Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3/06.1TBALB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CONDOMÍNIO
FALTA DE PAGAMENTO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALBERGARIA-A-VELHA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1424º E 1432º DO CÓD. CIVIL
Sumário: Peticionando-se na acção o pagamento das prestações de condomínio alusivas a uma fracção de prédio constituído em propriedade horizontal – tendo em conta a obrigação que recai sobre o condómino, nos termos do art. 1424º do Cód. Civil –, é sobre o credor que impende o ónus de alegação e prova de que a assembleia deliberou com vista à fixação do valor dessa prestação, bem como que efectuou os procedimentos alusivos quer à convocatória para a assembleia quer à comunicação do seu resultado, nos precisos termos que resultam do disposto no art. 1432º do mesmo diploma, sendo que esses factos são constitutivos do seu direito de crédito.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

O Condomínio do A... instaurou a presente acção, com forma de processo sumário, contra B... , pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €4.410,00, acrescida da quantia de € 179,42 a título de juros vencidos, bem como nos vincendos, à taxa legal.

Para fundamentar a sua pretensão invoca que:

“Os Autores são actualmente os administradores do condomínio do A..., respeitante ao prédio sito no lugar de X...., Y..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 05539/991229 e omisso à matriz”;

O réu é proprietário da fracção autónoma “EA” (loja Y....), destinada a comércio;

Foi deliberado em assembleia de condóminos que as despesas de manutenção e conservação, seguros e outras seriam pagas trimestralmente e no início do trimestre anterior àquele a que respeitam e conforme os orçamentos e respectivas permilagens, constantes da propriedade horizontal;

“Assim e de acordo com o que se narra, deve a ré aos autores a quantia de 4.410,00€”;

Quantia que respeita aos anos de 2002 a 2004 e primeiro e segundo trimestre do ano de 2005 e devia ser paga pelo menos até 30/06/2005, data a partir da qual o réu se constitui em mora;

O autor enviou ao réu carta registada em 30/06/2005, reclamando o pagamento desse montante mas o réu não procedeu ao pagamento.

O réu contestou, impugnando a factualidade assente e argumentando que:

Os autores só foram eleitos como administradores para o ano de 2004 pelo que, à data de interposição da presente acção,  já não tinham poderes para representar o condomínio em juízo, desconhecendo quem exerce actualmente esse cargo.

O réu nunca recebeu qualquer convocatória para participar nas Assembleias de Condóminos nem nunca lhe foram comunicadas as deliberações aí tomadas,

Nunca lhe foi comunicado nenhum orçamento, nem nunca lhe foi comunicado qual o montante da sua quota parte nas despesas comuns.

Conclui pela improcedência da acção.

Foi elaborado despacho saneador, com declaração de que as partes gozam de personalidade e capacidades judiciárias e são legítimas, dispensando-se a fixação de base instrutória

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se despacho fixando a factualidade assente, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“Por todo o exposto julgo procedente por provada a presente acção pelo que condeno o Réu B... a pagar aos AA a quantia de 4.410,00 € (quatro mil quatrocentos e dez euros) acrescidos dos juros legais a contar da citação.

Custas pelo Réu”.

O réu recorreu, formulando, em síntese, as seguintes conclusões [ [i] ]:

“(…) 2-A Mma Juíza a quo deu como provados, atento o conteúdo do doc° de fls. 6, 7 e 196 e ss dos autos que C... , D..., E... e F... eram administradores do condomínio, sendo certo que foram estas quatro pessoas que, naquela qualidade, intentaram a presente acção.

3- Conforme resulta do referido documento, aqueles E... e F... eram membros da Mesa da Assembleia Geral e não administradores. (…)

6-Do documento que serviu de fundamentação à resposta à matéria de facto supra aludida nos n°s 1 e 2, não resulta qualquer prova no sentido que lhe foi atribuído pela Mma Juíza a quo. (…)

8- (…) incumbia aos AA. a alegação e prova do facto de, apesar de ter decorrido o prazo para que tinham sido eleitos, ainda se mantinham em funções, na medida em que ainda não tinham sido eleitos os seus sucessores.

