Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1022/09.1TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO
VONTADE
TRABALHADOR
JUSTA CAUSA
NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 02/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 394º, NºS 1, 2, 3 E 5, E 396º DO CÓDIGO DE TRABALHO/2009
Sumário: I – O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador – artº 394º do Código do Trabalho de 2009.

II –O nº 1 do artº 394º do C.T./2009 prevê que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, prescrevendo-se, a título exemplificativo, na al. a) do nº 2 que constitui justa causa a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, e na al. c) do nº 3 que constitui justa causa a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.

III – O nº 5 do artº 394º C. T. estabelece que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por sessenta dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo – presunção “juris et de jure” de culpa do empregador.

IV – Tal preceito estabelece que hoje, mesmo nos casos em que a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por sessenta dias, a resolução do contrato pelo trabalhador tem que assumir a verificação de uma justa causa subjectiva, sendo necessário apurar-se a culpa do empregador.

V – A justa causa deve ser apreciada nos termos do nº 3 do artº 351º do CT/2009, isto é, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.

VI – O artº 396º, nºs 1 e 2, do CT/2009 estipula um prazo de 30 dias a partir do termo do período de 60 dias para o exercício do direito de resolução pelo trabalhador.

VII – Porém, o que releva para a lei não é o facto instantâneo do incumprimento, mas a situação continuada de incumprimento. Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, então o tal prazo de 30 dias sobre o conhecimento dos factos que a fundamenta (artº 442º, nº 1, do CT) só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução.

VIII – Independentemente da culpa do empregador, um trabalhador não pode estar sujeito, de forma persistente, ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. Tratam-se de créditos que têm a natureza, por regra, de créditos alimentares e a persistência no incumprimento é, em abstracto, apta a causar danos à segurança da sua subsistência e a uma vida digna (artº 394º, nº 3, al. c), CT/2009).

IX – Essa persistência assume gravidade suficiente para justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. As autoras intentaram separadamente contra a ré acções declarativas de condenação.
A apensação das acções foi ordenada por despacho exarado na acta da audiência de discussão e julgamento.
A autora A...pediu que a ré seja condenada a: a) reconhecer que tinha o direito de resolver, unilateralmente e com justa causa, o contrato de trabalho, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) a pagar-lhe uma indemnização, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, que se computa em € 9.786,58; c) a pagar-lhe, ainda, juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.
A autora B... pediu que a ré seja condenada a: a) reconhecer que tinha o direito de resolver, unilateralmente e com justa causa, o contrato de trabalho, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) a pagar-lhe uma indemnização, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, que se computa em € 9.784,73; c) a pagar-lhe, ainda, juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.
A autora C... pediu que a ré seja condenada a: a) reconhecer que tinha o direito de resolver, unilateralmente e com justa causa, o contrato de trabalho, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) a pagar-lhe uma indemnização, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que se computa em € 10.401,16; c) a pagar-lhe, ainda, juros de mora, à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, desde a citação e até integral pagamento.
Para fundamentar as suas pretensões, as autoras invocam a relação laboral estabelecida com a ré e a resolução do contrato por sua iniciativa por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, como o fizeram nos termos descritos nos respectivos articulados.

A ré contestou invocando a caducidade do direito das autoras de rescindirem os contratos de trabalho com fundamento na falta de pagamento do subsídio de férias de 2008. Defendeu a ilicitude da resolução dos contratos e deduziu reconvenção pedindo a declaração da ilicitude das resoluções e a condenação de cada uma das autoras no pagamento de € 940,00 a título de indemnização acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido até integral pagamento.
As autoras responderam pugnando pela improcedência da excepção e dos pedidos reconvencionais.

Prosseguindo os processos os seus termos, depois da apensação, foi proferida sentença na qual se julgou as acções improcedentes e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos. Quanto aos pedidos reconvencionais formulados pela ré, os mesmos foram julgados parcial ou integralmente procedentes e em consequência: a) a autora A... foi condenada no pagamento à ré da quantia de € 900,00 a título de indemnização; b) a autora B... foi também condenada no pagamento à ré da quantia de € 900,00 a título de indemnização; c) a autora C... foi condenada no pagamento à ré da quantia de € 940,00 a título de indemnização.


Inconformadas, as autoras interpuseram a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentaram as seguintes conclusões:
[….]

A ré apresentou de contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Recebidos os recursos e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto no sentido de que não assiste razão à recorrente.
*
II- OS FACTOS:
A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:
[….]
*
III. Direito
As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma:
- se ocorre a invocada nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão;
- se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pelas autoras;
- se ocorre fundamento para a procedência dos pedidos reconvencionais.

