Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/14.8TBVLF-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
HIPOTECA
HONORÁRIOS
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - V.N.F.CÔA - JUÍZO C. GENÉRICA 
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 543, 703 CPC
Sumário: 1. - Dados à execução, no âmbito do título executivo, em moldes complementares, dois documentos com natureza e alcance diversos – um contendo a obrigação de pagamento (contrato de abertura de crédito/título particular, celebrado em 14/08/2012) e outro a obrigação de garantia (escritura de hipoteca/documento autêntico) –, devem os mesmos ser perspetivados conjugadamente e com o documento autêntico de garantia a incorporar a substância obrigacional do título particular, posto expressamente constar daquele (garantia) que os documentos, sejam de que natureza forem, em que a devedora figure como responsável e que titulem qualquer obrigação ou responsabilidade dela perante a exequente, “consideram-se em conexão com esta escritura, da qual ficarão a fazer parte integrante, para todos os efeitos, designadamente de execução”.

2. - Constando do contrato de abertura de crédito e da escritura de hipoteca a obrigação de pagamento à credora/exequente das despesas com honorários do mandatário desta para cobrança executiva do crédito, fica o executado garante obrigado à respetiva satisfação coativa, em montante a determinar a final.

3. - Como vem entendendo a jurisprudência, o pagamento de tais honorários por parte executada deverá concretizar-se só no final da execução, seguindo-se, com base na analogia, o procedimento previsto para a liquidação de honorários a considerar no âmbito da indemnização por litigância de má-fé.

4. - Já quanto aos obrigados no contrato de abertura de crédito inexiste título executivo que permita o cumprimento coercivo daquela despesa de honorários, a qual, por natureza, abrange o trabalho a ser prestado no decurso do processo executivo, só no seu terminus sendo possível exigir o pagamento e determinar o quantum.

5. - Assim, à luz do art.º 703.º do NCPCiv. e do antecedente preceito do art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado – este aplicável ao caso, atenta a data de celebração do contrato e vista a doutrina do Ac. TC n.º 408/2015 (Proc. 340/2015), em DR, 1.ª Série de 14/10/2015 –, preceito esse que exigia a determinabilidade de montante por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do título/documento particular, o que no caso não se alcança, ocorre deficit do título quanto aos obrigados naquele contrato de abertura de crédito (onde o montante de honorários não está determinado nem é determinável).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

C (…), CRL”, com os sinais dos autos,

intentou execução ordinária ([1]), para pagamento de quantia certa, contra

1.ª - “G (…)Unipessoal, Lda.”,

2.ª - “N (…) S. A.”,

3.º - A (…),

4.º - A (…),

5.ª – A (…), estes também com os sinais dos autos,

formulando pedido executivo (parcialmente) líquido ([2]) no montante total exequendo de € 34.087,68, correspondente a € 30.000,00 de capital, a € 271,10 de “juros normais”, € 2.367,80 de juros de mora, € 1.346,11 de despesas de devoluções e encargos, de € 102,67 de imposto de selo, de € 12,00 de juro de mora diário vincendo e, ainda, “os honorários do seu mandatário a fixar a final do processo” ([3]).

Invocou a Exequente, no essencial:

- ter, no exercício da sua atividade creditícia, celebrado com a 1.ª Executada (mutuária) um contrato de abertura de crédito em conta corrente, com fiança e hipoteca autónoma, tendo a 2.ª Executada constituído hipoteca voluntária a favor da Exequente, intervindo os demais Executados na qualidade de fiadores e principais pagadores, renunciando expressa e irrevogavelmente ao benefício da excussão prévia, quanto a todas as obrigações decorrentes do contrato;

- ter ocorrido incumprimento do contrato, provocando o vencimento e a exigibilidade imediata de todo o devido, incluindo os ditos honorários do mandatário da Exequente, estes a serem objeto de pretendida fixação a final do processo (a serem, então, “reclamados e fixados no final da execução”).

No decurso dos autos, requereu a Executada A (…), considerando encontrar-se já liquidada a totalidade da quantia exequenda, as diligências tendentes ao “findar do processo” (cfr. o certificado de fls. 27 v.º).

