Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
255/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CONTRATO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL - 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 111º, Nº1, DO RAU, ARTIGOS 236º A 239, 371º E 812º DO CÓD. CIVIL
Sumário: 1. Deve entender-se por estabelecimento comercial a unidade económica, organizada, tendo em vista a prossecução de determinado fim e englobando, para o efeito, um conjunto de elementos, corpóreos (o imóvel/local onde funciona o estabelecimento, as mercadorias/produtos, a maquinaria, o dinheiro…) e incorpóreos (os créditos e débitos, patentes, marcas, o know-how, clientela, aviamento etc);

2. Não constitui obstáculo legal à cessão de exploração de estabelecimento comercial a circunstância de se transmitir um estabelecimento que não esteja, nesse concreto momento, em funcionamento, desde que mantenha essa potencialidade.

3. Aceitando as partes a outorga do contrato nos termos consignados no documento que o titula – no caso, escritura pública, tal documento faz prova plena de que foram feitas as declarações dele constantes (art. 371º do Cód. Civil). Se nenhuma das partes invocou qualquer circunstancialismo integrador de falta ou vício de vontade com base na qual a declaração foi emitida, a caracterização do contrato (contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial) há-de ter por base as cláusulas contratuais assim fixadas, interpretadas de acordo com as regras estabelecidas nos arts. 236º a 239º do Cód. Civil, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento.

4. Fixada a indemnização através da estipulação de cláusula penal e invocando o devedor a excessiva onerosidade da mesma, justifica-se a sua redução, de acordo com a equidade, nos termos do art. 812º do Cód. Civil, quando se concluiu – em função de diversos factores, quer atinentes ao negócio, quer às partes – que a sua aplicação gera um evidente e inaceitável desequilíbrio de prestações.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO:

A..., com sede em ....., propôs a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, contra B... , com sede em...., pedindo a condenação da ré:

a) a ver judicialmente reconhecido o direito da autora a denunciar o contrato, por incumprimento culposo e definitivo da parte daquela;

b) a restituir-lhe, imediatamente, o estabelecimento, no estado em que o recebeu, com todo o seu equipamento identificado e descriminado na relação de bens em anexo, sob doc. nº 2, da providência cautelar nº 565/01, 1º Juízo;

c) a pagar-lhe a quantia de € 44.370,29, a título de prestações mensais em dívida e energia eléctrica, acrescida de juros moratórios vencidos;

d) a pagar a indemnização do valor correspondente às prestações vincendas, calculadas até ao final do contrato, no valor de € 223.370,29;

e) a pagar a indemnização que se liquidar em execução de sentença;

f) a pagar os juros moratórios vincendos, até integral pagamento e juros compulsórios, nos termos do art. 899-A do C.P.C..

Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que:

Celebrou com a ré um contrato de cessão de exploração referente a um seu estabelecimento de discoteca, tendo a ré violado o contrato, pois, sem autorização sua, alterou o nome do estabelecimento, bem como a actividade aí realizada, procedeu ao seu encerramento e reabertura mas através de outrem (que nele efectuou outras obras, sem autorização), até que foi de novo, agora definitivamente, encerrado, tendo daí retirado coisas e ficando todo o mobiliário e equipamento do estabelecimento destruídos, com perda da clientela; a ré deixou ainda de pagar as prestações mensais acordadas desde Março de 2001, encontrando-se em dívida um total de € 44.370,29, bem como, a título de sanção pecuniária compulsória acordada no contrato, a quantia de € 223.948,80 referente às prestações vincendas.

A ré contestou, por excepção e impugnação, alegando, em síntese, que:

Verifica-se a impossibilidade de funcionamento do estabelecimento, por culpa da autora, porquanto o estabelecimento não tinha fornecimento autónomo de energia eléctrica, o que era da responsabilidade da autora, sendo esse fornecimento realizado através de um restaurante da autora, mas que não permitia a exploração adequada da discoteca; depois, a autora procedeu ao corte deste fornecimento, o que tornou impossível a exploração do estabelecimento, razão por que a autora se colocou numa situação de mora.

No momento da celebração do contrato não existia qualquer estabelecimento, pois que aquele estava encerrado há mais de dois anos, com os seus equipamentos inutilizados e sem qualquer clientela, tendo sido a ré quem, realizando investimento avultado, instalou no local o estabelecimento. Daí que se deva entender que foi celebrado um contrato de arrendamento comercial e que, porque não é mencionada no mesmo a existência de licença de utilização do local para discoteca e não estando este licenciado para este fim, a ré tem a faculdade de resolver o contrato, devendo a resolução produzir efeitos a partir de Fevereiro de 2001.

A cláusula penal estipulada é nula, por ser nulo o contrato ou, se assim se não entender, a sua estipulação impede a reclamação de outros danos, sendo que sempre a mesma é excessiva.

A autora apresentou réplica, mantendo a sua posição e impugnando a factualidade excepcionada pela ré. Requer ainda a condenação da ré como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador, com fixação dos factos assentes e elaboração da base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu nos seguintes termos:

“Por todo o exposto, nos termos das disposições legais referidas, na parcial procedência da acção, decide-se:

1. Declarar validamente denunciado pela Autora, A..., por incumprimento da Ré, B..., o contrato de cessão de exploração objecto dos autos, com a consequente condenação desta a restituir àquela o estabelecimento, com todo o equipamento que o compõe;

2.Condenar a Ré, B..., a pagar à Autora, A...:

a. A quantia de € 32.097,64 (trinta e dois mil e noventa e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal para dívidas de natureza comercial, vencidos, até 3/03/2002 no valor de € 2.288,98, e vincendos a partir dessa data;

b. A título de cláusula penal, reduzida por apelo à equidade e de acordo com as circunstâncias do caso, a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação;

3. Absolver a Ré da parte dos pedidos não incluída supra;

4. Condenar Autora e Ré nas custas do processo, na proporção de vencimento/decaimento.

Registe e notifique”.

Não se conformando, as partes recorreram, fazendo-o a autora subordinadamente.

A ré formula as seguintes conclusões:

“I- O contrato em apreço nos autos não poderá ser considerado um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial.

II — É doutrina e jurisprudência assente que estabelecimento comercial é considerado uma universalidade de facto, o que significa que é um conjunto de bens (materiais e imateriais) que só pode ser bem entendido se mantido o conjunto.

III- A recorrida não transferiu um estabelecimento com o aviamento, por não à data da celebração do contrato e que se apresenta como sobrevalor do estabelecimento no sentido que indica a capacidade de manter e conquistar clientes. Essa capacidade é materialmente composta em três elementos:

a) o local comercial, bem incorpóreo, que indica a localização da empresa, em si, é um atractivo para a clientela;

b) a marca comercial, os sinais distintivos do estabelecimento, também bem incorpóreo, que identifica a empresa perante o público e fornecedores;

c) contratos em fase de execução, que conferem uma estrutura de fornecimento de equipamentos, crédito e serviços à disposição do empresário;

d) a tecnologia, que representa a capacidade da empresa de actuar no mercado com produção em mais escala com mais qualidade e com custo mais reduzido que o da concorrência.

IV - O estabelecimento comercial/discoteca, compõe-se de outros elementos, os mais variados, tais como:

- coisas imóveis, como o local das instalações;

- coisas móveis, como mobílias, utensílios, aparelhagens e similares;

- outras situações jurídicas, como posições contratuais, activas e passivas, nos negócios mais variados.

V- O estabelecimento não estava adaptado, como deveria estar ao ramo de actividade em que se inseria, isto é, deveria conter aquele mínimo a fim de prosseguir a sua função — objecto de negócios, em virtude de ter o seu equipamento deteriorado e de estar encerrado há cerca de um ano, à data da celebração do contrato.

VI — Por não estar adaptado, isto é não ser idóneo, ao prosseguimento do seu fim, a Ré teve que efectuar as seguintes obras: reparação dos sistemas de luzes e de som, paredes, pistas de dança, procedeu à pintura de todo o interior, substituição de parte do mobiliário existente dado o seu estado de uso por mobiliário novo, instalou equipamento informático, procedeu à reparação de luzes e som existentes e instalou outros.

VII — Foi transferido pela ré um estabelecimento incompleto, e este carece de elementos bastantes para prosseguir os fins lucrativos a que destina.

VIII - A Discoteca não tinha qualquer aptidão para prosseguir o seu objecto, pois não tinha aviamento nem clientela, não traduzia qualquer sobrevalor nem desempenhava, no espaço jurídico, aquele papel que levou à tutela jurídica conferida ao verdadeiro estabelecimento comercial.