9-Tal alegação e prova não foi feita - cfr. n° 1° do art° 342° do Código Civil - pelos AA., pelo que, por incorrectamente julgados, devem, assim, ser dados como não provados os factos constantes dos pontos 1 e 2 da matéria fáctica fixada.

10- Na petição inicial - cfr. art° 3-, o A. alegou que "Foi deliberado em assembleia de condóminos que as despesas de manutenção e conservação, seguros e outras seriam pagas trimestralmente e no início do trimestre anterior àquele a que respeitam e conforme os orçamentos e respectivas permilagens, constantes da propriedade horizontal".

11-Para prova daquele facto, a Mma Juíza a quo determinou, após a realização da audiência de discussão e julgamento, que o A. procedesse à junção da deliberação ali referida e que constitui doc° de fls. 196- acta n°1 lavrada em 21 de Abril de 2001.

12-Com base neste documento, e só neste, foi dado como provado que "foi deliberado em assembleia de condóminos que as despesas de manutenção e conservação, seguros e outros, seriam pagas através de uma prestação mensal, achada de acordo com a permilagem".

            13- Ora, da acta em causa apenas resulta que foi apresentado um orçamento para os últimos meses do ano em curso, que previa uma quota mensal por condómino de vinte e um mil escudos para um espaço de 91 m2 correspondente a uma loja, sendo que os restantes, teriam um valor proporcional".

15-Do documento em causa não resulta qualquer prova dos factos constantes do ponto 4 da matéria fixada, pelo que devem os mesmos serem dados como "não provados".

16-Foi dado como provado que o R. não pagou as despesas do condomínio constantes do ponto 5 da matéria de facto, sendo certo que a convicção do Tribunal se baseou quer no depoimento das testemunhas, quer na própria confissão do R. na sua contestação: Efectivamente, o R. admitiu que não pagou tais prestações, como igualmente é verdade que todas as testemunhas confirmaram tal facto.

17- Jamais alguma testemunha fez referência quer ao montante das prestações, quer à periodicidade em que tais prestações deveriam ter sido pagas e dos documentos juntos aos autos nenhuma referência se faz quer á periodicidade do pagamento das prestações, quer ao seu montante (…) .

19- No termos do preceituado no n° 1 do art° 1342° do Código Civil, a assembleia de condóminos deve ser convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.

20- Nos autos não se encontram juntos os comprovativos dos envios das convocatórias, tendo a Mma Juíza a quo, na sentença recorrida, entendido que era ao R. que incumbia fazer a prova "da falta de envio dos avisos convocatórios." (…)

23- Se é grave a inobservância do cumprimento das formalidade legais quanto à convocatória das assembleias, mais grave se toma a não comunicação aos condomínios ausentes das deliberações nelas tomadas.

26-Foi dado como provado que as deliberações das assembleias de condóminos não eram comunicadas aos condóminos por carta registada com aviso de recepção, o que no entendimento plasmado na douta sentença recorrida, acarretaria a anulabilidade dessas deliberações.

27-No entendimento da Mma. Juíza a quo, o R. teve conhecimento da deliberação, se não antes, na data em que foi citado para a presente acção, pelo que já teria decorrido o prazo para que o R. requeresse a anulabilidade de tal deliberação, pelo que esta é perfeitamente válida e eficaz perante o R.

28- Ao R. nunca foi dado conhecimento da deliberação que fixou a sua quota parte nas despesas do condomínio, a periodicidade do pagamento das contribuições, quais os critérios que fundamentaram a fixação desse montante, quais as despesas que seriam efectuadas com as contribuições dos condóminos e que justificassem aquele montante, nem mesmo através da presente acção. (…)

30-As deliberações juntas aos autos, nada têm a ver com a fixação da quota parte nas despesas devidas por cada um dos condóminos e que constitui o objecto dos presentes autos”.

