Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
264/22.9T8OHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
JUIZ NATURAL
PRINCÍPIO DA PLENITUDE DO JUIZ
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 32.º, 1 E 9, DA CRP
ARTIGOS 115.º; 119.º; 124.º; 363.º; 366.º, 6; 372.º, 1, A) E B); 379.º; 388.º, 2 E 605.º, DO CPC
Sumário: I. Não viola o princípio do juiz natural o facto de o juiz aprecia e decide a oposição ao decretamento da providência, não seja o mesmo que a decretou inicialmente.

II. Já o princípio da plenitude do juiz exige que a audiência e decisão da oposição, seja feita pelo mesmo juiz que decidiu inicialmente a providência cautelar, decretando-a.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra.                                                           Proc.º n.º 264/22.9T8OHP.C1

                                                           1.- Relatório

            1.1.- AA, viúva, contribuinte n.º ..., residente na Rua ..., ... ... e BB, contribuinte n.º ..., e mulher CC, contribuinte n.º ..., residentes na Rua ..., ... ..., na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa deixada por óbito dos seus pais DD e mulher EE, intentaram o Procedimento Cautelar para Restituição Provisória da Posse, contra FF, viúva, contribuinte n.º ..., residente na Avenida ..., ... ... e GG, solteiro e maior, contribuinte n.º ..., residente na Avenida ..., ... ....

            Pedindo que a providência seja julgada procedente por provada e em

consequência serem os Requeridos condenados a:

a) Restituírem aos Requerentes a posse da parte do terreno ocupado por si, constituído por umas escadas com dois patamares e 10 degraus e o anexo onde se encontra depositada a caldeira a gasóleo de aquecimento da casa de habitação e aquecimento de águas quentes;

b) Retirar o portão que colocaram de cor branca e dotado de chapa, de forma a permitir aos Requerentes o acesso às escadas e ao anexo;

c) Recolocar o portão que retiraram, nas mesmas condições em que se encontrava, ou seja, suportado na parede da casa de habitação dos Requerentes;

d) Fecharem as aberturas (descritas nos artigos 29.º e 36.º) que

levaram a efeito no muro que faz parte do logradouro do seu prédio, de forma a não acederem ao prédio dos Requerentes;

e) Respeitar os limites da propriedade dos Requerentes, tal como esta se encontrava antes da sua actuação, ou seja, antes da retirada do portão e antes das duas aberturas levadas a efeito no muro;

f) Suportar as custas judiciais.

2. nos termos do artigo 369.º, do C. P. Civil, serem os Requerentes

dispensados de proporem a acção principal, de que a presente providência estaria dependente.

                                                           ***

            1.2. – Em 13/6/2022, pela Dr.º juíza HH, à data juiz do juízo de competência Genérica do Tribunal ..., entretanto movimentada, foi proferido despacho do seguinte teor:

            “ Admito liminarmente o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse. 

Dispõe o artigo 377.º do Código de Processo Civil que no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência

Por seu lado, dispõe o artigo 378.º do mesmo diploma legal que se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordenará a restituição, sem a citação nem audiência do esbulhador.

No caso dos autos, a prova documental não é suficiente para o decretamento da providência.

*

Para a inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes designa-se o dia 23 de junho de 2022, às 9h30, neste Tribunal.

*

Notifique, cumprindo previamente o disposto no artigo 151.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, dando-se a data como definitivamente designada caso a Ilustre Mandatária a ela não se oponha”.

                                                           ***

1.3. - Em 23/6/2022, teve lugar a audição das testemunhas, na diligência presidida pela juíz HH, (cfr. ata datada de 23/6/2022).

                                                           ***

1.4. Em 11/7/2022 a mesma juíz proferiu decisão, onde decidiu, o que se refere no despectivo dispositivo:

Em face do exposto, julgo a providência cautelar procedente, por provada, e em consequência decido:

a) Determinar a restituição provisória aos Requerentes AA, BB, e mulher CC da posse da parte do terreno constituído por umas escadas com dois patamares e 10 degraus e o Anexo onde se encontra a caldeira para aquecimento;

b) Ordenar que os requeridos FF e GG, retirem o portão de cor branca e chapa que colocaram no topo das escadas de acesso ao Anexo dos Requerentes, e a recolocação do portão que anteriormente existia, fixado na parede da parede da casa de habitação dos Requerentes;

c) Ordenar que os requeridos FF e GG, efetuem o fechamento das aberturas descritas nos artigos 29.º e 36.º da p.i., que fizeram no muro, ficando impedidos de por aí acederem ao prédio dos Requerentes;

d) Ordenar que os requeridos FF e GG, respeitem os limites da propriedade dos Requerentes, tal como esta se encontrava antes da sua atuação, ou seja, antes da retirada do portão e antes das duas aberturas que fizeram no muro, tudo o referido em b), c), d), sob pena de incorrerem na prática de um crime de desobediência qualificada no previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, por força do disposto no artigo 375.º Código de Processo Civil;

e) Determinar, nos termos dos artigos 369.º, n.º 1, e 376.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a inversão do contencioso, dispensando os requerentes AA, BB, e mulher CC, do ónus de propositura da ação principal
*

Custas a cargo dos requerentes (cfr. artigo 539.º n.º 1, do Código de Processo Civil e artigo 7.º, n.º 4, e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais).

                                                        ***

1.5. – Em 28/7/2022 os requeridos FF e GG deduziram oposição ao decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse contra AA, BB, e mulher CC, bem como à decisão de inversão de contencioso, concluindo, ainda, pela condenação destes como litigantes de má de fé.

Para o efeito invocaram a sua ilegitimidade passiva, concluindo pela sua absolvição da instância, assim como impugna os factos dados como provados na providência decretada que consubstancia que os requerentes tenham sobre a parcela de terreno o exercício de poderes de facto em termos de direito de propriedade, e que o façam nos termos e período de tempo considerado.

Em despacho de 06-10-2022 (cf. ref.ª 89385407) foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade invocada pelos requeridos, bem como foram os requeridos notificados para exercerem contraditório quanto ao pedido de condenação de litigância de má fé e agendada audiência final.

Procedeu-se à realização da audiência final, tendo-se realizado inspecção judicial ao local e inquiridas as testemunhas arroladas, pelo Dr.º juiz II, à data juiz do juízo de competência Genérica do Tribunal ..., por ter sido colocado, no mesmo, vindo a proferir sentença onde decidiu:

1. Determinar a restituição provisória aos Requerentes AA, BB, e mulher CC da posse da parte do terreno constituído por umas escadas com dois patamares e 10 degraus e o Anexo onde se encontra a caldeira para aquecimento.

2. Ordenar que os requeridos FF e GG, retirem o portão de cor branca e chapa que colocaram no topo das escadas de acesso ao Anexo dos Requerentes, e a recolocação do portão que anteriormente existia, fixado na parede da parede da casa de habitação dos Requerentes.

3. Ordenar que os requeridos FF e GG, respeitem os limites da propriedade dos Requerentes, tal como esta se encontrava antes da sua actuação, ou seja, antes da retirada do portão e antes das duas aberturas que fizeram no muro, tudo o referido em 1., 2.

4. Determinar, nos termos dos artigos 369.º, n.º 1, e 376.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, a inversão do contencioso, dispensando os requerentes AA, BB, e mulher CC, do ónus de propositura da acção principal.

5. Revogar a providência cautelar de restituição provisória da posse na parte em que ordenou os requeridos FF e GG, efectuem o fechamento das aberturas descritas nos artigos 29.º e 36.º da P.I., que fizeram no muro, ficando impedidos de por aí acederem ao prédio dos Requerentes.

6.- Ordenar que os requeridos FF e GG que procedam, no prazo de 10 (dez) dias a contar da notificação desta decisão, ao cumprimento integral dos pontos 1, 2 e 3., sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada no previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal (artigo 391.º, do Código de Processo Civil ex vi artigo 392.º, n.º 1, do mesmo Código).

Custas processuais a repartir entre requeridos e requerentes em 95% e 5%, respectivamente.

                                                           *

Mais se decidiu -, manter a decisão de inversão do contencioso, dispensando-se os requerentes do ónus de propositura da acção principal, conforme o artigo 369.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Não condenar os requeridos como litigantes de má fé.

                                                       ***

1.6. - Inconformado com tal sentença dela recorreram os requeridos, oponentes, -  GG e FF, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“Violação do Princípio do Juiz Natural e da Plenitude e da Assistência do Juiz

I - Conforme jurisprudência maioritária, a decisão que recai sobre a oposição à providência cautelar, constitui um complemento da decisão que a decretou, tornando-a numa decisão final unitária. Veja-se a este propósito:

A jurisprudência e a doutrina têm entendido que, «sendo a decisão inicial que decretou a providência, por natureza, uma mera “decisão provisória” e, como tal, insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma, e constituindo a decisão proferida sobre a oposição “complemento e parte integrante da inicialmente proferida”, só após a sua prolação “se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária que ocorre nos procedimentos cautelares em que existiu prévio contraditório do Requerido”» – Cfr. Acórdão desta Relação de 30.3.2017 2522/16.2T8BRG-B.G1 publicado em dgsi.pt e os que no mesmo são citados.

II- Na verdade, o princípio da plenitude da assistência dos juízes radica na imperatividade de tal julgamento da matéria de facto só poder ser realizado pelos juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências, conforme consagrado no artigo 605o do C.P.C.

Ou seja, o princípio do juiz natural impõe que o processo seja julgado por um tribunal com competência definida previamente por lei, o qual se deverá manter no decurso da instância, só podendo ser afastado nos termos das regras gerais e abstractas da Lei da Organização Judiciária. O que não resulta dos autos.

III - Com efeito, o princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.605o do Código de Processo Civil, constitui corolário do princípio da imediação, da oralidade, concentração e livre apreciação da prova, impondo que o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que quem tem de proferir a decisão de facto e decisão final, isto é, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga e decide.

IV-  In casu, temos dois Juízes em momentos distintos, antes do decretamento da providência e depois, sendo certo que, nenhum deles assistiu à produção e recolha prova em cada fase de julgamento um do outro, colocando em crise os princípios acima enunciados.

V-  Nestas circunstâncias, a violação da garantia do processo equitativo conduz à inexistência jurídica da sentença ora recorrida, por inobservância do princípio da plenitude da assistência do juiz, gerando uma nulidade insuprível que influi directamente no exame da causa. O que se invoca.

