Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
785/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. AGOSTINHO TORRES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 05/05/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTIGOS 41°, N.º 1, 59.º, N.ºS 2 E 3 E 74°, N.ºS 1 E 4, DO RGCC, 411.º, N.º 1, 412°, N.º 2 E 413°, N.º 1, DO CPP E 13°, N.º 1 E 32°, N.ºS 1,5 E 10, DA CRP
Sumário:


I – Em processo contra-ordenacional o prazo de interposição de recurso da decisão judicial é o de 15 dias previsto no art.411°, n.º1, do CPP, uma vez que o prazo de 10 dias previsto no art. 74°, n.º 1, do RGCC, enferma de inconstitucionalidade, posto que da sua aplicação resulta violação do princípio da igualdade (igualdade de armas) consagrado no art.13°, da CRP;
II – Não é de rejeitar o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa por falta de indicação nas conclusões das normas jurídicas violadas, mesmo que tal omissão ocorra após convite à correcção, desde que o pedido formulado pelo recorrente e respectivos fundamentos sejam perceptíveis, designadamente nos casos em que o recurso não é subscrito por advogado, isto é, que o recurso é subscrito pelo próprio arguido.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NA RELAÇÃO DE COIMBRA


I-RELATÓRIO

1.1- BB foi autuado pela GNR por infracção ao artº 27º nº 2 a), ocorrida a 27.08.2002 por condução do veículo HU, ligeiro de passageiros, em excesso de velocidade (164 km/h) na A1 ( Sta Catarina da Serra) em local onde era permitido apenas o máximo de 120 km/h.
Por decisão de 26.03.03 a Direcção de Viação de Leiria considerou-o reincidente por contraordenação grave há menos de três anos e aplicou-lhe 60 dias de inibição de conduzir ( limite mínimo elevado ao dobro por força daquela reincidência) sendo certo que, antes da decisão, o arguido pagara já voluntariamente a coima de 120 euros.
Notificado da decisão veio o arguido a 30.04.2003 apresentar, por si próprio, sem o assinar, requerimento de impugnação desta sanção acessória.
Remetido ao TJ de Leiria, foi convidado, sob pena de rejeição, a apresentar em 10 dias recurso assinado, indicando as conclusões das razões de facto e de direito com invocação das normas jurídicas que no entender do recorrente teriam sido violadas.
O arguido novamente apresentou por si ( sem intervenção de advogado) novo requerimento de impugnação ( agora já assinado), o qual veio porém a ser rejeitado por despacho com o teor seguinte ( transcrevemos aqui apenas a parte que releva )
“... Decorrido aquele prazo não satisfez o ordenado pois o novo requerimento a fls 21 a 23 é omisso quanto às disposições legais que no entender do recorrente foram violadas e em que sentido deveriam ser interpretadas e ainda aquelas em que fundamenta a sua pretensão. Nestes termos e ao abrigo das citadas disposições Artº 59º nº 3 e 63 nº 1 do DL 433/82 de 27.10 na red. do DL 244/95 de 14.09 rejeito por inobservância de forma o recurso interposto através do aludido requerimento...”

1.2- Notificado deste despacho por carta enviada a 18.11.2003, o arguido inconformado dele recorre agora para esta Relação, enviando recurso por fax de 5.12.03, agora subscrito por advogado constituído formulando as seguintes conclusões:

-“O Mmº Juiz rejeitou por inobservância de forma o recurso de impugnação interposto pelo arguido invocando ter o mesmo omitido as disposições legais que foram violadas e em que sentido deveriam ser interpretadas e ainda aquelas em que fundamenta a sua pretensão.
-No entanto, o nº 2 do artº 59º do DL 433/82 de 27 de Outubro com a red. dada pelo DL 357/88 de 17 de Outubro prevê que o recurso de impugnação de decisão de autoridade administrativa poderá ser interposto pelo próprio arguido desacompanhado de defensor.
-Ora o arguido não é formado em direito , não sabe identificar nem interpretar disposições legais nem a tal é obrigado.
-Logo o legislador não pretendeu que as alegações e conclusões previstas no nº 3 do citado preceito legal in fine contenham ou identifiquem e muito menos que sejam interpretadas normas violadas.
-O que é defeso a um leigo na matéria .
-Violou assim o Mmº Juiz a quo o nº 3 do DL 433/82 de 27 de Outubro na red. do DL 357/88 de 17 de Outubro , a alª a) do artº 379º do CPP e que é uma nulidade que desde já se arguiu para todos os efeitos legais e ainda violou preceitos constitucionais, nomeadamente quanto à denegação do acesso à justiça.
Pede a revogação da decisão
1.3- Em resposta o MºPº, na 1ª instância, assinala existirem na impugnação do arguido, com excepção da assinatura, as deficiências apontadas pelo despacho recorrido e entende dever ser mantido o mesmo sem qualquer censura.
1.4- Nesta relação o MºPº emitiu parecer no sentido de haver sido interposto recurso fora do prazo legal de 10 dias previsto no artº 74º nº 1 do DL 433/82 ou assim não se entendendo, ser de considerar improcedente por a impugnação rejeitada não respeitar as exigências legais de forma como assinalado no despacho recorrido.

