Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3931/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PAISAGEM PROTEGIDA
Data do Acordão: 03/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 24.º, N.º 5 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES DE 1991, DECRETO-LEI N.º 438/91 DE 9/09.
Sumário: 1. No domínio do Código das Expropriações de 91, aprovado pelo Dec.-Lei nº 438 de 9/9, não é aplicável o nº 5 do artigo 24º do referido Código à classificação de um terreno, pertencente a um Parque Nacional, integrado em zona qualificada administrativamente de paisagem protegida, em que a construção se ache casuisticamente dependente de autorização da entidade directora do Parque.
2. Deverá, por isso, tal terreno ser classificado como solo apto para outros fins, nos termos da al.ª b) do nº 1 do mesmo artigo 24º, sempre que essa entidade, no caso concreto e em absoluto, tenha excluído a possibilidade de nele ser levada a efeito a construção de edifícios, e ainda que o mesmo preencha os requisitos previstos na al.ª do nº 2 daquele artigo.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nestes autos de expropriação em que é entidade expropriante a Câmara Municipal de Alcanena e são expropriados A... e mulher B..., foi adjudicada àquela a propriedade de terreno com a área de 8.292 m2, sita no lugar do Mirão, freguesia de Minde, concelho de Alcanena, inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o art.º 39, secção L, descrita sob o nº 1920 e inscrita a favor dos expropriados pela Ap. 05/30.12.94 na Conservatória do Reg. Predial respectiva, tendo tal expropriação por finalidade a execução do projecto de construção da Estação de Tratamento de Águas Residuais e espaços circundantes integrada na empreitada da concepção, construção e exploração do sistema de águas residuais de Minde e Mira D’Aire.
A declaração de utilidade pública foi publicada em Diário da República no dia 14 de Agosto de 1998.
No âmbito da arbitragem entretanto promovida foi proferida decisão arbitral em que unanimemente foi atribuída à parcela o valor de Esc. 9.050.500$00.
Desta decisão foi interposto recurso para o tribunal da comarca de Alcanena, com o depósito do valor arbitrado.
Admitido o recurso, o processo seguiu a sua tramitação legal, tendo-se procedido à avaliação nos termos do art.º 61, nº 2 do C. das Exp. (1991), tendo os peritos, por maioria, baseados na qualificação da parcela como solo apto para outros fins, acordado no valor de indemnização de Esc. 10.043.000$00; contra o laudo do perito dos expropriados de Esc 49.430.307$00, partindo este da qualificação da parcela como solo apto para construção.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e solicitou-se oportunamente à Direcção do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) informação relativa à eventual autorização de implantação de uma construção no terreno expropriado.
Na sentença, julgando improcedentes os recursos interpostos por expropriante e expropriada, fixou em € 50.094,27 o montante da indemnização a pagar pela expropriante pela parcela, actualizado de acordo com a evolução do índice médios de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, desde a data da declaração da utilidade pública até ao trânsito em julgado da sentença.
Inconformadas, apelaram expropriante e expropriada, pretendo aquela que a indemnização devida não ultrapasse o valor de 272$00/m2; e esta que se condene a expropriante no valor da parcela como terreno com aptidão construtiva, em função de nova perícia a ordenar.
Houve contra-alegações de cada uma das recorridas.
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Colhidos os vistos, cumpre dcidir.
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São os seguintes os factos dados como provados em 1ª instância:
Conforme declaração publicada na II Série, do Diário da República de 14 de Agosto de 1998, foi expropriada uma parcela de terreno com a área de 8.292 m2, sita no lugar do Mirão, na Freguesia de Minde, Concelho de Alcanena, a confrontar do Norte com Maria Noémia Fernandes Capaz Henriques, do Sul com os próprios, do Nascente com a Estrada Nacional nº 243 e do Poente com caminho, inscrita na matriz predial rústica da referida Freguesia sob o artigo 39, da secção L, descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o número 1920 e aí registada a sua aquisição a favor dos expropriados A... e B... pela Ap. 06/30.12.94, expropriação para a execução do projecto de construção da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e espaços circundantes, integrada na empreitada de concepção, construção e exploração do sistema de águas residuais de Minde e Mira de Aire;

