Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
578/04.0TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: VENDA DE COISA ALHEIA
SIMULAÇÃO
REGISTO
TERCEIRO
Data do Acordão: 02/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: 240.º; 291.º; 785.º, N.º 1 E 2;1142.º; 1205.5; 1206; 1144.º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 5.º, 1 E 4 DO CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL
Sumário: 1. É inoponível a terceiro adquirente que registou a aquisição da propriedade, a excepção de venda de coisa alheia pelo mesmo transmitente pelo facto de, em acto anterior, ter alienado metade indivisa da mesmo imóvel.
2. A simulação, como vício da vontade negocial, de acordo com os requisitos estabelecidos no artigo 240.º do Código Civil, não corresponde apenas ao somatório das vontades de cada um dos contraentes de não querer o negócio declarado, exigindo ainda o acordo entre eles em fazer divergir a declaração da vontade real bem como o intuito de enganar terceiros.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., B...e mulher C...instauraram na Comarca de Torres Novas acção declarativa com processo sumário contra G...., D...., E....e F...., alegando em síntese:
- Que os AA. são os únicos herdeiros de H...., que por escritura pública de 1989 comprou aos RR. D..., E....e F.... metade indivisa de três prédios rústicos sitos em Parceiros de Igreja, Torres Novas;
- Que o referido João Cadima, primeiro como arrendatário e depois como dono, e os AA, após a morte do mesmo, até meados de 2004, sempre cultivaram, lavrando e semeando, os ditos prédios, até que a Ré G… abalroando uns marcos delimitando um prédio confinante, se reclamou como sua proprietária.
- Que souberam então os AA. que em 2002 aqueles RR. D..., E....e F...., também por escritura pública haviam vendido à Ré G....a totalidade dos aludidos prédios rústicos, tendo esta registado a seu favor tal aquisição.
- Que se tratou de venda de coisa alheia relativamente ao R. F...., por este já ter disposto de metade indivisa dos imóveis a favor do dito H..., ademais de os AA. gozarem de direito de preferência face à respectiva condição de rendeiros e comproprietários.
Terminam pedindo que se considere impugnado o direito que a R. G....se arroga sobre metade indivisa dos prédios em causa, com base na nulidade da escritura celebrada com os outros RR. E ainda que se ordene o cancelamento de todos os registos efectuados em consequência da dita escritura.
A Ré G....contestou impugnando os factos invocados pelos AA. e defendendo, tendo adquirido o direito mediante escritura pública de compra e e venda celebrada por quem se apresentou como dono, diante do registo a venda anterior efectuada a H... não lhe é oponível. Conclui assim pela improcedência da acção.
Contestaram igualmente os RR. D...,E....e F… impugnando a matéria dos art.ºs 3º e seguintes da petição; aduzindo que nunca o 4º R. F...., que tinha acabado de fazer 18 anos, quis vender fosse o que fosse a H..., nem este comprar àquele, pois nunca pagou ou quis pagar o preço declarado na escritura de 1989 aludida pelos AA. para a transmissão da metade indivisa dos imóveis; que o arrendamento anteriormente celebrado pelo H... é nulo, por ter sido outorgado pelo pai do R. F.... quando este era menor e por existir um usufruto de que eram titulares ....... e ......., sendo certo que aquele H... apascentava o gado nos prédios por mera tolerância do verdadeiro arrendatário.
Termina com a improcedência da acção, não se reconhecendo qualquer preferência aos AA., mantendo-se a validade da escritura de compra e venda celebrada pelos RR. e ordenando-se o cancelamento do registo da acção.
Responderam os AA. à matéria das excepções, concluindo como na petição inicial.
Correspondendo a um convite formulado ao abrigo do disposto no art.º 508, nº 3 do CPC os AA. viriam a completar a matéria da petição inicial, com um articulado em que concretizavam o tempo e a forma da posse sobre os imóveis que ali haviam relatado, o que mereceu nova e completa impugnação dos RR..

