Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
554/06.8TBAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
RECONVENÇÃO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANADIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1311º E 1353º DO CÓD. CIVIL
Sumário: 1. A acção de demarcação tem como pressuposto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende; No entanto, a finalidade específica da acção não é o reconhecimento desse direito, mas fazer funcionar o direito que o proprietário tem de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios (1353º, do Cód. Civil).

2. Deduzido pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre um prédio, com uma determinada área, e a condenação dos réus na entrega aos autores da área ocupada e que estes invocam pertencer-lhe, estamos perante uma típica acção de reivindicação, tal como ela é configurada no art. 1311º do Cód. Civil.

3. Nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão deduzida com vista à demarcação, o que acontece quando o demandante peticiona ainda a condenação dos réus a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios”.

Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

A... e Lebre e mulher B... , instauraram a presente acção declarativa de condenação, com forma de processo sumário, contra C... e seus filhos D... , E... e F... e respectivos cônjuges, demandados enquanto representantes da herança aberta por óbito de G... (na sequência de despacho de aperfeiçoamento proferido), pedindo a sua condenação:

a) a reconhecer que os autores são legítimos possuidores e proprietários do prédio identificado como nº 2 na Escritura de Divisão de Coisa Comum de 18.06.1990 (junta como doc. nº2 à petição inicial) e que deu origem ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 000933/270490.

b) a reconhecer que tal prédio tem a área de 23.145 m2;

c) a “abrirem mão da área de cinco mil quarenta e um metros quadrados do seu prédio a que corresponde o nº 1 da escritura de divisão de coisa comum supra referida e a entregarem –na ao Autor”;

d) a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios com a estrema resultante das áreas constantes da escritura de divisão de coisa comum”.

Para fundamentarem a sua pretensão invocam, em síntese, que:

Por escritura de partilhas efectuada em 06 de Novembro de 1969, foi atribuída a G...e H... , em comum e partes iguais, o prédio nº 8, com a área de 57.495 m2, inscrito na matriz sob o artigo 2740, prédio que aqueles adquiriram por usucapião;

Em 12 de Outubro de 1982 foi celebrada escritura de divisão de coisa comum, sendo que da divisão resultaram dois prédios rústicos novos, distintos e independentes: o prédio identificado com o nº1, com a área de 34.350 m2, adjudicado a G...e o prédio identificado com o nº 2, com a área de 23.145 m2, adjudicado a H...; em simultâneo, a essa escritura foi junta uma planta topográfica onde foi assinalada a linha divisória entre os dois prédios e foi feita a demarcação entre si, por marcos colocados na sua estrema comum e também devidamente assinalados na planta topográfica;    

Os autores receberam aquele prédio identificado com o nº 2, por escritura de permuta outorgada em 28 de Junho de 1990, prédio que está registado definitivamente na C.R.Predial a favor dos autores;

Acontece que após a outorga da escritura de divisão verificou-se ter havido erro na elaboração da planta topográfica, bem como na marcação da linha divisória, porquanto, considerando essa linha, o prédio nº 2 tem apenas a área de 18.104 m2;

Detectada essa diferença pelo G...e dado conhecimento ao outro interveniente, seu irmão, imediatamente este reconheceu a necessidade de se proceder a nova demarcação, em respeito pelas áreas da escritura, o que no entanto nunca foi feito por afazeres do dia a dia dos intervenientes;

Aliás, os dois prédios estiveram, desde a escritura de divisão até à presente data, em total estado de abandono e nenhum dos proprietários exerceu sobre eles qualquer acto de posse, nomeadamente considerando a linha de estrema fixada aquando da escritura;

Em 5 de Novembro de 2000 o G... faleceu e, posteriormente à sua morte, depois de interpelados para esse efeito, os herdeiros recusam-se a proceder a nova demarcação dos prédios;

Os réus contestaram alegando que a acção foi intentada contra estes em nome próprio e não em nome da herança líquida e indivisa à qual pertence o prédio. Mais alegam a ilegitimidade das esposas dos 2º, 3º e 4º réus.

