal dos factos; (ii) Carece de adequação, por excessiva, a pena única aplicada, a qual sempre deveria ter sido suspensa na sua execução ou, assim não se entendendo, substituída no termos do artigo 44.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e e) do C. Penal na versão em vigor à data da prática dos factos.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:

Factos provados:

1. No dia 19 de Janeiro de 2015, pela 01h e 45m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, Y... , na Estrada Nacional 16, na rotunda de Ribeira de Mide, Viseu, área da mesma comarca, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer licença que o habilitasse a conduzir o referido automóvel na via pública.

2. Ao ser-lhe dada ordem de paragem pelos Agentes da GNR, designadamente pelos Guardas Principais C... e D... do efetivo do Destacamento de Trânsito do Posto Territorial de Viseu, o arguido não parou, virou bruscamente à direita (sentido Viseu – São Pedro do Sul) e imobilizou o veículo no interior de uma propriedade privada.

3. Os Agentes da GNR dirigiram-se ao automóvel de onde viram o arguido sair cambaleante, tendo nessa altura sido advertido de que deveria apresentar os documentos do veículo, os seus documentos de identificação e a carta de condução e submeter-se ao teste de pesquisa de álcool no sangue, caso contrário incorreria na prática de um crime de desobediência.

4. O arguido nada disse e seguidamente dirigiu-se à sua habitação onde ficou, sem dar qualquer tipo de explicação.

5. Nesse entretanto, enquanto os Agentes esperavam pelo arguido A... , apareceram no local vários residentes, entre os quais a arguida B... que se lhes dirigiu, dizendo:

-“ Filhos da puta!” – “Cambada de merda!” - “Chulos!” – (sic);

- “Desapareçam daqui” – “Não deixam dormir ninguém” – “Mando-vos umas pedras para cima que vos tiro daqui” (sic);

-“Gatunos” – “Merdosos” – “Se for preciso tiro-vos daqui com a caçadeira” – “Vão para o caralho” – “Se ninguém vos mata, mato-vos eu” (sic).

6. O arguido A... , sabia que o local onde conduziu era público e sabia que para aí conduzir o veículo supramencionado, tinha de ser titular de carta de condução ou de outra licença equivalente, não obstante conduziu nas circunstâncias supra referidas.

7. Posteriormente, o arguido recusou-se a cumprir a ordem de paragem dada pelos Agentes enquanto conduzia o veículo, imobilizando-o apenas ao pé da sua residência, local onde se recusou a facultar os documentos de identificação e os do veículo, bem como, a efetuar exame para pesquisa de álcool no sangue.

8. Ao refugiar-se em casa, sem daí mais sair, o arguido quis eximir-se, como eximiu, ao cumprimento das ordens emanadas pelos Agentes da GNR, e à realização do teste de alcoolemia, com consciência de que ao assim atuar estava a incumprir a lei e a ir contra a advertência feita pela patrulha da GNR.

9. O arguido A... agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua descrita conduta era proibida e punida por lei Penal e contraordenacional.

10. Por sua vez, a arguida B... , ao dirigir-se aos Guardas Principais C... e D... do efetivo do Destacamento de Trânsito do Posto Territorial de Viseu da forma supramencionada, quis e conseguiu, através das expressões que propalou em sua direção, proferir contra eles expressões e juízos de valor depreciativos da sua honra e consideração profissional e pessoal.

11. Com tais expressões, C... e D... do efetivo do Destacamento de Trânsito do Posto Territorial de Viseu ficaram assustados e perturbados na sua segurança, bem como afetados na sua liberdade, uma vez que ficaram convencidos que a arguida B... concretizaria os factos que anunciava, desde que se proporcionasse ocasião para tanto.

12. A arguida B... sabia que a sua conduta era adequada a provocar medo nos ofendidos C... e D... do efetivo do Destacamento de Trânsito do Posto Territorial de Viseu, efeito que representou e quis.