IX — O local objecto do contrato, a que as partes denominaram contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, não continha um conjunto de posições jurídicas ordenadas de modo a prosseguiroa seu próprio escopo.

X — O contrato celebrado nos termos em que o foi, não poderá ser considerado como cessão de exploração de estabelecimento, uma vez que este é inexistente.

XI — O artigo 111º  da RAU, aplicável ao caso em apreço, por força do disposto no artigo 12° do C.C., refere que não há trespasse ou cessão de estabelecimento, quando se verificar algumas das circunstâncias previstas no n 2 do artigo 115º da RAU: " Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência em conjunto das instalações, utensílios, mercadorias, e outros elementos que integram o estabelecimento;" (.. )

XII — Estamos na presença de um contrato de arrendamento comercial, por força do disposto no artigo 111º, n 2 do RAU, em virtude de se verificar o circunstancialismo previsto no artigo 115º, n° 2 do mesmo diploma legal.

XIII — O contrato de arrendamento é nulo, por se verificar a falta de menção à licença de utilização de discoteca para o local, passada com base em vistoria realizada há menos de oito anos, nos termos do artigo 9° do RAU.

XIV — Assiste o direito à recorrente, como alegado em sede de contestação, de resolver o contrato de arrendamento, devendo essa resolução produzir efeitos a partir de 12 de Fevereiro de 2001, nos termos do disposto no artigo 433°, 434/1 e 2 do C.C.

XV — Sendo nulo o contrato de cessão de exploração, nos termos supra referidos, nula é a cláusula penal estipulada.

XVI — Considerando-se o contrato de cessão perfeitamente válido, a recorrente considera excessiva a atribuição à autora da quantia de 65.000,00 euros a título de pena, tendo em conta os contornos do contrato e sua execução, que passou pela necessidade que a ré teve de investir quantias avultadas para o funcionamento da discoteca: equipamentos, pinturas, reparações e substituição de diversos materiais, a que acresce que o referido local passou a ser explorado por terceiro com o consentimento da autora, logo após a sua entrega em Março de 2003.

XVII — A pena arbitrada, nos termos do referido em XVI, deve ser por Vossa Excelências, consideravelmente reduzida, por apelo às regras da equidade, tendo sempre em atenção que após a entrega do local objecto do contrato foi objecto de nova cessão, contra a prestação inicial de € 600,00 acrescido de Iva.

XVIII — A douta sentença ao condenar a recorrente, violou os seguintes preceitos legais: artigo 9°, 111° e 115° da Regime do Arrendamento Urbano e ao atribuir a pena de € 65.000,00 à ré violou o principio da equidade, tendo em conta as circunstâncias do negócio celebrado entre as partes”.

A autora formula, em síntese, as seguintes conclusões:

“ 1ª) As prestações vencidas e não pagas,por parte da apelada, relativas ao contrato versado nos autos, contabilizadas desde MARÇO DE 2001 A Abril de 2002, correspondem a 14 mensalidades; (…)

  3ª) Desde Março de 2001 que a recorrida deixou de efectuar o pagamento de qualquer prestação;

4ª) A acção foi impetrada a juízo em 03/04/2002; 

5ª) O valor das prestações em falta, até então, correspondem ao valor de € 35.509,40 (trinta e cinco mil, quinhentos e nove euros, quarenta cêntimos), ao que acrescem os juros moratórios;

6ª) A apelante e apelada contratualizaram entre si que o atraso no pagamento das prestações, por um período de três meses consecutivos, conferia à cedente o direito de denunciar o contrato, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas, a título de sanção penal;

7ª) A apelada não cumpriu com o pagamento das prestações, desde Março 2001, tendo a acção e denúncia do contrato, sido instaurada, já com 14 prestações vencidas e, não pagas;

8ª) A apelada não cumpriu também, com as demais obrigações, designadamente; quanto à manutenção, conservação dos bens e equipamentos, seguros, utilização do imóvel, restrições de cedência, alteração do nome e de obras, como encerrou o estabelecimento e, não o restituiu voluntariamente.

9ª) As prestações vencidas e não pagas ater à restituição requerida judicialmente pela apelante, contabilizadas desde a propositura da acção, além, ascenderam a, pelo menos, segundo a decisão em recurso, € 32.421,86;

11ª) A cláusula penal contratualizada, não é, nem tal foi alegado e demonstrado, à luz da equidade, manifestamente excessiva, atentos os interesses e os bens em causa; (…)

14ª) Da cedência do estabelecimento, não ficou demonstrado ou sequer alegado, ter a apelante qualquer ganho patrimonial;

15ª ) Quando assim se não entendesse; o que, só por mero juízo de raciocínio se admite, a redução operada da cláusula, ao valor de € 65.000,00; a título de indemnização por qualquer dano, é manifestamente desadequada, extremamente redutora do convencionado e, do prejuízo efectivo da apelante;

16ª ) Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados e, por isso, foram violados, os princípios gerais atinentes e,  concretamente, os comandos legais previstos, mormente, nos arts. 397°; 405°; 550°; 562°; 564°; 810°; 811°, n° 3 do CC”.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade, aditando esta Relação a factualidade constante da resposta ao quesito 40º da base instrutória:

1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas devidamente legalizada, cujo objecto comercial é a exploração da actividade comercial hoteleira, turística e recreativa (al. A), dos factos assentes);

2. A autora é dona do estabelecimento comercial instalado no edifício conhecido por “I...”, sito em Travasso, C...(al. B) dos factos assentes).

 Esse estabelecimento tem como finalidade a realização de espectáculos, divertimentos e actividade lúdicas (al. C) dos factos assentes).

 No estabelecimento funciona uma discoteca (resposta ao ponto 1º da base instrutória);

3. A autora, mediante contrato de cessão de exploração, formalizado por escritura pública outorgada no dia 04/05/98, no Cartório Notarial da Batalha, a fls. 22 do Livro 96-D, concedeu à ré a exploração do referido estabelecimento, pelo prazo de 10 anos, com início no dia 1 de Maio de 1998. (al. D) dos factos assentes);

Foram ajustadas e assumidas as cláusulas convencionadas e exaradas no documento complementar à dita escritura, designadamente, as seguintes:

“Primeira (Duração do contrato):

1. A cessão de exploração do estabelecimento comercial é feita pelo prazo de 10 anos, com início no dia um de Maio de 1998 e termo no dia 30 de Abril de 2008;

2. Decorrido o período inicial o contrato, caso não seja denunciado pelas partes, renovar-se-á, automaticamente, por períodos de três anos;

3. A cedente e a cessionária poderão denunciar o contrato para o fim do prazo inicial ou da sua renovação, através de carta registada, com aviso de recepção, a enviar com a antecedência mínima de um ano, caso a denúncia seja efectuada pela cedente e, de seis meses, caso a denúncia seja efectuada pela cessionária da exploração, em relação, em qualquer caso, à data em que se produzam os seus efeitos;

Segunda (Prestação da locatária do estabelecimento e local de pagamento):

1. A título de contraprestação pela cessão da exploração do estabelecimento, a locatária pagará mensal e sucessivamente à locadora a quantia mensal de 500.000$00 (quinhentos mil escudos), acrescida de IVA à taxa legal em vigor, quantia que será convertida em euros, logo que esta moeda substitua a actual moeda nacional;

2. As quantias referidas no número anterior serão pagas na sede da cedente no lugar de Travasso, em C...;

3. A prestação referida no número um será anual e automaticamente actualizada, por aplicação dos coeficientes de actualização das rendas comerciais para o ano respectivo;

4. A segunda outorgante fica dispensada do pagamento das prestações referentes aos meses de Maio e Junho de 1998, período considerado suficiente para esta proceder às obras e reparações necessárias à abertura do estabelecimento;

5. O atraso no pagamento das prestações referidas no número um, por três meses consecutivos, confere à cedente o direito de denunciar o contrato, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas a título de sanção penal;

(…)

Quarta (Do estabelecimento comercial e da sua conservação):

1. Na exploração do estabelecimento a cessionária utilizará todos os equipamentos móveis e utensílios que, na data de início do contrato, se encontram no mesmo, e que constam de uma relação elaborada e subscrita por locadora e locatária da qual fica um exemplar em poder de cada outorgante;

2. O equipamento, móveis e utensílios referidos no número anterior, findo o contrato, deverão ser restituídos à locadora em bom estado de conservação e funcionamento, ressalvando-se o desgaste inerente ao seu uso normal;

3 .A locatária findo o contrato obriga-se a substituir ou a pagar o equipamento, móveis ou utensílios, que haja inutilizado ou perdido;

Quinta (Pagamento de despesas inerentes à exploração):