II-APRECIANDO

2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das conclusões extraídas, pelos recorrentes , da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.)
Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335
2.2- Estão em causa no presente recurso as seguintes questões, sem prejuízo de outras que o tribunal possa e deva conhecer oficiosamente:
O recurso do arguido para esta Relação foi tempestivo face ao disposto no artº 74º nº 1 do DL 433/82 uma vez que o prazo de dez dias terminava a 1.12.2003 ( por ser feriado , passava a 2.12.2003 o termo para o mesmo, e a 5 de Dezº seria o 3º dia útil seguinte )
Ou ao invés, a aplicar-se a doutrina do TC contida no Ac 462/03 pubº in DRª IIª de 24.11.03 , o prazo seria de 15 dias e, nesse caso, era indiscutível a sua tempestividade?
Tendo-o sido o despacho recorrido violou as normas legais arguidas no presente recurso e deve ser revogado por àquele requerimento somente subscrito pelo arguido, sem conhecimentos jurídicos, não eram aplicáveis as razões formais impostas?

2.3- Da tempestividade do recurso
Face ao determinado no artº 63º nº 2 do DL 433/82 o juiz rejeitará por meio de despacho o recurso feito fora de prazo ou sem respeito pelas exigências de forma, despacho esse do qual há recurso que sobe de imediato.
Por sua vez, nos termos do artº 74º nº 1 do DL 433/82 , na red. do DL 244/95 de 14 de Setembro, o recurso deve ser interposto no prazo de dez dias a partir da notificação ao arguido do despacho ou sentença proferidos sem a sua presença.
Numa interpretação literal, o prazo é de dez dias e o recurso interposto no presente caso pelo arguido foi-o no 3º dia útil seguinte ao seu termo, sem pagamento de multa (artº 145º do CPC)
A aceitar que era de dez dias o prazo, o processo teria de ser remetido à comarca para liquidação daquela.Caso contrário, a aceitar que é de 15 dias, o recurso está em tempo.
A questão vinha sendo polémica desde logo por força das alterações à regra da contagem dos prazos em processo civil, decorrente do Dl 329-A/95 cujo artº 6º adaptou à continuidade e estendeu aos prazos cominados em diplomas a que fosse aplicável o artº 144º do CPC subsidiariamente.
Numa primeira fase entendeu-se não ser de aplicar tal continuidade aos prazos em processo penal por força da excepção contida no nº 3 daquele artº 6º mas depois, face ao absurdo da manutenção em vigor no processo penal de uma norma revogada em processo civil, o legislador, ao proceder à Reforma de Processo penal, adaptou à continuidade a contagem dos prazos processuais penais e, pelo artº 8º da Lei 59/98, revogou aquele artº 6º nº3 do DL 329-A/95.
Não obstante a aludida evolução legislativa, o prazo de dez dias referido no artº 74º nº 1 manteve-se inalterado o que fez pensar que o prazo seria mesmo esse e não o de 15 dias, em dissemelhança do que sucedera com o artº 411º nº 1 do CPP. E assim também na medida em que o regime processual penal intervém a título subsidiário sempre que o contrário não resulte do RGCC aprovado pelo dl 433/83 referido (cfr artº 41º ). Ora o artº 74º nº 1 estabelece regime diverso em matéria de prazos, diverso e mais restrito, não revogado expressamente. Posto isto, será assim que devemos concluir a questão?
Entendemos que não.
Na verdade, se atentarmos àquele prazo, em conjugação com o que resulta do disponibilizado aos restantes sujeitos processuais ( in casu o MºPº) por força da aplicação do nº 4 do artº 74º do RGCC Segundo o qual o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do RGCG ( e que in casu não existem pois o prazo de resposta será o do artº 413º nº 1do CPP, ou seja, de 15 dias) e que por sua vez remete para o prazo de 15 dias previsto no artº 413º nº 1 do CPP, não faz sentido ter um prazo inferior para recorrer ao que decorre para resposta. É flagrantemente inconstitucional esta interpretação de âmbito restritivo e violadora do princípio da igualdade , na acepção de igualdade de armas- artº 13º nº 1 e 32º nº 1, 5 e 10 da CRP já que favorece a desigualdade no contraditório.