13. A arguida B... agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era punida por Lei Penal.

Quanto aos antecedentes criminais provou-se que:

14. A arguida B... tem as seguintes condenações:

14.1. Por sentença proferida em 12.3.1999, no âmbito do P.C.S. nº 478/99 (a que posteriormente foi atribuído o nº 1642/98.8TBVIS), do extinto 2º Juízo Criminal de Viseu, foi condenada pela prática, em 26.12.95, de um crime de ameaças, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 700$00 ou 20 dias de prisão subsidiária, já declarada extinta pelo cumprimento;

14.2. Por sentença proferida em 10.2.2003, transitada em julgado em 10.03.2003, no âmbito do P.C.S. nº 1328/00.5PBVIS, do extinto 2º Juízo Criminal de Viseu, foi condenada pela prática, em 22.12.2000, de um crime de falsificação de documento, na pena de 100 dias multa, à taxa diária de 5 Euros, já declarada extinta pelo cumprimento;

14.3. Por sentença proferida em 18.1.2006, transitada em julgado em 1.03.2006, no âmbito do P.C.S. nº 59/04.1FBAVR, do 1º Juízo do Tribunal de Anadia, foi condenada pela prática, em 15.08.2004, de um crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, na pena de 325 Euros de multa, já declarada extinta pelo cumprimento;

14.4. Por sentença proferida em 4.10.2007, transitada em julgado em 9.11.2007, no âmbito do P.C.S. nº 847/02.3TAVIS, do extinto 2º Juízo Criminal de Viseu, foi condenada pela prática, em 8.04.1998, de um crime de falsificação de estado civil e dois crimes de burla simples, na pena única de 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa, à taxa diária de 7 Euros, já declarada extinta pelo cumprimento;

14.5. Por acórdão proferido em 19.11.2008, transitado em julgado em 15.12.2008, no âmbito do P.C.C. nº 162/06.3GCVIS, do extinto 1º Juízo Criminal de Viseu, foi condenada pela prática, em 2006, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por 1 ano e 3 meses, já declarada extinta pelo cumprimento;

14.7. Por sentença proferida em 3.10.2014, transitada em julgado em 4.11.2014, no âmbito do P.C.S. nº 451/11.5TAMGL, do Juízo Criminal – Juiz 2 - de Viseu, foi condenada pela prática, em 25.11.2011, de três crimes de coação agravada, na forma tentada, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.

15. O arguido A... tem as seguintes condenações:

Quanto aos antecedentes contraordenacionais do arguido provou-se que:

[…]

Quanto às condições pessoais e socioeconómicas provou-se que:

17. A arguida B... pertence a um conjunto dos nove filhos de um casal de etnia cigana, sendo que a mesma foi educada de acordo com os valores próprios da sua etnicidade, guardando recordações positivas da sua infância, não obstante as dificuldades socioeconómicas da família.

18. Os pais dedicavam-se ao comércio ambulante, atividade que a arguida também exercia para auxiliar os pais.

19. Ingressou na escolaridade em idade própria, tendo apenas concluído o 4º ano de escolaridade.

20. Já em adulta ainda frequentou alguns cursos de formação profissional, no âmbito das obrigações do Programa do Rendimento Social de Inserção, mas nunca exerceu qualquer atividade profissional regular.

21. Aos 20 anos constituiu agregado autónomo, estabelecendo união de facto com o arguido A... , também de etnia cigana, que se encontra presentemente a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional x... .

22. O casal tem quatro filhos de 17, 15, 12 e 5 anos de idade.

23. A arguida, encontra-se a cumprir uma pena de prisão suspensa na sua execução, com regime de prova, manifestando ao longo da execução de tal medida probatória, dificuldades em interiorizar a ilicitude dos comportamentos pelos quais foi condenada e as consequências dos mesmos.

24. O agregado familiar da arguida é composto pela própria, sendo que atualmente o seu companheiro encontra-se recluso no EP x... , pelos filhos do casal, pelo companheiro da filha de 15 anos e pelo enteado de 18 anos de idade, estes dois também com confrontos com o sistema de justiça.

25. Os filhos mais novos frequentam o sistema de ensino.

26. A filha de 15 anos abandonou a escola quando tinha 14 anos pois “casou”, de acordo com os princípios da etnia cigana, sendo já mãe de um menino de oito meses.

