Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
13/05.6TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: INJUNÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.193º E 467º DO CPC
Sumário: I – É legal a remissão feita na petição inicial para documentos juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada.

II - Numa acção executiva para pagamento de quantia certa, tendo como título uma injunção a que foi conferida força executiva, não é inepto o requerimento executivo que remete para o título executivo, em cuja petição se assinalou, no campo próprio, o fornecimento de bens e serviços.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

A..., instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, execução comum, com vista ao pagamento coercivo da quantia de € 1.654,47, contra:

- B.....

Como título executivo, apresentou uma injunção que deduziu contra o executado e a que foi conferida força executiva por despacho de 12/11/2004 (fls. 14 da execução).

O executado deduziu oposição à execução, invocando a nulidade da citação, referindo que nunca teve conhecimento de que correu contra si um processo de injunção, sendo certo que não residia nem reside na morada indicada pela exequente; arguiu também a ineptidão do requerimento executivo, em virtude de a exequente apenas ter indicado no requerimento de injunção o fornecimento de bens e serviços, pelo que o executado se vê obrigado a adivinhar qual o verdadeiro motivo pelo qual foi demandado; por último, refere que não celebrou qualquer contrato com a exequente, que nem sequer conhece, pelo que não entende a razão de ser da execução, impugnando todos os factos alegados pela exequente.

Contestou a exequente, pugnando pela improcedência das deduzidas excepções e da oposição.

Convocadas as partes para uma audiência preliminar, veio a verter-se nos autos sentença que julgou improcedentes as invocadas excepções e “no mais, o título dado a execução mostra-se transitado em julgado e os fundamentos que o oponente indica, apreciadas que ficam as questões rectro examinadas caem pela base o que acarreta necessariamente a improcedência da matéria de excepção suscitada e, a improcedência da execução”.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o executado/oponente recurso para esta Relação, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, o apelante, o qual finalizou a sua alegação com inúmeras (82) e prolixas conclusões, nas quais suscita as questões da oportunidade de conhecimento da causa em sede de saneador, a nulidade da citação e a ineptidão do requerimento executivo.

Não foi apresentada contra-alegação.


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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão anterior ao Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber se a causa podia ser, como foi, decidida em sede de saneador; se a citação é nula e se o requerimento executivo é inepto.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS E O DIREITO

1 - Questão prévia:

A execução tem o valor de € 1.654,47. Não obstante, o oponente, sem aduzir qualquer razão para assim proceder, ofereceu à oposição o valor de € 5.000,01. O valor da oposição devia ser o mesmo da acção executiva (artº 313º, nº 1, do C.P.C.), até porque, como é sabido, a oposição à execução traduz-se, ao fim e ao resto, numa contestação ao requerimento executivo.

O valor oferecido à oposição está, pois, em flagrante oposição com a realidade, pelo o Tribunal “a quo” devia ter-lhe fixado o valor adequado (artº 315º, nº 1, do C.P.C.). Se o tivesse feito, o presente recurso seria inadmissível. Como o não fez, esta Relação tem de apreciar o interposto recurso, já que o valor oferecido à oposição ultrapassa a alçada do Tribunal recorrido.

2 - Se a oposição podia ser decidida, como foi, em sede de saneador

Começa o apelante por dizer que a oposição foi prematuramente decidida, já que existe matéria controvertida que importa apurar. Vejamos.

No saneador-sentença proferido não se dão como provados quaisquer factos, pelo que, para decisão do recurso, tomaremos somente em conta os que decorrem do relatório supra.

Na deduzida oposição, o oponente defendeu-se por excepção e por impugnação. Há que ver separadamente cada uma das formas de defesa deduzida, a fim de se aferir se podiam elas ser conhecidos logo no despacho saneador.

a) A nulidade da citação

 

Está essencialmente em causa a nulidade da efectuada citação do apelante para os termos da injunção que serve de fundamento à execução, já que esta não é precedida de citação, começando logo com a penhora (vide fls. 21 da execução).

Como mostra o talão do registo de fls. 16 do processo executivo, a citação do executado para os termos da injunção não foi feita na pessoa deste. Quem assinou aquele talão foi uma tal C.....

O oponente veio alegar que não foi citado para os termos da injunção e que nem sequer tinha morada no local para onde a carta respectiva foi dirigida.

Nos termos do artº 238º, nº 1, do C. de Proc. Civil, a citação por via postal tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

Existe, pois, uma presunção juris tantum, quando o aviso de recepção é assinado por terceiro, que este entregou oportunamente a carta ao respectivo destinatário. Mas essa presunção é passível de ser elidida pelo citando.

No caso, o executado/oponente veio alegar que não recebeu a carta que lhe foi dirigida para citação da injunção. Ofereceu prova. Mas essa prova não foi produzida e decidiu-se logo pela validade da citação.

Salvo o devido respeito, sendo controvertida a matéria alegada pelo oponente, no que respeita à invocada nulidade da citação, não podia conhecer-se desta matéria sem antes ter sido produzida a prova oferecida pelo oponente.

Procede, assim, nesta parte, a apelação.

b) A ineptidão do requerimento executivo

O oponente arguiu a ineptidão do requerimento executivo, aduzindo que, no campo relativo aos factos, remete ele para a injunção e nesta apenas consta o fornecimento de bens e serviços.

Esta questão podia ser, como foi, apreciada em sede de saneador, já que não está dependente de prova a produzir. Os autos oferecem, na verdade, todos os elementos para se decidir esta questão.

O saneador decidiu julgar improcedente a invocada ineptidão, uma vez que o formalismo processual de injunção resulta da aprovação de requerimento próprio aprovado e alargado posteriormente a casos que poderiam configurar acções sob a forma ordinária.