Na sequência, veio a Exequente ([4]), notificada da elaboração de nota de liquidação, requerer a inclusão nela da sua nota de serviços do seu mandatário (que juntou), no valor de € 14.391,00, IVA incluído.

Como se fez constar no despacho de 20/06/2018 (o aqui recorrido):

«Veio a Sra. AE requerer seja apreciada a validade da nota de liquidação.

Vieram também os executados (…), notificados do requerimento apresentado pela exequente a 10.05.2018, através do qual apresentou à Senhora Agente de Execução a nota justificativa de honorários, discriminando os serviços prestados pelo seu advogado e pedindo a atribuição da quantia de € 14.391,00 (…), já com IVA incluído, requerer que seja apreciado pelo Tribunal se existe título executivo para a cobrança de tais honorários.

Para tanto alegam, em síntese, que apenas quando o Exequente se apresenta munido de documento com valor de título executivo relativamente aos honorários do mandatário, poderá o mesmo servir de base à execução para sua cobrança coerciva, que o documento em causa nos autos é particular e não foi elaborado nem autenticado por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal, pelo que nos termos do artigo 46º nº 1 do Código do Processo Civil (na redacção introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro atendendo a que o contrato que deu origem ao título executivo é datado de 14/08/2012) prevê taxativamente que só poderá ser considerado título executivo documento cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.

(…)

Veio a Exequente, notificada do articulado apresentado pelos executados, responder ao mesmo, alegando, grosso modo, que a execução foi já instaurada há 4 anos, que os executados nunca suscitaram qualquer questão sobre os títulos executivos e as condições constantes dos mesmos pelo que são extemporâneas as questões que desenvolvem no seu articulado.».

Nesse âmbito, foi fundamentado e decidido em tal despacho aqui recorrido:

«(…) o contrato que serve de base à execução (documento particular não autenticado) não é título executivo para cobrança das despesas judiciais e extrajudiciais nele previstas.

Tudo sem prejuízo do que vier a ser peticionado a título de custas de parte.

Razão pela qual não se afigura também aqui pertinente a realização de laudo de honorários.

Pelo exposto, decide-se eliminar a quantia relativa à nota de honorários apresentada pela exequente da nota de liquidação a realizar pela Sra. AE.» (cfr. o certificado de fls. 96 v.º do processo físico).

Inconformada, recorre a Exequente, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([5]):

(…)

Na sua contra-alegação, os Executados pugnam pela improcedência do recurso.

Tal recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, foi aqui mantido o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação, limitada a matéria de direito, saber:

a) Qual o adequado valor do recurso;

b) Se há, ou não, fundamento para a decretada eliminação “da quantia relativa à nota de honorários (…) da nota de liquidação a realizar pela Sra. AE”.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

A materialidade fáctica a considerar, para decisão adequada do recurso, é a que consta do antecedente relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que se acrescenta, somente, o seguinte:

1. - No requerimento executivo foi apresentado como valor da execução o de € 34.087,68;

2. - No requerimento de interposição do recurso foi apresentado como valor do recurso o de € 5.001,00;

3. - O pedido recursivo reporta-se a quantia reclamada – de custo de serviços de mandatário judicial no processo – de € 14.391,00.

          B) O Direito

1. - Do adequado valor do recurso

Como visto, é valor da execução o de € 34.087,68.

Porém, não é todo esse valor que está em causa nesta impugnação recursiva, visto só ser objeto de recurso a matéria de honorários/custo de serviços de mandatário judicial no processo executivo, âmbito em que foi reclamado o montante de € 14.391,00, que corresponde, pois, à parte em que a Exequente não obteve vencimento.

Assim, sendo essa a medida do seu considerado decaimento, só nessa parte recorrendo, o valor do recurso haverá de corresponder a tal montante de € 14.391,00.

Pelo exposto, fixa-se em € 14.391,00 o valor do recurso, com as inerentes consequências legais.

2. - Da (in)existência de fundamento para eliminação da quantia relativa à nota de honorários

O Tribunal a quo julgou no sentido da eliminação da quantia relativa à nota de honorários da Exequente por custos com o patrocínio judiciário no âmbito do processo executivo, muito embora houvesse, de algum modo, previsão genérica a respeito no título executivo.