Por impugnação, invocam, em síntese, que:

As áreas matriciais dos prédios raramente coincidem com as áreas reais dos mesmos o que sucede também no caso dos autos;

A planta topográfica junta com a escritura de divisão do prédio mãe define as estremas entre os dois prédios os quais não ficaram, por acordo entre os irmãos, com áreas iguais.

Não ocorreu qualquer erro na marcação da linha divisória entre os prédios;

O que aconteceu foi que, depois da escritura de divisão, ambos os prédios foram rasgados por uma estrada Municipal, que diminuiu substancialmente as áreas dos dois prédios, factos que os autores dolosamente omitem;

Também o prédio dos réus, inicialmente com a área de 34.350 m2, tem actualmente registados apenas 29.817 m2; 

Pelo menos o prédio dos réus não esteve ao abandono; os réus, por si e ante-proprietários, sempre o cultivaram, inicialmente cultivando vinha e, mais tarde, depois desta ser arrancada, sempre foram os réus que roçaram o mato e cuidaram para que o prédio se mantivesse limpo, autorizando ainda a sua utilização como estacionamento nomeadamente aquando da realização da “feira do vinho”;

Terminam pedindo a condenação dos autores, como litigantes de má-fé, em indemnização não inferior a € 5.000.

Os autores apresentaram resposta às excepções.

Foi elaborado o despacho saneador, com absolvição da instância das esposas dos 2º, 3º e 4º réus.

Procedeu-se à selecção da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória, sem reclamações.

Realizou-se o julgamento e respondeu-se aos quesitos, sem reclamações.

Proferiu-se sentença, que concluiu da seguinte forma:

“Nesta conformidade e sem necessidade de maiores considerações o Tribunal julga a acção totalmente improcedente por não provada e em consequentemente absolve o Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de G...e representada pelos 1º, 2º, 3º e 4º Réus dos pedidos formulados pelos Autores.

Mais absolve os Autores do pedido de condenação formulado ao abrigo do disposto no artigo 456º do Código de Processo Civil.

Custas pelos Autores que deram causa à acção – art. 446º nº1 do Código de Processo Civil.

Notifique e Registe”.

Não se conformando, os autores recorreram, peticionando a revogação da sentença e que a acção seja julgada parcialmente procedente. Formulam, em síntese, as seguintes conclusões:

“1. Uma análise criteriosa da prova produzida: relatório pericial e esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência, bem como do depoimento das testemunhas impõe alteração das respostas aos quesitos 2º e 3º. (…) 

11. Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultou claramente provado que: I. O prédio mãe tinha e tem a área de 56.463 m2 (resposta ao quesito 1º); II. Que o prédio dos AA., resultante da divisão, o definido em Q), tem a área de 19 751 m2; III. Que o prédio da R., resultante da divisão, o definido em S), tem a área de 36 712 m2.

12. Assim sendo, verificam-se os pressupostos para a procedência parcial da acção de reivindicação, ou seja, deve ser reconhecida aos AA. que o seu prédio tem a área de 22 698 m2, correspondente à permilagem da área do prédio dos AA. na área total do prédio mãe donde este proveio, depois de corrigida pelos peritos.     

13. Área essa é detidos pelo R. sem qualquer título que a legitime, impendendo sobre eles a obrigação de restituição.

14. Quanto ao pedido de demarcação deve igualmente ser julgado procedente, pois o direito de demarcação é imprescritível, por força do disposto no art. 1355º do C.C., apenas sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.

15. Por força da procedência da reivindicação as áreas das estremas são necessariamente alteradas, uma vez que uma coisa é consequência da outra, devendo o apuramento dos pontos da estrema ser relegada para execução de sentença.