Não foram apresentadas contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provados os seguintes factos:

1 - Os autores são actualmente os administradores do condomínio do A..., respeitante ao prédio sito no lugar de X..., Y..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º 05539/991229 e omisso à matriz

2 - Foram eleitos para essas funções por assembleia de condóminos de 07 de Fevereiro de 2004.

3 - O réu é proprietário da fracção autónoma “EA” (loja 116) destinada a comércio, do prédio identificado em 1.

4 - Foi deliberado em assembleia de condóminos que as despesas de manutenção e conservação, seguros e outras, seriam pagas através de um prestação mensal, achada de acordo com a permilagem.

5 - O réu não pagou:

- o condomínio respeitante ao primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres do ano de 2002, no montante de 4 x 315,00 € = 1.260,00 €;

- o condomínio respeitante ao primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres do ano de 2003, no montante de 4 x 315,00 € = 1.260,00 €;

- o condomínio respeitante ao primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres do ano de 2004, no montante de 4 x 315,00 € = 1.260,00 €;

- o condomínio respeitante ao primeiro e segundo trimestres do ano de 2005, no montante de 2 x 315,00 € = 630,00 €;

6 – Por carta registada em 30/06/2005 os autores reclamaram junto do réu o pagamento do montante em dívida.

7 – As deliberações das assembleias de condóminos não eram comunicadas aos condóminos por carta registada com aviso de recepção mas sim depositadas nas caixas de correio das lojas respectivas.

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente:

- da impugnação da matéria de facto; 

- da legitimidade do autor;

- da obrigação do condómino réu concorrer para os encargos de conservação e fruição relativamente às partes comuns do edifício.

 

2. Está em causa apreciar a factualidade que o tribunal de 1ª instância deu como assente e consignou sob os nºs 1, 2, 4 e 5, sustentando o apelante que não há elementos probatórios que suportem essa valoração positiva, sendo que se procedeu à gravação da prova produzida em audiência de julgamento.

A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos especificados no art. 712º do C.P.C., a saber:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por outro lado, dispõe o art. 690º-A do mesmo diploma:

 “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Vejamos, então, em que termos se deve processar a reapreciação da prova produzida.

Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção.

Desde logo, e fazendo apelo ao preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro [ [ii] ], o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador.

Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, o princípio da livre apreciação da prova – arts. 396º do C.C. e 655º, nº1 – e o princípio da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.[ [iii]  ]

O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.

                                             *                    

Começamos pela análise da matéria relacionada com a assunção dos poderes de administrador do condomínio e identidade da pessoa(s) que exerce tais poderes.

Abre-se aqui um parêntesis para referir que se impõe com alguma evidência a necessidade de alterar a redacção do nº1 da factualidade que se deu por assente. Assim, quem assume a qualidade de parte no processo, do lado activo, é o Condomínio do A... pelo que a expressão “os autores”, aí utilizada, é manifestamente desadequada e imprópria. Na economia do despacho que fixou a factualidade assente e no contexto da acção é manifesto que a Sra. juiz, quando aí aludiu aos “autores”, estava a reportar-se ao C..., D..., E... e F..., pessoas que subscreveram a procuração ao mandatário forense com vista à instauração desta acção – cfr. fls. 25 – e que são identificadas no cabeçalho da petição inicial como os “legais representantes do Condomínio do A...”, entidade que, essa sim, assume a qualidade de parte.

Passando agora aos aspectos relacionados com a valoração da prova, temos que o réu alega  que a Sra. Juiz deu como provada a factualidade enunciada sob os nºs 1 e 2 “fundamentando tal decisão nos doc.s de fls. 6, 7 e 196 e ss dos autos”, acrescentando que “desses documentos não se pode extrair tal conclusão”.

Ora, o despacho de fundamentação não autoriza a leitura indicada pelo apelante. Assim, o tribunal a quo referiu que fundou a sua convicção “nos docs. de fls. 6, 7 e 196”, aludindo depois a outras matérias, mas nunca aí se disse que foram esses documentos que serviram de base (exclusivamente) à fixação dessa factualidade.