É a seguinte a fundamentação jurídica daquele Tribunal:

«(…) a questão em causa consiste em apurar se, a exequente ao ter apresentado um contrato como título executivo do qual constava a assunção dos executados com as despesas tidas pela exequente com o incumprimento do contrato e feito constar do requerimento de execução, na al. g) “os honorários do seu mandatário a fixar a final do processo”, o valor agora reclamado a título de nota de honorários deve ou não ser incluído na nota de liquidação a apresentar pela Sra. AE porquanto tal quantia faz parte das quantias devidas no âmbito da presente execução.

Adiantamos desde já se entende que não.

A este respeito, vejamos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 30-01-2014, Proc. 26/13.4TBVCT-D.G1, disponível em www.dgsi.pt, o qual tratou questão idêntica à dos presentes autos e com o qual se concorda na íntegra.

Conforme ali sumariado, “1. Podendo as partes contratar que, em caso de cobrança coerciva do crédito, as despesas com o advogado da exequente ficam a cargo do devedor e do avalista executados, documentando esse acordo em cláusula do contrato pelo qual celebraram um mútuo, tal documento vale, em princípio, como título executivo também relativamente à obrigação de pagamento de honorários ali constituída. 2. Quando os honorários do advogado do exequente abrangem, além do mais, o trabalho por ele prestado no processo de execução, só o termo deste permite tornar exigível e líquida a prestação. Só no final da execução é possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar. 3. Porém, naquelas condições e no âmbito de aplicação do art.º 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro, aquele documento contratual particular e não autenticado não vale como título executivo relativamente à cobrança de honorários, por o seu montante não estar determinado nem ser determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. 4. Não obstante, já por via da aplicação do art.º 447º-D, nº 1 e nº 2, al. d), do Código de Processo Civil revogado e atualmente nos termos do art.º 533º, nºs 1 e 2, al. d) e do art.º 25º do Regulamento das Custas Processuais, a parte vencedora tem direito a compensação pela despesa com honorários com o seu advogado, como custas de parte, a suportar dentro dos limites e condições ali previstos, pela parte vencida a final.”

Ora, efectivamente, atendendo à data aposta no contrato que serviu de título à execução, é aplicável o disposto no artigo 46º nº 1 al. c) do Código de Processo Civil, na redação introduzida pelo Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro.

Assim, a redacção aplicável ao caso restringe o âmbito de validade dos documentos particulares enquanto títulos executivos, impedindo a sua exequibilidade quando deles conste a obrigação de pagamento de quantia ilíquida não liquidável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, donde resulta que no caso dos autos o documento que prevê o pagamento dos honorários reclamados só pode valer como título executivo se o seu montante ali estiver determinado ou seja determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes.

Por outro lado, é evidente que a exequente não indicou, nem poderia ter indicado a quantia total a que tem direito pela despesa com honorários, tanto mais que a prestação do serviço do seu mandatário não estava ainda finda e sempre dependerá de factores aleatórios, variáveis e discutíveis, mesmo entre as partes, em ordem à sua determinação e fixação.

Razão também pela qual se conclui que o contrato que serve de base à execução (documento particular não autenticado) não é título executivo para cobrança das despesas judiciais e extrajudiciais nele previstas.

Tudo sem prejuízo do que vier a ser peticionado a título de custas de parte.

Razão pela qual não se afigura também aqui pertinente a realização de laudo de honorários.».

Contrapõe a Exequente/Apelante, em primeira linha, que é válida a convenção alcançada sobre a suportação dos honorários do advogado da Exequente pela intervenção no processo executivo (despesas judiciais para cobrança coerciva do crédito), tendo-se, por isso, os Executados obrigado validamente a respeito.

Porém, nesta parte nada haverá a apreciar, posto que na decisão recorrida nada se disse em contrário de tal validade obrigacional.

Outra coisa – por ser outro o plano a atender – é a força executiva desse âmbito obrigacional, o que depende da existência de cobertura por título executivo.

Assim sendo, o que importa saber é se há título executivo nesta parte, ou, ao invés, ausência de tal título, como entendeu a 1.ª instância.