Foi efectuada a vistoria ad perpetuam rei memoriam no dia 20 de Agosto de 1998, a qual consta de fls. 38 a 40 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
O terreno expropriado tem uma forma geométrica irregular, com um solo de natureza franco-argilo-calcária e ligeiramente inclinado;

No prédio expropriado existe:
- um barracão, com 11 metros de comprimento, 6,20 metros de largura e 2,60 metros de altura, construído com blocos de cimento, com cobertura em telhas de fibrocimento assentes sobre armação de madeira, excepto da cumieira que é em betão armado, encontrando-se as paredes totalmente rebocadas.
O barracão é acessível através de um portão de ferro, de duas folhas, com 2, 55 metros de largura e 2,15 metros de altura e iluminado através de duas janelas envidraçadas, fixas, com caixilho em ferro, com 1,50 metros de largura e 1 metro de altura;
- um depósito em blocos de cimento, rebocado pelo interior, coberto por uma laje de betão armado com 3,47 metros de comprimento, 3,35 metros de largura e 3 metros de altura;
- um muro situado do lado Norte em blocos de cimento, chapiscado pelas duas faces, com 163 metros de comprimento, espessura de 0,20 metros e altura de 2,20 metros, travado por pilares de betão armado, de secção quadrada de 0,25 metros de lado e espaçados de 5 metros;
- um muro situado do lado Sul em blocos de cimento, chapiscado pelas duas faces, com 57 metros de comprimento, espessura de 0,20 metros e altura de 2,20 metros, travado por pilares de betão armado, de secção quadrada de 0,25 metros de lado e espaçados de 5 metros;
- um muro de betão ciclópico situado do lado Nascente, com 113 metros de comprimento, espessura média de 0,50 metros e altura média de 1,70 metros, encimado por uma parede de bloco de cimento, chapiscada pelas duas faces, com 0,20 metros de espessura e 2,20 metros de altura média;
- um muro de betão ciclópico situado do lado Poente, com 12 metros de comprimento, espessura média de 0,30 metros e altura média de 0,60 metros, encimado por uma parede de bloco de cimento, chapiscada pelas duas faces, com 2,20 metros de altura e 0,20 metros de espessura;
- um muro de betão ciclópico com 50 metros de comprimento, 0,30 metros de espessura média e 2 metros de altura;
- um murete constituído por uma fiada de blocos de cimento com 68,50 metros de comprimento;
- um portão em ferro, de duas folhas, com 4,70 metros de largura e 3 metros de altura;
- um portão em ferro, de uma folha, com 1,70 metros de largura e 1,80 metros de altura;

No prédio expropriado existem:
- 50 oliveiras grandes;
- 68 oliveiras médias;
- 4 pereiras médias;
- 1 damasqueiro médio;
- 6 pessegueiros médios;
- 1 macieira média;
- 6 marmeleiros;

O prédio expropriado é acessível não só através da Estrada Nacional nº 243, de piso betuminoso, na qual se encontram instaladas as redes públicas de fornecimento de energia eléctrica e telefónica e uma conduta adutora de água, mas também através de um caminho vicinal, com o piso em terra batida;

A parcela expropriada não dispõe, junto dela, de quaisquer infra-estruturas urbanísticas;

O prédio expropriado não se integra em qualquer aglomerado urbano;

Do lado Nascente da Estrada Nacional 243 existe diversa construção de particulares;

10º O prédio localiza-se entre as duas Vilas de Mira de Aire e de Minde (quase a meia distância destas localidades);

11º O prédio expropriado está integrado em zona classificada pelo Plano Director Municipal de Alcanena como espaço natural e cultural (cf. artº 41º da Resolução do Conselho de Ministros nº 98/94, publicada no DR nº 231, I Série-B, de 6 de Outubro de 1994);