1.O pagamento de impostos, taxas, direitos de autos, multas e despesas decorrentes de responsabilidade técnicas e outras, inerentes à exploração do estabelecimento pela locatária, serão da responsabilidade desta;

2. Será da responsabilidade da locatária o pagamento dos consumos de energia eléctrica e água bem como todas as despesas com a conservação do equipamento, móveis e utensílios que integram o estabelecimento;

Sexta (Seguro de incêndio e de furto):

3.A locatária obriga-se a celebrar contrato de seguro que cubra os riscos de incêndio e furto do estabelecimento comercial até ao valor de 100.000.000$00, o qual deverá vigorar durante toda vigência do contrato e suas renovações, sendo da sua responsabilidade o pagamento dos respectivos prémios;

Nona (Período mínimo de exploração):

1.A locatária obriga-se a manter em exploração o estabelecimento pelo menos às sextas-feiras, sábados e domingos continuada e sucessivamente, salvo motivo justificativo” (al E), dos factos assentes);

4. A autora investiu no estabelecimento quantia não concretamente apurada e iniciou a sua exploração no final do ano de 1992 (resposta ao ponto 2º da base instrutória);

5. A autora entregou à ré o estabelecimento, com todo o equipamento constante do inventário junto a fls. 19 a 21 dos autos, numa altura em que o mesmo se encontrava encerrado há cerca de um ano (resposta ao ponto 3º da base instrutória);

6. Tendo antes da celebração do contrato (entre a autora e a ré) sido interrompido o fornecimento de energia eléctrica ao estabelecimento, a ré assumiu a responsabilidade de requerer e conseguir obter o reatamento desse fornecimento, o que não fez (resposta ao ponto 5º da base instrutória);

7. Desde Março de 2001 que a Ré deixou de efectuar o pagamento de qualquer prestação mensal (assente por acordo das partes);

8. A ré mudou o nome do estabelecimento para “D... ” (resposta ao ponto 8º da base instrutória);

9. A partir de data não concretamente apurada, E... passou a apresentar-se como responsável pela exploração do estabelecimento, identificando-se como sócio-gerente da ré (resposta ao ponto 10º da base instrutória);

10. Alguns dos componentes dos sistemas de luzes e de som necessitavam ser reparados, o que era do conhecimento da ré quando decidiu contratar (resposta ao ponto 41º da base instrutória);

11. As paredes, pistas, móveis e bares da discoteca apresentavam alguma degradação, derivada do uso e do facto de o estabelecimento estar encerrado há cerca de um ano (resposta ao ponto 46º da base instrutória);

12. No início do contrato, no ano de 1998, com o consentimento da autora, a ré realizou obras de remodelação no interior da discoteca, procedendo à pintura de todo o seu interior e à substituição de parte do mobiliário existente, dado o seu estado de uso, por mobiliário novo, instalou equipamento informático, procedeu a reparações nos equipamentos de luzes e som existentes e instalou ainda outros e procedeu à recuperação de alguns outros equipamentos existentes (resposta aos pontos 24º, 25º, 26º, 27º, 28º e 43º da base instrutória);

13. As obras realizadas afectaram os bares instalados e a cobertura da pista de dança. No âmbito das obras referidas,  era intenção utilizar vigas em pré-esforçado com fim não apurado. No âmbito das obras realizadas, ocorreram alterações ao nível da instalação eléctrica (resposta aos pontos 11º, 12º, 13º, 14º e 15º da base instrutória);

14. A ré substituiu o sistema informático existente, que estava inoperativo (resposta ao ponto 42º da base instrutória);

15. O sistema de raios laser não funcionava e foi reparado (resposta ao ponto 44º da base instrutória);

16. Realizou ainda a ré, com o conhecimento dos legais representantes e empregados da autora que acompanharam a realização das mesmas, obras no exterior do estabelecimento, quer do seu lado nascente quer do lado poente (resposta aos pontos 29º e 30º da base instrutória);

17.O funcionamento da discoteca implica o funcionamento simultâneo de múltiplos equipamentos eléctricos, nomeadamente de ar condicionado, frigoríficos, equipamentos de som e de luz, equipamentos informáticos (resposta ao ponto 31 º da base instrutória);

18. Quando a ré cedeu a exploração do estabelecimento, na discoteca não se encontrava ligada qualquer baixada que permitisse o fornecimento de energia eléctrica necessária ao seu funcionamento. Esta situação ocorria com conhecimento da ré e pelo facto de o fornecimento de energia eléctrica ter sido cortado anteriormente pela empresa fornecedora, por não terem sido pagos os consumos por parte da pessoa que tinha explorado anteriormente o estabelecimento (resposta ao ponto 32º da base instrutória);

19.O fornecimento de energia eléctrica era efectuado a partir do estabelecimento de restaurante da autora, a pedido da ré, mas a título provisório/temporário, até que esta (a ré) tratasse, como se responsabilizou por fazer, do seu fornecimento autónomo por parte da empresa fornecedora de energia (resposta ao pontos 37º e 47º da base instrutória);

20. No dia da abertura da discoteca a mesma encontrava-se cheia, tendo no seu interior um número de pessoas não inferior a mil (resposta ao ponto 33º da base instrutória);

21.No dia da reabertura do estabelecimento por parte da ré, a instalação existente no restaurante da autora, de onde provinha a energia, por não ter potência para suportar todos os equipamentos em funcionamento nesse momento na discoteca, desligou-se, tendo a discoteca ficado privada do fornecimento de energia durante, pelo menos, meia hora, deixando de funcionar os seus equipamentos eléctricos e nomeadamente o ar condicionado, o que levou a que muitas pessoas tenham saído para o exterior (resposta ao ponto 34º da base instrutória);

22. A circulação e renovação do ar, no interior da discoteca, era efectuada através de um sistema de ar condicionado (resposta ao ponto 35º da base instrutória);

23. A partir do dia 28 de Fevereiro de 2001, a autora deixou de fornecer energia eléctrica ao estabelecimento a partir do restaurante, depois de ter enviado carta à ré onde a advertia de que o iria fazer, com o conteúdo de fls. 161 dos autos (resposta ao ponto 36º da base instrutória);

24. O estabelecimento encerrou, durante a exploração da ré, em alguns períodos do ano. A ré encerrou definitivamente o estabelecimento em Março de 2001. Após a entrega judicial realizada (no seguimento da decisão nesse sentido proferida) nos autos de procedimento cautelar apensa, ocorrida em 21/03/2003, a exploração do estabelecimento tem sido efectuada, com o acordo da autora, plenamente por terceiros (resposta aos pontos 16º, 17º, 18º, 14º e 15º da base instrutória).

25. À data em que foi celebrado o contrato com a ré, o estabelecimento encontrava-se encerrado há pelo menos um ano (resposta ao ponto 40º da base instrutória) 

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C. – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

No caso dos autos, assentamos que está em causa apreciar:

- da qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes: contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial ou contrato de arrendamento comercial? 

- da contabilização das prestações vencidas até à data de instauração da acção;

- da redução do valor da cláusula penal fixada.

2. A questão fundamental a dirimir no processo é a de saber se o contrato celebrado entre as partes configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, como pretende a autora e considerou o Sr. Juiz, ou um contrato de arrendamento comercial, como sustenta a Ré.

Impõe-se, desde logo, a delimitação conceptual dos negócios em causa, numa referência breve.

Nos termos do artigo 1º do Regime do Arrendamento Urbano aprovado pelo Dec. Lei 321º-B/90 de 15/10 (RAU) – aplicável aos autos, considerando que o contrato foi celebrado por escritura pública outorgada em 04/05/1998 e o disposto no art. 12º do Código Civil, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – e dos artigos 1022º e 1023º, entende-se o arrendamento urbano como o contrato pelo qual uma das partes concede a outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição, considerando-se realizado para comércio, nos termos do art. 110º do RAU – cfr. ainda o art. 3º do mesmo diploma –, o arrendamento de prédios ou partes de prédios urbanos tomados para fins directamente relacionados com uma actividade comercial [ [i] ].

Quanto ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial (ou locação de estabelecimento), como refere Januário Gomes [ [ii] ], é uma forma de negociação do estabelecimento comercial traduzida numa transferência temporária – e onerosa, acrescentamos – do seu gozo.   

Releva, nesta sede, o conceito que emerge do art. 111º, nº1, do RAU, sob a epígrafe “cessão de exploração do estabelecimento comercial”, quando aí se estabelece que “não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”.