É certo que os documentos apresentados pela Exequente (“contrato de abertura de crédito” e “hipoteca”) se revestem, em abstrato, de força executiva, razão pela qual puderam fundar a execução dos autos. Nenhuma dúvida, pois, sobre isso.

E também é certo deverem os executados concentrar toda a sua defesa contra a execução mediante a dedução de embargos de executado, não podendo, por regra, fazê-lo mais tarde na execução se não o fizeram mediante tais embargos/oposição (princípio da preclusão dos meios de defesa).

Porém, ficam sempre ressalvadas, como é consabido, questões de conhecimento oficioso, entre elas a da existência, ou não, de título executivo [matéria de que o Tribunal deve, por si, conhecer na pendência da execução – cfr. art.ºs 6.º, n.º 1, 10.º, n.º 5, 726.º, n.º 2, al. a), e 849.º, n.º 1, al.ª f), todos do NCPCiv.].

A questão que agora importa é, então, a de saber se o título executivo dá cobertura à cobrança coerciva dos honorários pretendidos no seio da quantia exequenda. Ou se, ao invés, tal cobrança coerciva é nesta parte inviável nesta execução.

A Apelante convoca dois acórdãos mais recentes dos nossos Tribunais da Relação, um deles – em desacordo – que serviu de respaldo à argumentação da decisão recorrida (e que já antes se mencionou, em citação dessa decisão).

O outro aresto é da Relação de Guimarães – Ac. de 03/05/2018, Proc. 779/17.0T8PTL-A.G1 (Rel. Jorge Teixeira), em www.dgsi.pt –, enfatizando, em sumário, que, «quando os honorários do advogado do exequente abrangem o trabalho por ele prestado no processo de execução, só no final da execução será possível exigir o pagamento e determinar o quantum dos honorários a quem houver de os pagar». E assim sendo, «na condições e no âmbito de aplicação do art.º 703, do Código de Processo Civil, aquele documento contratual particular e não autenticado não vale como título executivo relativamente à cobrança de honorários, por o seu montante não estar determinado nem ser determinável».

E na sua fundamentação de direito logo é colocada a questão de «saber se o contrato junto poderá valer como título executivo para cobrança dos referidos honorários, quando aí se não refere (nem podia referir) o seu concreto valor».

Assim, prossegue este aresto do TRG em que se pretende apoiar a Recorrente:

«Na verdade, sendo manifesto que a obrigação de pagar despesas judiciais e extrajudiciais configura a constituição de obrigações pecuniárias que se encontra contida num documento com força executiva (…), o qual, como é óbvio, só pode valer como título executivo quanto a elas se o seu montante ali estiver determinado ou seja determinável.

Daqui resulta que o título dado à execução vê a sua exequibilidade impedida por dele não constar a obrigação de pagamento de uma quantia líquida ou liquidável.

Como refere Lebre de Freitas, “quando, porém, a liquidação da obrigação exigiria o procedimento incidental do art.º 805º, nº 4, a acção executiva não é admitida, por falta de título”.

E assim sendo, na improcedência da apelação, decide-se confirmar o despacho recorrido, pelos fundamentos acabados de referir.».

Invoca a Recorrente razões de economia e celeridade processual, de molde a, satisfazendo-se a totalidade do seu crédito na execução em curso, se evitar a instauração de outras ações (com produção de novos honorários), apenas para cobrança dos honorários desta execução, cujo final é momento adequado para o juiz, em prudente arbítrio, logo fixar o valor dos honorários da causa.

Compreende-se este tipo de argumentação da Exequente, que pretende evitar a instauração de ações judiciais sequenciais, posto ser essencialmente um só – mas com várias vertentes – o seu crédito a satisfazer.

Porém, parece indiscutível que um segmento do seu crédito exequendo não se encontra integralmente delimitado, no seu montante, no título executivo e nem sequer o está no início da ação executiva.

Com efeito, ao instaurar a ação, a Exequente não sabe – nem pode saber – a quanto vai ascender o crédito por honorários forenses, visto o seu montante depender de eventos/vicissitudes futuros, precisamente a dimensão (qualitativa e quantitativa) da prestação do advogado ao longo do processo executivo.