Em todo o caso, justifica-se alterar a factualidade que se deu por provada sob o nº2.

Efectivamente, do documento junto aos autos a fls. 7 e 8 (acta nº8), cuja autenticidade não foi posta em causa pelo réu, resulta que por deliberação tomada em Assembleia Geral Ordinária do condomínio do “ A..., sito no lugar de X..., da freguesia e Concelho de Albergaria –a – Velha”, em 7 de Fevereiro de 2004, foi eleito para o exercício do cargo de “Administrador”, “para o ano de 2004”, apenas o C.... Os demais foram eleitos, respectivamente, o D... como “administrador delegado”, o E... como “presidente da mesa de assembleia geral” e o F... como “vice-presidente da mesa de assembleia geral”.

O ponto é que não foi junta qualquer outra acta comprovativa da eleição de novo administrador do condomínio, ou administradores, para o ano ou anos seguintes pelo que, considerando a data de instauração da acção – 20 de Dezembro de 2005 – permanece por apurar a identidade do administrador, já que não é razoável colocar sequer a hipótese do autor não ter alguém que exerça essas funções.

É neste contexto que releva o depoimento prestado pela testemunha G ... . A testemunha – que afirmou ser “administrador delegado”, esclarecendo depois que não assumia esse cargo nem tinha sido eleito para o exercício de funções de administração, sendo apenas “um encarregado”, procedendo a diversos trabalhos relacionados com o condomínio, como o controle das entradas, fiscalização da limpeza e cobranças – indicou de forma inequívoca que a pessoa que exerce as funções de administrador é o C....[ [iv] ]

A expressão utilizada – “administrador de condomínio” – deve ser entendida não no seu sentido técnico-jurídico mas na sua asserção comum, enquanto pessoa que trata e gere os assuntos relacionados com o condomínio, representando-o e, nessa perspectiva, deve aceitar-se a sua utilização em sede de fixação da factualidade assente. [ [v] ]

Concluindo, procede parcialmente a argumentação do apelante, alterando-se a factualidade que se deu por assente sob os nºs 1 e 2, que passam a ter a seguinte redacção:

1. Em 7 de Fevereiro de 2004 reuniu-se a assembleia do condomínio do “ A..., sito no lugar de X..., da freguesia e Concelho de Albergaria –a – Velha”, tendo-se deliberado eleger para o exercício do cargo de “Administrador”, “para o ano de 2004”, C....

2. O C..., decorrido esse período, continuou a exercer essas funções.

                                             *

Passamos agora à factualidade enunciada sob os nºs 4 e 5.

Do documento junto a fls. 196 e 197 (acta nº1), cuja autenticidade também não foi posta em causa pelo réu, resulta que em 21 de Abril de 2001 se reuniu a assembleia de condomínio do referido A..., constando da respectiva acta o seguinte:

“No terceiro ponto da ordem de trabalhos foi apresentado um orçamento para os últimos meses do ano em curso, que previa uma quota mensal por condómino de vinte e um mil escudos para um espaço de 91 m2 correspondente a uma loja, sendo que as restantes, teriam um valor proporcional. (…) Colocou-se então à votação, o orçamento proposto pela Administração, conforme atrás descrito, sendo aprovado por maioria”.

Também não oferece dúvida que o réu nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de prestações de condomínio: trata-se de facto que o réu aceita e que todas as testemunhas referiram.[[vi]]

A questão está em saber se foi produzida qualquer prova que minimamente aponte no sentido de que os condóminos do A... se reuniram e, por maioria, deliberaram fixar determinada prestação de condomínio – e em que montante –, para os anos de 2002 a 2005, considerando que é esse o período de tempo relevante para o processo.