A questão já vinha sendo posta mesmo no domínio dos artº 411º do CPP e 74º nº 1 na redacção anterior à actual, em que os prazos eram respectivamente de 10 e de cinco dias.
Questão essa sobre a qual o próprio Tribunal Constitucional já emitira várias decisões no sentido da inconstitucionalidade aludida, concluindo então pela igualação dos prazos em causa.
Relembrando a título de exemplo o que à data se disse, veja-se o Ac TC Nº 1229/96 proferido no Processo nº 169/95 na 2ª Secção do TC e tendo sido relator o Sr Consº Guilherme da Fonseca:
“...Da posição do recorrente decorre ainda a afir-mação de que a existência de dois prazos processuais (o de cin-co dias, do artigo 74º, nº 1, e o de dez dias, "para os sujei-tos processuais afectados pela interposição de Recurso, que resulta do Código de Processo Penal") "viola o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de ar-mas", à luz do artigo 13º da Constituição, na medida em que são pra-zos distintos para motivar e para responder no processo de contraordenação.
Partindo dessa afirmação, tudo está em saber se a pretensa dife-ren-ciação de tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, ou é material-mente in-fun-dada, e é este aspecto que releva para aferir a vio-lação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio (na lei-tura, por exemplo, do Acórdão nº 213/93, publicado no Diário da Re-pública, II Série, nº 127, de 1 de Junho de 1993, seguido de-pois no citado Acórdão nº 47/95).
Na verdade, a aceitar-se um regime distinto para os actos processuais, como não pode deixar de aceitar-se, por aplicação dos nºs 1 e 4 do artigo 74º (o nº 4 manda seguir "a tramitação de recurso em processo penal"), conjugados com os artigos 411º e 413º do Código de Processo Penal, tem de dizer-se que, sendo assim, ocorre afronta à regra da igualdade cons-titucionalmente con-sagrada, não valendo argumentar que o legis-lador se move no quadro de valores constitu-cionais, tais como os da celeridade da eficácia da justiça e da eficácia do siste-ma contraordenacional. E não pode também argumentar-se com a ideia de que uma coisa é o acto de interposição do recurso à disposição do arguido, que tem de ser motivado (cfr. artigo 411º do Código de Processo Penal), e outra é a resposta ao re-curso, por aplicação do artigo 413º do mesmo Código, pois a igualdade de armas no mesmo processo supõe iguais mecanismos à disposição dos sujeitos processuais (igualdade que estava asse-gurada à data em que foi editado o Decreto-Lei nº 433/82, pois vigorava então o Código de Processo Penal de 1929, à face do qual a fase da motivação do recurso era posterior à sua inter-posição e era o mesmo o prazo para alegar e contra-alegar: ar-tigos 645º, 649º e 651º daquele Código).
Sendo certo que a decisão recorrida não che-gou a envolver-se num juízo de aplicação daquela norma do nº 4 do artigo 74º, pois nem sequer o presente processo chegou à fase de produção da resposta ao recurso pelo recorrido, a verdade é que o prazo mais encurtado para a motivação do recurso da parte do recorrente envolve ofensa do princípio da igualdade, tal como ela vem pelo recorrente delineada (cfr. os acórdãos deste Tribunal Constitucional nº 208/93 e 263/93, com identificação de mais arestos, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24º, págs. 527 e 655).
Em suma, o artigo 74º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411º, do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitu-cionalidade, por violação do artigo 13º da Constituição “
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Entretanto, recentemente, e já no domínio da actual redacção daqueles normativos com prazos mais alargados mas , ainda assim, não coincidentes ( 10 para o recurso e 15 para a resposta) foi proferido Ac TC nº 462/03 pubº in DR IIª de 24.11.03 decidindo essencialmente no mesmo sentido (-mutatis mutandis, tendo em conta porém as diferentes normas vigentes à data da sua intervenção, com redacção não coincidente; o essencial da questão, porém, mantém-se o mesmo No Ac do TC nº 462/03 ora citado, ali se referiu: (itálico nosso)“... Nestes termos, remete-se para o julgamento constante do citado acórdão n.º 1229/96, nos termos em que o mesmo é feito; é que, embora relativo a diferente norma, como atrás se disse para afastar a possibilidade de o recurso ser baseado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º, o problema de constitucionalidade tratado nos dois recursos é, verdadeiramente, o mesmo...”
)
E ali se confirmou a mesma doutrina:
“...o Tribunal reitera este julgamento de inconstitucionalidade, nos seus precisos termos, para a norma agora em apreciação.Assim, decide-se:- a) Julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411º do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição;