12º O prédio expropriado está integrado em zona classificada pelo Regulamento do Parque Nacional das Serras de Aire e dos Candeeiros como paisagem protegida (cf. artºs 3º, nº 2, al. d) e 7º do respectivo Regulamento aprovado pela Portaria nº 21/88, de 12 de Janeiro);

13º Por acórdão arbitral, o valor unitário do terreno foi calculado com base na produção de 10 000 Kg de batata/hectare, com encargos de produção de 50 %, preço de Esc.: 30$00/Kg de batata e taxa de capitalização de 3 %, resultando em Esc.: 500$00/m2 x 8.292 m2= Esc: 4.146.000$00.
Considerando as oliveiras grandes e médias, as pereiras médias, o damasqueiro médio, os pessegueiros médios, a macieira média e os marmeleiros, a parcela foi avaliada em Esc: 5.127.000$00.
Foi, ainda, atribuído às benfeitorias existentes o valor de Esc: 3.923.500$00, obtendo-se, assim, o valor indemnizatório total de Esc.: 9.050.500$00;

14º Os peritos do tribunal e da entidade expropriante nomeados na fase de recurso, a fim de efectuarem a avaliação que no âmbito dos presentes autos foi ordenada, qualificaram o solo da parcela expropriada como um solo apto para outros fins e determinaram o valor do terreno com base numa rotação anual de batata e ferrejo, com uma produção de batata de 10 000 Kg/ /hectare, com a batata valorizada a Esc:32$50Kg e com encargos de produção de 60 %, sendo ao ferrejo atribuída uma produção de 13 000 Kg/hectare, com o valor de Esc: 5$50/Kg e encargos de produção de 40 % e aplicando uma taxa de capitalização de 3,5%, apuraram o valor de Esc: 494$00/m2.
Às oliveiras grandes atribuíram o valor de Esc: 8.500$00 por unidade, às oliveiras médias o valor de Esc: 6.500$00 por unidade, às pereiras médias o valor de Esc: 7.000$00 por unidade, ao damasqueiro médio o valor de Esc: 7.500$00 por unidade, aos pessegueiros médios o valor de Esc: 7.500$00 por unidade, à macieira média o valor de Esc: 7.000$00 por unidade e aos marmeleiros médios o valor de Esc: 8.000$00 por unidade.
Valorizaram o barracão no montante de Esc: 421.401$40.
Ao depósito atribuíram o valor de Esc: 128.653$40.
Avaliaram os muros e murete no montante global de Esc: 4..180.041$60.
Aos portões de ferro atribuíram o valor de Esc: 214.500$00.
Assim, considerando o valor do terreno (a que atribuíram o valor total de Esc: 4.096.248$00), as árvores (a que atribuíram o valor total de Esc: 1.002.500$00) e as benfeitorias existentes (a que atribuíram o valor total de Esc: 4.944.596$40), fixaram o valor indemnizatório total no montante de Esc: 10.043.000$00 (por arredondamento);

15º O perito dos expropriados concluiu, que estudada a capacidade de integração da parcela expropriada em cada uma das alíneas do nº 2 do artº 24º do Código das Expropriações, o solo expropriado terá que ser considerado como apto para a construção e atribuiu-lhe o valor de Esc: 4.900$00 por m2, sendo o seu valor total Esc: 40.630.800$00 (8.292m2xEsc:4.900$00/m2=Esc:40.630.800$00).
Avaliou cada uma das oliveiras grandes no valor de Esc: 8.500$00 por unidade, as oliveiras médias no valor de Esc: 6.500$00 por unidade, as pereiras médias no valor de Esc: 7.000$00 por unidade, o damasqueiro médio no valor de Esc: 7.500$00 por unidade, os pessegueiros médios no valor de Esc: 7.500$00 por unidade, a macieira média no valor de Esc: 7.000$00 por unidade e os marmeleiros médios no valor de Esc: 8.000$00 por unidade.
Valorizou o barracão no montante de Esc: 959.817$20.
Ao depósito atribuiu o valor de Esc: 204.996400.
Avaliou os muros e murete no montante global de Esc: 6.417.694$60.
Aos portões de ferro atribuiu o valor de Esc: 214.500$00.
Assim, considerando o valor do terreno, as árvores e as benfeitorias existentes, fixou o valor indemnizatório total no montante de Esc: 49.430.307$00.