O processo seguiu os seus termos e, a final, após o provimento de um agravo interposto pelos RR. que determinou a reabertura do julgamento para a produção de prova que não fora admitida e a repetição dos actos processuais subsequentes, foi proferida sentença em que, julgando-se a acção procedente por provada se declarou nulidade da escritura de compra e venda lavrada em 19 de Julho de 2002 (…) na parte em que o R. F... vendeu à R. G....o direito de propriedade sobre metade indivisa dos prédios em causa; que a R. G....não será titular do direito de propriedade sobre a metade indivisa que teria adquirido ao R. F…. sobre os bens imóveis referidos, conforme se arroga; se ordenou o cancelamento dos registos realizados com base na escritura referida, na parte em que o R. F…. declarou vender o direito de propriedade sobre a metade indivisa dos prédios mencionados e que teria sido transmitido através da mesma.

Irresignados com o assim sentenciado, dele recorreram todos os RR., recurso admitido como apelação com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância:

A)

***

A apelação.
Os apelantes encerram as respectivas alegações Como se sabe delimitadoras do objecto recursivo ex vi dos art.ºs 684, nº 3 e 690 nº 1 do CPC.
com conclusões em que fundamentalmente, segundo um ordenamento lógico, suscitam as questões de saber se:

1º - Se impõe a modificação da decisão da matéria de facto no que concerne às respostas aos nºs 13 e 14 da base instrutória;
2º - Se devem ter-se por demonstrados os factos que integrariam a simulação da compra-e-venda de que proveio o direito de que os AA. se arrogam, e, consequentemente, se há que considerar tal venda nula e de nenhum efeito;
3º - Se, de todo o modo, há abuso do direito por parte dos AA., resultante da circunstância de se constatar que o comprador H.... não pagou o preço dessa aquisição;
4º - Se o H.... e os AA., ora apelados, ao não terem procedido ao registo do direito adquirido sobre os imóveis em litígio, não podem fazer prevalecer esse seu direito perante o direito da Ré G...., adquirido de boa-fé e registado;
5º - Se há litigância de - por banda dos AA.


Os AA. contra-alegaram batendo-se pela confirmação da sentença.


***

1ª Questão:

Sobre a pretendida alteração da decisão de facto.

Era o seguinte o teor dos artºs 13 e 14 da base instrutória agora questionados:

13º
Até hoje, o referido H.... não pagou o preço declarado na escritura mencionada em B)?
14º
A mandatária do R. F...., …., celebrou a escritura referida em B), em seu nome, sem que tivesse previamente esclarecido cabalmente àquele todos os efeitos do negócio jurídico e sem que tivesse entregue àquele o preço declarado?

Tendo o tribunal recorrido respondido Não provado a ambos os pontos, propugnam os apelantes que esta Relação substitua tais respostas por Provado.
E para tanto chamam ao caso a contradição entre o depoimento da testemunha … – que teria afirmado que o R. F.... recebera metade do preço (constituído por Esc. 1.000.000$00) no próprio dia da escritura – e o documento-recibo junto pelos AA. com o articulado de resposta, do qual ressaltaria que, ainda na véspera da escritura, o alienante F....já teria recebido a totalidade do preço.
Afigura-se-nos, desde logo, e salvo o devido respeito, que as razões avançadas pelos apelantes para o apontado desiderato não fazem qualquer sentido.
É que nas perguntas a responder não estava sob averiguação por que modo foi pago o preço do negócio. Apenas e tão-só, por um lado, o facto negativo de o preço não haver sido pago pelo comprador; e, por outro, o facto igualmente negativo, de determinada mandatária daquele vendedor, ao intervir no negócio, não haver feito a entrega do preço recebido ao mandante.
Ora sabido que o recurso em matéria de facto visa a correcção de pontuais erros de julgamento Sendo esse o objectivo expresso do legislador, à luz do pensamento vazado para o preâmbulo do DL 39/95 de 15/02, diploma conformador do registo da prova nos moldes que hoje no essencial subsistem, delineando os seguintes contornos para o recurso em matéria de facto: "nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência — visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso". , não se descortina como os elementos probatórios ajuizados pelos recorrentes podem impor a prova dos factos em jogo: isto porque ambos corroboram a ideia de houve efectivo pagamento de preço pelo comprador, justificando plenamente a resposta negativa dada na 1ª instância ao nº 13. E quanto ao nº 14, como é patente, nenhum deles pode ajudar a esclarecer se a mandatária cumpriu ou não integralmente o mandato de que fora investida pelo alienante, entregando-lhe (ou não) o preço recebido. Diga-se, à guisa de remate, que o tribunal recorrido entendeu desvalorizar nos seus precisos termos o conteúdo do mencionado documento de quitação, conferindo – como lhe era lícito, uma vez que se defrontava com prova sujeita a livre apreciação - todo o crédito ao depoimento da referida … sobre a forma como fora percebido o preço do negócio Cfr. a fundamentação exarada sobre este aspecto a fls. 402-403.. Nenhuma crítica merece tal opção dado o alcance do aludido documento – quanto à circunstância de o preço ter sido dado por satisfeito a 18 de Maio de 1989 – em nada colidir com o facto do depósito de uma parte dele ter sido realizado no dia seguinte (19 de Maio do mesmo ano), como teria emergido do aludido depoimento.
Donde a total improcedência das conclusões atinentes a esta questão.