15. Mostram violadas as normas dos artigos 1311º, 1313º, 1316º e 1317º e o 1355º do C.C.”(sic).

A recorrida apresentou contra alegações, alegando, em síntese, que:

“(…) 4º O que constatamos (no caso dos autos) é que os ora recorrentes peticionaram a condenação dos recorridos a “abrir mão” da área de 5041 m2, mas em parte alguma alegaram qualquer ocupação abusiva do seu prédio pelos recorridos.

5º Tal razão é imprescindível à reivindicação da propriedade!

6º À presente acção, perspectivada como uma acção de reivindicação, faltou causa de pedir.

7º Também (a causa de pedir) na acção de demarcação, impunha aos AA a alegação de factos concretos em ordem a identificar o traçado da linha divisória.

8º Mais uma vez em nenhuma fase do processo os ora recorrentes indicaram qualquer traçado da tal linha divisória, referindo apenas que os RR deveriam ser condenados a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios”.

9º O pedido na demarcação tem forçosamente de ser específico, referindo por obde deve passar a linha, até para permitir que se possa por exemplo indicar alternativa.

10º O que também não aconteceu”.        

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.       

 
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A 1ª instância deu por provada a seguinte factualidade, aditando esta Relação a respectiva proveniência:

A) Por escritura lavrada em 6 de Novembro de 1969, no Cartório Notarial de Anadia, foi outorgada escritura de partilha por óbito de I... , tendo sido atribuído a G...e H..., em comum e partes iguais, o prédio n.º 8, composto por terreno de cultura, vinha e oliveiras, com abegoaria, adega e poço, denominado Quinta da Abadia, limite oito, confinando do norte com estrada do Crasto, sul com a vivenda de X...., nascente com quintais de vários e poente com Y...., descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 74.418 e inscrito na matriz sob o artigo 2740º (cfr. doc. de fls. 11 a 27).

B) Durante mais de 20 anos G...e H... cultivaram e semearam o terreno descrito em A), colhendo os frutos, cortando silvas e arbustos, fazendo obras nos muros e telhados, pagando as respectivas taxas e contribuições.

C) E sempre o fizeram à vista de toda a gente.

D) Sem oposição de quem quer que fosse.

E) Agindo como se o terreno lhes pertencesse.

F) Por escritura pública celebrada em 12 de Outubro de 1982, G...e mulher, C..., e H... e mulher, J... acordaram proceder à divisão do terreno identificado em A), em dois novos terrenos (cfr. doc. de fls. 29 a 33).

G) Sob a designação “número um” os outorgantes identificaram, na escritura referida em F), um terreno de semeadura e vinha, com a área de 34.350 m2, sito em Anadia, que confronta a norte com Ana Parreira, a nascente com H..., a sul com Z.... e a poente com Y... e outros (cfr. doc. de fls. 29 a 33).

H) E, sob a designação “número dois”, identificaram um terreno de semeadura e vinha com oliveiras, sito em Anadia, com a área de 23.145 m2, que confronta de norte com estrada Monte Crasto, de nascente com quintais de várias residências, de sul com logradouro do próprio e de poente com G...(terreno “número um”) - (cfr. doc. de fls. 29 a 33).

I) Os outorgantes identificados em F) acordaram ainda em adjudicar o terreno “número um” a G...e mulher, C... e o terreno “número dois” a H... e mulher, J(cfr. doc. de fls. 29 a 33).

J) Ao celebrar a escritura referida em F), todos os outorgantes declararam que os terrenos resultantes da divisão se encontram devidamente demarcados entre si por meio de marcos já colocados na sua estrema comum e identificados numa planta topográfica (cfr. doc. de fls. 29 a 33).

L) Pela divisão do terreno identificado em A), os outorgantes G...e mulher declararam na escritura pública referida em F) ter pago tornas aos outorgantes H... e mulher e estes declararam tê-las recebido (cfr. doc. de fls. 29 a 33).