27. A filha mais velha sofre de doença genética que lhe afetou a locomoção, razão pela qual se desloca em cadeira de rodas elétrica.

28. A família sempre residiu numa das barracas que integravam um aglomerado, onde residiam outras famílias da mesma etnia, sem condições de habitabilidade.

29. Em inícios do passado mês de Dezembro as barracas foram demolidas, tendo sido atribuída ao agregado uma habitação num dos bairros sociais da cidade, bairro esse com problemáticas socias significativas ao nível da criminalidade e marginalidade.

30. A situação económica é descrita como difícil, face ao elevado número de elementos, tendo como único rendimento a prestação de RSI, cerca de €500,00 mensais e o montante referente aos abonos de família.

31. A arguida não desenvolve atualmente qualquer atividade laboral nem mesmo de forma irregular, verbalizando não ter condições para se ausentar de casa durante muito tempo, dada a dependência em que a filha mais velha se encontra face à prestação de cuidados de saúde.

32. Relativamente à dinâmica de relacionamento intrafamiliar, existe um clima de coesão e de apoio que lhe tem permitido ultrapassar algumas das dificuldades com que a família se tem deparado.

33. A arguida descreve a relação com o companheiro como gratificante e isenta de conflitos.

34. Visita o companheiro semanalmente, sempre que possível, e na companhia dos filhos.

35. Em termos pessoais, revelou, em sede de entrevista, ser uma pessoa com um normal contacto pessoal, tendo sido correta, ainda que se tenha mostrado algo evasiva aquando da abordagem da sua história criminal.

36. Não existem indícios de consumos de produtos estupefacientes e/ou consumos abusivos de álcool.

37. O arguido A... procede de uma família de etnia cigana, constituída pelos pais e uma numerosa fratria de 13 elementos.

38. Os pais eram feirantes e a família vivia em condições económicas precárias, nem sempre as necessidades básicas eram asseguradas.

39. O percurso escolar ficou marcado pela desmotivação, absentismo e falta de aproveitamento, fruto também da desvalorização das atividades escolares por parte dos pais tendo abandonado a escola sem completar o 1º ciclo.

40. Retomou os estudos na anterior reclusão, tendo completado o 2º ciclo no Estabelecimento Prisional x... .

41. Desde muito cedo passou a ajudar os pais no comércio a retalho nas feiras, atividade a que continuou a dedicar-se.

42. Aos 15 anos juntou-se com uma companheira de etnia cigana também muito jovem, de quem teve um filho.

43. Ambos eram muito imaturos e apenas viveram juntos um ano.

44. O filho foi criado pelos avós paternos e apenas integrou o agregado do pai há cerca de seis anos.

45. O referido arguido mantém desde os 17 anos relação marital com a atual companheira, a arguida B... , dois anos mais velha, de quem tem quatro filhos, nos termos já acima referidos.

46. Esta sempre revelou capacidade de liderança a nível familiar, sendo ela quem orienta a casa e o quotidiano da vida dos filhos, nomeadamente da filha mais velha portadora de doença genética degenerativa, manifesta numa progressiva paralisia muscular, com reflexos na capacidade respiratória e locomotora (desloca-se em cadeira de rodas e necessita de apoio/supervisão permanente).

47. O seu companheiro, o arguido A... , esteve envolvido no consumo de estupefacientes, num primeiro momento em 1999/2000, e mais tarde em 2005/06, porém, segundo o próprio e a arguida, apenas esteve dependente por curtos períodos de tempo, tendo conseguido ultrapassar esses hábitos, sendo que o mesmo já esteve anteriormente preso: preventivamente em 2003, entre Abril e Novembro 2007 passando nessa data a regime de permanência com vigilância eletrónica até Abril 2008; entre Fevereiro 2009 e Abril 2012 altura em lhe foi concedida a adaptação à liberdade condicional com vigilância eletrónica, sendo que entre 22/08/12 e 02/04/2015 cumpriu o período de liberdade condicional durante o qual voltou a envolver-se na prática de ilícitos, tendo sido novamente preso em 18/11/2015.