Não pode dizer-se, pois, que o crédito exequendo, por honorários de advogado (despesas com o processo), já esteja constituído/definido quantitativamente aquando da instauração da execução.

Ao contrário, ele ainda vai materializar-se com o devir do processo executivo, apenas no final do processo, terminada a prestação do advogado, se podendo aquilatar da sua dimensão e da correspondente retribuição (antes não pode saber-se quais as despesas/honorários do advogado que a Recorrente se viu forçada a constituir para instaurar a execução e reaver o seu crédito).

Aqui chegados, há que dar razão ao Tribunal a quo quando, na senda da jurisprudência anteriormente citada, considera não poder o dito “contrato de abertura de crédito em conta corrente” fundar, por si, a execução quanto aos peticionados honorários a cobrar pelo patrocínio nesta ação executiva, posto não ser o seu valor determinável por simples cálculo aritmético à luz do clausulado nesse documento particular (cfr. o certificado a fls. 13 v.º a 18 destes autos em suporte de papel).

Com efeito, à luz do art.º 703.º do NCPCiv. e do antecedente preceito do art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado – este aplicável ao caso, atenta a data de celebração do referido contrato (14/08/2012) e vista a doutrina do Ac. TC n.º 408/2015 (Proc. 340/2015), em DR, 1.ª série de 14/10/2015 ([6]) –, preceito esse que exigia a determinabilidade de montante por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do título/documento particular, o que no caso não se alcança, ocorre deficit do título quanto aos obrigados naquele contrato de abertura de crédito (onde o montante de honorários não está determinado nem é determinável).

Porém, bem lembra a Exequente/Apelante que in casu haverá ainda de atender-se ao também convocado título executivo – conjunto – traduzido na escritura de “HIPOTECA”, documento autêntico (cfr. art.º 363.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.) certificado de fls. 18 v.º a 24, do qual consta que a outorgante, aqui Executada/Recorrida, “N (…), S. A.” constituiu a favor da aqui Exequente/Apelante hipoteca sobre dois prédios rústicos (ali identificados), para garantir o pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de € 30.000,00, contraídas perante aquela Exequente ou a contrair pela Executada “G (…)…”, derivadas de quaisquer operações de natureza bancária, designadamente de empréstimos, aberturas de crédito ou de outras operações de crédito, seja qual for a modalidade, etc., respetivos juros remuneratórios, e, bem assim, despesas, incluídas as com honorários de advogados ou outros mandatários feitas pela Caixa Agrícola para assegurar ou haver o seu crédito e o cumprimento dos cláusulas da presente escritura e respetivo documento complementar, e que, para efeitos de registo, se computam em MIL E DUZENTOS EUROS, num montante máximo garantido estabelecido em quarenta e cinco mil e seiscentos euros (cfr. fls. 20 v.º e 21).

Mais se exarou em tal documento autêntico/escritura de hipoteca que os documentos, sejam de que natureza forem, em que a Executada “G (…)” figure como responsável e que titulem qualquer obrigação ou responsabilidade dela perante a Caixa Agrícola, consideram-se em conexão com esta escritura, da qual ficarão a fazer parte integrante, para todos os efeitos, designadamente de execução (v. fls. 21 v.º).

Quer dizer, diversamente dos restantes Executados (relativamente aos quais a Exequente apenas dispõe de título executivo consubstanciado em documento particular), já quanto à Executada “N (…), S. A.”, que constituiu hipoteca a favor da Demandante, estamos perante documento autêntico, na veste de título executivo, inclusivo, ademais, dos ditos honorários forenses, como despesas (judiciais) com a ação executiva.

Nesta parte, pois, embora se trate de quantia exequenda a determinar apenas no final do processo, não colhe o obstáculo de indeterminabilidade que se impõe para o contrato de abertura de crédito (título particular) também dado à execução.

Donde que, salvo o devido respeito, não possa falar-se de falta de título executivo, quanto a tais honorários, relativamente à Executada “N (…)a, S. A.” (vinculada em documento autêntico), e só a esta.