Por outro lado e ainda perspectivando o conceito através de uma delimitação negativa, o nº 2 do mesmo preceito estabelece que “o contrato passa a ser havido como arrendamento do prédio” se se verificarem alguma das circunstâncias referidas no art. 115º, nº2, ou seja, quando a transmissão não seja acompanhada, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento (alínea a) ou quando, transmitido o gozo de um prédio, passe a exercer-se nele outro ramo de comércio ou, de um modo geral, lhe seja dado outro destino (alínea b).

Não se exige a transmissão de todos os elementos do estabelecimento comercial. Ainda existirá uma cessão de estabelecimento mesmo que não seja transferido um elemento não essencial. O que não pode faltar é o conjunto de elementos essenciais à existência do estabelecimento [ [iii] ].

Sobre a noção de estabelecimento comercial tem a doutrina e jurisprudência convergido que se trata de uma unidade económica, organizada tendo em vista a prossecução de determinado fim e englobando, para o efeito, um conjunto de elementos, corpóreos (o imóvel/local onde funciona o estabelecimento, as mercadorias/produtos, a maquinaria, o dinheiro) e incorpóreos (os créditos e débitos, patentes, marcas, o know-how, clientela, aviamento etc) [ [iv] ].

Esse é também o conceito que ressalta de inúmeras referências a nível normativo, sem prejuízo de se encontrar alguma fluidez na delimitação desta figura, consoante o campo em que nos situamos [ [v] ].

Acrescente-se que também se tem entendido que não constitui obstáculo legal à cessão de exploração de estabelecimento comercial a circunstância de se transmitir um estabelecimento que não esteja, nesse concreto momento, em funcionamento, desde que mantenha essa potencialidade ou aptidão [ [vi] ].    

Assim delimitados os tipos contratuais a que as partes aludem, vejamos, então, a hipótese em apreço.

  

3. Nos casos em que as partes reduzem a escrito o acordo negocial, tal análise inicia-se com a apreciação dos termos do contrato, com referência às cláusulas especificamente consignadas no documento.
O tribunal não está vinculado ao nomen juris que as partes dão aos contratos relevando, fundamentalmente, o seu conteúdo em ordem a saber se o mesmo se identifica com os requisitos e a natureza do contrato em causa, na perspectiva de cada uma das partes – art. 664º do C.P.C.

Em todo o caso, «se é certo que não é o "nomen juris" que as partes dão aos contratos que determina a aplicação da disciplina jurídica correspondente, havendo que atender antes à regulamentação que seja aplicável ao contrato efectivamente celebrado, também é certo que a denominação atribuída pelas partes não é um dado à partida irrelevante ou inútil, sobretudo quando os contratantes são pessoas esclarecidas e no contrato figuram cláusulas que se ajustam ao tipo negocial afirmado» [ [vii] ]. 

Noutra ordem de considerações dir-se-á que, aceitando as partes a outorga do contrato nos termos consignados no documento que o titula – no caso, escritura pública – então, nos termos do art. 371º, tal documento faz prova plena de que foram feitas as declarações dele constantes. Se nenhuma das partes invocou qualquer circunstancialismo integrador de falta ou vício de vontade com base na qual a declaração foi emitida, a caracterização do contrato há-de ter por base as cláusulas contratuais assim fixadas [ [viii] ]. 

Por último, há que atender às regras de interpretação e integração constantes dos arts.236º a 239º, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, uma vez que se trata de negócio formal, fazendo prevalecer as soluções que melhor salvaguardam os princípios da boa fé.

Em conclusão, «são as partes que modelam os contratos que pretendam celebrar, dentro dos limites da lei. Consequentemente, compete-lhes a inclusão de cláusulas de um ou mais contratos típicos, bem como de cláusulas atípicas que não figurem naqueles contratos. Será através de todas as cláusulas introduzidas na convenção negocial, na interpretação do sentido das declarações negociais da vontade das partes, que o contrato poderá ser caracterizado/qualificado»[ [ix] ].

No caso em apreço, e como resulta da certidão junta aos autos, as partes intitularam o acordo celebrado de “Cessão de Exploração”, passando depois à sua regulamentação através de cláusulas que têm um conteúdo específico típico dessa figura contratual, como resulta da factualidade assente e supra referida sob o nº 3, maxime as cláusulas primeira e quarta – a leitura singela do enunciado do contrato não permite qualquer outra interpretação, que seria absolutamente desconforme ao texto do contrato.

Por outro lado, considerar, como a apelante pretende, que estamos perante um contrato de arrendamento comercial, é absolutamente redutor da vontade das partes, expressa nesse documento, porquanto algumas cláusulas só têm cabimento e só se compreendem no âmbito de uma locação de estabelecimento. É o que acontece com a cláusula 5ª, que estabelece sobre “o pagamento de despesas inerentes à exploração”, a cláusula 7ª, que impõe à ré locatária a obrigação de “efectuar, a seu cargo, a recuperação e colocação em funcionamento de todo o equipamento existente no estabelecimento, incluindo sistemas de raio laser, de som, luz, informático, de ar condicionado, bem como o mobiliário existente”, ou a cláusula 11ª, que autoriza a ré a proceder à alteração do nome da discoteca.

E que dizer da execução do contrato?

Efectivamente, casos há em que as partes acordam, por escrito, de determinada maneira e, no entanto, a realidade não é consentânea com o programa contratual que resulta do documento que titula o negócio.

Em sede de defesa, a ré invocou a “inexistência de estabelecimento comercial à data de celebração do contrato de cessão de exploração” e que foi a ré quem instalou no local um estabelecimento de discoteca, pelo que “não pode o contrato ser havido como de cessão de exploração”.

No entanto, apurou-se, nomeadamente, que o estabelecimento, onde funcionava uma discoteca, manteve essa destinação, tendo a ré procedido à sua reabertura – cfr. al) C dos factos assentes e respostas aos quesitos 1º, 33º e 34º– e que a autora entregou à ré o estabelecimento com todo o seu equipamento, identificado no documento de fls. 19 a 21, sob a rubrica “inventário”, sendo que aí encontramos material tão diversificado como caixas registadoras, arcas frigoríficas, extintores, televisores, equipamento de som, copos, armários… Aliás, provou-se que a ré efectuou algumas obras de reparação e procedeu à recuperação de equipamento já existente – cfr. a factualidade assente sob os nºs 10 a 12 –, em cumprimento, diga-se, de uma obrigação decorrente do contrato – cfr. a cláusula 7ª, a que já aludimos –, mas não há qualquer elemento que permita afirmar que, num espaço onde nada existia ou funcionava, a ré tenha construído, de raiz, um estabelecimento novo, como parece entender a apelante. Saliente-se que na normalidade da vida quotidiana essas alterações, que muitas vezes traduzem pequenas reparações e melhoramentos, fazem parte da dinâmica empresarial, afirmando-se como um lugar comum no mundo dos negócios [ [x] ].        

Ou seja, a afirmação feita pela apelante, de que “estaríamos perante uma discoteca muito incompleta”, não tem, no contexto dos factos apurados, qualquer cabimento [ [xi] ].

Por último, é irrelevante a circunstância do estabelecimento em causa se encontrar encerrado há cerca de um ano, à data da sua entrega à ré, uma vez que, como se pode inferir do que se deixou exposto, o estabelecimento mantinha a sua funcionalidade e tanto assim é que a ré procedeu à sua reabertura – encontrando-se a discoteca cheia nesse dia, tendo no seu interior um número de pessoas não inferior a mil, conforme a factualidade assente sob o nº 20 –, não indiciando os elementos constantes dos autos que a ré tenha notado qualquer dificuldade em retomar a actividade no estabelecimento – os problemas surgidos a propósito do fornecimento de energia já eram conhecidos da ré, que se obrigou a resolvê-los – vide a factualidade enunciada sob os nºs 6, 18 e 19.

Conclui-se, como fez a 1ª instância, que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, ou um contrato de locação de estabelecimento, improcedendo, pois, as alegações de recurso.     

4. Em sede de recurso subordinado, a autora apelante insurge-se contra o cálculo efectuado na sentença recorrida relativamente às prestações mensais em dívida até à data de instauração da acção e com referência ao pedido supra enunciado sob a aliena c).

Relevam para esta apreciação, fundamentalmente, dois factos, a saber: a) desde Março de 2001 que a ré deixou de efectuar o pagamento de qualquer prestação mensal (nº 7 dos factos provados), ou seja, a ré deixou de pagar a contrapartida fixada na cláusula 2ª do contrato, no valor de esc.500.000$00 acrescida de IVA; b) a acção deu entrada em 3 de Abril de 2002, conforme carimbo aposto no rosto da petição inicial.

Vejamos o raciocínio exposto na sentença recorrida.