48. À data dos imputados factos o arguido residia com a companheira e os cinco filhos de idades compreendidas entre os 19 e os 7 anos de idade.

49. O relacionamento conjugal e familiar será isento de conflitos, sendo de destacar a existência de laços afetivos e forte coesão entre o casal nos cuidados prestados aos filhos, nomeadamente à filha deficiente.

50. O agregado conta atualmente com mais dois elementos: o companheiro de uma das filhas do arguido e o filho bebé deste casal, nos termos já acima assinalados.

51. A arguida B... continua a assumir a supervisão da família, sendo descrita como uma pessoa organizada pelas Técnicas da Segurança Social de t... .

52. A família vivia à data no z... , numa habitação abarracada com fracas condições de habitabilidade, pela qual não pagavam renda já que aguardava demolição.

53. No passado mês de Dezembro foram realojados pela Câmara de t... para o Bairro w... , situação que está a ser vivenciada com ambivalência pela família, já que apesar da casa ter melhores condições e espaço (T4) está situada numa zona problemática para a qual não queriam mudar.

54. Têm subsistido da prestação do Rendimento de Inserção Social na ordem dos 500€/mês e cerca de 300€ de abonos de família.

55. O arguido até ser preso ia trabalhando com a mulher (que, entretanto, tirou a carta de condução) no comércio em feiras, e, por vezes, também fazia recolha de sucata com outros familiares, contudo as receitas destas atividades eram pouco significativas e a situação económica do agregado era deficitária, segundo avaliação do próprio.

56. Apesar da intenção manifestada à data em que saiu em liberdade no sentido de se habilitar com a carta de condução tal não veio a suceder, segundo refere por ausência de meios económicos.

57. À data dos imputados factos o arguido A... encontrava-se em Liberdade Condicional, em acompanhamento na Equipa da DGRSP v... , com quem mantinha articulação regular, sendo educado na relação interpessoal, embora adotando uma atitude algo passiva na procura de um projeto de vida mais enquadrado, sobretudo em termos laborais.

58. No dia-a-dia procurava dar uma imagem de ajustamento social e de cumprimento de regras o que nem sempre correspondia à realidade, sendo que a DGRSP apenas conseguia ter conhecimento da existência de novos processos através das entidades policiais ou judiciais e não pelo próprio arguido.

59. A sua imagem social na comunidade continuou associada ao envolvimento em ilícitos, alguns deles contra pessoas.

60. O arguido encontra-se em cumprimento de pena de prisão desde 18/11/2015, encontrando-se no EPR x... desde 26/02/2016, onde está a manter um comportamento correto.

61. Frequenta um curso de educação/formação de adultos que lhe dará habilitação de 3º ciclo.

62. Recebe visitas frequentes da mulher e filhos.


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Factos não provados:

Da prova produzida em audiência não resultaram factos dados como não provados.


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Convicção do Tribunal:

O tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração crítica da prova produzida e examinada em audiência, conjugada com a prova documental junta aos autos, e com as regras da experiência.

Cumpre desde logo aqui dizer que o julgamento decorreu na presença de ambos os arguidos, os quais prestaram declarações sobre os factos que lhe eram imputados, salientando-se, no entanto, que o arguido A... apenas quis prestar declarações, após a prestação das declarações da arguida B... e do depoimento da testemunha C... , agente da GNR, tendo o mesmo confessado integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, sendo que a arguida B... , confessou, de igual modo, integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados na acusação, e pese embora a mesma tenha inicialmente referido que era ela quem ia a conduzir o veículo em questão, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, e não o seu companheiro – o arguido A... – o certo é que, acabou depois por admitir, em sede de declarações complementares – em face do depoimento da dita testemunha C... e das declarações prestadas pelo arguido - que mentiu nesta parte, com vista a proteger o seu companheiro, acabando por admitir que era o arguido quem conduzia o veículo em questão.