16º A Directora do PNSAC informou nos autos, em 22 de Dezembro de 2003, a solicitação dos peritos, que (...) considerando que a parcela expropriada se encontra bastante afastada dos perímetros urbanos de Minde e de Mira de Aire, nunca podia ter viabilidade em termos construtivos, visto que qualquer tipo de construção que fosse viabilizada para o local, iria provocar a dispersão da construção na paisagem, além de promover mais construção em torno do Polge de Minde.
O Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros faz parte das Comissões Técnicas de Acompanhamento dos Planos Directores de Alcanena e Porto de Mós, nas quais emite parecer acerca do Ordenamento Proposto pelas equipas dos Planos, em especial as expansões dos perímetros urbanos. As soluções para as carências urbanísticas de Minde e de Mira de Aire passam pela expansão dos actuais perímetros urbanos para outras zonas e não para o local onde se insere a presente parcela.
De acordo com o mencionado, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 118/79, de 4 de Maio, informamos que a Direcção do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, emitiria na presente data e face à legislação em vigor, um parecer desfavorável relativo a qualquer tipo de construção, excepto aquelas que tenham carácter pontual e sirvam para a instalação de equipamentos públicos, quando não existe alternativa para a sua implantação e quando estes são devidamente fundamentados (...).

17º A zona de Minde não é uma zona de produção de azeite, por excelência;

18º O prédio objecto da expropriação servirá para instalar uma obra que representa a execução de uma empreitada de construção de uma Estação de Tratamento de Águas Residuais, composta por edifícios e estruturas de aterro, implicando alterações à morfologia natural do relevo, nomeadamente através de escavações ou aterros;

19º A construção da obra em questão é financiada por capitais públicos.
Após a sua construção, está prevista uma participação de capitais particulares, pela sua utilização por parte da indústria localizada na zona de Minde e de Mira de Aire;

20º Nos aglomerados urbanos próximos de Minde e de Mira de Aire, não existe estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento;

21º O ar apresenta-se, no essencial, despoluído, por se situar numa zona bastante arborizada do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e no sopé da serra.
Os únicos elementos poluidores são os combustíveis das viaturas que circulam na Estrada Nacional nº 243;

22º O solo, no essencial, não apresenta poluição;

23º Encontram-se encerradas algumas das indústrias de curtumes e tinturarias outrora existentes em Minde e Mira de Aire, bem como algumas outras actividades passíveis de perturbar o ecossistema local;

24º Junto da parcela expropriada inexistem elementos potenciais criadores de níveis de ruído, como sejam indústrias ou construções de natureza similar;

25º A luminosidade é total;

26º Quanto a vistas, não se vê edificação que tape uma visão de vários hectares de terreno com sobreiros, campos verdes (no Verão) e zona de serra pela frente;
27º Cheira a sobreiros, oliveiras e terra seca;

28º Situada na margem Norte do distrito de Santarém, a zona apresenta condições climatéricas amenas, sem temperaturas exageradas no Verão e sem Invernos rigorosos;

29º Em alguns Invernos, do lado Poente da parcela, cresce uma lagoa, que permite o exercício da pesca e de outras actividades lúdicas;

30º A Freguesia de Minde é abastecida pelas águas da barragem de Castelo de Bode;

31º O terreno expropriado encontra-se em zona de minifúndio;