Da Reapreciação e Impugnação da Matéria de Facto

VI- Com efeito, dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos Recorridos, já que o suporte documental é insuficiente para a matéria em causa, a referida matéria de facto não se encontra correctamente sustentada.

Conforme os Recorrentes pretendem demonstrar, não só houve na decisão em crise erro na apreciação e valoração da prova, como a prova dada como provada não o poderia ter sido, mais que não seja, com a aquela extensão.

VII-  Desta forma, e passando à análise da matéria de facto dada como provada, impugnam-se expressamente os factos dados como provados em:

a) 5.1.5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes

b) 5.1.7. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo.

c) 5.1.8. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.o da petição inicial.

d) 5.1.9. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo.

e) 5.1.10. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo.

f) 5.1.11. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.o da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa).

g) 5.1.12. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes.

h) 5.1.13. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura).

i) 5.1.14. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra.

j) 5.1.17. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam.

k) 5.1.24. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento.

l) 5.1.25. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro.

m) 5.1.27. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.o da P.I.

n) 5.1.28. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também.

VIII- Dos depoimentos acima referenciados e analisados em 25 da motivação de recurso, e com as passagens devidamente identificadas, resulta que, objectivamente nenhuma das testemunhas soube identificar as linhas divisórias dos prédios dos Requerentes e Requeridos, e muito menos explicar porque é que achavam que era assim.

IX- Isto porque, decorre da forma como responderam, que presumiram que era assim, não explicando o porquê. Nem identificaram devidamente, se os pai dos Requerentes já por lá passavam. Desde quando? E com que “animus”, isto é, se consideravam que eram legítimos proprietários, ou se, pelo contrário, haveria algum entendimento entre vizinhos, ou se eram actos de mera tolerância entre outros.

A verdade é que ninguém respondeu ou afirmou a mencionada convicção, nem essa questão foi colocada sequer pelo tribunal.

X- O artigo 411.o do CPC estabelece um “poder-dever” do juiz que não se limita à prova de iniciativa oficiosa, como se conclui do segmento “mesmo oficiosamente”, incumbindo-lhe realizar ou ordenar as diligências relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, preservando sempre o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.

XI- No caso dos autos, o referido princípio assume especial relevância uma vez que a providência foi decretada sem audição prévia dos Recorrentes, significando que, lhes foi vedada a possibilidade de contraditar os depoimentos efectuados pelas testemunhas arroladas pelos Recorridos.

XII- Pelo que, face à falta e deficiente produção de prova e investigação pelo tribunal, tendo em conta os testemunhos apontados e respectivas fraquezas, não podia ter sido dado como provados os factos acima elencados em 14 destas alegações, com particular relevância para os factos descritos em a), b), c), h), i), j), n). Sendo que tais factos, deviam ter sido dados como não provados.

XIII- E mesmo que o tribunal assim não concluísse, in totum, a referida matéria de facto deveria ter apenas o seguinte alcance:

a) 5.1.5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes. Não Provado.

b) 5.1.7. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo. Provado apenas que existe um anexo junto à casa de habitação dos Requerentes.

c) 5.1.8. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.o da petição inicial. Provado apenas que o anexo chegou a ter lenha no seu interior.

d) 5.1.9. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo. Provado apenas que em data não determinada, foi instalada uma caldeira de aquecimento no referido anexo.

e) 5.1.10. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo. Provado apenas que os Requerentes acediam ao anexo por aquele portão (mas não que tenha sido sempre assim).

f) 5.1.11. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.o da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa). Irrelevante

g) 5.1.12. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes. Provado apenas, que permitia o acesso, quanta à fechadura, pouco ou nada se apurou.

h) 5.1.13. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura). Não Provado – ainda irrelevante.

i) 5.1.14. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra. Não Provado, para além de ser parcialmente repetição do e).

j) 5.1.17. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam. Não Provado.

k) 5.1.24. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento. Não Provado.

l) 5.1.25. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro. Não Provado. Irrelevante.

m) 5.1.27. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.o da P.I. Não Provado.

n) 5.1.28. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também. Não Provado. (Aliás, como bem resulta da fotografia 18 constante da ata de inspecção ao local, o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, sendo proibido que escoassem para as escadas)

Assim, examinada a prova documental e testemunhal apresentada pelos Requerentes, e o acima exposto, deve a matéria de facto dada como provada ser reapreciada e alterada conforme supra indicado. O que se requer.

XIV- Na verdade, como já se afirmou, nada foi dito relativamente ao “animus” com que os Recorridos ou seus antepossuidores, praticavam os eventuais actos de posse.

E dos factos dados como provados, de nenhum resulta esse “animus”, ou seja, de que os mesmos e os seus ante possuidores, utilizavam a parcela e escadas convencidos de que exerciam plenamente o seu direito de propriedade.

O mesmo se aplicando em relação ao anexo.

XV- Na fundamentação de direito da sentença, e quanto aos atos de posse, o tribunal considerou que efetivamente os requerentes enquanto sucessores dos antepossuidores do prédio exerceram os poderes de factos sobre as escadas e anexo, nos moldes descritos em k), i, f) e e) dos factos provados acima indicados em 14, compatíveis com uma posse precária, uma mera detenção.

Todavia, não foi feita prova qualquer prova cabal do animus que integra a posse conducente à aquisição do direito de propriedade, tendo, aliás, antes pelo contrário, resultado, que nenhum facto provado existe que, aponte para que, quer os Recorridos quer os seus ante possuidores, utilizavam o “prédio” (parcela – escada e anexo), convencidos de que exerciam plenamente o seu direito de propriedade.

XV Desta forma, a factualidade dada como provada na decisão revela-se insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado, consubstanciando uma insuficiência da decisão relativamente à matéria de facto.

XVI Ante a fundamentação de facto elencada, os Recorridos, enquanto herdeiros, não são mais do que meros detentores ou possuidores precários, pelo que não podiam, nem podem adquirir para si o direito possuído, exceto se demonstrada fosse a inversão do título da posse, o que não se verificou, nem tam pouco foi alegada.

Todavia, o mero detentor pode alcançar a inversão do título da posse, verificando-se quando se substitui uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio, ou seja, a uma situação sem relevo jurídico especial vem substituir-se uma posse com todos os seus requisitos e com todas as suas consequências legais. A inversão pode dar-se quer por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por ato de terceiro capaz de transferir a posse (cfr. artigo 1265o do Código Civil).

XVII Ora, no caso em apreço, embora os Recorridos exerçam poderes de facto sobre as escadas e anexo, situação em que a posse se considera exercida em nome alheio ou precária (são meros sucessores dos antepossuidores), o certo é que não provaram qualquer facto suscetível de demonstrar a inversão do título da posse, ou seja, de uma posse em nome de outrem ter dado lugar a uma posse em nome próprio, a uma posse baseada numa atuação “uti dominus”.

Nem existe matéria de facto dada como provada nesse sentido.

XVIII Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados. O que também é o caso dos autos.

XIX- Na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A enumeração dos factos provados e não provados a integrar a fundamentação que obrigatoriamente deve constar na sentença traduz-se na tomada de posição por parte do tribunal sobre todos os factos sujeitos à sua apreciação e em relação aos quais a decisão terá de incidir.

A fundamentação exigida quanto à matéria de facto tem também em vista a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, o que pressupõe, para além da indicação dos meios de prova que relevaram nesse iter decisório, a referência ao exame crítico da prova que serviu para formar a sua convicção, dando a conhecer de modo conciso, mas com suficiência bastante, o percurso lógico e racional efectuado em sede de apreciação e valoração da prova que conduziu à demonstração (ou não) da factualidade objecto da decisão recorrida.

XX- No correspondente à matéria de facto dada como não provada (toda a da oposição), o tribunal limitou-se a dizer que se tratava de matéria repetida, e conclusiva, fazendo constar apenas um facto dado como não provado, sem, todavia, fundamentar criteriosamente o porquê de não o dar como provado, sendo que, as declarações de parte do Recorrente foram credíveis e de conhecimento directo.

XXI Não cumprindo o tribunal de julgamento o dever de se pronunciar sobre os factos, omite aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença, levando a que esta fique inquinada da nulidade. O que in casu se invoca, já que o fundamento indicado pelo tribunal relativamente à matéria de facto não provada é manifestamente insuficiente para cumprir o ônus imposto pelo artigo 607o n.o 4 do C.P.C.

XXII Com todo o respeito, ou o procedimento administrativo releva para efeitos dominiais, ou não. Já que, se o tribunal entende que o mesmo apenas evidência a tutela da legalidade da construção em termos de regras urbanísticas, não pode simultaneamente concluir que os Recorridos passam a ser titulares da parcela em discussão, tão só e apenas porque os mesmos são partes legítimas no processo de contraordenação. Até porque a legitimidade para efeitos contraordenacionais urbanísticas, afere-se na medida que o infractor as violou, nada provando quanto à sua legitimidade enquanto direitos de propriedade.

XXIII Pelo que dúvidas não restam que esta motivação da matéria de facto encerra uma contradição insanável em si, o que se invoca com todas as legais consequências.

XXIV Por fim, e ainda nessa esteira, resulta inequívoco da prova documental (ofícios da Câmara Municipal) que os Recorridos (arguidos no processo de contraordenação) assumiram que iriam proceder à demolição do anexo, para o qual “tanto necessitam a passagem”.

Nessa medida, constituindo o acesso ao anexo o fundamento dos presentes autos e litígio, declarando os Recorrentes em confissão o (que se aceita para efeitos dos artigos 352o do C.C e 465o n 1 e 2 do C.P.C.), que o mesmo vai deixar de existir, deixa de existir também o objecto desta providência (impedimento de acesso ao anexo), o que necessariamente impunha a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, o que também se invoca.

Da Prova Documental

XXV Salienta-se também, no que à prova documental diz respeito, nomeadamente no concernente à plantas com os alçados juntos pelos Recorrentes, em concreto o laçado lateral esquerdo, diferentemente da conclusão do tribunal, existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via publica a duas portas de acesso ao interior da moradia, conforme parecer que aqui se junta ao abrigo do artigo 651o do C.P.C, doc.1.

Inversão do Contencioso

XXVI Para que possa ser decretada a inversão do contencioso, impõe-se os seguintes pressupostos, ou seja, quando a matéria adquirida no procedimento cautelar permite formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio, não há razões para que não se resolva a causa de modo definitivo (evitando-se a “duplicação da prova”), ficando o requerente dispensado do ónus de propor a acção principal.