M) Com a escritura referida em F) os outorgantes anexaram uma planta topográfica dos dois terrenos, onde foi assinalada uma linha divisória entre o terreno “número um” e o terreno “número dois” (cfr. doc. de fls. 44).

N) Por escritura pública celebrada em 28 de Junho de 1990 entre os Autores e H... e mulher, acordaram: aqueles ceder a estes duas fracções autónomas designadas pelas letras “F” e “I”, correspondentes, respectivamente, ao 1º andar esquerdo sul e ao 2º andar esquerdo sul, destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização Encosta do Sol, freguesia de Arcos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 976/270490 e omisso na respectiva matriz; e estes, àqueles, um terreno destinado a construção urbana, o qual constitui a totalidade do seu terreno, constituído por um terreno de semeadura com vinha e oliveiras, com a área de 23.145 m2, sito na vila de Anadia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 933/270490 e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo 2866º (cfr. doc. de fls. 34 a 38).

O) G...faleceu no dia 5 de Novembro de 2000, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e segundo o regime de separação de bens com C... (cfr. doc. junto aos autos a fls. 107 a 110).

P) D..., E... e F...são filhos do falecido G...(cfr. doc. junto aos autos a fls. 107 a 110).

Q) Em 19.03.2003 foi inscrito a favor dos AA. o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 933/270490 e inscrito na matriz sob o artigo 2866º, no qual consta o averbamento 01 - AP. 12/19.03.2003, com a seguinte menção: “área 18.104 m2 – norte, W... e estrada; sul, H..., K....; nascente, XXX.... e outros; poente, Herd. de G...” (cfr. doc. de fls. 39 a 41).

R) Em 28.03.2003, foi averbado ao prédio referido em Q) a inscrição “Prédio urbano – Monte Crasto – Anadia – terreno destino a construção urbana”, com a área de 18.104 m2, inscrito na matriz com o artigo 2036º (cfr. doc. de fls. 39 a 41).

S) Em 02.05.1995, foi inscrito a favor de G...e mulher, C..., por divisão de coisa comum com H... e mulher, o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o n.º 01791/020595 e inscrito na matriz sob o artigo 2865º, sito na “W...., Anadia, composto de terreno de semeadura e vinha – com a área de 34.350 m2 – norte, WW...; sul, W...; nascente, H...; poente, Y... e outros” (cfr. doc. de fls. 87 e 88).

T) Em 14.04.1005, foi averbado ao prédio identificado em S) a seguinte inscrição: “actualmente, devido ao corte de estradas – prédio rústico – A) terra de semeadura e vinha, com 22.122 m2”, inscrita na matriz sob o artigo 3059º; “B) terra de semeadura e vinha com 3779 m2”, inscrita na matriz sob o artigo 3055º; “C) terra de semeadura e vinha com 3.916 m2, inscrita na matriz sob o artigo 3056º, que confronta a norte com XXX..., a sul com Y..., a nascente com H... e a poente comY... e outros; e “desanexado o n.º 2981/2005-04-14, com 3779 m2, correspondente ao artigo 3055º”.

U) O terreno descrito em A) tinha a área global de 56.463 m2 (resposta ao quesito 1º).

V) Considerando a linha divisória assinalada na planta topográfica referida em M), o prédio identificado na alínea Q) tem a área de 19.751m2 (resposta aos quesitos 4º e 5º).

X) Após 1982 pelo menos parte do terreno “número dois” não foi cultivado (resposta ao quesito 6º).

Z) Após a celebração da escritura referida em F) os prédios identificados em Q) e S) foram rasgados por uma estrada municipal (resposta ao quesito 7º).

AA) Em finais do ano de 2002, inícios do ano de 2003, o A. marido contactou os RR. solicitando-lhes o seu consentimento para a rectificação da área do seu terreno (resposta ao quesito 8º).

BB) G..., e posteriormente os RR., sempre cultivaram pelo menos parte da área do prédio identificado em S) (resposta ao quesito 10º).