“E, porque assim é, por consequência, importa pois concluir no sentido de que se justifica plenamente a resolução do contrato de locação do estabelecimento, por parte da Autora, com a consequência, directa, de a Ré ficar obrigada a restituir o estabelecimento, bem como, ainda, a pagar todas as prestações mensais acordadas e não pagas que totalizam, até ao momento da entrada em juízo da acção, em Março de 2002, a quantia de Esc. 5.500.000$00 (valor mensal de 500.000$00 x 11 meses), a que acresce o IVA, como contratado, na data à taxa de 17% (só em Junho de 2002 passou a ser de 19%), que se traduz num acréscimo mensal de 85.000$00 e num total de 935.000$00 (85.000$00 x 11 meses), tudo num total, pois, de 6.435.000$00, correspondente a € 32.097,64”.        

O Sr. juiz, relativamente a este pedido, contabilizou apenas 11 prestações mensais em dívida, o que não está correcto – a autora apelante entende serem devidas 14 prestações.

Em primeiro lugar, não contabilizou o mês de Março de 2001, e devia tê-lo feito porquanto a autora, na alegação constante da petição inicial (art. 43º), ponderou esse mês como estando em dívida e a ré não impugnou essa factualidade. Assim, quando se refere a expressão “desde”, no contexto assinalado, deve incluir-se esse próprio mês.

Por outro lado, aludiu à data de instauração da acção como correspondendo ao mês de Março de 2002, verificando-se, pois, um lapso notório, tendo em conta a factualidade aludida e o disposto no art. 267º, nº1 do C.P.C. – refira-se que as prestações deviam ser pagas até ao dia 8 de cada mês e, à data da citação da ré, há muito estava vencida a prestação relativa a esse mês de Abril de 2002.

Assim, desde Março de 2001, inclusive, até Abril de 2002, inclusive, devem contabilizar-se 14 prestações (mensais), à razão de esc.500.000$00 cada uma, acrescida de IVA, à taxa de 17%, tudo num total de esc.8.190.000$00 [(esc.500.000$00 + esc. 85.000$00) x 14], ou seja, €40.851,54.

Sobre essas quantias incidem ainda os respectivos juros moratórios, vencidos e vincendos, contabilizados nos termos que decorrem da decisão recorrida, às taxas de 12% até 30/09/2004, 9,01% desde 01/10/2004 até 31/12/2004, 9,09% de 01/01/2005 até 30/06/2005, 9,05% de 01/07/2005 até 31/12/2005, 9,25% de 01/01/2006 até 30/06/2006, 9,83% de 01/07/2006 até 31/12/2006, 10,58% de 01/01/2007 até 30/06/2007, 11,07% de 01/07/2007 até 31/12/2007, 11,20% de 01/01/2008 até 30/06/2008,  11,07% de 01/07/2008 até 31/12/2008 e 9,50% desde 01/01/2009.

Nas alegações de recurso evidencia-se um notório erro de cálculo quando se conclui que o valor dessas 14 prestações corresponde a “€35.509,40”. Efectivamente, pese embora aí se indiquem, correctamente, todos os elementos relevantes para o cômputo da prestação – 14 prestações, de 500.000$00 cada uma, a que acresce IVA de 17%, –, elabora-se depois a seguinte operação:

“. 300.000$00 x 17% IVA = 5.085.000$00” (e não 585.000$00, como se impunha)

“.5.085.000$00 x 14 = 7.119.000$00”; (nesse cômputo, o valor seria de 71.180.000$00!)

“Corresponde a € 35.509,40, ao que acrescem os juros moratórios vencidos e vincendos, até integral pagamento, como neste conspecto foi decidido” (nesse cômputo o valor seria de €355.094,22!).

Como se referiu, estamos perante um erro grosseiro, que resulta de forma patente do texto da declaração e que, por isso, permite que esta Relação o tenha em conta, rectificando-o, considerando o disposto no art. 249º, em termos similares ao que acontece com as decisões judiciais, nos termos do art. 667º do C.P.C.

Nessa parte, conclui-se, pois, pela procedência das alegações de recurso da autora, alterando-se o valor fixado na sentença recorrida, de €32.097,64 para €40.851,54.

5. A ré apelante insurge-se ainda contra a quantia arbitrada a título de cláusula penal, considerando excessivo o valor que foi condenada a pagar, de €65.000,00, invocando duas ordens de razões nas alegações de recurso, a saber, por um lado, as “avultadas quantias” que teve que investir para o funcionamento da discoteca, depois, a circunstância da autora, depois do estabelecimento lhe ter sido entregue, em 21/03/2003, na sequência da decisão proferida em sede cautelar, ter celebrado novo contrato de cessão, com outra entidade, mediante a prestação inicial de €600,00 mensais, acrescidos de IVA, facto de que a ré só teve conhecimento depois da prolação da sentença.

As alegações da recorrente suscitam diversas questões.

Em primeiro lugar, a junção do documento de fls. 470 a 473, documento novo, apresentado em fase de recurso, com as alegações respectivas, e reportado a um facto cujo conhecimento pela ré é superveniente, segundo alegação da apelante, que a autora não questionou. Como também a autora não impugnou a letra e a assinatura constantes desse documento, ou seja, a sua genuinidade, pelo que, nos termos do art. 376º, devem considerar-se provados os factos compreendidos na declaração, admitindo-se a junção desse documento nos termos dos arts. 524º, nº1 e 706º do C.P.C.

Assim sendo, releva ainda para a decisão a seguinte factualidade:

A autora, como 1ª outorgante e cedente, F... , como 2ª outorgante e cessionária, G... e H... , como 3ºs outorgantes e fiadores, celebraram, em 28 de Abril de 2003, o acordo consubstanciado no documento junto a fls. 470 a 473 dos autos, pelo qual aquela cedeu à 2ª outorgante a “exploração do estabelecimento comercial denominado J...”, pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Junho de 2003 e termo no dia 31 de Maio de 2004, mediante a contraprestação mensal de €600,00, acrescidos de IVA.

Saliente-se que este circunstancialismo vem na sequência da factualidade que já se havia apurado em audiência de julgamento e vertida no nº 24, a saber, que após a entrega judicial realizada (no seguimento da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar apensa), ocorrida em 21/03/2003, a exploração do estabelecimento tem sido efectuada, com o acordo da autora, plenamente, por terceiros.

                                             *  

Depois, há que apreciar de questão já suscitada no articulado da contestação, em que a ré defende, subsidiariamente – soçobrada a tese da nulidade do contrato – a “redução equitativa da cláusula penal”.

Neste ponto confluem os recursos de ambas as partes, embora em sentido inverso, isto é, a autora apelante sustentando que a redução da cláusula penal para o valor fixado na decisão (€65.000,00) peca por injustificada – sendo “desadequada” e “extremamente redutora do convencionado e do prejuízo efectivo da apelante” – e a ré apelante considerando que se impunha uma redução ainda superior.

Que dizer? 

A estipulação constante do contrato celebrado, nos termos da qual “o atraso no pagamento das prestações referidas no número um, por três meses consecutivos, confere à cedente o direito de denunciar o contrato, sem prejuízo do direito ao recebimento das prestações vincendas a título de sanção penal”, consubstancia uma típica cláusula resolutiva, pela qual as partes fixaram o condicionalismo inerente ao direito de resolução do contrato pelo cedente e uma cláusula penal, pela qual as partes determinam o respectivo montante indemnizatório – à forfait –, regulada nos arts. 810º a 813º, sem prejuízo de, no caso, nos parecer que tem também pendor compulsivo, só assim se explicando, por exemplo, a utilização da expressão “sanção penal” [ [xii] ].

O que está fundamentalmente em causa é delimitar os parâmetros da intervenção judicial em ordem à redução da cláusula penal, quando um dos contraentes invoca a sua onerosidade excessiva – sabido, como é, que se trata de excepção que não é de conhecimento oficioso [[xiii] ], incumbindo ao devedor o ónus de alegar e provar os factos susceptíveis de fundamentar o juízo de desproporcionalidade [[xiv]] –, tendo por base o que a esse propósito dispõe o art. 812º e considerando que, nos termos do art. 811º, nº3, o credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal [ [xv] ].

Para esse efeito, têm a doutrina e jurisprudência convergido num conjunto de elementos/factores de referência que foram correctamente enunciados na decisão recorrida quando nela se refere, remetendo para o Ac. do STJ de 07/11/89, Bol. 391-565, que [ [xvi] ] “o juiz não poderá deixar de atender: à natureza e condições de formação do contrato; à situação económica e social das partes; aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais; ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efectivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter à forfait da cláusula; à salvaguarda do seu valor cominatório. O tribunal deverá usar da faculdade de redução da cláusula penal, que lhe é conferida pelo citado art. 812, nº1, do C.C., quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal” [ [xvii] ]. 