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Embora os recursos devam, em princípio, ser apreciados segundo a ordem de interposição, tomar-se-á conhecimento em primeiro lugar do recurso dos expropriados, por a procedência do mesmo poder acarretar a realização de nova diligência de avaliação.
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A apelação dos expropriados
Nas respectivas alegações, concluem estes recorrentes levantando as seguintes questões:
A – A classificação do terreno da parcela deverá inclui-lo como solo apto para a construção, por estar servido de acesso rodoviário e rede de abastecimento de água, energia eléctrica e saneamento, nos termos da al.ª a) do nº 2 do art.º 24 do Código das Exp. (conc. 1ª a 3ª).
B – O Regulamento do Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros (PNSAC), onde se situa a parcela, não constitui um regulamento impeditivo da construção, para o efeito do nº 5 do art.º 24 daquele Código, tão-só fazendo depender a construção, casuisticamente, da autorização da direcção do Parque (conc. 4ª).
C – Há inconstitucionalidade nas interpretações desta norma do nº5 do art.º 24 que conduzam ao afastamento no caso concreto da referida qualificação – de solo apto para a construção – por violação do princípio da igualdade enunciado no art.º 13 da Lei fundamental e por ofensa da regra da justa indemnização do art.º 62 da mesma Lei, seja por os expropriados ao abrigo do novo Código de 99 não serem abrangidos por norma idêntica àquela (conc. 5ª), seja por ser dado tratamento diferente à Administração permitindo a implantação da obra justificativa da D.U.P.(conc. 6ª), seja ainda por a entidade expropriante e a própria Direcção do Parque terem autorizado e continuarem a autorizar a construção na área do Parque e mesmo em zonas contíguas às da parcela (conc. 7ª).
D – Não há equivalência entre a indemnização fixada e o benefício, muito superior, alcançado pela colectividade com a expropriação (conc. 8ª).
E – Impõe-se a aplicação analógica ao caso do nº 2 do art.º 26 do Código das Exp. de 91.
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Nos termos dos art.ºs 684, nº3 e 690, nº 1 do CPC, o objecto do recurso está balizado pelas respectivas conclusões.
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1ª Questão:
A classificação do solo da parcela, à luz do disposto no art.º 24 do CE de 1991, só pode ser integrada, tendo em conta os factos apurados, na categoria respeitante ao solo para outros fins por exclusão da relativa ao solo apto para construção (nº 1, al.ªs a) e b)).
Dispõe o nº 2 do referido art.º 24:
«Considera-se solo apto para construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir.
b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações ocuparem dois terços da área apta para o efeito;
c) O que esteja destinado, de acordo com o plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública …».
E o n.º 5 dessa norma preceitua que para “efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção».
Ora, à data da declaração de utilidade pública, a parcela não possuía quaisquer dos apontados requisitos de que dependeria a sua aptidão para esse fim. A saber:
a) não possuía infraestruturas urbanísticas, isto é, redes de abastecimento de água, energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações que nela se construíssem, apesar de acessível pela EN 243, estando nesta instalada rede pública de energia eléctrica;
b) não pertencia a qualquer núcleo urbano;
c) estava integrada em zona classificada como paisagem protegida pelo Regulamento do Parque Nacional das Serras de Aire e dos Candeeiros como espaço natural e cultural pelo PDM de Alcanena, pelo que, não poderia estar destinado a adquirir as características descritas em a);
d) não possuía alvará de loteamento ou licença de construção.
Improcedem assim as conclusões 1ª, 2ª e 3ª.
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2ª Questão:
O problema agora levantado tem que ver com a aplicabilidade da regra subsidiária do nº 5 do art.º 24 do CE de 1991, que prescreve a equiparação a solo para outros fins daquele solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado para construção.