É certo tratar-se de dois documentos com natureza e alcance diversos – um contendo a obrigação de pagamento (título particular) e outro a obrigação de garantia (escritura/documento autêntico) – mas a deverem ser perspetivados conjugadamente (“em conexão”) e com o documento de garantia a incorporar o documento consubstanciador da dívida, posto expressamente (e decisivamente) constar daquele (garantia) que os documentos, sejam de que natureza forem, em que a aqui devedora “G (…)…” figure como responsável e que titulem qualquer obrigação ou responsabilidade dela perante a Exequente, consideram-se em conexão com esta escritura, da qual ficarão a fazer parte integrante, para todos os efeitos, designadamente de execução.

Para estes casos parece pertinente a seguinte jurisprudência, veiculada em aresto do TRP ([7]):

«I - Se o título executivo (escritura de mútuo com hipoteca) contém uma cláusula na qual se estipula que “são da conta dos devedores todas as despesas judiciais e extrajudiciais que os credores tenham de fazer para segurança e cobrança do seu crédito” terão aí que se incluir os honorários devidos ao advogado do exequente, que são contrapartida do trabalho por este desenvolvido na análise das questões jurídicas suscitadas e nos actos processuais efectuados com vista à realização daquele crédito.

II - O pagamento de tais honorários por parte dos executados deverá concretizar-se só no final da execução e após a apresentação da respectiva conta, seguindo-se, com base na analogia, o procedimento previsto no art. 457, n.º 2 do Cód. do Proc. Civil para a liquidação de honorários a considerar no âmbito da indemnização por litigância de má fé».

Como pode ler-se na fundamentação deste Ac. TRP:

«(…) só quando findar a execução e uma vez apresentada a respectiva conta de honorários, poderá o montante respectivo ser executado, de modo a ser pago pelos próprios executados, em consonância, de resto, com o conteúdo do próprio título executivo.

Contudo, não diz a lei, expressamente, a forma como tal liquidação deverá ser feita.

Poderá, então, seguir-se o caminho que vem sugerido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8.1.1996 e que é o de proceder de modo semelhante ao estabelecido no art. 457, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, para a liquidação de honorários a considerar no âmbito da indemnização por litigância de má fé.

Caminho que se apoiaria na analogia.

É que finda a execução, como se refere nesse acórdão, o exequente deve apresentar a conta de honorários e sobre ela deverão ser ouvidas as pessoas que possam ser prejudicadas com o seu excesso, isto é, o executado e os credores que tiverem sido graduados para ser pagos depois do exequente. Havendo oposição o juiz procederá então como no caso do referido art. 457, nº 2 do Cód. do Proc. Civil.

Por conseguinte, (…) no tocante ao valor dos honorários devidos ao mandatário do exequente, embora os executados sejam responsáveis pelo seu pagamento, trata-se de montante ainda não exigível, devendo ser apurado a final, nos termos que atrás se deixaram referidos.».

Concorda-se com esta corrente jurisprudencial, por parecer a mais conforme, não só, por um lado, com a diversa natureza dos títulos executivos em presença, mas ainda, por outro lado, com os interesses de economia e celeridade processuais atendíveis e acauteláveis desde já.

Assim, a apelação deverá proceder apenas quanto à Executada/Apelada “N (…) S. A.”, devendo, pois, o pedido recursivo triunfar quanto a esta Recorrida, cabendo ao Tribunal a quo, em prudente arbítrio, fixar o valor de honorários do mandatário da Exequente pelo patrocínio nesta execução, a suportar por tal Executada – dentro do peticionado a este título e da cobertura da garantia hipotecária prestada –, com apelo, apoiado em argumento de analogia, se necessário, ao disposto no art.º 543.º, n.º 3, do NCPCiv. (anterior art.º 457.º, n.º 2, do CPCiv. revogado).

No mais (restantes Executados/Apelados), improcede a apelação – sem prejuízo, se necessário, como recordado na decisão em crise, do que houver de ser ponderado em sede de custas de parte.


***

IV – Sumário (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Dados à execução, no âmbito do título executivo, em moldes complementares, dois documentos com natureza e alcance diversos – um contendo a obrigação de pagamento (contrato de abertura de crédito/título particular, celebrado em 14/08/2012) e outro a obrigação de garantia (escritura de hipoteca/documento autêntico) –, devem os mesmos ser perspetivados conjugadamente e com o documento autêntico de garantia a incorporar a substância obrigacional do título particular, posto expressamente constar daquele (garantia) que os documentos, sejam de que natureza forem, em que a devedora figure como responsável e que titulem qualquer obrigação ou responsabilidade dela perante a exequente, “consideram-se em conexão com esta escritura, da qual ficarão a fazer parte integrante, para todos os efeitos, designadamente de execução”.