2ª Questão:

Sobre a simulação e nulidade da venda a H.....

Nos artigos 12ºe 13º da respectiva contestação haviam os RR. D..., E....e F.... afirmado que "nem o 4º R. pretendia vender fosse o que fosse" "nem o H..., pai e marido dos AA., pretendia comprar os prédios (…), porque nunca os pagou nem nunca os quis pagar".
Não qualificam o vício do negócio nem indiciam o efeito jurídico que seria possível extrair da aludida materialidade.
A simulação (mas não a reserva mental conhecida) inclui-se no elenco da excepções ditas em sentido impróprio, visto que uma vez aduzidos os factos que as suportam, mesmo que seja por iniciativa de outrem que não a parte que deles imediatamente beneficia, a sua eficácia opera ipso iure, não podendo o juiz deixar de extrair desses factos os efeitos ou consequências jurídicas pertinentes. Por contraposição às excepções ditas próprias, que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora no seu Manual de Processo Civil, 1984, p. 280, só funcionam por vontade do demandado (o que torna difícil que a sua actuação pelo tribunal não dependa absolutamente da expressa invocação do imprescindível nomen iuris).
Ainda assim a sentença ora sob censura acabou por ponderar que "Embora os RR. venham apresentar esta outra excepção de uma forma obscura e bastante confusa, admite-se que os mesmos pretendam invocar a existência de uma situação de simulação quanto ao negócio celebrado entre o referido H... e a representante do R. F....."
Aproveitando a sugestão desta configuração institucional os apelantes insistem na obtenção desse efeito agora nas alegações do vertente recurso.
Simplesmente não se sabe o que os RR. visaram com alegação daqueles factos.
Certo é que a simulação, como vício da vontade negocial, de acordo com os requisitos estabelecidos no art.º 240 do CC, não corresponde apenas ao somatório das vontades de cada um dos contraentes de não querer o negócio declarado, exigindo ainda o acordo entre eles em fazer divergir a declaração da vontade real bem como o intuito de enganar terceiros. Mesmo a reserva mental dos outorgantes carece do conhecimento do declaratário, para produzir a nulidade como efeito típico da simulação absoluta Como claramente ressalta do art.º 244 do CC..
De onde que, no quadro das respostas negativas aos nºs 11 e 12 da base instrutória – em que justamente se indagava da ausência de vontade dos outorgantes de vender e comprar – fique inteiramente arredada qualquer repercussão impeditiva nos efeitos translativos do negócio em apreço.
Pelo que se apresentam inócuas as considerações ínsitas no enunciado conclusivo concernente.


3ª Questão:

O suposto abuso do direito.

Querem os apelantes que encontrando-se comprovado que o H.... não pagou o preço da compra que fez ao R. F.... em 19 de Maio de 1989 incorrem os AA. em abuso do direito quando peticionam a declaração de nulidade da venda à Ré e apelante G....por o direito transaccionado já então lhes pertencer.
Mas sem qualquer razão.
É que, além de não se ter apurado que o mencionado preço tenha ficado por satisfazer pelo adquirente, a circunstância de o vendedor, hipoteticamente, não ter efectivado esse crédito, por si só, não era obstáculo à produção do efeito translativo do direito real legalmente previsto, pelo que nunca a sua demonstração tornaria ilegítimo o direito de os AA., como compradores, arguírem agora a nulidade da venda. Esta pode ser legitimamente arguida por qualquer interessado que se julgue prejudicado pelo negócio viciado.
Pelo que nenhum acolhimento merece a questão levantada.