Assim, e no que concerne aos factos dados provados nos pontos 1 a 13, teve-se em consideração, as declarações de ambos os arguidos, na parte em que admitiram e confessaram tais factos dados como provados, sendo que tais declarações foram ainda conjugadas com o depoimento da testemunha C... , agente da GNR, que depôs de forma isenta e credível e esclareceu o modo como ocorreram os factos, bem com o teor do auto de notícia de fls. 3 a 5, e informações de fls. 60, 61 e 99.

Quanto aos antecedentes criminais fundou-se a convicção do tribunal no teor dos certificados do registo criminal de ambos os arguidos, constantes de fls. 322 a 344.

No que concerne à ausência de antecedentes contraordenacionais do arguido foi tida em consideração a informação de fls. 62.

Relativamente às condições pessoais e socioeconómicas dos arguidos foram tidos em consideração os relatórios sociais de fls. 252 a 260.

3. Apreciação

§1. Insurge-se a recorrente contra a sua condenação pela prática de dois crimes de ameaça agravada por não se mostrarem preenchidos os respetivos elementos. Em causa estaria a ameaça com a prática de um mal futuro, a qual – refere - nas circunstâncias, deveria ter sido, antes, encarada como iminente. A propósito convoca o erro notório na apreciação da prova – cuja verificação acontece quando do texto da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta ostensivo/patente assentar a mesma em juízos, de acordo com o ponto de vista de um homem de formação média, de todo ilógicos, irrazoáveis –, vício que, contudo, apenas respeita à confeção técnica da matéria de facto, não o configurando um eventual erro de direito, decorrente de - como defende - os factos provados serem insuscetíveis de integrar o ilícito típico em causa.

Feito este breve parêntesis, enfrentemos a concreta questão.

A factualidade (objetiva), não colocada em crise, que serviu de substrato à condenação pelos crimes em referência, no que ora importa, vem descrita no item 5. (factos provados), qual seja: Nesse entretanto, enquanto os Agentes esperavam pelo arguido A... (…), apareceram no local vários residentes, entre os quais a arguida B... que se lhes dirigiu, dizendo:

- “Filhos da puta!” – “Cambada de merda!”- “Chulos!”- (sic);

- “Desapareçam daqui” – “Não deixam dormir ninguém” – “Mando-vos umas pedras para cima que vos tiro daqui” (sic);

- “Gatunos” – “Merdosos” – “Se for preciso tiro-vos daqui com a caçadeira” – “Vão para o caralho” – “Se ninguém vos mata, mato-vos eu” (sic).

Nos termos do artigo 153.º, n.º 1 do C. Penal: “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.

O crime é agravado quando se verificar qualquer das circunstâncias previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 155.º do C. Penal, indiciadoras de uma maior ilicitude, quer pela especial gravidade da ameaça; quer pela especial fragilidade da vítima; quer, por fim, pela qualidade desta, enquanto no exercício das suas funções ou por causa delas.

O bem jurídico protegido é a liberdade de decidir e de atuar, tutelando o tipo a tranquilidade e a liberdade de autodeterminação individual [liberdade de ação e liberdade de decisão], sendo, porém, a efetiva lesão do mesmo indiferente à consumação do crime. De facto, com a reforma do Código Penal, operada em 1995, assistiu-se à transformação de um crime material ou de resultado, num crime de natureza formal, de mera atividade, bastando, assim, à respetiva completude o perigo de lesão, o dano provável, a potencialidade da ação para ocasionar a perda ou diminuição do bem, o sacrifício ou restrição de um interesse – [cf. acórdão TRP 9.7.2014, proc. 150/10.5PBCBR.P2].

Decompondo o conceito de ameaça, escreve Américo Taipa de Carvalho: «São três as características essenciais […]: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente. O mal tanto pode ser de natureza pessoal (…) como patrimonial (…). O mal tem de ser futuro. Isto significa apenas que o mal, objeto da ameaça, não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim, p. ex., haverá ameaça, quando alguém afirma: “hei-de-te matar”; já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”. Que o agente refira, ou não, o prazo dentro do qual concretizará o mal, e que, referindo-o, este seja curto ou longo, eis o que é irrelevante. Necessário é só (…) que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos da tentativa (cf. art. 22º-2 c)). Indispensável é, em terceiro lugar, que a ocorrência do “mal futuro” dependa (ou apareça como dependente …) da vontade do agente. Esta característica estabelece a distinção entre a ameaça e o simples aviso ou advertência» - [cf. Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, página 343].