Assim, porquanto esta análise coincide com o nosso ponto de vista nossa, conclui-se, face à questão que o MºPº levantou, que o prazo de recurso referido no artº 74º nº 1 do DL 433/82 é de 15 dias e não o dez ali expresso, sob pena de interpretação inconstitucional nos termos antes explicados. Em consequência, entendemos que o recurso interposto pelo arguido o foi em tempo.

2.4-Passando agora à 2ª questão e que mais não é que a substância do recurso interposto. Houve na impugnação judicial omissão de requisitos formais sancionável com a rejeição ?
Nos termos do artº 59º nº 2 e 3 o recurso de impugnação judicial poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor( nº 2) e é feito por escrito..., devendo constar de alegações e conclusões.
Decorre do despacho recorrido, in fine, que o fundamento da rejeição por inobservância de forma radicou na falta de indicação das disposições legais que no entender do recorrente foram violadas e em que sentido deveriam ser interpretadas e ainda aquelas em que fundamenta a sua pretensão.
Ou seja, a rejeição não se funda em falta de conclusões nem na falta de alegações mas na não indicação das normas, com o âmbito que se acabou de referir.
O arguido apresentou apenas uma conclusão: “... face ao exposto venho por este meio do Meritíssimo Juiz solicitar a anulação ou, tal não sendo possível, a redução do período de inibição de conduzir que me foi aplicado”
Este pedido é claro , objectivo e conciso.
Como fundamenta este pedido? Fá-lo dizendo que não recorreu por dificuldades económicas ao serviço de advogado solicitando benevolência pela forma eventualmente menos correcta do seu requerimento ( que chama de carta); que por pensar que a única punição da infracção, que em si não contesta, era a coima, pagou-a voluntariamente e naquela pressuposição não apresentou defesa antes; que a infracção só podia ter ficado a dever-se a manobra de ultrapassagem que o obrigou a exceder momentaneamente o limite de velocidade., sendo certo que era condutor prudente, o carro estava em óptimas condições, nunca tendo posto em causa a segurança na auto-estrada, era a 2ª contraordenação aplicada em 6 anos, sendo que a primeira se devera a ter pisado traço contínuo sem consequências de qualquer espécie e que conduzia com plena condição física e nunca consumia bebidas com álcool; e que dava aulas de ginástica em várias localidades distanciadas ( Massamá, Loures, Almada) em pouco tempo disponível, carecendo de viatura própria, sendo tal actividade profissional precária;