Fixada, pois, a indemnização através da estipulação de cláusula penal e invocando o devedor a excessiva onerosidade da mesma, justifica-se a sua redução, de acordo com a equidade, nos termos do art. 812º, quando se concluiu – em função de diversos factores, quer atinentes ao negócio, quer às partes – que a sua aplicação gera um evidente e inaceitável desequilíbrio de prestações, à luz da boa fé [ [xviii] ]. 

Depois, ponderando o caso concreto, o Sr. Juiz conclui que se justifica o uso da faculdade excepcional de redução da cláusula penal, de acordo com a equidade. A este propósito, pode ler-se na decisão:

No caso em apreço, face ao período de dez anos previsto para a duração do contrato (os dez anos concluir-se-iam no final de Abril de 2008), estão em causa cinco anos e um mês após a data da entrega à Autora do estabelecimento em Março de 2003, o que se traduz, porque neste caso se não pode falar de IVA, num montante total de 152.133,36 (sem esquecer aqui o valor de € 32.421,86, referente ao período decorrido até à entrega do estabelecimento, já anteriormente referido, que se assume, também, com cariz indemnizatório).

Ora, para além da demonstração de que a Ré fez investimentos que embora não contabilizados em termos de valor em dinheiro assumem relevante interesse para o estabelecimento, provou-se ainda que após a entrega judicial realizada (no seguimento da decisão nesse sentido proferida) nos autos de procedimento cautelar apensa, ocorrida em 21/03/2003, a exploração do estabelecimento tem sido efectuada, com o acordo da Autora, plenamente por terceiros. Ou seja, muito embora não se saiba exactamente desde quando, o certo é que a Autora, muito antes de findo o prazo previsto para a vigência do contrato com a Ré, entregou já a exploração do estabelecimento a terceiros, o que permite pensar que é desta forma rentabilizado o estabelecimento, com a consequente diminuição de um qualquer eventual prejuízo decorrente do findar da relação contratual com a Ré (a Autora pôde assim receber contrapartidas em dinheiro no período em causa), bem como, também, que o estabelecimento foi recebido com aptidão para funcionar.

Do exposto resulta que, neste caso, nas circunstâncias que se provaram, é claramente excessivo o montante pretendido pela Autora, resultante da aplicação pura e simples da cláusula penal, pois que ultrapassará, em muito, o prejuízo efectivamente sofrido, razão pela qual, nos termos que se afirmaram supra, se impõe reduzir, por apelo à equidade, para um valor que, sendo suficiente para indemnizar todos os danos, por ser esta a função da cláusula penal, não há-de ultrapassar o valor locativo correspondente quer ao tempo decorrido desde a data em que a acção foi proposta até ao momento em que o estabelecimento foi entregue judicialmente à Autora, mas já considerado supra, quer ainda, acrescendo àquele, mas apenas, mais um ano após esse momento, tempo considerado bastante para o inicio da rentabilização que foi feita por terceiros, tudo num total de € 65.000 (), para atender a outros danos inerentes à necessidade dessa nova contratação.

É, pois, devido à Autora o montante de € 65.000 a título de indemnização, por redução equitativa da cláusula penal, não sendo devidas outras indemnizações e designadamente qualquer dano que se imponha liquidar em execução de sentença.

Sobre o referido valor incidem juros de mora, como pedido (contabilizados desde a data da citação)”.

Vejamos, em sequência, alguns dos factos relevantes para apreciação desta questão:

. o contrato de cessão de exploração foi celebrado com início em 01/05/1998 e termo em 30/04/2008, fixando-se a prestação mensal de €2.493,98€ acrescido de IVA, com actualizações automáticas anuais, por aplicação dos coeficientes de actualização das rendas comerciais para o ano respectivo;

. desde Março de 2001 que a ré deixou de efectuar o pagamento dessas prestações mensais;

. em 03/04/2002 a autora instaura a presente acção;

. em 23/03/2003, na sequência de decisão proferida em sede cautelar, o estabelecimento é entregue à autora;         

. em 28 de Abril de 2003, a autora celebra com outra entidade novo contrato de cessão de exploração do estabelecimento aludido, pelo prazo de um ano, com início no dia 1 de Junho de 2003 e termo no dia 31 de Maio, mediante a contraprestação mensal de €600,00, acrescida de IVA;

Por outro lado, importa esclarecer que, com referência às quantias em dívida desde Março de 2001 até à instauração da acção, a 1ª instância condenou a ré no pagamento do valor de €32.097,64, acrescida de juros, valor que esta Relação rectificou para o montante de €40.851,54. Está, portanto, em causa, tão só, nos termos contratualmente estabelecidos, o funcionamento da cláusula penal por referência às prestações vincendas, ou seja, ao período posterior à instauração da acção – daí que, pese embora a referência feita supra ao valor de € 32.421,86, referente ao período decorrido até à entrega do estabelecimento à autora, esse montante não tenha sido autonomizado pelo Sr. Juiz, incluindo-se, pois, no valor indemnizatório fixado globalmente, em sede de cláusula penal, ou seja, €65.000,00.

No entanto, também não se afigura correcto o cômputo feito pela 1ª instância. Efectivamente, desde Maio de 2002, inclusive, até 30 de Abril de 2008, inclusive (fim do contrato), vão 72 meses, o que, à razão de esc. 500.000$00 mensais, perfazem esc.36.000.000$00 ou seja €179.567,24 – considerando que se trata de quantia indemnizatória concorda-se que não há que ponderar qualquer valor a título de IVA, sendo que as partes nem sequer discutem essa questão em sede de recurso.

Ora, o tribunal a quo ponderou o valor correspondente a 74 meses, sendo €32.421,86 alusivos às prestações vincendas (com referência à data de instauração da acção) até à entrega judicial do estabelecimento à autora (23 de Março de 2003) e €152.133,36 ao período subsequente (correspondente a “cinco anos e um mês” segundo a decisão), no valor global de €184.555,22.

Ou seja, adoptando a mesma ratio de redução operada na 1ª instância, então impunha-se a diminuição da cláusula para o valor de €63.243,24.

O que interessa, no entanto, é saber em que moldes se deve operar a redução de uma cláusula penal cujo valor ponderado, contabilisticamente, nos termos que resultam do contrato, teria de fixar-se em €179.567,24, já que nos parece indiscutível a afirmação de que esse valor é flagrantemente excessivo considerando que desde 23 de Março de 2003 a autora tem o estabelecimento à sua disposição, podendo rentabilizá-lo como muito bem entender, ou seja, quase cinco anos antes da data correspondente ao termo do contrato (30 de Abril de 2008).

Ora, ponderando a argumentação da ré em sede de recurso, não cremos que a mesma aduza argumentos que não tenham já sido devidamente ponderados pelo Sr. Juiz.

Assim, quanto às obras feitas pela ré, não se apurou o valor respectivo, que nem sequer foi concretamente invocado – no art. 14º da contestação a ré limita-se a referir que “confiando na viabilidade económica do estabelecimento, investiu na sua renovação e em espectáculos destinados a melhorar a sua imagem e clientela quantia de montante superior a 400.000,00€” –, pelo que nada permite concluir que a ré despendeu “quantias avultadas para o funcionamento da discoteca”. Em todo o caso, a 1ª instância até já teve em conta o circunstancialismo alusivo às obras feitas pela ré, como decorre da passagem acima transcrita.

Acresce que uma das obrigações resultantes do contrato, para a ré apelante, consistia, exactamente, na recuperação de algum equipamento – cfr. cláusula 7ª – pelo que se pode concluir que esses gastos da ré e o eventual enriquecimento do património da autora se inserem no programa contratual estabelecido entre as partes, não tendo cabimento a sua invocação, pela ré, com vista à redução da cláusula penal. Aliás, é legítimo inferir que, aquando da fixação do preço da cessão, não terá sido indiferente, também, a existência dessa obrigação, em conexão com o período de duração do contrato.       

Como também já se atendeu ao facto da autora ter logrado rentabilizar o seu estabelecimento, entregando a exploração do estabelecimento a terceiros, não nos parecendo significativo o elemento factual agora carreado para os autos e alusivo ao valor da prestação mensal, de €600,00 mensais acrescidos de IVA – saliente-se, aliás, que se trata de contrato com a duração de um ano, desconhecendo-se se o mesmo foi objecto de renovações, pelo que se pode antever apenas, com segurança, um ganho de €7.200 anuais. Acresce que, sob pena de se desvirtuar a cláusula penal, não há que fazer equivaler rigorosamente o seu montante ao valor dos prejuízos efectivamente sofridos pelo credor [ [xix] ], sem prejuízo da limitação estabelecida no art. 811º, nº3.