4ª Questão:

Da prevalência do registo de aquisição lavrado a favor da Ré G.


Compulsando a matéria provada constata – se para a questão de que ora se cuida que:

- Por escritura pública de compra e venda de 19 de Maio de 1989, o R. F...., através de procuradora, declarou vender a H.... pelo preço de Esc. 1.000.000$00 metade indivisa de três prédios rústicos, sitos na Charneca, freguesia de Parceiros de Igreja, Torres Novas, descritos na Conservatória do Registo Predial respectiva no respectivo livro sob os nºs 136, 137 e 138/211186.
- Por escritura de habilitação de 5 de Abril de 2001, lavre foi declarado que no dia 2 de Janeiro de 2001, faleceu H...., no estado de casado em 1as núpcias de ambos, e sob o regime de comunhão de adquiridos com a A. ......., sem testamento ou qualquer disposição de última vontade, e deixou como herdeiros, a sua referida mulher, e ainda um filho, o A. B.....
- Por escritura pública de compra e venda de 19 de Julho de 2002, …, intervindo na qualidade de procurador dos RR. D...., E.......... e F...., declarou que os seus representados vendiam à R.G…., representada nessa escritura…., na qualidade de seu procurador, e que declarou que, em nome da sua representada, comprava, pelo preço global de 29.927,88 euros, os prédios rústicos acima identificados.
- Sob a descrição de registo predial destes prédios existe uma inscrição de aquisição da totalidade do direito de propriedade dos mesmos, a favor da R. G....Dor compra aos titulares da inscrição de aquisição em comum, com o n° G-1, resultante da apresentação n°1, de 21-11-1986, ou seja o R. D...., casado sob o regime de comunhão de adquiridos com a R. E....B...., e o R. F...., por sucessão e partilha por óbitos de Isilda da Conceição de Sousa e marido ......
- Por contrato de 3 de Dezembro de 1985, o R. Nuno, representado por ......, e o R. D…, deram de arrendamento a H….um prédio rústico integrando os três prédios identificados como descritos no Registo Predial sob os art.ºs 136, 137 e 138.
- Desde há cerca de 20 anos que os AA., primeiro através do H... como arrendatário e depois a partir da outorga da escritura de 19/05/89, exploram a totalidade desses prédios, lavrando-os na totalidade e neles semeando diferentes culturas, de forma continuada, sem oposição e à vista de toda a gente.


Sendo exacto que, não fosse a subsistência do arrendamento ao H.... sobre a totalidade dos prédios, os actos praticados pelos AA. poderiam ser aproximados ao exercício do corpus de uma posse em nome próprio, confinada à compropriedade adquirida a partir da escritura de compra em 1989, posse na qual os AA. lhe poderiam ter sucedido por partilha Conforme o exarado nos factos provados em A e M a R., é a todas as luzes incontroverso que estes não quiseram prevalecer-se da hipotética aquisição originária do direito respectivo sobre os imóveis, porventura não ignorando a insuficiência do lapso de tempo transcorrido até 2002 (mais precisamente até ao momento em que se dá a compra da 1ª Ré) para uma posse usucapível Que sempre teria, de resto, de atingir os patamares prescritos no art.º 1296 do CC..
Por conseguinte, a batalha a que os AA. se abalançam na acção desenrola-se no terreno exclusivo da aquisição derivada do direito de propriedade, supondo como irrefutável a titularidade deste na esfera jurídica do alienante.

Deflui do extracto do acervo fáctico acima evidenciado que a partir de um mesmo transmitente – o R. F.......... - foram efectuadas duas alienações: uma, em 1989, de metade indivisa dos referidos prédios rústicos para H... F., adquirente a que os AA. sucederam; outra, em 2002, agora da totalidade da propriedade dos mesmos imóveis, intervindo aí como co-alienantes os RR. D.... e mulher ..... E..., para a RéG…..
Porém, só a Ré G....viria a levar ao registo predial esta sua aquisição por apresentação de 21/11/86.