1. A questão na nulidade da sentença:
Essencialmente, as apelantes defendem que os factos assentes estão em oposição com a decisão.
Identificam a norma fundamento para a sua arguição, como sendo a do artigo 668º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil (a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão).
Analisada a questão levantada, não podemos considerá-la como respeitante a nulidade.
Na verdade, o que alegam é que os factos provados não sustentam a conclusão enunciada na sentença da 1ª instância de acordo com a qual os direitos de resolução não foram exercidos no prazo de sessenta dias a que alude o n.º 5 do art. 394.º do CT/2009.
Trata-se, então, de erro alegadamente ocorrido na subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, situações que se reportam a erro de julgamento e não a nulidade.
A situação da alínea c) do artigo 668.º, n.º 1 do CPC, refere-se, como diz o Conselheiro Amâncio Ferreira (in Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6ª ed., pag. 55), à contradição real entre os fundamentos e a decisão (não a errada subsunção dos factos nas normas jurídicas seleccionadas) - à situação em que os próprios fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.
Não é esse o caso, manifestamente.
Por isso, o recurso improcederá nesta parte.

2. As questões da resolução com justa causa e dos pedidos reconvencionais:
Ao caso dos autos, como se referiu a sentença recorrida, sem divergência das partes, aplica-se o Código do Trabalho de 2009.
O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador (394.º do Código do Trabalho).
O nº 1 do artigo 394.º do Código do Trabalho prevê que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, prescrevendo-se, a título exemplificativo, na al. a) do nº 2 que constitui justa causa a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e na al. c) do nº 3 que constitui justa causa a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
Por outro lado, o n.º 5 desse art. 394.º estabelece hoje que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por sessenta dias ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.
Antes, o artigo 364º do Código do Trabalho de 2003, que previa a situação de mora do empregador no cumprimento da retribuição, estipulava que a mora que se prolongasse por 60 dias conferia o direito de resolver o contrato de trabalho, como depois o artº 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, (que regulamentou aquele Código do Trabalho) veio esclarecer, consagrando aqui aquilo que se convencionou na jurisprudência tratar-se de uma situação justa causa objectiva. Efectivamente, como se assinalou na sentença da 1.ª instância, o STJ veio a assumir (v., por exemplo, os Acs. de 2-5-2007 e de 19-11-2008, in www.dgsi.pt, respectivamente procs. 07S532 e 08S1871, e referências doutrinais ali mencionadas), nestes casos (mora por mais de sessenta dias), o trabalhador podia resolver o contrato, independentemente de culpa do empregador, cabendo-lhe a indemnização prevista no artigo 443º do CT/2003, por força do que vem prescrito no artº 308º da dita Lei nº 35/2004.
No CT/2009, esta situação de justa causa objectiva desapareceu.
A redacção do n.º 5 do citado art. 394.º estabelece que hoje, mesmo nos casos em que a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por sessenta dias, a resolução do contrato pelo trabalhador tem que assumir e verificação de uma justa causa subjectiva, sendo necessário apurar-se a culpa do empregador.
Aquele dispositivo prevê claramente uma presunção de culpa do empregador para os casos a que se refere, como bem assinalou a 1ª instância.
Não concordamos, no entanto, com o que se escreveu na sentença recorrida quando refere que essa presunção é uma presunção juris tantum, uma presunção que pode ser ilidida por prova em contrário.
Sabemos as cautelas que importa ter nesta qualificação.
Cautelas a ponderar tendo em conta o que se referiu no Ac. do STJ, de uniformização de jurisprudência, de 3-4-1991 (in www.dgsi.pt, proc. 002663) e que se trancreve:
Colocando-nos agora na questão de qualificar qual a natureza da presunção (…) - se juris et de jure, se juris tantum, começaremos por nos ater na caracterização destas.
A presunção representa o juízo lógico pelo qual, argumentando segundo o vínculo de causalidade que liga uns com outros os acontecimentos naturais e humanos, podemos induzir a existência ou o modo de ser de um determinado facto que nos é desconhecido em consequência de outro facto ou factos que nos são conhecidos.
Não são um meio de prova, mas um processo indirecto que proporciona racionalmente o que se pretende provar.
É consagrada a classificação em presunções legais (praesumptiones juris), quando a operação lógica de dedução a faz a própria lei; presunções judiciais (praesumptiones hominis seu iudices), quando a dedução se realiza pelo órgão judicial.
As presunções legais são juris et de jure, quando não admitem prova em contrário; juris tantum, quando podem ser afastadas por prova que se lhes oponha. No primeiro caso, impede-se a prova em contrário; no segundo, inverte-se o ónus de prova.
As presunções funcionam como modo de ultrapassar as dificuldades de prova, por se referirem, por exemplo, a factos que não se objectivam pela sua própria natureza, havendo uma aparência que merece protecção - oponibilidade a terceiro de acção de simulação registada, seja também quando é mais difícil de produzir para quem teria normalmente que suportar o ónus probatório (relevatio ab onere probandi).
Das presunções se ocupam os artigos 349.º a 351.º do Código Civil, sendo de considerar o que determina o n.º 2 do artigo 350.º: As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
Seguindo Vaz Serra, «Provas (direito probatório material)» in Boletim do Ministério da Justiça, n.ºs 110-112, p. 35, as presunções juris tantum constituem a regra, sendo as presunções juris et de jure a excepção. Na dúvida, a presunção legal é juris tantum, por não se dever considerar, salvo referência da lei, que se pretendeu impedir a produção de provas em contrário, impondo uma verdade formal em detrimento do real provado. No mesmo sentido, Mário de Brito, Código Civil Anotado, I, p. 466, e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 429.
Observando, contudo, o n.º 5 do art. 394.º do CT/2009, vejamos se podemos colher dúvidas sobre a natureza da presunção, caso em que, a existirem, deveríamos classificá-la como juris tantum, seguindo o critério enunciado.
Em primeiro lugar, devemos assinalar que, não se tratando de uma presunção juris et de jure, então a norma em causa não tem sentido ou, melhor, seria redundante, já que uma presunção de culpa juris tantum sempre resultaria, porque se trata de um caso de um caso de falta de cumprimento de obrigação, do disposto no art. 799.º n.º 1 do Código Civil (“[i]incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento (…) da obrigação não procede de culpa sua”). Por outro lado, tendo em conta esta última presunção, não haveria qualquer distinção entre as situações em que a mora se prolongasse por sessenta dias e aquelas em que se prolongasse por menos...
Em segundo lugar, o assinalado n.º 5 do art.º 394.º não se reporta apenas à situação de mora por 60 dias, mas também àquela em que o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo. Neste caso, têm de incluir-se as situações em que o empregador por quebra de tesouraria não pode, sem culpa, assegurar o pagamento pontual da retribuição. Ora, não teria sentido a lei estender a elas uma presunção de culpa ilidível, permitindo que o trabalhador declarasse a resolução do contrato para depois o empregador demonstrar a falta de culpa, negando ao trabalhador os efeitos indemnizatórios da resolução.
Por tudo isto, podemos afirmar que, não se nos suscitando dúvidas sobre na interpretação da norma, a presunção em causa deve qualificar-se como uma presunção juris et de jure.