XXVII- Por outro, do que fica demonstrado e invocado pelos Recorrentes, a matéria adquirida no procedimento cautelar não permite formar convicção segura acerca da existência do alegado direito acautelado. Pelo contrário, as incongruências e omissões cometidas pelos Requerentes, não são sequer indiciariamente suficientes para a demonstração do direito. O que se invoca.

XXVIII - Há por isso erro na Interpretação e Aplicação do Direito.

XXIX Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Senhor Juiz a quo violou os artigos 411o, 465o, 605o e 607o n.o 4 do C.P.C, 342o, 352o, 1252o, 1253o, 1265o do C.C, entre outros.

Nestes termos e nos melhores de direito, devem Vossas Excelências julgar procedente o presente Recurso, e proferir Douto Acórdão que revogue a Sentença proferida, reapreciando a matéria de facto nos termos expostos e declarando as nulidades invocadas, julgando improcedente a providência decretada.

Assim se fazendo Justiça!!!

                                                                          ***

1.7. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., responderam - BB e mulher CC, terminando a motivação com as conclusões que se transcrevem:

1. Alegam os Recorrentes/Requeridos a inexistência jurídica da sentença por violação dos princípios acima referidos, o que carece de total fundamento;

2. Face ao decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse sem audição dos Requeridos, estes podiam tomar uma de duas posições, ou recorriam da douta sentença ou deduziam oposição.

Optaram os Recorrentes/Requeridos por deduzir oposição, permitindo nesta alegar factos ou produzir meios de prova não considerados inicialmente pelo Tribunal a quo;

3. A oposição é o meio próprio de impugnação da decisão que haja decretado a providência, quando se pretende alegar factos novos ou quando se pretende produzir provas que não foram considerados inicialmente pelo tribunal e que a serem provados afastam ou reduzem a providência.

Podendo ainda na oposição impugnar, com recurso aos meios acabados de referir a decisão que tenha invertido o contencioso;

4. Na oposição à providência cautelar, para obtenção de uma revisão dos fundamentos fácticos da decisão desfavorável aos Recorrentes/Requeridos necessário se tornava que os novos meios de prova produzidos (ou, dito de outra forma, a nova instância das testemunhas ou declarantes ouvidos) e por estes indicados nas suas alegações impusessem uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados;

5. Não o tendo alcançado, a douta sentença decide pela manutenção, redução ou revogação da providência, sendo qualquer delas complemento e parte integrante da decisão inicial;

6. A douta sentença à oposição deduzida pelos Recorrentes/Requeridos foi no sentido de manter quase na íntegra a providência. Conforme consta da douta sentença e que  assamos a transcrever: “No caso em apreço, perante a matéria de facto provada que se manteve na íntegra em face da decisão de 11-07-2022 (...)”;

7. A presente providência foi objecto da produção de prova em dois momentos distintos e presidida por Juízes diferentes, sendo cada um o Juiz Presidente, à época, no Juízo de Competência Genérica ....

Foi produzida a prova indicada no requerimento inicial que foi objecto de douta sentença pelo Meritíssimo Juiz Presidente e que decidiu pelo decretamento da providência.

Foi produzida a prova indicada na oposição e que foi objecto de douta sentença pelo Meritíssimo Juiz Presidente do Juízo, mantendo a decisão, passando esta a ser complemento daquela;

8. Nestes termos, estamos perante um processo com produção de prova em dois momentos distintos, cada uma com doutas decisões de facto por dois Senhores Juízes distintos, pelo que não foram violados os princípios referidos pelos Recorrentes/Requeridos, mantendo-se a douta sentença;

9. Os Recorrentes/Requeridos, ao pretenderem impugnar a decisão de facto, deviam esclarecer/concretizar, não só qual a factologia que, na sua óptica, o Tribunal a quo julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, sem deixar, obviamente, de sinalizar qual o sentido, quanto a cada um dos factos impugnados, da decisão a ser proferida, em concreto (cfr. art.o 640.o, n.o 1, al. c) do CPCivil);

10. Assim, impendia sobre os Recorrentes/Requeridos o ónus de especificar qual a decisão a proferir sobre cada um dos pontos fácticos objecto de impugnação (quais as concretas respostas alternativas pretendidas quanto a cada singular ponto factual impugnado).

Sem o que não se entende a pretensão recursória dos impugnantes, aos quais, por isso, não bastava sinalizar que impugnam certos factos (também o âmbito fáctico objetivo da impugnação não deveria ser dúbio ou obscuro), já que se lhes impunha deixar expressa, facto a facto, a resposta pretendida;

11. Ora, salvo o devido respeito, os Recorrentes/Requeridos não indicam de forma clara, facto a facto, a resposta que pretendem seja agora proferida em alteração ao decidido pelo Tribunal a quo, sendo que dúvidas não restariam sobre a matéria se o tivessem feito;

12. Na verdade, se expressam, como era seu ónus, que há manifesto erro na apreciação da prova, provocando um incorrecto julgamento de factos essenciais que impunham decisão diversa, tratando-se dos concretos pontos de facto, não é minimamente claro sobre os termos de tal diverso julgamento no concernente ao sentido preciso da decisão a proferir quanto aos factos impugnados;

13. Tem de concluir-se que os Recorrentes/Requeridos não cumpriram o ónus imposto pelo artigo 640.o, n.o 1, alínea b) e n.o 2, al. a) do NCPC, o que acarreta a rejeição do recurso no segmento relativo à matéria de facto.

14. Os Recorrentes/Requeridos alegam que “da prova produzida nos autos, especialmente testemunhal, não podia nem devia o tribunal a quo, ter dado como provado a matéria elencada nos factos dados como provados e que infra se indica “ (artigo 11);

Alegam ainda os Recorrentes/Requeridos “...cujos depoimentos não foram sujeitos a contraditório como deviam“ (artigo 24);

15. Ainda assim, por dever de patrocínio e com algum esforço de raciocínio, os Recorridos/Requerentes contra alegam no que à impugnação respeita que não assiste razão aos Recorrentes/Requeridos quer no facto de entenderem que o Tribunal a quo não devia ter dado como provado os factos elencados nos pontos 5.1.5., 5.1.7., 5.1.8., 5.1.9., 5.1.10., 5.1.11., 5.1.12., 5.1.13., 5.1.14., 5.1.17., 5.1.24., 5.1.25, 5.1.27. e 5.1.28., quer quanto ao facto dos depoimentos não terem sido sujeitos a contraditório como deviam;

16. No que diz respeito ao contraditório e com o devido respeito, entendem os Recorridos/Requerentes que os Recorrentes/Requeridos não entenderam a tramitação processual da providência cautelar;

17. Para ser decretada a providência é necessário que haja probabilidade séria da existência do direito (artigo 368.o, n.o 1, CPC), o mesmo é dizer, como refere Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2o, 2.ª Edição, pág. 37, que a prova em causa “basta ser sumária ou constituir uma simples justificação (Vaz Serra, Provas, BMJ, 110, p. 79) ou um juízo de verosimilhança (Abrantes Geraldes, Temas cit. III, p. 90); é a summaria cognitio do antigo direito, designação que os autores italianos continuam ainda a usar, todas estas designações inculcando a ideia de que o procedimento cautelar, porque urgente e conducente a uma providência provisória, não se compadece com as indagações probatórias próprias do processo principal, contentando-se, quanto ao direito ou interesse do requerente, com a constatação objetiva da grande probabilidade de que exista...”.

É, pois, em princípio, bastante um juízo de verosimilhança sobre os factos que “supera os meros indícios”, mas “longe do que se revela necessário para o reconhecimento do direito na ação principal.” (Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, pág. 429);

18. O Tribunal a quo não decretou a inversão do contencioso, pelo que nos presentes autos é já superior o nível de convicção necessário. Na verdade, a exigência de uma convicção segura acerca do direito, consagrada no art. 369.o, n.o 1, do CPC, ultrapassa os limites do fumus boni iuris do art. 368.o, n.o 1, do mesmo código, representando, na prática, um nível de segurança próximo daquele que se mostraria necessário para a apreciação e reconhecimento do mesmo direito na ação principal, caso esta tivesse sido instaurada;

19. Como salienta António Santos Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, pág. 160, “a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a parcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, carregando o quadro com as cores luminosas do seu alegado direito e com as cores negras do periculum in mora. A sua posição de parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida  cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente”;

20. Os aqui Recorrentes/Requeridos não foram ouvidos antes do decretamento da providência, pelo que lhes era (é) lícito, na sequência da notificação prevista no n.o 6 do artigo 366.o do C.P.Civil ou recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, se entendessem que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; ou deduzir oposição, alegando factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal a quo e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367.o e 368.o (art. 372.o, n.o 1 do CPC);

21. Os Recorrentes/Requeridos optaram por deduzir oposição, pelo que tiveram oportunidade de alegar novos factos no sentido de infirmarem os fundamentos de decretamento da providência ou produzir novos meios de prova que abalassem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados e apresentados pelos Recorridos/Requerentes;

22. É que, na oposição não se trata de facultar ao mesmo tribunal a reapreciação da decisão, a partir dos mesmos elementos, mas de conferir a possibilidade de revisão da convicção anteriormente formada, através de novos meios de prova ou de novos factos com que o tribunal não pode contar;

23. Daí que a oposição deduzida pelos Recorrentes/Requeridos levou o Tribunal a quo a ulterior apreciação jurisdicional, de uma forma superveniente;

24. Os Recorrentes/Requeridos para obterem a revisão dos fundamentos fácticos da decisão favorável aos Recorridos/Requerentes pelo Tribunal a quo, era necessário que os novos meios de prova produzidos (a nova instância das testemunhas ou declarantes anteriormente ouvidos e os documentos juntos) e por aqueles indicados nas suas alegações, impusessem uma decisão diversa sobre os pontos fácticos impugnados, sob pena de se manter o inicialmente considerado provado (o que aconteceu).