CC) Cultivando vinha, donde extraíam as uvas e produzindo vinho na adega aí existente, até ao arranque da vinha (resposta ao quesito 11º).

DD) Após o arranque da vinha e a abertura da via, os RR. roçaram mato, cuidaram e limparam do prédio a que alude a alínea S) (resposta ao quesito 12º).

EE) À vista de toda a gente (resposta ao quesito 13º).

FF) Sem oposição de quem quer que fosse (resposta ao quesito 14º).

GG) Agindo como se o terreno lhes pertencesse (resposta ao quesito 15º).

 

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do C.P.C.– salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664 do mesmo diploma.

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, assentamos que, no caso dos autos, está em causa apreciar, fundamentalmente:

- do erro no julgamento da matéria de facto; 

- da cumulação do pedido de reivindicação com o pedido de demarcação.

2. Está em causa apreciar a resposta do tribunal de 1ª instância aos quesitos 2º e 3º da base instrutória, sustentando os autores apelantes que o relatório pericial e os esclarecimentos apresentados em audiência de julgamento pelos Srs. peritos M... e N... , justificariam decisão diferente, isto é, que se respondesse positivamente a tais quesitos e não negativamente, como aconteceu, sendo que se procedeu à gravação da prova produzida em audiência de julgamento.

Os quesitos em causa têm a seguinte redacção:

Quesito 2º:

Na elaboração da planta topográfica referida em M) e anexa à escritura pública referida em F) a marcação da linha divisória dos prédios identificados em Q) e S) foi assinalada sem atender à área real dos mesmos? 

Quesito 3º:

Esse erro foi reproduzido na colocação dos marcos no solo?

                                             *

A decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nos casos especificados no art. 712º do C.P.C., a saber:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por outro lado, dispõe o art. 690º-A do mesmo diploma:

 “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”.

Vejamos, então, em que termos se deve processar a reapreciação da prova produzida.

Na sequência do alargamento dos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto, por parte da Relação, tem a jurisprudência convergido em determinados parâmetros de intervenção.

Desde logo, e fazendo apelo ao preâmbulo do Dec. Lei 39/95 de 15 de Fevereiro, [ [1]  ] o recurso não pode visar a obtenção de um segundo julgamento sobre a matéria de facto, mas tão só obviar a erros ou incorrecções eventualmente cometidas pelo julgador.

Depois, não pode o tribunal da Relação pôr em causa regras basilares do nosso sistema jurídico, o princípio da livre apreciação da prova – arts. 396º do C.C. e 655º, nº1 – e o princípio da imediação, sendo inequívoco que o tribunal de 1ª instância encontra-se em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência. O registo da prova, pelo menos nos moldes em que é processado actualmente nos nossos tribunais – mero registo fonográfico –, “não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e dos quais é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”. [ [2]  ]

O que não obsta, necessariamente, à apreciação crítica da fundamentação da decisão de 1.ª instância, não bastando uma argumentação alicerçada em mero poder de autoridade.

                                             *                     

Vejamos, então, o que dizem os Srs. peritos.

Em primeiro lugar, explicitam o critério utilizado, começando o relatório com a seguinte “introdução”:

“Os peritos tomaram como base as cópias parciais da planta topográfica anexa ao processo, referidas em M) da pág. 145. Socorreram-se ainda de um levantamento topográfico do local em causa, que já tinha sido efectuado anteriormente, para outros fins. Utilizaram também um ortofotomapa, obtido através de fotografia aérea, dita zenital, para melhor identificarem os pontos singulares que compõem o polígono delimitativo do prédio em análise. Após ajustarem a imagem da planta topográfica à escala 1:1000, utilizaram a técnica da sobreposição do contorno da poligonal da planta ao levantamento topográfico e posteriormente ao ortofotomapa, de modo a poderem efectuar as respectivas medições. Junto anexam-se os referidos documentos.