Aqui chegados, verifiquemos se quando as autoras declararam a resolução do contrato de trabalho tinham já decorrido sessenta dias sobre o vencimento de remunerações.
Segundo se provou (factos 20. a 21.), as cartas declarando a resolução foram enviadas em 30.06.2009 e recebidas pela ré no dia 01.07.2009.
A autora A... invocou na carta a falta de pagamento do subsídio de férias relativo às férias gozadas em 2008, metade da retribuição do mês de Abril de 2009 e a totalidade da retribuição do mês de Maio de 2009.
A autora B... invocou na carta a falta de pagamento do subsídio de férias relativo às férias gozadas em 2008, metade da retribuição do mês de Abril de 2009 e a totalidade da retribuição do mês de Maio de 2009.
A autora C... invocou na carta a falta de pagamento do subsídio de férias relativo às férias gozadas em 2008, a totalidade da retribuição referente ao subsídio de Natal de 2008, metade da retribuição do mês de Abril de 2009 e a totalidade da retribuição do mês de Maio de 2009.
Provou-se que (facto 11.) em meados de Junho de 2009, a ré ainda não tinha pago às autoras as retribuições referentes ao subsídio de férias relativo às férias gozadas em 2008, a metade do mês de Abril de 2009, e à totalidade do mês de Maio de 2009. E que (facto 15.) em 30 de Junho de 2009, até cerca das 16H00, a ré continuava a dever às autoras a retribuição referente ao subsídio de férias de 2008, bem como metade da retribuição do mês de Abril e a totalidade do mês de Maio de 2009.
Significa isso que na data em que as autoras declararam a resolução do contrato (30.06.2009) já tinham decorridos mais de sessenta dias sobre o vencimento do subsídio de férias de 2008 e exactamente 60 dias sobre o vencimento do mês de Abril.
Não é, assim, exacto o que se diz na sentença quando se afirma que “a retribuição referente ao mês de Abril foi paga às autoras em duas parcelas, a última das quais em 30 de Junho de 2009, precisamente no 60º dia a contar da data do seu vencimento”. Na realidade, o desse pagamento era o 61º dia após o vencimento da obrigação (v. art.º 278.º n.ºs 1 e 4 do CT/2009).
A ré não contesta isto nas suas contra-alegações do recurso, mas afirma que tratando-se de uma declaração receptícia (as declarações de resolução), só recebeu a carta das autoras a 1-7-2009 e que, nessa data, o vencimento do mês de Abril já se encontrava pago, não estando já em mora.
Porém, a natureza receptícia das declarações de resolução não retira os fundamentos da resolução. Na data em que as autoras as fizeram, a mora existia por 60 dias em relação às retribuições assinaladas. Os fundamentos firmam-se independentemente da recepção da declaração. Esta apenas torna eficaz a declaração, não afectando a subsistência dos fundamentos, como nos parece evidente.
É certo, como se afirma na sentença recorrida que, em relação ao crédito retributivo referente ao subsídio de férias de 2008, encontrando-se este vencido há mais de 60 dias considerando a data da resolução do contrato, já tinha decorrido o prazo de caducidade para a resolução que se prevalecesse da presunção de culpa do n.º 5 do art. 394.º do CT/2009. Na verdade este CT veio estabelecer um prazo de 30 dias a partir do termo do período de 60 dias para o exercício do direito de resolução (artº 396.º, n.ºs 1 e 2 do CT).
O que significa que estando apurado apenas parte de uma retribuição em atraso (de Abril), presumidamente culposo, importa ponderar se ele é suficiente para se determinar a justa causa das resoluções.
É que a justa causa deve, em qualquer caso, ser apreciada (v. art. 394.º n.º 4) nos termos do n.º 3 do art. 351.º do CT/2009, isto é, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes.
Ora, para além do não recebimento da metade da retribuição do mês de Abril de 2009 (prejuízo material objectivo), sendo a retribuição fonte de rendimento das autoras (e o único do agregado familiar de uma delas, como se provou) não podemos deixar de considerar que, no quadro de dificuldades económicas que a empresa da ré atravessava, esse montante, por si só, não assume uma gravidade que nos pareça ser geradora de impossibilidade imediata de manutenção da relação de trabalho. Nada mais vem provado que mostre que essa falta de pagamento causou prejuízos excessivos às autoras que modifiquem essa apreciação.
De modo que, não bastando, quanto a nós, essa concreta falta de pagamento para verificar a justa causa, impõem-se analisar se, ainda assim, os demais incumprimentos da ré que fundamentaram as declarações de resolução podem conduzir a outra apreciação.
Estão em causa, em primeiro lugar, os subsídios de férias de 2008.