Neste quadro, retomando o caso em apreço, afigura-se-nos não ser de encarar a concreta ameaça: «Se ninguém vos mata, mato-vos eu» verbalizada, mas não acompanhada de qualquer ação ou atitude que prenunciasse o início da respetiva concretização - como iminente, no sentido de o mal anunciado configurar já a aproximação do começo de execução. Acompanha-se aqui, por elucidativo, o acórdão do TRG de 18.05.2009 (proc. n.º 349/07.1PBVCT), enquanto refere: O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer. Por isso, o mal iminente é ainda mal futuro, porque é um mal que ainda não aconteceu, que há-de ser, que há-de vir, embora esteja próximo, prestes a acontecer. É claro que sendo o mal iminente poderemos estar perante uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é do respetivo mal, já que segundo a alínea c) do artigo 22º do Código Penal, o anúncio daquele mal pode, segundo a experiência comum, ser de natureza a fazer esperar que se lhe sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores, isto é, atos que preencham um elemento constitutivo de um tipo de crime, ou que sejam idóneos a produzir o resultado típico.

Mas daí se não segue, necessariamente, que deixe de existir uma ameaça.

Quando alguém afirma que “vou-te matar”, podemos estar perante uma tentativa de homicídio, de tentativa de coação, que consomem naturalmente a ameaça, ou perante um crime de ameaças.

Tudo depende da intenção do agente – [cf. no mesmo sentido, entre outros, o acórdão do TRC de 06.05.2015 (proc. n.º 151/12.9GCAVR.C1); acórdão do TRG de 18.11.2013 (proc. 52/11.8GBFLG.G1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, posição, aliás, que não se afasta do entendimento perfilhado - conforme passagem supra transcrita - por Taipa de Carvalho].

Nesta perspetiva, que temos por correta, a frase dirigida aos dois agentes da GNR, então no exercício de funções, a saber: “Se ninguém vos mata, mato-vos eu” – única idónea à configuração do crime -, desacompanhada - enfatiza-se - de qualquer ação, gesto, atitude que prenunciasse a aproximação da execução do mal anunciado, não pode haver-se como iminente por contraposição a futura, não assistindo, por conseguinte, razão à recorrente.

Também a adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação, nas circunstâncias, não surge comprometida. Com efeito, à luz de um critério objetivo-individual, a «ameaça adequada é a ameaça que, de acordo com a experiência comum, é suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado (tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente, independentemente de o destinatário da ameaça ficar, ou não, intimidado)» - [cf. Taipa de Carvalho, op. cit., pág. 348]. E se constitui uma realidade a qualidade de agentes da GNR dos ameaçados, o certo é que assume toda a relevância o quadro dos acontecimentos, como as circunstâncias que conduziram à sua intervenção; a ligação da ora recorrente ao arguido (companheiros, a viver em união de facto); a exaltação que a presença dos agentes causou à arguida; a verbalização por esta de que, se necessário fosse, os tirava (aos agentes) do local (onde, madrugada adentro, se juntaram vários residentes) «com a caçadeira», não sendo raros os casos em que, num contexto semelhante – perante uma comunidade no seio da qual os laços de solidariedade tem grande significado - as coisas correm mal (muito mal mesmo!) para os elementos das forças de segurança.

Verificados os demais elementos do crime, quais sejam a ameaça dependente da vontade do agente; a subsunção do mal ameaçado a um ilícito típico (no caso contra a vida); o conhecimento da ameaça pelos sujeitos passivos; a consciência (representação e conformação) por parte da arguida da idoneidade (adequação) da ameaça a provocar receio, intranquilidade, independentemente de ter ou não o propósito de a concretizar; a qualidade em que os agentes intervieram, não merece reparo a sentença em crise enquanto condenou a arguida/recorrente pela prática de dois crimes (tantos quantos os ameaçados – cf. artigo 30.º do C. Penal) de ameaça agravada.