Confrontando as linhas poligonais da planta topográfica e do levantamento topográfico estas aparentam grande semelhança, não tendo subjacente erros que possam conduzir a diferenças significativas.

Tomando como base de trabalho o contorno do prédio definido pela planta topográfica anexa ao processo, reproduzido no ortofotomapa e dada a dificuldade de reconhecimento de pontos singulares que possam caracterizar as estremas, os peritos respondem aos quesitos apresentados: (…)”

Depois, respondem, concretamente, aos quesitos aludidos da seguinte forma:

Quesito 2º: “Resposta: Desconhecemos se foi. No entanto as áreas dos prédios delimitados pela linha divisória e demais limites do prédio de origem são de:

Prédio Q) 19 751 m2

Prédio S) 36 712 m2”

Quesito 3º: “Resposta: Os peritos apenas conseguiram identificar um marco, que se encontra assinalado no ortofotomapa anexo”. (sublinhado nosso)

Parece-nos cristalino que a posição dos peritos, assim manifestada no relatório, nunca suportaria resposta positiva aos quesitos. O único elemento que se retira do relatório pericial é que a planta topográfica aludida permite visualizar os prédios em causa e, nos moldes em que aí estão definidos/identificados, estes têm as áreas indicadas pelos peritos.

É certo que essas áreas não correspondem às áreas que os outorgantes da escritura de divisão de coisa comum declaram que os prédios teriam após a divisão.

Efectivamente, na escritura celebrada em 12/10/1982 os outorgantes declaram que, “não convindo aos comproprietários referidos, manterem-se na indivisão do mencionado prédio, pela presente escritura, o dividem em dois novos, distintos e independentes prédios rústicos seguintes:

Número Um – Prédio  rústico composto de terreno de semeadura e vinha, com a área de trinta e quatro mil trezentos e cinquenta metros quadrados (…)” – os peritos aludem à área de 36 712 m2 –, e “Número dois – Prédio rústico composto de terreno de semeadura e vinha com oliveiras, sito em Anadia, com a área de vinte e três mil cento e quarenta e cinco metros quadrados, (…) – os peritos referem a área de 19 715 m2.

Consta ainda dessa escritura que “os referidos prédios resultantes da divisão se encontram devidamente demarcados entre si por meio de marcos já colocados na sua estrema comum e também identificados numa planta topográfica que me apresentaram e arquivo” (cfr. alínea J) dos factos assentes).

Ou seja, há uma desconformidade entre as áreas indicadas pelos outorgantes na escritura e as áreas que estão representadas na referida planta topográfica.

No entanto, nos quesitos em causa não se indaga sobre a área concreta e real dos prédios (ressalvados desvios não significativos, que são usuais quando estão em causa medições, feitas em épocas diferentes, e com meios porventura distintos), matéria que foi consignada nos quesitos 1º, 4º e 5º, cuja resposta não foi impugnada por nenhuma das partes.

O que se pergunta nos quesitos 2º e 3º é se ocorreu uma situação de erro na elaboração da planta topográfica, erro que também se reflectiu aquando da colocação de marcos – nos arts. 17º e 18º da petição inicial os autores invocam, respectivamente, que “após a outorga da escritura de divisão de coisa comum verificou-se ter havido um erro na elaboração da planta topográfica, bem como na marcação nesta da linha divisória” e ainda que “erro que foi reproduzido na colocação dos marcos” –, o que, obviamente, não configura factualidade susceptível de ser confirmada (ou infirmada), sem mais, pelos Srs. peritos, que não estiveram presentes aquando da elaboração da referida planta, nem aquando da colocação de marcos, nem quando a escritura de divisão foi outorgada, não conhecendo sequer as partes.

A factualidade que, no âmbito da perícia e tendo em conta os especiais conhecimentos técnicos dos peritos, podia ser apreciada pelos mesmos, resumia-se, inevitavelmente, à actividade realizada: medição das áreas dos terrenos, representadas na planta topográfica respectiva.