Efectivamente, a alegação de que à fracção pertencente ao réu – pese embora o teor conclusivo da afirmação, trata-se de matéria que ninguém questiona – cabia o valor “trimestral” de 315€, como pretende o autor, consubstancia alegação conclusiva que há-de retirar-se daquele facto.

Daí que não possa aceitar-se a matéria que a Sra. juiz fez consignar sob o nº 5, que se reconduz, em parte, a mera alegação de direito.

E, afinal, quais os elementos que suportam a afirmação de que “o condomínio respeitante ao primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres do ano de 2002” foi “no montante de 4 x 315,00 € = 1.260,00 €”, e assim sucessivamente, para os anos subsequentes, até 2005?

Em sede de prova documental, não foi junto qualquer elemento alusivo a actas de assembleias de condomínio respeitantes a esses anos. [ [vii] ]

Quanto à prova testemunhal, o apelante refere nas alegações que “jamais alguma testemunha fez referência, nos seus depoimentos, quer ao montante das prestações quer à periodicidade em que tais prestações deveriam ser pagas”. Ouvidos os depoimentos constantes do registo áudio, conclui-se que a afirmação não é correcta. Assim:

- a testemunha G... (1ª testemunha a ser inquirida)  referiu que “na altura em que se meteu a acção era de 315€, que corresponde à permilagem”;

- a testemunha I... (inquirida em último lugar), que trabalha na portaria do A...e exercia, juntamente com a sua colega H..., algumas tarefas relacionadas com assuntos do condomínio (por exemplo, o envio por correio de cartas aos condóminos, com as convocatórias para as assembleias e a colocação de correspondência alusiva às actas das assembleias  nas respectivas caixas de correio das lojas), à pergunta formulada pelo mandatário do autor – “sabe qual era a prestação” do réu? – respondeu da seguinte forma: “315€, acho eu, Sr. Dr.”. A testemunha referiu ainda, de forma inequívoca, que “o condomínio era pago de três em três meses e pago até ao dia oito de cada trimestre”.

- quanto à testemunha H... , também trabalhadora na portaria , referiu passar “alguns recibos”, afirmou que os pagamentos eram trimestrais mas, relativamente aos valores em causa, respondeu não saber “os valores certos”. [ [viii] ]

No entanto, nenhuma das testemunhas aludiu a qualquer assembleia de condomínio reunida para deliberar sobre o assunto em causa, nem adiantaram qualquer facto ou motivo que as levou a concluir dessa forma, razão pela qual esses depoimentos, no que a este específico ponto concerne, não assumem qualquer relevância, não podendo ser valorados. Aliás, com referência aos anos de 2002 a 2004, inclusive, nem sequer as testemunhas forneceram qualquer indicação.

Ou seja, analisando criticamente e com razoabilidade toda a prova produzida, tem de se reconhecer a ausência de elementos probatórios suficientes, documentais ou outros, que suportem qualquer afirmação quanto à prestação de condomínio relativa aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, para além da circunstância do réu nunca ter efectuado qualquer pagamento a esse título.

Acrescente-se que a Sra juiz também não os enunciou especificamente, não se alcançando sequer do despacho de fundamentação o percurso de avaliação feito pelo tribunal recorrido, quanto a esta matéria – alude-se apenas aos documentos a que referimos, que nada adiantam nesta sede e quanto aos anos em causa.

Concluindo, procede parcialmente a argumentação do apelante, alterando-se a factualidade que se deu por assente sob os nºs 4 e 5, que passam a ter a seguinte redacção:

4. Em 21 de Abril de 2001 reuniu-se a assembleia de condomínio do referido A..., constando da respectiva acta o seguinte:

“No terceiro ponto da ordem de trabalhos foi apresentado um orçamento para os últimos meses do ano em curso, que previa uma quota mensal por condómino de vinte e um mil escudos para um espaço de 91 m2 correspondente a uma loja, sendo que as restantes, teriam um valor proporcional. (…) Colocou-se então à votação, o orçamento proposto pela Administração, conforme atrás descrito, sendo aprovado por maioria”.