§2. Também a pena única encontrada suscita a reação da recorrente, já porque a considera excessiva, já porque não foi suspensa na sua execução, já, finalmente, por ter sido desconsiderado o regime de permanência na habitação, previsto à data dos factos no artigo 44.º do C. Penal.

No que concerne à pena (única) dos crimes em concurso, tendo presente as penas parcelares, fixadas em ambos os casos em 1 (um) ano de prisão, importa ter presente o disposto no artigo 77.º do C. Penal, preceito que conduz à consideração de uma moldura penal abstrata, cujo limite mínimo e máximo se situa, respetivamente, em 1 (um) e 2 (dois) anos de prisão.

Ponderando a identidade dos crimes em questão - protegendo o mesmo bem jurídico; a concretização dos factos através de uma única ação, levada a efeito no mesmo contexto; o grau de ilicitude e o dolo, este na modalidade mais intensa, sendo que a recorrente revela uma assinalável dificuldade em pautar a sua conduta de acordo com as normas; as consideráveis exigências de prevenção quer geral (em função da frequência com que este tipo de ações vem acontecendo, concretamente no confronto com as forças de segurança), quer especial (tendo em conta as condenações já sofridas pela arguida) que no caso se fazem sentir, sem descurar o motivo determinante da conduta, afigura-se-nos adequado fixar a pena única em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, portanto em medida inferior à encontrada pelo tribunal a quo, a qual, crê-se, realizará satisfatoriamente as finalidades da punição – [cf. artigos 40.º e 77.º do C. Penal].

O passado criminal da arguida, especialmente a circunstância de ter cometido os factos quando ainda não tinham decorrido três meses sobre a data em que sofreu condenação, pela prática de três crimes de coação agravada na forma tentada, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, aliado ao facto de ao longo da sua execução revelar «dificuldades em interiorizar a ilicitude dos comportamentos pelos quais foi condenada e as consequências dos mesmos» (cf. ponto 23 dos factos provados), não permite formular um juízo de prognose positivo sobre uma sua futura conduta em liberdade, mostrando-se, assim, definitivamente comprometida a aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50.º do C. Penal.

Prosseguindo, pugna a recorrente pela execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, entendendo, para tanto, verificada a previsão das alíneas d) e e), do n.º 2 do artigo 44.º do C. Penal, na versão em vigor à data da prática dos factos.

Ora, perscrutada a sentença constata-se não ter sido sequer a dita pena de substituição objeto de ponderação, sendo certo que, no caso, o acervo factual apurado (provado), designadamente o referente às condições pessoais, familiares, sociais da arguida, não dispensava o julgador de equacionar a sua eventual aplicação, o que não tendo sucedido conduz, nesta parte, à nulidade, por omissão de pronúncia, da sentença – artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, implicando a devolução do processo à 1.ª instância para, se necessário com a reabertura da audiência, o mesmo tribunal proceder à ponderação do regime em referência e decidir em conformidade.

III. Dispositivo

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal, na parcial procedência do recurso, em:

(i) Condenar a arguida B... pela prática, em autoria material, de dois crimes de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153.º, nº 1 e 155.º, n.º 1, c) do Código Penal, em cúmulo jurídico das penas parcelares de 1 (um) ano de prisão, correspondente a cada um dos crimes, na pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, revogando em conformidade a decisão recorrida;

(ii) Julgar nula a sentença (artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP) na parte em que deixou de ponderar a aplicação ao caso do regime de permanência na habitação, previsto à data dos factos no artigo 44.º do C. Penal e, após as alterações introduzidas ao mesmo diploma pela Lei n.º 94/2017, de 23.08, no artigo 43.º, nulidade esta que implica a remessa dos autos à 1.ª instância para, tendo presente o acervo factual apurado - se necessário reabrindo a audiência - ponderar a eventual aplicação do regime em referência.

Sem tributação.

Coimbra, 28 de fevereiro de 2018

[Processado e revisto pela relatora]

Maria José Nogueira (relatora)

Isabel Valongo (adjunta)