Saliente-se que o valor fixado, de €65.000,00, traduz já uma redução da cláusula penal em montante que temos por significativo, correspondendo, grosso modo, a bem mais de metade do valor que seria devido à autora, se não se fizesse operar a redução.

Não olvidando que a cláusula foi estipulada no pleno exercício do princípio da liberdade contratual (art. 405º), que cada uma das partes, quando celebrou o contrato, tinha de estar consciente das implicações/riscos dessa estipulação e o estrito condicionalismo que motiva a intervenção do tribunal.     

Neste contexto, não encontramos razões ponderosas que justifiquem efectuar uma redução ainda mais significativa da cláusula penal, não aduzindo a ré apelante qualquer argumento que convença e aponte no sentido que pretende, salientando-se que, curiosamente, a apelante nem sequer indica qual o valor que, então, reputa justo ou correcto.

Improcedem, pois, as alegações de recurso da ré.

Quanto ao recurso da autora apelante, já referimos que temos por evidentemente excessiva a cláusula fixada. Aliás, a considerar-se que “a indemnização a título de sanção penal, convencionada por incumprimento” é integralmente devida, como pretende a autora apelante, então teríamos que a autora tinha mais a ganhar com o incumprimento do contrato do que com o cumprimento do mesmo, o que não é admissível.

Há que salvaguardar a integralidade da indemnização correspondente ao período de tempo que vai desde Maio de 2002, inclusive, até Março de 2003, inclusive – período em que a autora não teve a disponibilidade do seu estabelecimento –, no valor de esc. 5.500.000$00 (€27.433,88), nisso se concordando com o raciocínio expendido pelo tribunal recorrido, sem prejuízo de se computar diferentemente esse valor.

No mais, admitindo-se que a ré, com a sua conduta, frustou os ganhos da autora, essa perda não foi absoluta, como decorre do que se expôs. Aliás, a afirmação feita nas alegações de recurso de que “o prejuízo efectivamente sofrido pela A. é bem superior ao montante da cláusula penal” não tem qualquer suporte nos autos e é contrariada pela factualidade que se deu por assente, sendo certo que a autora era quem se encontrava em melhores condições para carrear para os autos os elementos probatórios pertinentes a essa aferição, já que se trata de averiguar factos pessoais à autora.   

Assim, reputamos equilibrada a fixação da cláusula penal pelo valor de €70.000,00, procedendo pois, parcialmente, o recurso subordinado interposto pela autora.  

                                             *

Conclusões:

1. Deve entender-se por estabelecimento comercial a unidade económica, organizada, tendo em vista a prossecução de determinado fim e englobando, para o efeito, um conjunto de elementos, corpóreos (o imóvel/local onde funciona o estabelecimento, as mercadorias/produtos, a maquinaria, o dinheiro…) e incorpóreos (os créditos e débitos, patentes, marcas, o know-how, clientela, aviamento etc);

2. Não constitui obstáculo legal à cessão de exploração de estabelecimento comercial a circunstância de se transmitir um estabelecimento que não esteja, nesse concreto momento, em funcionamento, desde que mantenha essa potencialidade.    

3. Aceitando as partes a outorga do contrato nos termos consignados no documento que o titula – no caso, escritura pública, tal documento faz prova plena de que foram feitas as declarações dele constantes (art. 371º do Cód. Civil). Se nenhuma das partes invocou qualquer circunstancialismo integrador de falta ou vício de vontade com base na qual a declaração foi emitida, a caracterização do contrato (contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial) há-de ter por base as cláusulas contratuais assim fixadas, interpretadas de acordo com as regras estabelecidas nos arts. 236º a 239º do Cód. Civil, não podendo a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento.

4. Fixada a indemnização através da estipulação de cláusula penal e invocando o devedor a excessiva onerosidade da mesma, justifica-se a sua redução, de acordo com a equidade, nos termos do art. 812º do Cód. Civil, quando se concluiu – em função de diversos factores, quer atinentes ao negócio, quer às partes – que a sua aplicação gera um evidente e inaceitável desequilíbrio de prestações.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação da ré.

Mais acordam em, julgando parcialmente procedente a apelação da autora, revogar em parte a sentença recorrida e, consequentemente, condena-se a ré a pagar à autora as seguintes quantias:

a) a quantia de €40.851,54 (quarenta mil, oitocentos e cinquenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal para dívidas de natureza comercial, supra indicadas, vencidos até 3/03/2002 e vincendos a partir dessa data;

b) a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros) a título de cláusula penal, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação;

Condenam-se as apelantes nas respectivas custas, quer as devidas em 1ª instância quer nesta Relação, na proporção do decaimento.

Notifique.

[i] Pinto Furtado (Manual do Arrendamento Urbano, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 1999, p. 252) refere que actividade comercial será aquela que é constituída pela realização continuada e profissional de actos de comércio, no sentido em que o artigo 2º do Cód. Comercial os define ou, numa segunda vertente, pelas actividades que sejam exercidas no âmbito de empresas enquadráveis no elenco do artigo 230º do Cód. Comercial. Sobre a noção de arrendamento urbano para comércio e considerando os fins a que alude o art 3º do RAU, aludindo à “actividade de mediação nas trocas” ou “circulação de riqueza” cfr. ainda Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 6ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2002, p. 148. 

[ii] Constituição da Relação de Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 1980, p. 184.  
[iii] Aragão Seia, obr. cit. p. 623. Januário Gomes, obr. cit. p. 187, refere, por exemplo, que “pode conceber-se uma locação de estabelecimento em que não tenha sido transferido o local em que este se instalava”.    

[iv] No Ac.STJ de 08/05/2008, proferido no processo 08B1182 (Relator: Salvador da Costa), acessível in www.dgsi.pt, alude-se à noção de estabelecimento comercial nos seguintes termos: “Dir-se-á que o estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrante, em regra, de uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas – coisas móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim.

A referida estrutura varia, como é natural, em função de circunstâncias diversas, desde logo em razão dos diversos ramos de actividade que operem. Por outro lado, o conjunto dos elementos de determinado estabelecimento comercial ou industrial é variável ao longo do tempo, consoante a vontade do respectivo titular, segundo os seus interesses, em regra condicionados, além do mais, pela evolução da tendência de mercado, pelas necessidades de reestruturação, de especialização ou de economia de meios.

O próprio elemento humano que implementa a actividade de cada um dos estabelecimentos também é, naturalmente, susceptível de variar, além do mais, por virtude da utilização de novas tecnologias”.



[v] No processo civil releva, por exemplo, o disposto no art. 862ºA que, sobre a epígrafe “Penhora de estabelecimento comercial” alude, especificamente, aos bens que essencialmente integram o estabelecimento, incluindo o direito ao arrendamento, conforme o disposto nos nºs 1 e 6 do preceito.
Já no âmbito do direito laboral está em causa, fundamentalmente, salvaguardar direitos dos trabalhadores em caso de transmissão do estabelecimento ou de parte dele, pelo que se adopta um conceito mais amplo de estabelecimento, aludindo o art. 318º do Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto de 2003 a “estabelecimento que constitua uma unidade económica” e preceituando, no seu nº 4 que “considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”. Releva, ainda, nesta sede, a Directiva 2001/23/CE de 12/03/2001, que, no sentido de “adoptar disposições para proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos”, e atentas as diferenças que subsistem “nos Estados-Membros no que respeita ao alcance da protecção dos trabalhadores neste domínio sendo conveniente reduzir estas diferenças”, estabelece, no seu art. 1º, alínea b), que “Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”
Com interesse veja-se, ainda, o Decreto-Lei n.º 462/99, de 5 de Novembro que estabelece o regime de inscrição no cadastro dos estabelecimentos comerciais e preceitua, no seu art. 3º, sob a epígrafe “Definições”, que “Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por estabelecimento comercial toda a instalação, de carácter fixo e permanente, onde seja exercida, exclusiva ou principalmente, de modo habitual e profissional, uma ou mais actividades de comércio, por grosso ou a retalho, tal como são definidas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 339/85, de 21 de Agosto, incluídas na secção G da Classificação das Actividades Económicas (CAE/Rev. 2), ficando abrangidos nesta definição os lugares de venda em mercados municipais e abastecedores” – nº1.
No entanto, como refere Fernando Olavo (Direito Comercial, vol.I, 2ª edição, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 1979, p. 262), “debalde se procurará na nossa lei uma disposição que enumere os elementos do estabelecimento por forma completa”, asserção que mantém plena actualidade.               