5. O réu nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de prestações de condomínio correspondentes à fracção “EA” (loja 116) e relativas aos anos de 2002 a 2o04 e 2005, até à instauração da acção.

Passamos, então, à análise das questões de direito suscitadas pelo apelante, ponderando o enquadramento fáctico que resulta das alterações efectuadas.

3. A primeira questão suscitada prende-se com a invocada “falta de poderes dos AA para intentar a acção”, que se reconduz à verificação dum pressuposto processual relativo às partes, a saber, a legitimidade para a instauração da acção, considerando que quem assume a posição de parte, do lado activo, é o condomínio, agindo as pessoas singulares, identificadas no cabeçalho da petição inicial, apenas na qualidade de representantes legais deste.

No caso, está demonstrado que C... foi eleito para o exercício do cargo de administrador para o período de 2004, sendo que, depois disso e à data de instauração da acção, continuou a exercer essas funções, sem que se conheça a eleição de novo administrador por parte da assembleia de condomínio. Assim, ponderando o disposto nos arts. 1435º, nº5 e 1436º, nº2 do Cód. Civil – diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – o autor está devidamente representado.

Por outro lado, está em causa acção tendente à cobrança de receitas pelo que a causa se insere no âmbito dos poderes conferidos ao administrador de condomínio, cabendo-lhe a sua  representação em juízo  – art. 22º do C.P.C. e arts. 1436º, al) d e 1437º.

Tudo em ordem a considerar-se que improcede a argumentação do apelante, concluindo-se, como aliás já se havia declarado aquando da prolação do despacho saneador, que o autor goza de personalidade e capacidade judiciária (art. 6º, al) e do C.P.C.), sendo parte legítima.[ [ix] ]

4. Dispõe o art. 1º, nº1 do Decreto – lei nº268/94, de 25 de Outubro que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado” e no nº2 que: “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para terceiros titulares de direitos relativos às fracções.”

Quando está em causa deliberação sobre o montante das contribuições devidas ao condomínio, ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, a acta da reunião da assembleia de condóminos “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte” – art. 6º, nº1 do mesmo diploma.

Este regime deve concatenar-se com o disposto no Cód. Civil, maxime os seus arts. 1432º e 1433º. Assim, peticionando-se na acção o pagamento das prestações de condomínio alusivas a uma fracção de prédio constituído em propriedade horizontal – tendo em conta a obrigação que recai sobre o condómino, nos termos do art. 1424º –, é sobre o credor que impende o ónus de alegação e prova de que a assembleia deliberou com vista à fixação do valor dessa prestação, bem como que efectuou os procedimentos alusivos quer à convocatória para a assembleia quer à comunicação do seu resultado, nos precisos termos que resultam do disposto no art. 1432º, sendo que esses factos são constitutivos do seu direito de crédito. As deliberações tomadas pelo condomínio só são vinculativas para os condóminos ausentes, comprovado que esteja que o condomínio as deu a conhecer ao faltoso, só assim se explicando que o legislador tenha sido particularmente exigente quanto à forma de notificação – por carta registada com A/R, a expedir no prazo de 30 dias a contar da data de realização da assembleia –, estando em causa, afinal, assegurar o efectivo exercício do direito à impugnação, a que alude o art. 1433º. [ [x] ]

No caso em apreço, o autor nem sequer provou que, relativamente às prestações em causa, cujo pagamento peticiona, tenha sido deliberado pelo condomínio o que quer que fosse que permita concluir que o réu “deve aos autores a quantia de 4.410,00€”, conforma alegado no art. 4º da petição inicial.    

  É evidente que se partilham as considerações feitas na sentença recorrida quando aí se refere que “é conhecimento comum e acessível a qualquer cidadão médio que sendo proprietário de uma fracção autónoma tem de pagar as despesas de condomínio”, como se aceita que, inúmeras vezes, o devedor se escuda em argumentos de ordem absolutamente formal para obstar ao pagamento da dívida, sobrecarregando os demais condóminos que, cumpridores, arcam com o pagamento de despesas que são de todos.