E, assim sendo, os Recorrentes/Requeridos nas alegações do presente recurso (da decisão proferida após a oposição), terão também que ser estes novos meios de prova a sustentar a pretensão de alteração da decisão relativa à matéria de facto, por imporem decisão diversa da firmada pela primeira instância, o que também não lograram;

25. Os meios de prova juntos pelos Recorrentes/Requeridos na oposição que deduziram em nada abalaram a prova produzida pelos Recorridos/Requerentes, ou seja, a providência manteve-se procedente;

26. Os Recorrentes/Requeridos no que diz respeito às testemunhas arroladas elos Recorridos/Requerentes e para cada uma delas, indicam o minuto de passagem de cada uma mas sem transporem o conteúdo dos mesmos, alegando que “nenhuma das testemunhas soube identificar as linhas divisórias dos prédios e muito menos explicar porque é que achavam que era assim“;

27. Na presente acção de restituição provisória de posse os Recorrentes/Requeridos, conforme douta sentença do Tribunal a quo, não lograram demonstrar que sobre a parcela, cuja providência foi decretada, os Recorridos/Requerentes não exerciam poderes de facto em termos de direito de propriedade, ou seja, de que são estes enquanto sucessores dos antepossuidores do prédio que exercem poderes de facto sobre as escadas e anexo em termos de propriedade, o que fazem de forma continua quer directamente, quer através de terceiros (nomeadamente, pela utilização das escadas para armazenamento pela farmácia existente no prédio dos Requerentes);

28. Tudo conforme os depoimentos das testemunhas transcritas, demonstrando ainda que os comentários feitos pelos Recorrentes/Requeridos ao depoimento de cada uma das não correspondem ao que foi produzido;

29. Não existe qualquer incongruência nos depoimentos das testemunhas, ao contrário do alegado pelos Recorrentes/Requeridos;

30. Não restam dúvidas de que dos depoimentos das testemunhas resultou que as escadas estavam afectas ao anexo e que quem fazia uso das mesmas, eram os antecessores dos Recorridos/Requerentes e quem estes autorizavam e estes após o óbito daqueles;

31. Não assiste razão aos Recorrentes/Requeridos no que respeita à matéria dada como provada mas que no seu entender devia ter sido outra a decisão, assim:

5.1.5. Entendem que deve ser dado como não provado.

Não explicam os motivos que os leva a entender como não provado e entende-se o porquê.

Dos depoimentos das testemunhas ficou efectivamente provada que a divisória entre os referidos prédios, o que veio a ser corroborado quer pela inspecção judicial ao local quer pelas declarações de parte do próprio Recorrente/Requerido, em sede de audiência de discussão e julgamento.

5.1.7. Não faz sentido o pretendido pelos Recorrentes/Requeridos, porquanto e sem mais delongas sobre tal, até as fotos o demonstram, corroboradas pelo depoimento das testemunhas e pela inspecção judicial ao local.

5.1.8. Não se vislumbra a diferença entre destinava-se a arrecadação de lenha ou chegou a ter lenha no seu interior, porquanto se ali esteve depositada lenha, serviu para a arrecadar.

5.1.9. Há alguns anos ou em data não determinada tem exactamente o mesmo sentido, se foi há alguns anos não se sabe a data.

5.1.10. Todas as testemunhas foram unanimes em dizer que só era possível aceder ao anexo por aquele portão e por aquelas escadas, pelo que daí só pode resultar que sempre acederam por aí.

5.1.11. Não é irrelevante porquanto demonstra que os antecessores dos Recorridos/Requerentes tiveram o cuidado de suspender o que era sua propriedade, o portão, na parede da sua casa.

5.1.12. A fechadura é relevante, porquanto tiveram o cuidado de não fazer uso da propriedade vizinha, ou seja, dos Recorrentes/Requeridos.

5.1.13. Provado e relevante porquanto o alvará da farmácia foi da mãe dos Recorridos/Requerentes e por isso esse hábito, que já vinha desse tempo, manteve-se, além de que aquela está integrada no prédio daqueles, faz parte do mesmo.

As declarações de parte do Recorrente/Requerido corrobora os depoimentos das testemunhas indicadas pelos

Recorridos/Requerentes. 5.1.14. Da leitura de ambos dá-se conta de que não é repetição e resultou provado de acordo com o depoimento das testemunhas.

5.1.17. Todas as testemunhas foram unanimes em dizer que as escadas de acesso bem como este fazem parte da casa dos Recorridos/Requerentes, o que foi corroborado pela inspecção judicial ao local, que permitiu visualizar que destas não há passagem para o prédio dos Recorrentes/Requeridos e das declarações do Requerido resulta que mandaram fazer um muro totalmente fechado, o que impedia o aceso de e para o seu prédio por aquelas (escadas).

5.1.24. A testemunha JJ deu conta que, em Maio, o Recorrente/Requerido retirou o portão castanho e colocou um outro, de cor branco, fechado à chave, pelo que ficaram impedidos de aceder ao anexo ligar a caldeira e ficaram por isso impedidos de uso de água quente e aquecimento.

5.1.25. A testemunha JJ avisou os Recorridos/Requerentes da referida substituição.

5.1.27. Dos depoimentos das testemunhas resulta fazer parte integrante do prédio dos Recorridos/Requerentes, quer o espaço onde se encontram as escadas quer o anexo.

5.1.28. Resulta de fotos juntas com a petição inicial, do depoimento das testemunhas e ainda da inspeção judicial ao local, que a cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente) e dois aparelhos de ar condicionado, sobrevoam o referido espaço.

É verdade que o cano de escoamento das águas pluviais são conduzidas para a praça, conforme resulta da foto 18 que consta da acta da inspecção judicial ao local, mas tal facto nem sequer consta da matéria dada como provada, pelo que os Recorridos/Requerentes não percebem o alcance do alegado pelos Recorrentes/Requeridos quanto a tal;

32. Assim, não há fundamento para a pretendida reapreciação ou alteração da matéria dada como provada;

33. A posse é nos termos do artigo 1251.o do C. Civil um poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício de um direito de propriedade ou de outro direito real, comportando desse modo o corpus e o animus. Os Recorridos/Requerentes provaram que exerceram sobre a parcela, poderes de facto em termos de propriedade.

Os Recorrentes/Requeridos não lograram demonstrar que sobre a referida parcela, cuja providência foi decretada, os Recorridos/Requerentes não exerciam poderes de facto em termos de direito de propriedade;

34. Ora, são os próprios Recorrentes/Requeridos que reconhecem expressamente - artigo 44 das alegações de recurso - que os Recorridos/Requerentes exercem poderes de facto sobre as escadas e anexo, mas na sua óptica, exercida em nome alheio ou precária, por serem sucessores de antepossuidores.

Os Recorridos/Requerentes são enquanto herdeiros, sucessores dos antepossuidores do prédio, que exercem os poderes de facto sobre as escadas e anexo em termos de propriedade, de forma contínua, quer directamente, quer através de terceiros (uso das escadas para o depósito de medicamentos para a farmácia que existe no prédio daqueles).

Os herdeiros e ao contrário do alegado pelos Recorrentes/Requeridos não são meros detentores ou possuidores precários.

Sendo os Recorridos/Requerentes herdeiros dos seus pais, já falecidos, o prédio faz parte da herança liquida e indivisa deixada por óbito dos seus pais e por ainda não ter sido objecto de partilha, é em comum e sem determinação de parte ou direito, propriedade daqueles, que inclui as escadas e o anexo, tendo em conta que ficou provado que estes fazem parte daquele, conforme certidão predial junta com a petição inicial sob Doc. n.o 2. É totalmente descabido a necessidade de aplicação da inversão do título da posse, como pretendem os Recorrentes/Requeridos, porquanto nos presentes autos e em relação aos Recorridos/Requerentes estes na qualidade de herdeiros dos seus pais e estes, exerceram actos de poderes de facto sobre a parcela em termos de direito de propriedade;

35. Não assiste razão aos Recorrentes/Requeridos no que alegam nos artigos 45 a 56 das suas alegações de recurso.

O Tribunal a quo na douta sentença que versou sobre o requerimento de restituição de provisória de posse requerido pelos Recorridos/Requerentes contém os factos provados e não provados, seguidos da motivação da matéria de facto, baseando-se esta quer nos documentos juntos, quer nos depoimentos das testemunhas e fazendo em relação a cada uma destas um resumo dos factos que declararam. Contém ainda de seguida a fundamentação de direito, fazendo considerações sobre o procedimento cautelar e invocando a legislação aplicável e até alguns acórdãos.

O Tribunal a quo na douta sentença, após a dedução de oposição por parte dos Recorrentes/Requeridos ao decretamento da providência, contém os factos provados e não provados, a fundamentação da matéria de facto, da qual consta as declarações de parte de GG, a inspecção judicial ao local, a prova documental e as testemunhas, fazendo para cada uma destas o que de relevante foi referido por cada uma, fazendo de seguida uma análise fundamentada dos factos, seguida da fundamentação de direito, começando por abordar o significado da oposição. Desta douta sentença consta ainda uma longa e devidamente fundamentada explanação da posse sobre a parcela de terreno restituída provisoriamente e respectiva legislação,

36. Os Recorrentes/Requeridos deturpam o que é referido pelo Tribunal a quo no que diz respeito ao procedimento administrativo de fiscalização e medidas de tutela da legalidade da parcela de terreno;

37. Para o Tribunal a quo, posição que os Recorridos/Requerentes apoiam, o referido procedimento é relevante para a relação jurídica-publica da legalidade da construção.

Mas o referido procedimento nada esclareceu sobre o domínio real ou possessório sobre a parcela de terreno onde o anexo se encontra edificado.

E, sendo relevante o referido procedimento para efeitos de legalidade da construção e tendo o Município ... notificado os Recorridos/Requerentes para esse efeito (de legalidade) então o atrás referido Município entende que são estes os titulares da parcela de terreno e por isso os que têm legitimidade para reagirem à notificação que lhe foi dirigida.

O Município é que, com base na pretendida legalidade, entende que são os Recorridos/Requerentes os titulares da parcela de terreno;

38. Não alcançam os Recorridos/Requerentes a relevância de terem assumido que iriam proceder à demolição do anexo para onde, nas palavras dos Recorrentes/Requeridos “tanto necessitam da passagem”. Necessitam e continuarão a necessitar, porquanto os Recorridos/Requerentes contrataram há já algum tempo os serviços de um gabinete de arquitectura, para darem entrada de um projecto no Município ..., para alteração do seu prédio;

39. Com o devido respeito por opinião contrária mas o referido parecer deve ser desentranhado dos autos porquanto foi junto de forma extemporânea nos termos do artigo 425.o e 651.o do C.P.Civil;

40. Na hipótese de assim se não entender e por dever de patrocínio, entendem os Recorridos/Requerentes que continuam os Recorrentes/Requeridos a deturpar o que é referido pelos Tribunal a quo, no que diz respeito às plantas com os alçados juntos por estes, alegando que existem pormenorizadas e construídas escadas, ao contrário do concluído na douta sentença, mas não é assim.