Resultando do facto provado sob o nº 11º que o prédio expropriado está integrado em zona classificada pelo Plano Director Municipal de Alcanena como espaço natural e cultural (cf. art° 41° da Resolução do Conselho de Ministros n° 98/94, publicada no DR n° 231,1 Série-B, de 6 de Outubro de 1994); e do facto 12° que o mesmo está integrado em zona classificada pelo Regulamento do Parque Nacional das Serras de Aire e dos Candeeiros como paisagem protegida (cf. art°s 3°, n° 2, al. d) e 7° do respectivo Regulamento aprovado pela Portaria n° 21/88, de 12 de Janeiro), é patente que sobre a parcela foram impostos vínculos situacionais de natureza pública.
No caso em apreço, não parece que se possa defender a inexistência de leis ou regulamentos que arredassem a utilização do solo para a construção, por a mesma ser permitida, à luz do art.º 7º Portaria 21/88 de 12/1, para tanto “bastando que a direcção do PNSAC a autorize». Ora, sendo certo que nos termos do referido art. 7º, n 4, al. b), “a direcção do Parque poderá fundamentadamente autorizar a implantação de qualquer tipo de construção”, a verdade é que, tal como se apurou, dada a concreta inserção espacial do terreno, nunca ocorreria tal autorização, ou seja, nunca se verificaria o condicionalismo legalmente imposto para essa hipotética utilização do solo (cfr. facto nº 16). Por conseguinte, existia uma restrição à construção ditada pela lei ou dela decorrente.
A proibição de construir em solos integrados em paisagem protegida, em espaço natural e cultural, na Reserva Agrícola Nacional, assim como na Reserva Ecológica Nacional ou em áreas non aedificandi, previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de urbanização ou Planos de pormenor, é uma coarctação ao direito de propriedade, consequência da situação dos solos com tais características e da especial afectação que o legislador lhes confere (enumerando embora o número restrito de situações excepcionais em que é permitida a utilização de tais solos para fins diferentes e fazendo-as depender de parecer prévio favorável de entidades para o efeito vocacionadas).
Não colhe, portanto, a conclusão em apreço (4ª) de que só existiria impedimento, casuístico e incerto, à construção na parcela expropriada.
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3ª Questão:
Trata- se aqui de dirimir a eventual dúvida sobre a violação dos princípios constitucionais da igualdade (art. 13º), e da justa indemnização (art. 62º) ou da proporcionalidade (art.º 5º, nº 2 do CPA). Sendo já postulada a impossibilidade qualificativa da parcela como solo apto para construção em função dos requisitos elencados no nº 2 do art. 24 do Código em causa, não se deixará de tomar posição sobre tal dúvida.
Como, a propósito da RAN entendeu o Ac. do T.C. n.° 347/2003, tratam-se de restrições “que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos’. Esse aresto acrescentou:
“Estamos, pois, perante restrições constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa indemnização, dada aquela sua vinculação situacional, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma situação jurídica”.
“(…) Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo ao valor da indemnização a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a expropriação.”
Nesse mesmo sentido se pronunciou o acórdão do mesmo Tribunal n° 275/04, publicado no Diário da República, Il Serie, de 8 de Junho de 2004 que observou:
“ Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu justo valor, nas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que tenham si ao contemplados com a expropriação”.
O recente acórdão do TC n.° 114/2005 de 1/3/05 (DR II Série de 9/6/05) fez notar que sempre que esse Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre a incompatibilidade da norma do nº 5 do art.º 24 do CE de 1991 com os parâmetros constitucionais concluiu sempre pela não verificação do vício. E que no caso único do Ac. nº 267/97 (DR de 21/05/97, II Série) só concluiu pela inconstitucionalidade em razão de a integração do terreno na RAN ter funcionado como simples modo de a Administração expropriante depreciar o valor do solo e da indemnização. Não sendo despiciendo referir que a ratio decidendi do aresto residiu no facto da expropriação, desacompanhada da desafectação da RAN, ter sido efectuada para a edificação de construções urbanas.
Por outro lado, não tem qualquer relevo, ao contrário do que é enfatizado pelos apelantes, a hipotética modificação ou desaparecimento do princípio estabelecido no nº5 do art. 24 do C. de 1991 no texto do actual Código de 1999, aprovado pela Lei nº 168/99 de 18/09 (Elias da Costa, no seu Guia das Expropriações …, 2ª ed., p. 284 entende ser defensável a continuação da sua aplicação).