Na sentença em crise discorreu-se a dado passo que o R. F...., por ter transmitido metade indivisa do direito de propriedade dos prédios (…) ao referido H..., "já não seria titular do mesmo quando celebrou o segundo contrato de compra e venda. Logo não tinha legitimidade para vender o direito de propriedade sobre metade indivisa dos prédios à R.G….. Ao fazê-lo efectuou uma venda de bens alheios".
E mais adiante: "Por nós sustentamos que as situações em que ocorre uma invalidade substantiva da 2ª venda, e em que o segundo adquirente regista a sua aquisição, ao contrário do primeiro, e se encontra de boa fé, encontra-se coberta pelo disposto no artigo 291 °, do Código Civil".
E em jeito de corolário: "a presente acção (…) foi instaurada e registada dentro do referido prazo de 3 anos contado desde a data da celebração do negócio. Faltará assim o requisito previsto no n°2 do artigo 291 ° do Código Civil para que a declaração de nulidade do contrato de compra e venda, devido ao facto de estar em causa uma alienação de bens alheios, seja ineficaz em relação à R.G….. Pelo contrário, aquela nulidade produzirá igualmente efeitos contra esta R., não obstante a mesma ter adquirido a metade indivisa dos bens em causa onerosamente, e ser terceiro de boa fé. Não ocorrerá assim a aquisição tabular e por efeito do registo do direito de propriedade sobre metade indivisa dos bens imóveis referidos em B), C) e D), transmitida pelo RJ F...., a favor da R. G….".
Finalmente, e em consonância com a desprotecção dos RR. pelo incumprimento de um dos pressupostos do art.º 291 do CC, decidiu-se que sendo a venda a favor da Ré G....nula na parte em que contendia com o direito já transmitido a favor de H.... F. em 1989, agora pertença dos AA., como sucessores desse adquirente, havia que declarar a redução do negócio nessa medida, com a procedência da acção nesses termos.

Em dissídio com semelhante conclusão vêm os apelantes aduzir que aos autos não tem aplicação o disposto no art.º 291 do CC, não sendo o "direito" dos AA., sucessores do H...., oponível ao direito da RéG…., escudado pelo registo da respectiva compra.
Que dizer?

Vejamos.

É absolutamente seguro que se está perante um caso de uma primeira transmissão não registada (1/2 da propriedade) e de uma segunda (abrangendo aquele objecto), a partir de um mesmo disponente ou alienante, registada pelo adquirente.

Recuperamos aqui algumas ideias já explanadas no Acórdão desta Relação e Secção, proferido no p. 1987.06-1 em que o aqui relator desempenhou idêntica função:
"É incontroverso que o registo predial tem ainda, no nosso sistema, uma função essencialmente declarativa, não criando nem transferindo direitos, salvas as excepções contempladas na lei (p. ex. do art.º 291 do CC). O declarado pelo registo é que determinada pessoa aí se apresentou com certo título (constitutivo, translativo), assim se lhe conferindo a aparência, com uma certa tutela, de que o direito que esse título transporta existe materialmente e a ela pertence.
Ajustadamente, o art.° 1° do CRP adverte que o registo se destina fundamentalmente a tornar públicos factos que importam para a segurança do comércio imobiliário e dos direitos inerentes a esses bens. Não existe, portanto, um registo propriamente de direitos – menos ainda de pessoas – mas de factos relativos a direitos.
Ora a tutela dimanada do registo é, desta forma, por via de regra (não será rigorosamente assim, p. ex. no caso do art.° 291 do CC) a tutela de uma mera presunção. É o que inequivocamente decorre do art.° 7° do CRP onde se preceitua que o registo constitui presunção do direito que lhe subjaz e da titularidade respectiva".