O parecer declara: “...no alçado lateral esquerdo existem pormenorizadas e construídas escadas, que dão acesso da via pública a duas portas de acesso ao interior da moradia “ Da douta sentença consta: “...no alçado virado para o prédio dos requerentes se encontram representadas escadas que correspondem ao alinhamento do muro reconhecido pelos requeridos, estando omissas as escadas cuja posse que os requerentes reclamam.

As escadas que constam do parecer dizem respeito às escadas existentes no prédio dos Recorrentes/Requeridos e as escadas que constam da douta sentença dizem respeito às escadas que dão acesso ao anexo, propriedade destes;

41. Andou bem o tribunal “a quo“ ao dispensar os Recorridos/Requerentes da propositura da acção principal, decretando a inversão do contencioso;

42. Desta forma, o Tribunal a “quo“ não violou qualquer disposição legal, pelo que deve manter-se a douta sentença nos precisos termos em que foi proferida.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida.

SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

                                               ***

1.8. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

1.1. Os requeridos dos presentes autos, ora recorrentes, vieram arguir a nulidade da decisão proferida em 27-12-2022 (ref.ª 89958715) por violação do dever «de se pronunciar sobre os factos, omit[indo] aspectos considerados essenciais para a fundamentação da sentença», por verificação do vício prescrito na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º, do Código de Processo Civil, assim se infere do alegado, e da mesma interpor recurso.

1.2. Os requerentes, ora recorridos, vieram apresentar as respectivas alegações, concluindo pela não verificação da nulidade arguida.

*

1.3. Importa, assim, em cumprimento do disposto nos artigos 617.º, n.º 1 e 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, apreciar a nulidade suscitada pelos recorrentes quanto ao vício extrínseco da decisão proferida Recorrente.

*

1.4. Preceitua o artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (aqui aplicável por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo código) que é nula uma decisão quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

1.5. Daqui resulta um regime especial e próprio da nulidade de decisão por oposição aos demais actos processuais e que se encontra previsto nos artigos 615.º, 666.º e 685.º, do Código de Processo Civil.

A ideia geral é a de possibilitar a sindicância de uma decisão que não contém tudo o que devia ou contém mais do que devia, ou seja, a de uma decisão que padece de vício de limites. Estamos, por isso, perante vícios extrínsecos à sentença, isto é, que se reportam à idoneidade da sentença para cumprir o seu objectivo. Já os vícios intrínsecos, aqueles que resultam do julgamento das matérias de facto e de direito apenas podem ser sindicados em sede de recurso pois estes bulem com o mérito da decisão e os pressupostos e premissas que permitam a conclusão formulada no dispositivo.

1.6. Ora, a nulidade invocada versa sobre a discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e não quanto a qualquer patologia existente na sentença enquanto acto comunicativo de uma decisão. Nas palavras de ALBERTO DOS REIS, aqui adaptadas, a recorrente invoca vícios de julgamento, próprios do objecto de recurso, e não vícios de formação ou de actividade (cf. Código de Processo Civil anotado. Vol. V (artigos 658.º a 720.º) (Coimbra: Coimbra editora, 1952) p. 122).

O Tribunal apreciou criticamente toda a prova junta aos autos e julgou em conformidade deixando claro os pressupostos em que fundou a sua convicção pelo que não há qualquer vício extrínseco que inquine a decisão proferida e sua função, tão somente discordância quanto decisão tomada pelos recorrentes. 

*

Em face ao exposto, mantém-se a decisão recorrido, indeferindo-se a nulidade arguida pelos recorrentes.

*

DO REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO

[cf. Alegações 30-01-2023, ref.ª 7824871; Alegações 27-02-2023, ref.ª 7893723]

Por ser legalmente admissível (629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), ter sido interposto tempestivamente (artigo 638.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e terem os recorrentes legitimidade (artigo 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), admite-se, ao abrigo do artigo 641.º, n.º 1 e n.º 2 a contrario, do Código de Processo Civil, o recurso interposto pelos requerentes, o qual é de Apelação (artigo 644.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil), a subir imediatamente, nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil) e com efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

                                                           *

DA SUBIDA DOS AUTOS AO VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

3.1. Desde já se autoriza o acompanhamento e a consulta dos autos através da plataforma CITIUS pela instância superior.

                                                           ***

1.9. – Colhidos os vistos cumpre decidir.

                                                           ***

                                               2. Fundamentação

            Nota: Mantemos a mesma numeração da sentença)

5.1. FACTOS PROVADOS

Com relevância para a presente decisão, para além dos factos elencados na decisão de datada de 11-07-2022 (cf. ref.ª 88779146) que decretou a providência cautelar de restituição provisória da posse – ponto 3.1. (cujo teor se aqui dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais por razões de economia processual) – tendo sido adicionado o facto 5.1.6., encontram-se sumariamente provados os seguintes factos com relevância para a apreciação do mérito da oposição:

5.1.1. Por escritura de habilitação de herdeiros datada de 31.08.2012 outorgada no Cartório Notarial ..., foi declarado por AA, casada com KK, sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da freguesia ... (...), concelho ..., na qualidade de cabeça de casal das heranças abertas por óbito de seus pais, EE e DD, falecidos respectivamente em dois de Outubro de dois mil e onze e quatro de Agosto de dois mil e doze, na freguesia ..., concelho ..., os quais foram casados em primeiras e únicas

núpcias de ambos, na comunhão geral, tendo-lhes sucedido como únicos herdeiros os filhos: a cabeça-de-casal e BB casado com CC, sob o regime da comunhão de adquiridos, natural da freguesia ..., concelho ....

5.1.2. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28, o prédio urbano composto de casa de habitação de três pisos e quintal, com a área total de 348,00m2, a confrontar de norte com Avenida ..., a sul com o ..., a nascente com LL e a poente com FF, GG e Junta de Freguesia ..., mediante a apresentação ...7 de 2015/08/28, por sucessão hereditária, a favor de BB casado com CC, sob o regime da comunhão de adquiridos e de AA, casada com KK, sob o regime da comunhão de adquiridos, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...82.

5.1.3. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...24, o prédio urbano composto de casa de habitação com três andares, sito na Avenida ..., constituído Propriedade Horizontal com as fracções ..., ..., .... D, a favor de MM casado com FF no regime de comunhão geral de bens, mediante a apresentação ... de 1978/07/13, por compra, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...82.

5.1.4. O prédio descrito em 5.1.2. confina do lado poente, com o prédio descrito em 5.1.3.

5.1.5. A divisória entre os referidos prédios é feita de norte para sul, por um muro que se encontra implantado no prédio dos Requeridos, pela parede do Anexo a poente, que se encontra implantado no prédio dos Requerentes e pelo muro de suporte de terras do quintal que faz também parte do prédio destes.

5.1.6. O muro existente no prédio dos requeridos e a delimitar os prédios foi construído pelos requeridos pelo menos há mais de dez anos.

5.1.7. O prédio dos Requerentes, tomando por referência estarmos de frente para o mesmo, possui do lado direito, a poente, um Anexo fora da casa de habitação e ao nível da cave da mesma, que é fechado, coberto com telha e dotado de uma porta de acesso ao mesmo.

5.1.8. O referido anexo destinava-se a arrecadação da lenha para uso na casa de habitação descrita no artigo 1.º da petição inicial.

5.1.9. Há já alguns anos que os Requerentes alteraram o sistema de aquecimento geral e de águas quentes para banhos, na mesma casa, por uma caldeira a gasóleo, caldeira que foi depositada e hoje em dia se mantém, no dito Anexo.

5.1.10. Para acederem ao Anexo, os Requerentes (e antes deles os seus ante possuidores) sempre entraram a partir da Av. ..., abrindo um portão e percorrendo uma escada em alvenaria dotada no início por um patamar, seguida de 10 degraus e que termina num outro patamar que acede à porta de entrada do Anexo.

5.1.11. O referido portão estava suspenso na parede da casa de habitação descrita no artigo 1.º da P.I., do lado esquerdo (na perspectiva, de frente para a casa).

5.1.12. O dito portão, sem fechadura, permitia o acesso ao Anexo, pelos Requerentes.

5.1.13. Passando pelo portão, alguns fornecedores da Farmácia depositavam nas escadas, as encomendas, em horário em que a Farmácia se encontrava encerrada (à hora de almoço ou de manhã, antes da hora de abertura).

5.1.14. Os Requerentes nunca tiveram, outra forma de aceder ao referido Anexo, sendo através das escadas, a única forma de acederem à caldeira a gasóleo, de fornecimento de águas quentes e de aquecimento, que naquele se encontra.

5.1.15. Os Requerentes não habitam permanentemente na referida casa de habitação, mas passam temporadas na mesma, cada um por si ou em conjunto, bem como os seus familiares e amigos.

5.1.16. Os Requerentes necessitam do fornecimento de águas quentes (da caldeira) para os banhos.

5.1.17. As escadas de acesso ao Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes, bem como o Anexo, sendo os únicos que o utilizavam.

5.1.18. No final do ano de 2021, os Requeridos fizeram uma abertura, com a largura de sensivelmente 1 metro, no muro existente no logradouro do seu prédio, junto às escadas de acesso ao Anexo do prédio dos Requerentes

5.1.19. Os Requerentes não reagiram à referida abertura porquanto os Requeridos não fizeram uso da mesma.

5.1.20. No dia 1 de Maio de 2022, o Requerido foi visto a retirar o portão castanho de acesso às escadas (para aceder ao Anexo) pertença dos Requerentes.

5.1.21. No lugar, o Requerido colocou um outro portão, com a largura de 1,06 m e a altura de 1,32 m, de cor branca, com fechadura.

5.1.22. No dia 15 de Maio de 2022, os Requeridos colocaram no (novo) portão, uma chapa com a largura do portão e com a altura de cerca de 2 m.

5.1.23. O Requerido abriu um buraco na parede da casa de habitação dos Requerentes, para onde a lingueta do portão (também conhecida como tranca) é accionada pela chave, e fecharam-no.

5.1.24. Desde 01 de Maio de 2022, os Requeridos impediram os Requerentes de acederem ao Anexo, impedindo-os de ligarem a caldeira e terem uso de águas quentes e do aquecimento.

5.1.25. Os Requerentes foram avisados por pessoas residentes em ..., de que os Requeridos tinham mandado retirar o portão de acesso à sua propriedade (Anexo) e que o tinham substituído por outro.