Nos termos do art. 193º do Código de Processo Civil, “é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial”, sendo que se diz inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir, ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Aqui, importa apreciar apenas se existe falta de causa de pedir, já que foi esse o fundamento invocado pelo apelante.

Como se sabe, existem duas correntes jurisprudenciais sobre esta matéria, uma mais exigente, segundo a qual não se ajusta ao estatuído no art.º 467.º, n.º 1, al. d), do referido código[1], (na petição inicial, deve o autor expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção), a simples remissão para os factos que constem de documentos que o autor junte e que considere como reproduzidos[2].

Os defensores da outra corrente, menos exigente que a primeira, entendem que a causa de pedir é o contrato específico de que emerge a obrigação a pagar. E que “há petições em que se alega o tipo de actividade exercido pelo autor e o fornecimento de determinadas mercadorias ou serviços no exercício dessa actividade, durante certo tempo ou na execução de certa encomendas, que se demonstrem devidamente com facturas ou guias de remessa, ou numa conta-corrente, que assim completam a petição, em consequência das quais se invoca a existência de um crédito de certo montante, correspondente ao preço ou saldo existente, cujo pagamento se pede. Nesses casos não pode haver dúvidas quanto à relação concreta de que se trata, ou seja, quanto ao facto jurídico concreto invocado para obter o efeito pretendido”.

Daí que exista ineptidão apenas quando o autor se limita a indicar vagamente uma transacção comercial ou serviço, como fonte do seu direito.

E já não existirá ineptidão, por desconhecimento da causa de pedir, quando a petição inicial em que se pede o pagamento de determinada quantia proveniente de vendas contabilizadas em forma de conta-corrente de mercadorias e outros artigos, entendendo-se que em tal caso é nítida a causa de pedir, pois consiste nas referidas vendas[3].

Esta é a corrente por nós perfilhada e não vemos motivo para a alterar.

O documento junto com a petição deve considerar-se parte integrante dela, suprindo as lacunas de que possa enfermar. A mesma virtualidade deve ser atribuída ao que for junto ulteriormente, mas a tempo de surtir o efeito que a concomitante junção produz[4].

E é legal a remissão, feita na petição inicial, para documentos a ela juntos, desde que a causa de pedir fique bem concretizada[5].

Aliás, como escreveu Anselmo de Castro[6], desde que o autor, na petição inicial, descreva «o próprio facto jurídico genético do direito» que pretendia que judicialmente lhe fosse reconhecido, deu satisfação independente da (in)validade da causa de pedir alegada, à determinação constante do art.º 467.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do Cód. de Proc. Civil.

Ora, no caso vertente, a exequente alegou, no seu requerimento inicial da execução que os factos constam exclusivamente do título executivo. E neste título assinalou, no campo próprio, o fornecimento de bens e serviços.

Igualmente, refere que o executado não efectuou o pagamento da factura nº 236 S005130, datada de 0606/00 (vide fls. 14 do processo executivo).

Daí que, tendo em conta que estamos em presença de uma petição inicial de uma injunção[7], consideremos que a causa de pedir da acção se encontra suficientemente exposta, pelo que não ocorre a invocada ineptidão da petição inicial.

Nesta parte, a decisão recorrida tem, pois, de se manter.

c) O conhecimento do objecto da oposição no saneador

Por último, o apelante insurge-se contra a decisão recorrida por ter conhecido do fundo da oposição logo no despacho saneador, sem ter procedido à selecção da matéria de facto.

Assiste, aqui, inteira razão ao apelante.

Como se deixou dito supra, a oposição à execução apresenta a fisionomia duma acção quase perfeita dirigida pelo executado contra o exequente com o fim de invalidar, no todo ou em parte, o direito que este invoca no requerimento de execução[8].

Ora, na sua oposição, o ora apelante impugnou o alegado pela exequente no seu requerimento executivo, referindo que nunca celebrou qualquer contrato com esta.

Significa isto que é controvertida a matéria alegada pela exequente no requerimento inicial da execução, ou seja, que prestou ela ao executado os bens e serviços constantes da factura identificada na injunção.

Existindo matéria controvertida que interessa para a decisão do fundo da causa, esta não podia ser, como foi, decidida logo em sede de saneador.

Assiste, nesta parte, razão ao apelante.


...............


DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que decidiu a nulidade da citação e sobre o fundo da oposição, mantendo-se o saneador quanto à decidida ineptidão do requerimento executivo, pelo que os autos deverão prosseguir os seus ulteriores termos, para apuramento da matéria de facto pertinente àquelas questões.

Custas pelo apelante, na proporção de 1/3, sendo as demais devidas pela parte vencida a final.


[1] Redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 183/00, de 10/8.
[2] V. Ac. da R. de Lisboa de 21/4/81, C.J., 1981, 2.º, 194.
[3] V. Ac. do S.T.J. de 12/3/63, B.M.J. n.º 125.º, 405.
[4] V. Ac. da R. de Évora de 25/6/86, B.M.J. n.º 368.º, 632.
[5] V. Acs. da R. de Lisboa de 15712/87, B.M.J. n.º 372.º, 464; R. de Évora de 9/3/89, B.M.J. n.º 385.º, 627; e R. de Coimbra de 27/6/89, B.M.J. n.º 388.º, 612.
[6] Direito Processual Civil Declaratório, vol. 1.º, 205.
[7] Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Dec. Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro (redacção introduzida ao artº 7º do Dec. Lei nº 269/98, de 1/9 pelo Dec. Lei nº 32/2003, de 17/2.
[8] Vide Lopes Cardoso, Acção Executiva, 3ª ed., 275, e Ac. desta Relação de 27/1/78, C.J., 1978, 1º, 267.