Afastado o prazo de caducidade que se reconduz à invocação da presunção de culpa (por força do disposto no n.º 2 do art. 395.º), entendemos que ele se não verifica já no caso de ela ser dispensada.
Na verdade, a redacção do n.º 1 do art. 395.º do CT/2009 é idêntica à do n.º 1 do artº 442º do CT/2003 que estipulava que a declaração de resolução deve ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos.
Mas como se considerou no Acórdão desta Relação (subscrito pela mesmo relator) de 14-12-2006 (www.dgsi.pt, proc. 125/06.9TTAVR.C1), num entendimento que não vemos razão para alterar, o que releva para a lei, não é o facto instantâneo do incumprimento, mas a situação continuada de incumprimento. Tratando-se de um facto continuado, se se mantiver a omissão de pagamento da retribuição, então o tal prazo de trinta dias sobre o conhecimento dos factos que a fundamentaram (a que se refere o nº 1 do artº 442º do Código do Trabalho) só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação do recurso à resolução (v. a este propósito Ac. Rel. Évora de 21-3-1995, in BMJ 445-641 e Pedro R. Martinez, Direito do Trabalho, 2.ª edição, pag. 986, a propósito do artigo 34° nº 2 do DL 64-A/89; e, ainda, Albino Mendes Batista, Estudos sobre o Código do Trabalho, 2ª ed., pags. 35 e 36).
Por isso, porque à data da declaração da resolução não tinha cessado o incumprimento, não se pode considerar caducado o direito de resolução em relação ao facto do não pagamento pontual dos subsídios de férias.
Chegados aqui podemos concluir que as autoras podiam utilizar como fundamento para as resoluções com justa causa também o não pagamento pontual daqueles subsídios, bem como da retribuição de Maio de 2009.
Neste sentido, importa verificar, contudo, se o incumprimento verificado foi culposo.
As autoras beneficiam da presunção de culpa (juris tantum) a que se refere o n.º 1 do art. 799.º do Código Civil.
Mas provou-se um largo quadro de dificuldades da ré que, a nosso ver, afastam quer o dolo, quer a negligência.
Provou-se que a ré tem, ao longo dos sucessivos anos, vindo a acumular prejuízos, sendo que no ano de 2008, a sua actividade gerou um prejuízo na ordem dos € 190.000,00 e teve prejuízos acumulados superiores a € 400.000,00, bem como, no 1º semestre do ano de 2009, o resultado do exercício da sua actividade, foi negativo, atingindo o valor de € 9.672,03. Dedicando-se à confecção de toalhas, guardanapos, naperons e outras utilidades domésticas, viu a sua actividade reduzida por força da introdução no mercado português de produtos semelhantes provenientes do mercado chinês cujos custos de produção são mais baixos. Tem necessidade de regularizar as dívidas fiscais e à segurança acumuladas e cujo valor global ascende a cerca de 50.000,00, tendo celebrado com a administração fiscal e com a segurança social acordos de pagamento prestacionais a fim de evitar a venda judicial do seu património porquanto o mesmo foi objecto de penhora. Não tem tido encomendas de clientes para executar, sendo que, as que têm tido pouca margem de lucro têm deixado.
Um quadro de dificuldades graves, portanto, sendo que ao provar-se, também, que os salários dos trabalhadores a partir dos meses de Novembro de 2008 foram pagos com dinheiros pessoais da sócia E..., mostra que as dificuldades de tesouraria são elevadas, não libertando a empresa fundos suficientes para suportar regularmente as remunerações.
As autoras acentuam, contudo, que a circunstância de estar provado que a ré lhes propôs a resolução do contrato de trabalho por falta não culposa de pagamento não pontual da retribuição, declarando que se o fizessem, lhes pagaria quer o subsídio de férias de 2008 e as retribuições de Abril e Maio que se encontravam em atraso, quer a retribuição de Junho, as férias e subsídio de férias vencidos em 1 de Janeiro de 2009 e os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal referentes ao trabalho prestado em 2009, mostra que afinal dispunha de fundos para efectuar os pagamentos pontuais.
Todavia, não vemos que essa promessa revele que os pagamentos prometidos fossem imediatos, nem que fosse a própria ré a fazê-los (e não a sócia que vinha assegurando do seu bolso os pagamentos).
Por isso, não podemos considerar existir uma actuação culposa da ré, estando ilidida a presunção de culpa do n.º 1 do art. 799.º do Código Civil.
Daí que consideremos que não existiu fundamento para resolução com justa causa fundada na falta culposa do não pagamento da retribuição e, por isso, não têm as autora direito à indemnização prevista no art. 396.º do CT/2009, tendo a acção de improceder.