5.1.26. No dia 16 de Maio de 2022, os Requeridos fizeram uma segunda abertura no muro.

5.1.27. O espaço onde se encontram as escadas de acesso ao Anexo, e este Anexo, fazem parte integrante do prédio dos Requerentes descrito no artigo 1.º da P.I.

5.1.28. A cimalha do telhado da casa de habitação (a poente), a caleira das águas pluviais que provêm do telhado (a poente), sobrevoam o referido espaço, janelas e parapeitos estão virados para o referido espaço, e dois aparelhos de ar condicionado também.

5.2. FACTOS NÃO PROVADOS

5.2.1. O cimo das escadas, quer antes, quer depois da construção do projecto de remodelação, sempre teve um portão pertencente ao prédio dos Requeridos, sendo que o pai e marido dos Requeridos tinha uma chave do mesmo, tendo facilitado a sua abertura aquando da existência da fábrica de confecções, para entrada e saída de funcionários.

                                                                       *

            Não existem outros factos provados ou não provados com interesse para a discussão da causa e os demais alegados na oposição são matéria conclusiva e/ou de direito ou repetida, pelo que não se dão como provados ou não provados (artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

                                                                       ***

    3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.

Calcorreando as conclusões das alegações do recurso, verificamos que as questões a decidir são:

            A)- Saber se foram violados o Princípio do Juiz Natural e da Plenitude e da Assistência do Juiz.

            B)- Saber se houve falta de fundamentação, com violação do n.º 1, do art.º 615.º, do C.P.C. e art.º 607.º, n.º 4, do mesmo diploma.

            C)- Alteração da matéria de facto fixada em 1.ª instância (sendo que antes da apreciação desta matéria, cabe verificar se deve ou não ser admitido o documento pretendido pelos recorrentes.

            D)- Saber se foi violado o art.º 411.º, do C.P.C.

            E)- Saber se os Recorridos exercem apenas poderes de facto sobre as escadas e anexo, situação em que a posse se considera exercida em nome alheio ou precária (são meros sucessores dos antepossuidores), não tendo provado qualquer inversão do título da posse.

            Tendo presente que são várias as questões a decidir, por uma questão de método iremos analisar cada uma de per si.

            Assim,

A)- Saber se foram violados o Princípio do Juiz Natural e da Plenitude e da Assistência do Juiz.

Segundo os recorrentes foram violados os princípios do juiz natural e da plenitude, porquanto, sendo a providência cautelar uma decisão provisória e insusceptível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional de todas as questões suscitadas pela mesma, e constituindo a decisão proferida sobre a oposição “complemento e parte integrante da inicialmente proferida”, só após a sua prolação “se abre a via do recurso, o qual abrangerá todas as questões suscitadas, quer pela decisão originariamente proferida, quer pela que a mantém, completa ou altera, porquanto tudo se passa como se ambas se transmutassem na decisão final unitária, para fundamentar esse seu ponto de vista cita o Ac. da Rel. de Guimarães de 30.3.2017 2522/16.2T8BRG-B.G1.

Mais refere que o princípio da plenitude da assistência dos juízes radica na imperatividade de tal julgamento da matéria de facto só poder ser realizado pelos juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências, conforme consagrado no artigo 605.º do C.P.C., sendo que, o princípio do juiz natural impõe que o processo seja julgado por um tribunal com competência definida previamente por lei, o qual se deverá manter no decurso da instância, só podendo ser afastado nos termos das regras gerais e abstractas da Lei da Organização Judiciária. O que não resulta dos autos, o que gera uma nulidade insuprível.

Opinião oposta têm os recorridos, referindo não terem sido violados tais princípios, desde logo, por  presente providência ter sido objecto da produção de prova em dois momentos distintos e presidida por Juízes diferentes, sendo cada um o Juiz Presidente, à época, no Juízo de Competência Genérica ....

Foi produzida a prova indicada no requerimento inicial que foi objecto de douta sentença pelo Meritíssimo Juiz Presidente e que decidiu pelo decretamento da providência.

Foi produzida a prova indicada na oposição e que foi objecto de douta sentença pelo Meritíssimo Juiz Presidente do Juízo, mantendo a decisão, passando esta a ser complemento daquela;

Nestes termos, estamos perante um processo com produção de prova em dois momentos distintos, cada uma com doutas decisões de facto por dois Senhores Juízes distintos, pelo que não foram violados os princípios referidos pelos Recorrentes/Requeridos, mantendo-se a douta sentença.

Assim, refere, como já dissemos, que não houve qualquer violação aos princípios citados.

Vejamos.

            Antes demais diremos algo a respeito de cada um dos principio supra referidos, após diremos algo a respeito da providência em causa – restituição provisória da posse.

            i)- Quanto ao princípio do juiz natural.

             Nas garantias do processo penal a Constituição da República – no n.º 9, do art.º  art.º32º consigna-se – “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.

Na “Constituição da República Anotada”, vol. I, pág. 525, os eminentes constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira, escrevem:

“O princípio do juiz legal (n. °9) consiste essencialmente na predeterminação do tribunal competente para o julgamento, proibindo a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição da competência a um tribunal diferente do que era legalmente competente à data do crime. A escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjectivos. Note-se que a Constituição proíbe a existência de tribunais penais, para certas categorias de crimes. Mesmo que sem competência exclusiva (art. 209.°, n.º 4).

Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais). A exigência constitucional vale claramente para os juízes de instrução e para os tribunais colectivos.

A doutrina costuma salientar que o princípio do juiz legal comporta várias dimensões fundamentais: (a) exigência de determinabilidade, o que implica que o juiz (ou juízes) chamado(s) a proferir decisões num caso concreto estejam previamente individualizados através de leis gerais, de uma forma o mais possível inequívoca; (b) princípio da fixação de competência, o que obriga à observância das competências decisórias legalmente atribuídas ao juiz e à aplicação dos preceitos que de forma mediata ou imediata são decisivos para a determinação do juiz da causa; (c) observância das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna (distribuição de processos), o que aponta para a fixação de um plano de distribuição de processos (embora esta distribuição seja uma actividade materialmente administrativa, ela conexiona-se com o princípio da administração judicial).”

Sem dúvida que a predefinição da competência dos Julgadores, a divisão interna funcional e o carácter aleatório da distribuição dos processos, são garantias de um processo penal imparcial e justo, direitos fundamentais que são salvaguardados expressamente em processo criminal, que, nos termos do nº1, do art.º 32.º da Lei Fundamental, “assegura todas as garantias de defesa.”

No processo civil, não que seja de excluir esse princípio, que não está contemplado em sede constitucional, mas também aí, mormente, a distribuição aleatória dos processos e a proibição de transferência abusiva dos magistrados encontram protecção enquanto exigência e postulado do direito a um processo justo, equitativo, e ao seu julgamento imparcial.

A não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga, pode resultar de motivos vários, sejam eles ligados ao cargo, a razões de saúde, transferência, sanção disciplinar ou promoção.

Relevante é que a descoincidência se fique a dever a motivos com suporte legal inerentes à organização e funcionamento da Magistratura, com apoio em normas gerais e abstractas e regulamentos dimanados dos órgãos jurídico-constitucionais competentes.

O processo civil proporciona meios para a assegurar a imparcialidade dos julgadores, ainda que com feição diferente da protecção constitucional a que nos referimos, mormente, nos arts. 115,º, 119.º e 124º do Código de Processo Civil.

Assim, não se podendo afirmar que as alterações das pessoas dos Magistrados que intervieram na 1ª Instância e na Relação visaram, de forma ilegal e discriminatória, prejudicar os Recorrentes, ou quem quer que fosse, não se pode considerar ter havido violação do princípio do juiz natural.

ii)- Quanto ao princípio da Plenitude e da Assistência do Juiz.

No processo civil tem aplicação o princípio da plenitude da assistência dos juízes consagrado no art.º 605.º do Código de Processo Civil, que também comporta excepções.

O princípio da plenitude da assistência dos juízes, consagrado agora no art.º 605.º, do Código de Processo Civil (antes no art.º 654º), só tem aplicação quando da fixação da matéria de facto, em ponderação dos princípios da imediação, da oralidade e concentração, conhecendo aplicação intransigente quando o tribunal perante o qual foi feita a discussão da causa é aquele que que tem de proferir a decisão de facto: aí, salvo casos excepcionais, quem presidiu à recolha da prova é quem a julga.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra, de 18.3.2014 – Proc. 3721/11.9TBLRA.C1 (sumário) - Relator Henrique Antunes, in www.dgsi.pt:

“Dado que no Código de Processo Civil de 1961 o princípio da plenitude da assistência dos juízes só valia para os actos de produção da prova e de julgamento da matéria de facto – e, portanto, para a fase da audiência – e não também para a fase da sentença, o proferimento da sentença por juiz diferente daquele que decidiu a matéria de facto não infringia aquele princípio – nem, aliás, qualquer outro princípio ou norma processual.

Uma vez que o NCPC concentrou o julgamento da questão de facto na sentença final, esta sentença só pode ser proferida pelo juiz que assistiu aos actos de instrução e discussão praticados na audiência ou audiências de discussão e julgamento.

Essa regra não é, porém, aplicável aos casos em que, antes do início da vigência do NCPC, a matéria de facto já se mostrava julgada pelo juiz que assistiu aos actos de produção da prova.

 No art.º 605.º, n.º 3 do actual CPC, encontra-se consignado que se o «juiz que for transferido, promovido ou aposentado conclui o julgamento, exceto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou for preferível a repetição dos atos já praticados em julgamento.»

Assim, por princípio, salvo caso de impossibilidade para o exercício do cargo ou grave dificuldade (que torne preferível a repetição integral dos actos praticados no anterior julgamento), a tarefa do julgamento da matéria de facto e a própria elaboração da sentença (cfr. n.º 4 do art. 605º) deverão estar concentrados num único juiz, qual seja o juiz que iniciou o julgamento com produção e (perante si) de meios de prova, deste modo se ganhando inquestionavelmente mais na eficácia, no mérito e credibilidade da decisão do que se perde em eventuais constrangimentos de ordem pessoal e até funcional. Vide, neste sentido, ainda no domínio do anterior CPC, despacho da actual Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, Drª RAQUEL REGO, de 11.06.2012, proferido no processo 54/12.7YGMR, disponível no sítio www.trg.pt (conflitos de competência).