Como inexiste tratamento injustificadamente diferenciado da Administração ao permitir-se lhe a implantação da obra visada na declaração de utilidade pública, se se tiver em atenção o interesse público que originou a restrição dos direitos particulares e o correspondente vínculo situacional.
Uma vez que a construção não está rigorosamente interdita aos proprietários em toda a área do parque, como flui do respectivo diploma, não podem os apelantes trazer à liça casos de parcelas mais ou menos próximas em que casuisticamente a construção foi autorizada ou licenciada.
Não colhem, por conseguinte, as conclusões 5ª, 6ª e 7ª.
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4ª Questão:
Pretendem os apelantes que a indemnização devida seja de certo modo correspondente ao benefício que socialmente a entidade expropriante retira para o empreendimento tido em vista.
No entanto, emerge com nitidez dos comandos ínsitos nos art.ºs 1ª e 22ª do CE de 1991, de harmonia com a norma constitucional do nº2 do art.º 62, que a justeza da indemnização a satisfazer se mede unicamente pelo prejuízo advindo do acto expropriativo, isto é, pelo quantum necessário e suficiente para restaurar a integridade do património do expropriado atingido por aquela lesão potestativa.
O que se objectiva é tão-só “restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos”(cfr. Menezes Cordeiro e Teixeira de Sousa, Col. de Jurisp., Ano XV, Tomo V, 25).
Daí que, nessa avaliação, seja indiferente a maior ou menor importância do destino projectado pela expropriante para o solo em causa, de todo lateral para a igualdade entre os potenciais expropriados.
Não colhe, deste modo, a 8ª conclusão das alegações.
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5ª e última Questão:
Querem os apelantes que, lançando mão da analogia, na inoperância dos restantes fundamentos para a aplicação dos critérios indemnizatórios dos solos com aptidão edificativa, seja a indemnização devida submetida ao critério do nº2 do art.º 26 do Código respectivo.
Segundo este preceito, o valor dos solos incluídos em zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento (adquiridos em data anterior à vigência respectiva) será determinado em função do valor médio das construções edificáveis nas parcelas da área envolvente cujo perímetro se situe a 300 m do limite do terreno expropriado.
Tratar-se-ia de evitar, dessa forma, as tentativas de manipulação por parte da Administração, aprovando a classificação de um terreno como zona verde para depois o poder adquirir por um preço inferior (Alves Correia, Código das Expropriações e outra Legislação, Lisboa. Ed. Notícias, 1992, p. 23).
Sendo portanto uma norma excepcional, também pressupõe que o solo obedeça aos requisitos de aptidão construtiva do nº2 do art. 24 do Código, o que arreda desde logo a sua aplicação analógica à natureza da parcela expropriada.
Improcede, então, esta derradeira conclusão e com ela baqueia a apelação.
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A apelação da expropriante
São as seguintes as questões envolvidas nas conclusões deste recurso:
A – A sentença é nula porque não especificou os fundamentos ou factos porque aderiu à avaliação;
B – O terreno não podia ser avaliado com base na produção inexistente e inviável de batata, devendo ser valorizado com base na produção de ferrejo ou azeite, no valor de 272$00/m2.
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1ª Questão:
Para pedir a anulação da sentença, a apelante/expropriante, invocando o art. 668 do CPC, alude à «falta/insuficiência» da sua fundamentação, ao não especificar os factos e as razões por que aderiu a avaliação da peritagem, em detrimento das razões invocadas no seu recurso.
A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al.b) do n° l do art. 668 do CPC).
A falta de motivação prevista na dita alínea é a total omissão dos fundamentos em que assenta a decisão, não afectando o valor desta a mera deficiência na respectiva fundamentação (v. Ac. do STJ de 5/1/1984 BMJ 333°-398). A insuficiência ou mediocridade da fundamentação da sentença não determina a sua nulidade. Afecta apenas o respectivo valor doutrinal sujeitando-a, por isso, ao risco de ser revogada ou alterada em recurso (v. Ac. da RL de 17/1/1991, CJ, Ano respectivo, T. 1°-121). Outra questão – que nada tem a ver com o indicado vício – é a da adequação dessa fundamentação aos princípios jurídicos aplicáveis.