São considerações que, no entanto, no caso em apreço, esbarram contra a absoluta ausência de prova de factos que são constitutivos do direito do autor – art. 342º, nº1 – sendo certo que sempre se poderá, igualmente, afirmar, que é do senso comum que há regras básicas que regem a vida do condomínio e que têm que ser cumpridas: não se exige judicialmente o cumprimento de uma obrigação que tem por fonte uma deliberação de condomínio, sem sequer se dar a conhecer quando a deliberação foi tomada, em que consistiu a deliberação, que se convocou o condómino afectado para participar na mesma e/ou que se desenvolveram diligências (e quais) com vista a dar-lhe a conhecer a deliberação supostamente vinculante.

Em suma, improcede, necessariamente, a pretensão formulada pelo autor.

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Conclusões  

Peticionando-se na acção o pagamento das prestações de condomínio alusivas a uma fracção de prédio constituído em propriedade horizontal – tendo em conta a obrigação que recai sobre o condómino, nos termos do art. 1424º do Cód. Civil –, é sobre o credor que impende o ónus de alegação e prova de que a assembleia deliberou com vista à fixação do valor dessa prestação, bem como que efectuou os procedimentos alusivos quer à convocatória para a assembleia quer à comunicação do seu resultado, nos precisos termos que resultam do disposto no art. 1432º do mesmo diploma, sendo que esses factos são constitutivos do seu direito de crédito.

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o réu do pedido contra si formulado.

Custas pelo autor/apelado.

Notifique.


[i] Que não se reproduzem na íntegra, por absoluta falta de concisão. 

[ii] Refere-se no preâmbulo: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”


[iii] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, acessível in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste:«De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)».

[iv] Atente-se no seguinte diálogo, salientando-se que o mandatário do réu iniciou a sua inquirição à testemunha desta forma:
Adv.: Sabe quem é este senhor C...?
Test.: É o administrador, já há uns quatro, cinco anos, mais ou menos.
Depois, a testemunha acrescentou “actualmente ainda é”.

[v] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora referem, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, p. 412, nota 2, a propósito da aplicação prática da distinção entre questão de facto/questão de direito: “Há, por outro lado, numerosos termos que podem revestir um duplo sentido: o sentido corrente, envolvendo pura questão de facto; e o sentido jurídico, assumindo já a natureza de verdadeira questão de direito. É o caso, entre outros, dos termos: emprestar, arrendar, pagar, vender, sinal”

[vi] Cumpre referir que o facto juridicamente relevante é o pagamento que, enquanto facto extintivo da obrigação, deve ser alegado e provado pelo demandado, nos termos do art. 342º, nº2 do Cód. Civil, pouco relevando, em casos como o dos autos, a prova do facto negativo. 
[vii] Sobre o valor probatório das actas relativas à assembleia de condomínio, sustentando que se trata de formalidade ad substanciam, vide Sandra Passinhas, in A  Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição reimpressa, p. 258; em sentido contrário, defendendo que se trata de um documento ad probationem, com a força probatória de documento particular, vide Aragão Seia, in Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª edição revista e actualizada, p. 180. 
[viii] Em audiência de julgamento a prova testemunhal resumiu-se à inquirição das três testemunhas indicadas.

[ix] Resulta do disposto no art. 510º, nº3 do C.P.C., na redacção dada pelos Dec. Leis 329-A/95 de 12/05 e 180/96 de 25/09, que a declaração de legitimidade das partes, feita de forma genérica no despacho saneador, onde a questão não foi concretamente apreciada, não faz caso julgado formal, caducando, assim, a doutrina do Assento do STJ de 1/2/1963.

[x] “Uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos – mesmo para os que não tenham participado na reunião ou que, participando, se abstiveram de votar ou votaram contra, e ainda para aqueles que ingressem no condomínio após a sua aprovação”, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, 2ª edição, pág.446).