Por outro lado, ainda, e não obstante o legislador não tenha aproveitado o ensejo da recentíssima reforma do Código de Processo Civil para esclarecer, de forma clara e definitiva, a questão ora em apreço , julgamos que é, ainda, o aludido princípio que subjaz do preceituado no art. 662º, als. b)- e d)-, ao ali se apontar para conceitos como «se for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz…» ou «se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.»

            iii) – Quanto à providência de restituição provisória de posse.

Passemos, agora, a tecer algumas considerações a respeito da providência cautelar em causa – providência cautelar de restituição provisória de posse.

            A providência cautelar em causa, encontra-se prevista nos art.ºs regulada nos art.º 377.º e 379.º, do C.P.C.

            À mesma são aplicadas as regras do procedimento cautelar comum, por força do art.º 379.º, citado.

            A providência cautelar pode ser proferida sem contraditório prévio, pois lê-se no art.º 366.º, n.º 1, do citado diploma, aplicável por força do já referido art.º 379.º, que «o tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência».

Assim, a regra dos procedimentos cautelares é, pois, e à semelhança de todo o demais processo civil português, a audiência da parte contrária, previamente à prolação de qualquer decisão.

Na verdade, trata-se, de uma decorrência elementar do princípio da igualdade das partes o qual, por regra, deve ser respeitado em todas as fases processuais.

Como é consabido, o princípio do contraditório, consubstancia a possibilidade de o requerido de uma determinada providência “oferecer as suas provas, de controlar as provas do adversário e de discretear sobre o valor e resultados”, insere-se no direito a um processo justo ou equitativo, sendo por isso um importante instrumento de procura da verdade provável. Com efeito, o princípio do contraditório é concretizado, quer pelo direito à audição prévia da parte contra a qual foi requerida a providência judicial, quer pelo direito de resposta em relação a um determinado ato processual praticado pela contraparte ou pelo tribunal» (cfr. Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 2ª edição, Almedina, Fevereiro de 2016, p. 362, com bold apócrifo).
            Saliente-se que «a observância do contraditório mesmo em sede dos procedimentos cautelares não deixa de constituir um elemento que potencia o melhor esclarecimento da questão litigiosa e permite maior certeza e segurança na decisão, uma vez que, como é natural, a  arcialidade do requerente pode conduzir a que alegue apenas os factos que beneficiam a sua posição, como parte interessada potencia a indicação de meios de prova que lhe são favoráveis e a ocultação dos restantes, com isso influenciando o julgador que, alheio ao litígio, e confrontado apenas com uma das versões, pode ser induzido, erroneamente, a decretar uma medida cautelar injusta, sem correspondência com a verdade material escondida por detrás de manobras maliciosas ou tendenciosas do requerente» (cfr. a este propósito António Santos Abrantes Geraldes, in
Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1998, p. 160. No mesmo sentido, Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., p. 362 e 363).
            Assim, para que possa ser dispensada a audiência prévia do requerido, e de acordo com o critério legal, importa que a mesma audiência ponha
«em risco sério o fim ou a eficácia da providência».

Precisa-se, porém, que tal «risco sério» terá que ser aferido em função de um critério objectivo (não bastando um simples temor do requerente, não suficientemente concretizado em factos), considerando-se para esse fim, não apenas os efeitos jurídicos derivados do eventual decretamento da providência, como ainda os seus efeitos práticos, «que dependem em grande parte da celeridade que deve imprimir-se ao procedimento cautelar, da urgência com que devem ser tomadas determinadas medidas e do efeito surpresa que, por vezes, é necessário para acautelar efectivamente os interesses prosseguidos pelo requerente» (António Santos Abrantes Geraldes, op. cit., p. 163).

A estas situações juntam-se, naturalmente, as providências cautelares nominadas em que a lei expressamente comina (face à natureza do objecto em litígio) que, na sua fase inicial, não será ouvido o requerido, sendo as mesmas decretadas, ou indeferidas, sem esse contraditório prévio, sendo um dos desses casos, precisamente a providência que temos entre mãos, restituição provisória de posse (art. 378º do C.P.C.).

Uma vez dispensado o contraditório prévio, ou sendo o mesmo interdito por lei, e não havendo motivo para indeferimento liminar da providência (art. 590º, nº 1 do C.P.C.), realiza-se a audiência final, onde será exclusivamente produzida a prova arrolada pelo requerente (art. 367º do C.P.C.).

Terminada, a providência será decretada mediante sentença, desde que fiquem demonstrados os pressupostos legais de que depende esse decretamento; e será indeferida nos restantes casos (art. 368º do C.P.C.).

                                                           *

Se for decretada a providência, como sucedeu, no caso em apreço, o contraditório, será subsequente.

A respeito de tal matéria preceitua o n.º 6, do art.º 366.º, do C.P.C. que, quando «o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação».

Resulta das alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 372.º, do mesmo diploma, que «quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no nº 6 do artigo 366º: a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 367º e 368º».

Ou seja, o requerido, pode recorrer ou deduzir oposição, como sucedeu no caso em apreço, onde os requeridos vieram deduzir oposição.

Deduzindo esta, devem alegar novos factos que infirmem os fundamentos do seu decretamento, ou produzir novos meios de prova que abalem a credibilidade conferida aos inicialmente considerados.

«Vigora, neste como noutros assuntos, o princípio da legalidade segundo o qual as partes terão de se ajustar aos mecanismos formais previstos na lei e não dispor a seu bel-prazer daqueles que a lei regula» (António Santos Abrantes Geraldes, op. cit., p. 232).

O regime exposto, nomeadamente a consagração da faculdade de deduzir oposição, permite afirmar que «a decisão proferida na ausência de contraditório é encarada com alguma desconfiança por parte do legislador, que, a partir de dados conferidos pela experiência comum, detectou a maior falibilidade dos juízos assim emitidos, em contraposição com a maior segurança e justiça que se consegue quando ambas as partes são levadas a prestar contributos.

(...) A utilidade desta comparticipação, se é visível no tratamento da matéria de direito, alertando o juiz para a verificação ou não de determinados requisitos de ordem legal, mais se revela aquando da produção e valoração de meios de prova destinados à formação da convicção do juiz acerca dos pressupostos de facto de que depende o deferimento ou indeferimento da pretensão.

(...) Atento aos maiores riscos de injustiça derivados da prolação de uma decisão cautelar sem a garantia do contraditório, a lei concedeu ao requerido a possibilidade de remover ou de modificar, logo em sede de tribunal de primeira instância, a decisão cautelar, desde que esteja na posse de novos factos ou meios de prova que, carreados para os autos e aí apreciados, sejam susceptíveis de afastar os fundamentos da medida ou de determinar a sua redução a limites mais razoáveis» (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, op. cit., p. 228 e 230, com bold apócrifo e Ac. da Rel. de Guimarães, de 30 de Março de 2017, relatado por (Maria João Marques Pinto de Matos).

Logo, como a clara letra da lei o afirma (e a sua avalizada leitura pela melhor doutrina reforça), na oposição a providência cautelar decretada sem audiência prévia do requerido, pode este, além de alegar «novos factos, não integrados na versão unilateralizada do requerente», pretender que se produzam novas provas sobre os inicialmente aduzidos, isto é, «meios de prova (ou de contraprova)» não considerados pelo tribunal no primeiro momento, e que tenham a virtualidade de, uma vez produzidos, determinarem o afastamento ou a redução da medida cautelar decretada (António Santos Abrantes Geraldes, op. cit., p. 232).

Estes novos meios de prova destinam-se, não só à demonstração dos novos factos aduzidos em sede de oposição, como à infirmação dos anteriormente dados como assentes (e isto quer pela demonstração do seu contrário, quer pela criação, no espírito do julgador, de dúvida inultrapassável sobre a sua real verificação, impondo-se-lhe – uma vez criada tal dúvida – que julgue de acordo com o ónus de prova).
Por outras palavras, os «factos novos que o requerido pretenda alegar, a coberto do cit artigo 388º, nº 1, alínea b), serão, em regra, de
cariz exceptivo; mas não há impedimento a que possam ser também impugnativos, com motivação, designadamente se novas provas forem propostas e que podem inequivocamente sobre eles incidir (cit artigo 346º cód civ). Mais; independentemente disso, bem pode acontecer que o requerido queira apenas, e só, produzir meios de prova, sem outros factos que não os contidos no requerimento inicial, e que exactamente sobre eles se destinem a incidir (claro está, para os tornar duvidosos). Esta derradeira hipótese é impressiva acerca da admissibilidade de, em oposição, poderem as provas (testemunhais ou outras) incidir sobre aqueles factos contidos no requerimento; e por conseguinte acerca do desajustado de uma decisão que, prévia à audiência, suprima estes como objecto possível daquelas» (Ac. da RL, de 27.05.2013, Luís Lameiras, Processo nº 832/12.7TVPRT-B.P1, com bold apócrifo).

Compreende-se, por isso, que se se afirme que, na oposição, e por força da análise que se faça da nova prova produzida, poderá o requerido, para alcançar êxito na sua pretensão, provar os novos factos que alegou (desde que os mesmos tenham virtualidade para, uma vez demonstrados, afastarem os fundamentos da decisão primitiva), ou apenas criar no espírito do julgador a dúvida irremovível sobre a efectiva verificação daqueles outros, antes tidos como ocorridos, já que esse juízo assentou numa análise perfunctória, não sindicada pela outra parte.

Assim, e atendendo que nos termos do n.º 3, do art.º 372.º, do C.P.C. – “No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, (precisamente, o caso em apreço, dedução de oposição), o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente”

Compreende-se, que, «ao conhecer da oposição deduzida contra decisão que decretou uma providência cautelar, o juiz deve apreciar toda a prova, tanto a produzida inicialmente pelo requerente como a produzida pelo requerido na fase da oposição» (Ac. da RL, de 15.04.1999, CJ, Tomo 2, Ano XXIV, p. 108).

Contudo, sendo os factos inicialmente alegados pelo requerente objecto agora de contraprova por parte do requerido, continuará a caber àquele - como então - o ónus de os demonstrar, desta feita sob a sindicância deste; e, soçobrando nessa demonstração, deverá o Tribunal julgar de acordo com essa incapacidade (sempre em estrita obediência ao disposto nos arts. 342º e seguintes do C.C.). (cfr. Ac. da Rel. de Guimarães, supra citado, dado de 30 de março de 2017).