Sendo esta a regra que continua a particularizar o papel do registo nas relações jurídicas que se estabelecem em redor da realidade predial Traduzindo-se na vulgarização do tão conhecido como enganador e impreciso chavão de que "o registo não dá nem tira direitos", princípio que, como adiante se verá, despreza totalmente a possibilidade de o registo em certos casos conduzir quer à concessão quer à perda substantiva dos direitos advenientes dos factos a ele sujeitos. , como regra que é, comporta naturalmente alguns importantes desvios.
Tais desvios, qualificativo mais rigoroso que o de excepções Não seriam verdadeiras excepções porquanto se trataria de situações em que não é afastada a natureza relativa ou iuris tantum da presunção de que goza o titular tabular, sendo sempre possível a destruição do acto substantivo que suportou o registo.
Assim é que no caso do registo da hipoteca, apesar de este ser, a par do instrumento substantivo, condição da formação ou constituição do direito real de garantia, tal efeito pode cair se esse mesmo instrumento for declarado nulo ou anulado, p. ex., por se encontrar inquinado por um vício da vontade (coacção, erro, etc.), à referida natureza meramente informativa ou enunciativa do registo predial, são aqueles em que, suplementar ou concomitantemente a essa finalidade, lhe é reconhecido uma função adicional. Função adicional que pode consistir em o registo ser também requisito ad substantiam ou conformador da existência jurídica do facto registado (inter partes), como sucede com a hipoteca, nos termos do disposto no art.º 687 do Código Civil; ou em factor dirimente de uma anomalia na cadeia da aquisição derivada que o precedeu, sendo situações exemplares desta virtualidade registal as que se encontram plasmadas nos art.ºs 291 e 243 do CC e 5º, nº 1 do CRP. Oliveira Ascensão (Direitos Reais, Coimbra Editora, 5ª Edição, p. 364 e ss) alude ainda ao caso do art.º 17, nº 2 do CRP, a que categoriza como invalidade registal, integrando este com os dos art.º 5º do CRP e do art.º 291 do CC no grupo das situações que qualifica de publicidade atributiva do registo.
Ora o que sucede nestas hipóteses é que o registo, em razão do especial pendor de veículo publicitante da realidade jurídica predial que o identifica e da fé pública que gera, passa a constituir uma barreira de relativa protecção aos aparentes adquirentes (apenas por via de aquisição derivada).
Relativa porquanto os pressupostos para cada uma dessas hipóteses excepcionais de inexistência (mais do que mera ineficácia) de translação do direito para o pseudo-adquirente negocial, são diferentes, variando, p. ex. quanto à exigência de onerosidade da pseudo-alienação ou de um prazo da acção de invalidação (cfr., especialmente, o art.º 291, nºs 1 e 2 do CC).
Nestas situações se fala de aquisição tabular ou pelo registo, uma vez que é o registo que, mediante certo condicionalismo, supera ou dirime a titularidade derivada do direito (proveniente de transmissão negocial do anterior titular). O fundamento geral deste efeito, dito também aquisitivo ou atributivo, radica na fé pública do registo.

Feita esta necessária introdução sobre a exegese do registo predial, logo se percebe – em clara e frontal oposição ao que se proclama na decisão recorrida – que não é aceitável asseverar-se que a Ré e ora apelante G....teria adquirido a non domino. E que isso se deveria ao facto de o R. F.......... não ter legitimidade substantiva para em 2002 dispor a favor dela de metade da propriedade dos imóveis, quando já havia alienado esse seu direito pela escritura de 1989 a favor do H.....
Na verdade, por força do disposto na redacção aplicável do art.º 5º, nºs 1 e 4 do CRP, e, designadamente, do restrito conceito de terceiro para efeito de registo que aí se consagrou, os sucessores do H... (isto, é os AA., ora apelados) não podem opor a aquisição do direito em apreço (a tal metade indivisa dos prédios rústicos) à Ré G....porque, não tendo sido objecto de registo a transmissão para aquele H..., esta Ré recebeu esse direito (abarcado pela totalidade da propriedade) do mesmo transmitente comum (o R. F..........) e registou tal aquisição.
Trata-se de uma absoluta incompatibilidade de direitos advenientes de um autor comum, sendo neste caso o registo dirimente do aparente conflito de aquisições derivadas ao proporcionar o estatuto de inoponibilidade ao adquirente que registou (e a partir desse registo).
Deu-se assim uma aquisição dita tabular do direito de propriedade total pela apelante G...., sendo que a aquisição de metade desse direito pelo H... só se formaria ou completaria com o competente registo Precisamente para realçar esta precariedade do direito do pseudo-adquirente que ainda não registou há quem utilize a expressão incompletude do registo; e ainda de direito resolúvel, na medida em que se verificaria a resolução ex nunc com a aquisição aparente a título oneroso por parte de terceiro de boa-fé + registo dessa aquisição (Oliveira Ascensão, ob. cit., págs. 372 e 362). Mas é certo que o art.º 5º do CRP não estabelece como condições a onerosidade ou mesmo a boa-fé do terceiro ou adquirente aparente. , e com o registo anterior ao do terceiro. A Ré G....acabou por adquirir a domino porquanto a transmissão do direito para o H... em 1989 deixou de ter existência perante ela - tal como perante todos os eventuais adquirentes que não obtenham a destruição desse registo - não lhe podendo ser contraposta.
Isto não invalida nem obsta a que o direito real não registado não disponha logo de sequela e não mantenha a oponibilidade erga omnes que é própria dos direitos reais.
A sua consolidação é que fica dependente do efeito antecipativo do registo perante outra alienação advinda do mesmo transmitente.
O problema é apenas de saber entre dois actos advindos do mesmo autor qual deles cria o direito do adquirente.