  
[vi] Pode ler-se no Ac. STJ de 18/04/2002 proferido no processo 02B538 (Relator: Neves Ribeiro), acessível in www.dgsi.pt “Não obstante as escalas e dimensões notoriamente variáveis, a noção de estabelecimento atravessa todas as situações indicadas, enquanto organização com funcionalidade de meios e unidade de destino lucrativo. E não é essencial que a organização comercial esteja em movimento. Essencial é que a estrutura organizativa esteja potencialmente apta, ou vocacionada à funcionalidade e ao destino, ou seja, «tenha aptidão para entrar em movimento»”. No mesmo sentido cfr. os Acs. STJ de 08/01/2004, processo 03B3093 (Relator: Araújo Barros) e de 08/05/2008, processo 08B1182 (Relator: Salvador da Costa), acessíveis no mesmo loc.
No sentido de que até pode ser objecto de negócios jurídicos o estabelecimento que ainda não foi posto em movimento, que ainda não entrou no giro comercial, vide Galvão Teles, Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial, Parecer publicado na C.J., 1992, T.I, p. 53.
             
[vii] Ac.STJ de 16/05/00, processo 99S351 (Relator: Manuel Pereira), acessível in www.dgsi.pt, sem prejuízo de aí se reportar a outros tipos contratuais que não o dos autos.    

[viii] Salientem-se, ainda, as especificidades que resultam do disposto nos arts. 393º e 394º, em sede de produção de prova testemunhal.

[ix] Ac.STJ de 30/11/94, in BMJ 441º-319.
[x] No Ac. STJ de 18/04/2002, supra aludido, referiu-se, em caso similar ao dos autos, muito sugestivamente, o seguinte:
“ Mas não nos parece indispensável que esteja tudo a postos para se reiniciar a exploração da actividade. Não existem estabelecimentos acabados, num mercado concorrencial que procura vender mais e melhor! E em todos os níveis e de escalas de estabelecimentos, como se exemplificaram no n.º 2, anterior!
Não tinha que lá estar tudo; mas polarizar-se o mínimo de condições indispensáveis ao início do exercício de funcionamento da actividade.
Há um núcleo essencial que potenciou, e fez reactivar, o funcionamento, por inteiro, dias depois, do estabelecimento como unidade jurídica, no sentido há pouco preconizado.
E tanto dava existência, e tanto facultava a garantia económico-jurídica da livre circulabilidade do estabelecimento, como interesse público fundamental, também sublinhado já!
Aos cessionários, como era seu propósito negocial indesmentível, incumbia reorganizar e reintroduzir a dinâmica que houvessem por bem, com vista ao sucesso do negócio a exercer no estabelecimento vocacionado para supermercado. E assim o fizeram durante anos a fio, tomando o que, ao princípio, haviam como estabelecimento apto para esse fim”.

[xi] Na doutrina, abordando exactamente a questão da cessão de exploração de “estabelecimentos incompletos” e também numa hipótese em que discutia o tipo contratual em presença – locação de estabelecimento comercial/arrendamnto comercial – vide a sentença de 06/05/1983, proferida por Sousa Inês, publicada na ROA, 1987, Ano 47, Vol III, Setembro, ps. 473-506 e anotação e pareceres juntos a esse processo, aquele de Eridano de Abreu (754-758) e estes de Vasco da Gama Lobo Xavier (759 -783), Ferrer Correia (785 – 820), Antunes Varela (821 – 843) e Oliveira Ascensão e Meneses Cordeiro (845 – 927), publicados na ROA, 1987, Ano 47, Vol III, Dezembro.
Lobo Xavier, referindo jurisprudência italiana, alude, “por comodidade, conquanto sem inteiro rigor”, com referência ao estabelecimento, a elementos objectivos e elementos subjectivos, sendo que “os primeiros respeitam à adequação, à destinação e porventura à conformação do local – ou deste e de outros bens que uma das partes pôs à disposição da outra”. (p. 768). Para Oliveira Ascensão e Meneses Cordeiro, o problema reside em saber “se é possível, do estabelecimento, retirar elementos – e quais – sem pôr em causa a sua existência. Ou, por outras palavras, há que determinar, dos elementos que, em teoria hão-de integrar o estabelecimento, qual o quantum concreto mínimo” (p.882), concluindo estes autores que “tendo um conteúdo muito variável, o estabelecimento comercial deve compreender o mínimo necessário à efectiva prossecução do seu escopo, o que pode ser expresso nas suas qualidades essenciais: o aviamento e a clientela”( p. 904).

[xii] Sobre a natureza da cláusula penal e os diferentes objectivos que podem presidir à sua estatuição, “maxime o indemnizatório e o compulsório”, cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 795; Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, T. I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, p.738, Galvão Teles, Direito das Obrigações, 3ª edição, Coimbra Editora, 1980, p.400, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1981, p. 63, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990, p. 5 e 474;

No Ac. desta Relação de Coimbra de 17/04/2007, proferido no processo nº 2725/05.5 (Relator: Garcia Calejo), acessível in www.dgsi.pt, considerou-se que, actualmente, o art. 811º nº 3, na redacção do Dec-Lei 262/83 de 16/6, impede, com censura de alguma doutrina, que o credor exija uma indemnização superior ao prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal, retirando-se assim à cláusula a característica de pena, traduzida na possibilidade de ela exceder o valor da prestação recebida. “Por outras palavras, a actual redacção do nº 3 do art. 811º desvirtuou a índole da cláusula penal”.

[xiii] Segundo Pinto Monteiro, obr. cit., p. 736, “basta que o devedor deixe perceber, ainda que de modo implícito, um desacordo seu relativamente ao montante exigido, em razão do excesso do mesmo, ainda que não formulando no pedido formal de redução da pena” No mesmo sentido vai o Ac. do STJ de 17/04/2008, proferido no processo 08A630, (Relator: Alves Velho), acessível in www.dgsi.pt. 
[xiv] Apreciando sobre as regras alusivas ao ónus de alegação e prova, nestes casos, cfr. o Ac. do STJ de 5/11/1997 (Relator: Miranda Gusmão), C.J., Ano V, T.III, 1997, P. 124, estando aí em apreciação uma cláusula inserida num contrato de locação financeira.
[xv] No âmbito das CCG, o art. 19º, al) c do Dec. Lei 446/85 de 25/10 proíbe que se consagrem “cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”. A este propósito, referindo que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível, vide Mário Júlio Almeida Costa e Meneses Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Anotação ao Dec. Lei 446/85 de 25 de Outubro, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1990, p.47, nota 4.

[xvi] São, em suma, os factores enunciados por Pinto Monteiro, obr. cit., ps. 741, 743 e 744.

[xvii] Podemos encontrar inúmeros arestos do STJ que se debruçam sobre a redução da cláusula penal em função da equidade – com particular incidência no âmbito de contratos de locação financeira e contratos efectuados com recurso a CCG –, de que são exemplos, entre outros, os acs. de 26/01/1999, (Relator: Garcia Marques), CJ, Ano VII, T. I, 1999, p. 61, de 09/02/99, CJ  (Relator: Lopes Pinto), CJ, Ano VII, T. 1, (1999) P. 97. de 02/03/2204 (Relator: Afonso Correia), CJ, Ano XII, T.I (2004), p. 93, de 07/03/2006 (Relator: Urbano Dias), Ano XIV, T. I (2006), p.101 e de 12/06/2007 (Relator: Moreira Camilo), CJ, Ano XV, T.II (2007), p. 107.

[xviii] Sobre o desequilíbrio no exercício jurídico, numa das suas vertentes – a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem –, vide Meneses Cordeiro, Da boa fé no Direito Civil, Vol II, Almedina , Coimbra, 1984, p.853.
[xix] A este propósito e em sede de controlo judicial da cláusula penal, refere Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Fac. de Direito da Univ. de Coimbra, 1987, p. 277: “Consequentemente, a condição e pressuposto da intervenção judicial deve funcionar também como medida e limite da redução da pena. Pelo que, se o juiz não pode intervir na presença de uma cláusula penal simplesmente excessiva, de montante superior ao dano efectivo, e se nem a ausência de dano legitima, por si só, a intervenção moderadora judicial, também não deve o julgador reduzir a cláusula manifestamente excessiva ao prejuízo efectivamente sofrido pelo credor. (…) Querer reduzir a cláusula penal ao dano efectivamente sofrido é não respeitar o seu valor coercitivo, é abrir as portas ao incumprimento de devedores de má fé (…)”.