Escreve-se, ainda no citado acórdão “Precisa-se, porém, que o contraditório subsequente permitido ao requerido não abrange o contra-interrogatório das testemunhas inquiridas inicialmente, tendo como objecto os mesmos factos sobre que depuseram.

Assim, e podendo o requerido arrolar no seu requerimento de oposição as mesmas, ou algumas, das testemunhas inquiridas inicialmente, o interrogatório que faça às mesmas terá de ter por objecto os novos factos que haja alegado (consubstanciando os mesmos impugnação motivada, ou excepções), e não consistir em mera instância ao declarado a propósito dos factos constantes do requerimento inicial (sobre o qual foram ouvidas, em sede de primeira audiência final de produção de prova).

Justificando-o, dir-se-á que este entendimento é o único que colhe apoio na letra do art. 372º, nº 1, al. b) do C.P.C., que restringe a oposição à alegação de novos factos, ou à produção de novos meios de prova, sendo que: a instância, por natureza, não incide sobre «novos factos», mas sim sobre aqueles que constituíram o objecto do prévio depoimento prestado; e as mesmas iniciais testemunhas não constituem «novos meios de prova».
Do mesmo modo se considera o
argumento histórico, uma vez que se afirmou desde logo no preâmbulo do Dec-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, ao consagrar-se a figura da «oposição à medida cautelar», que se pretendia evitar a sua transformação numa «verdadeira acção declaratória em que os embargos à providência actualmente se traduzem». Ora, o binómio interrogatório/instâncias, de cada uma e de todas as testemunhas arroladas, é precisamente o que é próprio da acção declarativa (art. 516º, nº 2 do C.P.C.).
Por fim, um tal regime seria de todo em todo
contrário à celeridade processual que, reiterada e reforçadamente, se vem imprimindo ao regime das providência cautelares, conforme art. 363º do C.P.C..
            (No sentido exposto, Ac. da RL, de 28.04.2015,
Maria da Graça Araújo, Processo nº 465/14.3T8OER-A.L1-1, onde se lê que o «que está vedado ao requerido é conseguir que, sobre os factos já alegados pelo requerente e através da (re)produção dos meios de prova já tidos em conta, a 1ª instância chegue a convicção diversa daquela que foi vertida na decisão que deferiu a providência», devendo então «optar pelo recurso, com impugnação da decisão sobre a matéria de facto (alínea a) do nº 1 do artigo 372º do Cód. Proc. Civ».

Contudo, pronunciando-se em sentido contrário, propondo uma interpretação extensiva do art. 372º, nº 1, al. b) do C.P.C., José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 46, onde se lê que «o requerido pode querer exercer o direito a intervir que lhe é facultado pelo art. 517-2, sem pretender simultaneamente alegar novos factos ou produzir novos elementos de prova», contentando-se, «por exemplo, em instar testemunhas inquiridas, de cujo depoimento adquire conhecimento pela gravação».

Admite-se ainda que o defendido por Tiago Félix da Costa, em A (Des)Igualdade de Armas nas Providências Cautelares sem Audiência do Requerido, Almedina, Fevereiro de 2012, possa igualmente ser usado em abono deste último entendimento: constatando a profunda desigualdade de armas imposta pela dispensa da audição prévia do requerido, e pelas desiguais condições em que se realizam a primeira e a segunda audiências finais, propõe este Autor que os tribunais adoptem todas as soluções interpretativas que, atentos os princípios da proporcionalidade e da interpretação conforme à Constituição, reponham o equilíbrio entre as partes.)”.

Vindo precisamente os requeridos a optar por deduzir oposição, como sucedeu no caso em apreço «o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão», que «constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida» (nº 3 do art. 372º citado), como já referimos.

Começa-se por precisar «que não se exige que, na reapreciação da medida anteriormente decretada, o juiz use um critério mais rigoroso do empregue na primeira decisão» (António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1988, p. 238. No mesmo sentido, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 233, onde se lê que o juiz deve usar na apreciação dos novos meios de prova o mesmo critério de verosimilhança que utilizou no primeiro momento).

Com efeito, nos «procedimentos cautelares toda a produzida é meramente indiciária, seja a produzida pelo requerente, seja a produzida pelo requerido, em sede de oposição, pelo que não se exige a prova segura do facto, como sucede no processo declarativo, bastando o juízo de mera probabilidade. Por isso, os indícios trazidos pelo requerente do procedimento cautelar podem ser afastados por indícios de sinal contrário carreados pelo requerido. E é a ponderação do conjunto da prova indiciária que permite ao julgador manter a providência decretada, afastar os seus fundamentos ou determinar a sua redução, constituindo esta nova decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida, como vem estabelecido no artigo 388º, nº 2 do CPC» (Ac. da RE, de 19.11.2006, Almeida Simões, Processo nº 2169/06-2, com bold apócrifo).

Feitos estes considerandos, cabe perguntar de que lado está a razão, se do lado dos recorrentes ou recorridos.

Cabe aprecia cada um dos pontos.

Assim,

Ponto i

Quanto a este ponto – (principio do juiz natural) -, temos para nós a razão estar do lado dos recorridos.

Na verdade o juiz que decretou a providência cautelar, era à data a juiz presidente do juízo de competência Genérica do Tribunal ..., portanto juiz “legal” do mesmo.

Por sua vez, o juiz que apreciou a oposição, deduzida pelos agora recorrentes, foi colocado nesse Tribunal, saindo do mesmo a juiz que decretou a providência, portanto o juiz que apreciou a oposição, era juiz “legal”.

Assim, sendo, temos para nós, não ter havido violação ao princípio do juiz natural.

Visto este ponto passemos ao ponto ii.

Ponto ii

Quanto a este ponto –(principio da plenitude)- temos para nós assistir razão aos recorrentes, pelas seguintes razões:

a).- O julgamento da matéria de facto e a própria e  a própria elaboração da sentença deverão estar concentradas num único juiz, salvo de casos de força maior, designadamente impossibilidade para o exercício da função.

b)- No caso em apreço, por força do n.º 3, do art.º 372.º do C.P.C. a decisão da oposição constitui um complemento e parte integrante da inicial, da que decretou a providência.

Ora, se a decisão da oposição, constitui parte integrante da decisão que decretou a providência, no fundo é como se fosse uma única decisão, na globalidade, razão que terá de ser decidida pelo mesmo juiz que decidiu a providência.

c)- Face ao referido em b), só faz sentido, interpretar a parte final do n.º 3, do art.º 372.º, citado, ser o mesmo juiz a apreciar toda a prova e analisa-la no seu conjunto, sob pena de não haver unicidade na apreciação da prova. (cfr. neste sentido Ac. da RL, de 15.04.1999, CJ, Tomo 2, Ano XXIV, p. 108), onde refere “ao conhecer da oposição deduzida contra decisão que decretou uma providência cautelar, o juiz deve apreciar toda a prova, tanto a produzida inicialmente pelo requerente como a produzida pelo requerido na fase da oposição»; António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, Almedina, 1988, p. 238 e Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, p. 233, onde se lê que o juiz deve usar na apreciação dos novos meios de prova o mesmo critério de verosimilhança que utilizou no primeiro momento e ainda (Ac. da RE, de 19.11.2006, Almeida Simões, Processo nº 2169/06-29).

            Assim, face ao exposto, e como já referimos esta pretensão dos recorrentes procede, por violação do princípio da plenitude.

            Face a tal procedência revoga-se a decisão recorrida, sendo a audiência e decisão da oposição, feita pelo juiz que apreciou e decidiu a providência cautelar.

Não desconhecemos que a posição, por nós, advogada, no que concerne ao princípio da plenitude, não é pacifica cfr. em sentido oposto Ac. da Rel. de Lisboa de 2/6/1999, relatado por Narciso Machado, in www.dgs.pt, onde se escreve:

No âmbito dos procedimentos cautelares nada impede que sejam juízes diferentes a decidir a providência e a oposição, não obstante a decisão proferida depois da produção da prova requerida da oposição constituir, nos termos do art.º 388.º, n.º 2, do C.P.C. “complemento e parte integrante da inicialmente proferida”.

É que o princípio da oralidade e os riscos inerentes a esta forma de produção e a formação do juiz estão limitados não só pela gravação  ou redução a escrito dos depoimentos prestados nos termos dos art.ºs 304.º e 386.º (existindo apenas a oralidade pura quando não for admissível recurso da decisão), mas também pela imediação e pela continuidade das diligências da instrução em cada uma das fases em causa (providência e oposição).

De tal modo que o juiz produzida a prova, acto continuo deve declarar para acta quais os factos que julgue suficientemente provados e não provados e motivar tal decisão sobre a matéria de facto  (art.ºs 304.º, n,º 5 e 653.º, n.º 2, do C.P.C.),

Assim, o juiz de cada uma das fases fica comprometido legalmente com a necessidade imediata de proferir a decisão fundamental, isto é, negar ou firmar a sua convicção relativamente aos factos alegados pelas partes.

O princípio da plenitude dos juízes consagrado no art.º 654.º, do C.P.C. é uma exigência lógica do princípio da oralidade e significa que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que assistiram a todos os actos de instrução e discussão ocorridos na audiência.

Ora nas providências cautelares, sempre decididas por juiz singular, é obrigatória a fixação da matéria de facto em qualquer uma das fases (providência e oposição).

Daí que a actual estrutura dos procedimentos cautelares não exija que a oposição do requerido seja necessariamente apreciada pelo mesmo juiz que avaliou a prova produzida pelo requerente.

Não advogamos este entendimento, desde logo, pelas razões supra explanadas, mormente no facto de o juiz da oposição deduzida contra decisão que decretou uma providência cautelar, dever apreciar toda a prova, tanto a produzida inicialmente pelo requerente como a produzida pelo requerido na fase da oposição, como se escreve no Ac. da Rel. de Lisboa, de 15/4/1999, doutrina que advogamos, daí que, tenha de ser o mesmo juiz.

Assim, nesta vertente, como já referimos, temos para nós, assistir razão ao recorrente.

                                                                       ***

            Atendendo ao supra referido o conhecimento das demais questões levantadas no recurso ficaram precludidas.

                                                                       ***

                                                                4. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:

i)- Julgar procedente o recurso, por violação do principio da plenitude e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, devendo a audiência da oposição e prolação da decisão ser feita pelo juiz que decretou a providência de restituição provisória de posse e inversão do contencioso.

ii)- Não conhecer das demais questões levantadas no recurso por precludidas.

Custas pelos recorridos

Coimbra, 2/5/2023

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Henrique Antunes (adjunto)