Na sentença entendeu-se que a protecção da Ré G....se inseria no dispositivo excepcional do art.º 291 do CC para a salvaguarda dos direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa-fé a partir de um negócio nulo.
Salvo o devido respeito, não tem qualquer sustentáculo na factualidade versada a focagem do regime do art.º 291 do CC e do respectivo requisitório que veio a ser desenvolvida pela sentença.
Na verdade, estatui-se nesse normativo:
"1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.
2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
3. (…)."
Como se constata, o preceito regula a hipótese, bem distinta, de uma subaquisição a partir de um acto inválido, em que o subadquirente adquire pelo registo. Ora a Ré G....não foi subadquirente de um qualquer acto inválido (ou seja, declarado nulo ou anulado) visto que adquiriu do mesmo transmitente e, aliás, titular indiscutido do direito.

Em síntese:
A venda ora impugnada – entre os RR. D..., ..... E..., F.......... e a Ré G....Investments – não padece, pois, do apontado vício: a falta do direito no transmitente, que lhe conferiria a essência de venda de coisa alheia e a fulminaria de nula conforme o arrimado no art. 892 do C. Civil.
Por conseguinte, reconhecendo-se o acerto das conclusões tecidas sobre a vertente questão, impõe-se a modificação do decidido no sentido da improcedência dos pedidos formulados pelos AA., e logo do pedido principal, pelo qual se impetra a condenação dos RR. a ver declarada a nulidade, ainda que parcial, da venda operada a favor da Ré G....em 19 de Julho 2002.


5ª Questão:

A litigância de má-fé.

Sustentam os apelantes que tendo sido contraditória a prova resultante do depoimento da testemunha ..... e do recibo junto pelos AA. com a resposta a contestação, daí decorreria forçosamente uma lide de má-fé imputável aos AA. e apelados.
Aqui sem o mínimo fundamento.
Desde logo, já se deixou explicitado que não há qualquer tipo de incompatibilidade entre o que fluiu da produção dos mencionados instrumentos probatórios.
Com efeito, a litigância de -afere-se principalmente a partir da alegação de factos, quer eles sirvam para alicerçar a pretensão da acção ou providência ou a oposição a esta, e ainda do uso que é feito meios processuais, como é ilustrado pelas situações descritas e identificadas nas alíneas do nº 2 do art.º 456 do CPC. As provas constituem os meios normais de cada um dos antagonistas alcançar a demonstração da factualidade que entendem ser verdadeira, e cuja interacção não podem, como é óbvio, controlar previamente, pelo que, salvo casos verdadeiramente excepcionais, as partes não devem ser sancionadas pelas contingências próprias da respectiva produção.
Donde a cabal incongruência do problema suscitado pelos apelantes nestas conclusões.


Pelo exposto, julgando a apelação procedente, revogam a sentença, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo os Réus de todos os pedidos contra eles formulados.
Custas pelos AA. e apelantes.