2. - Constando do contrato de abertura de crédito e da escritura de hipoteca a obrigação de pagamento à credora/exequente das despesas com honorários do mandatário desta para cobrança executiva do crédito, fica o executado garante obrigado à respetiva satisfação coativa, em montante a determinar a final.

3. - Como vem entendendo a jurisprudência, o pagamento de tais honorários por parte executada deverá concretizar-se só no final da execução, seguindo-se, com base na analogia, o procedimento previsto para a liquidação de honorários a considerar no âmbito da indemnização por litigância de má-fé.

4. - Já quanto aos obrigados no contrato de abertura de crédito inexiste título executivo que permita o cumprimento coercivo daquela despesa de honorários, a qual, por natureza, abrange o trabalho a ser prestado no decurso do processo executivo, só no seu terminus sendo possível exigir o pagamento e determinar o quantum.

5. - Assim, à luz do art.º 703.º do NCPCiv. e do antecedente preceito do art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado – este aplicável ao caso, atenta a data de celebração do contrato e vista a doutrina do Ac. TC n.º 408/2015 (Proc. 340/2015), em DR, 1.ª Série de 14/10/2015 –, preceito esse que exigia a determinabilidade de montante por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas constantes do título/documento particular, o que no caso não se alcança, ocorre deficit do título quanto aos obrigados naquele contrato de abertura de crédito (onde o montante de honorários não está determinado nem é determinável).

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência da apelação, em:
a) Revogar a decisão recorrida no respeitante à Executada/Apelada “N (…) S. A.”, triunfando o pedido recursivo quanto a esta Recorrida, devendo, por isso, ao Tribunal a quo, em prudente arbítrio, fixar o valor de honorários do mandatário da Exequente pelo patrocínio forense nesta execução, a suportar por tal Executada (dentro do peticionado a este título e da cobertura da garantia hipotecária prestada), com apelo, se necessário, ao disposto no art.º 543.º, n.º 3, do NCPCiv. (anterior art.º 457.º, n.º 2, do CPCiv. revogado);
b) Manter no mais a decisão impugnada.

Custas da apelação e na 1.ª instância (quanto a esta matéria incidental) pela Exequente/Apelante e pela Executada/Apelada “N (…) S. A.”, na proporção de metade.

Fixa-se em € 14.391,00 o valor do recurso, com as inerentes consequências legais.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 11/12/2018

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 04/02/2014 (cfr. o certificado a fls. 26 dos autos em suporte de papel).
([2]) Em quantia certa, correspondente ao valor atribuído à execução.
([3]) Cfr. requerimento executivo e respetiva liquidação da obrigação, com certificação a fls. 1 e 11 a 13 dos autos em suporte de papel, mormente o art.º 11.º e a oferecida liquidação da obrigação, onde se conclui que «Os honorários do mandatário da exequente, da responsabilidade dos executados, serão reclamados e fixados a final da execução» (negrito aditado).
([4]) Em 10/05/2018.
([5]) Que se deixam transcritas.
([6]) Aresto que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art.º 703.º, n.º 1 do NCPCiv., quanto aos documentos particulares emitidos antes da entrada em vigor do NCPCiv. e que eram considerados títulos executivos no horizonte daquele anterior art.º 46.º, n.º 1, al.ª c), do Cód. revogado.
([7]) Ac. de 01/03/2011, Proc. 101/07.4TBMGD-B.P1 (Rel. Rodrigues Pires), em www.dgsi.pt. Também no citado Ac. TRG de 30/01/2014 se admitiu que “o caminho a prosseguir é proceder, por analogia de situações, de modo semelhante ao estabelecido no art.º 457º, nº 2, do Código de Processo Civil, para a liquidação de honorários a considerar dentro da indemnização por litigância de má fé”, preceito esse correspondente ao atual art.º 543,º, n.º 3, do NCPCiv..