Esta argumentação em alegações é patente ter sido feita por um leigo já que na verdade nem sequer refere uma única norma jurídica , mas percebe-se totalmente a sua finalidade.
Concorde-se ou não com os fundamentos aduzidos o que na verdade o arguido diz é que a sua actuação seria desculpável por não ter posto em causa a segurança estradal e que, sendo um condutor prudente, trabalhando precariamente e necessitando do veículo, requer que, se não for anulada a inibição, ao menos seja reduzida pelas razões que invoca.
Tendo sido feita por um leigo, não estava porém desvinculado do dever de aperfeiçoar a impugnação como aliás foi convidado a fazer. E, de duas uma: nessa altura, se não sabia direito mas como a questão já estava claramente posta quanto à necessidade de invocação das normas jurídicas, então ou mandatava advogado para o aconselhar e defender ou, não podendo fazê-lo, por razões económicas, sempre teria ao seu alcance o instituto do acesso ao direito.
É verdade que estamos perante um regime em que a impugnação não carece de intervenção de advogado. E que não é exigível a um leigo que saiba direito com o rigor que o ritualismo contraordenacional exige, ainda que com menor exigência dada a sua maior simplicidade e celeridade. Mas também é verdade que o regime de recursos segue os termos do processo penal salvo as normas de aplicação especial previstas no RGCC e , em consequência, o artº 412º nº 2 do CPP são aplicáveis.
E verdade é também que, sendo conveniente a assistência por defensor a leigo ignorante do direito não está este obrigado a constituí-lo nem a pedi-lo.
Por isso, nesse quadro, parece ser de concluir que, em bom rigor, aquele “rigor” formal deve ser atenuado, minorado, em casos como o dos autos. O tribunal tem um quadro de análise delimitado pelo pedido do arguido que, ainda que com contornos jurídicos não clarificados como seria desejável, não o impede de saber o que aquele quer ( independentemente de poder vir ou não a dar-lhe razão).
Pelas razões já indicadas no Ac STJ de 1.3.2001, in CJ STJ I-2001, p 234 e para onde remetemos por economia de tempo, se defendeu, como também entendemos, que “.. a rejeição de recurso por falta de indicação das normas jurídicas pretensamente violadas constitui sanção processual desproporcionada nos casos em que a questão jurídica e causa se reveste de manifesta simplicidade e se constata a percepção exacta do respectivo objecto pelos sujeitos processuais interessados, mormente o recorrido , e ao tribunal ad quem se não suscita dificuldade de maior nessa percepção...” ( cfr ainda Ac STJ de 5.7.2001...” não é de rejeitar o recurso, ainda que o mesmo não prima por uma adequada arrumação formal ou concisão das suas conclusões se for possível apreender o sentido útil da impugnação do recorrente”.
A impugnação efectuada pelo arguido, ainda que imperfeita, é tangível e compreende-se, sendo certo que não levanta questões complexas, antes pelo contrário, são de resolução manifestamente simples. E circunscritas são ,de direito, as normas jurídicas ( ainda que não referidas pelo arguido) e que mais não são do que um pequeno núcleo do CE: artº 27º, artº135º, 139º, 140º, 141º, 142º ( eventualmente) e 144º, sendo certo que o problema se deslocará, no seu âmago essencial, à volta da questão da reincidência.
Relembramos ainda que dito foi já no Ac TC nº 303/99 “.. A concordância prática entre o valor celeridade e a plenitude de garantias de defesa é aqui possível (sendo aliás, exigida pelo artigo 18º nº 2 da Constituição) sem necessidade de se chegar ao extremo de fulminar desde logo o recurso, em desproporcionada homenagem o valor celeridade, promovido, assim, à custa das garantias de defesa do arguido..."


Portanto, pelas razões invocadas e que acabámos de explicitar, entende-se que, tendo sido interposta impugnação pelo arguido, por si, sem advogado, não lhe sendo exigível conhecimentos especiais de direito, sendo o seu pedido e razões perceptíveis no seu núcleo essencial e tratando-se de contraordenação, sujeita a regras de maior simplicidade e menor formalidade, a sanção da rejeição da impugnação , além de não ser de carácter automático foi in casu, desproporcionada. Acerca da maior simplicidade de tramitação processual como uma das evidências da autonomia do processo contraordenacional, vide, por todos, Notas ao RGCO, de A. Mendes e J. Cabral, p 162, nota 9 ao artº 59º, Almedina- Coimbra, Fevº 2003.
Nestes termos, deve ser revogado o despacho que rejeitou o recurso ( não obstante haver sido antecedido pelo convite a aperfeiçoamento) e substituído por outro que admita a impugnação judicial e ordene a tramitação subsequente tendente ao conhecimento do mérito da referida impugnação.


III-DECISÃO

3.1-Pelo exposto e nos termos que antecedem, acordam os juízes nesta secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em darem provimento ao recurso do arguido, revogando o despacho recorrido , que deverá ser substituído conforme se aludiu supra.

3.2-Sem custas



Coimbra,

(texto revisto-artº 94º CPP)