A sentença, seguindo os passos das operações de cálculo dos peritos, atribuiu fiabilidade aos valores da produção por hectare de cada cultura possível, preços de comercialização e encargos, bem como julgou acertados os valores atribuídos às árvores e benfeitorias. A discordância ou divergência sobre o decidido contende com um eventual erro de julgamento, que não fulmina de nula aquela decisão.
Não colhe, portanto, a 1ª conclusão.
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2ª Questão:
Pretende a apelante que o valor do terreno se circunscreva apenas à sua capacidade produtiva de ferrejo ou azeite –em alternativa – excluindo-se pelas suas características a potencialidade produtiva de batata, não atacando os valores unitários de comercialização, encargos e taxa de capitalização que foram tomados em conta. Na verdade, quanto a valores, limita-se a propor um valor por metro quadrado, que nada tem a ver com os critérios legais para a classificação do solo.
No que concerne ao cálculo da justa indemnização deve atender-se ao disposto no art. 26° do CE, nos termos do qual, o “valor dos solos para outros fins será calculado tendo em atenção o seu rendimento efectivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e as circunstâncias objectivas susceptíveis de influírem no respectivo calculo”.
Perante todos os elementos fornecidos pelos autos, é insofismável que um aproveitamento do terreno em condições óptimas, tal como fora subsidiariamente defendido pelos Expropriados, permitiria a produção rotativa de batata e ferrejo, como é apontado por todos os peritos, assim como a óbvia produção de azeite, que se retira, sem mais, do povoamento arbóreo do terreno.
Em resposta ao quesito G-2, formulado pela expropriante, em que se perguntava se um terreno com determinadas características – idênticas supostamente à da parcela expropriada – produziria 10.000 k/hectare ou 6.000k/hectare de batata, as respostas coincidiram em que “Tendo em conta a descrição do solo contida no Auto de Vistoria “ad Perpetuam Rei Memoriam”, o solo nu da parcela expropriada pode, como sequeiro, produzir 10.000 Kg/ha, ano de batata”. Articulada esta afirmação com a que está ínsita a fls. 340 (Relatório) de que a parcela “… agrologicamente apresentava muito boa capacidade de uso para as culturas de sequeiro” e com a circunstância de ter sido óbviamente negligenciada a produção de azeite e, por força disso, a funcionalidade das oliveiras (cfr. o facto provado em 17 sobre a falta de apetência qualitativa da zona para essa produção específica), afigura-se não merecer censura a posição da sentença de considerar a produtividade da parcela em relação à batata nos valores apontados pelos peritos.
Não colhe, por conseguinte, esta 2ª e última conclusão.
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Sobre a actualização da indemnização fixada:
Decretou-se na sentença recorrida que a indemnização fixada seria actualizada de acordo com a evolução dos índices médios de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, desde a data da declaração de utilidade pública até ao trânsito em julgado da decisão.
Porém, tendo sido atribuída aos expropriados parte daquele valor (fls. 332), não se mostra que tenha sido ordenada a actualização nos termos da jurisprudência obrigatória fixada pelo Ac. do STJ 7/2001 de 12/07/01, publicado no DR 1ª S.-A de 25/10/01.
Assim como, no cômputo do lapso temporal da actualização, em cumprimento da mesma jurisprudência, deveria ter sido tomada em conta a data da publicação da DUP em lugar da data desta mesma declaração.
Importa pois modificar a decisão nestes aspectos.
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Pelo exposto, acordam em julgar essencialmente improcedentes as apelações; mas revogar a sentença na parte em que ordenou que a actualização da quantia fixada para a indemnização se contasse desde a data da declaração de utilidade pública da parcela, alterando-se a decisão de modo a que tal actualização se conte desde a data da publicação da dita declaração de utilidade pública, devendo ser observada a jurisprudência obrigatória do referido Ac. do STJ 7/2001 de 12/07/01, publicado no DR 1ª S.-A de 25/10/01, em tudo o mais se mantendo o decidido pela 1ª instância.
Custas das apelações pelas respectivas apelantes.

Coimbra, / /