Contudo, o n.º 3, al. c), do art. 394.º permite também a resolução do contrato de trabalho com justa causa em caso de falta não culposa do pagamento pontual da retribuição.
Com este fundamento, se associados todos os incumprimentos invocados e verificados, já entendemos que assiste às autoras o direito de resolução.
Na verdade, os factos revelam uma situação crónica de remunerações em atraso. Desde o subsídio de férias de 2008 até à remuneração de Maio de 2009.
Independentemente da culpa do empregador, um trabalhador não pode estar sujeito de forma persistente ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. Tratam-se de créditos que têm a natureza, por regra, de créditos alimentares e a persistência no incumprimento é, em abstracto, apta a causar danos à segurança da sua subsistência e a uma vida digna.
Essa persistência assume gravidade suficiente para justificar a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho.
Por isso, as autoras tinham direito à resolução dos contratos com justa causa, ao abrigo do n.º 3, al. c), do art. 394.º do CT/2009.
E daí que sendo, afinal, a resolução lícita não tinham que indemnizar a ré no âmbito do disposto no art. 399.º do mesmo CT, tendo que improceder os pedidos reconvencionais formulados pela ré, ao contrário do que se decidiu na 1ª instância.
Procede, assim, nesta parte a apelação.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera julgar apenas parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença na parte em que condenou as autoras a pagarem à ré as quantias referentes a indemnização, absolvendo-as na totalidade dos pedidos reconvencionais, mantendo no mais a sentença, embora com diferentes fundamentos.
A ré suportará as custas das acções referentes às reconvenções.
Custas no recurso pelas partes, na proporção do decaimento.
*
Luís Azevedo Mendes (Relator)
Felizardo Paiva
José Eusébio Almeida