Acrescente-se que, ouvidos os depoimentos de dois dos peritos, prestados em audiência de julgamento – Eng. M... e Eng. N... –, conclui-se com linearidade que estes nada mais adiantaram a este propósito, não relevando nesta sede os esclarecimentos prestados. Aliás, os recorrentes não aludem, especificamente, a esses depoimentos, concretizando quais as declarações pertinentes. Por outro lado, não pode deixar de notar-se que, relativamente ao depoimento prestado pelo Eng. M..., há uma parte do depoimento que não é inteiramente perceptível porquanto, pese embora o depoimento tenha sido objecto de gravação, foi-o de forma deficiente, acrescendo a constante sobreposição de vozes, o que dificulta ainda mais a percepção do discurso, questão que nenhuma das partes suscitou, em tempo devido, e que deve ter-se por sanada, salientando-se que os elementos constantes do processo não permitem concluir pela essencialidade dessa específica parte do depoimento.

Em suma, partindo do relatório pericial, a necessidade de outros elementos de prova que suportem a pretendida resposta positiva aos quesitos 2º e 3º surge-nos como uma evidência. Ora, o ponto é que não se percepcionam esses elementos, nem na prova documental constante do processo – a que os recorrentes não aludem –, nem na prova testemunhal.

Relativamente à prova testemunhal, os recorrentes não mencionam qualquer testemunha cujo depoimento releve para a resposta positiva aos quesitos aludidos.

Os recorrentes alegam que uma “análise criteriosa da prova produzida: relatório pericial e esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência de discussão e julgamento, bem como o depoimento das testemunhas impõem a alteração das respostas aos quesitos 2º e 3º” mas, depois, não concretizam um único depoimento, de uma qualquer testemunha, que seja susceptível de corroborar a sua versão dos acontecimentos, levada à base instrutória, nos quesitos ora em discussão.

Em bom rigor, aliás, os recorrentes limitaram-se, nas alegações, a identificar as testemunhas que os autores arrolaram para responderem, entre outros, aos quesitos 2º e 3º – o que, obviamente, é irrelevante porquanto o facto de se indicar que o depoimento de certa testemunha versa sobre determinada matéria não significa que a testemunha tenha, efectivamente, conhecimento dos factos em causa – e, depois, a criticarem o facto da Sra. juiz ter tido em consideração, em especial – expressão utilizada no despacho de fundamentação – o depoimento de duas testemunhas, arroladas pelos réus, a saber, a testemunha O... e a testemunha P....

Quanto a estas testemunhas – que foram arroladas pela ré com vista à resposta aos quesitos 2º e 10º a 15º e 2º e 9º a 15º, respectivamente –, os recorrentes consideram que o “primeiro, fez um depoimento errático, contraditório, impreciso, revelador de uma acentuada perda de memória”, o que se aplica “mutatis mutandis”, dizem, à segunda testemunha.    

No entanto, os recorrentes olvidam em absoluto o que a Sra. juiz escreveu no despacho de fundamentação, exactamente a propósito da resposta negativa aos quesitos:

“No que concerne aos factos não provados estes resultaram quer da ausência de prova concludente quer de prova de factos diversos.

Com efeito, e sobretudo no que respeita ao teor dos artigos 1º a 5º, à excepção dos elementos constantes da perícia elaborada nos autos, nenhuma das testemunhas sabia qual a área efectiva ou real dos prédios “Q” e “S”, nem pôde esclarecer o tribunal, de forma segura, sobre o alegado nos arts. 1º, 2º e 3º a 5º. Acresce que, de igual forma não foi produzida prova concludente sobre a existência do alegado “erro” que teria sido reproduzido na colocação dos marcos”.  

Os recorrentes não criticam minimamente a análise feita, nem apontam a esta Relação, concretamente, elementos que justifiquem um juízo valorativo diferente do que foi produzido pela 1ª instância, identificando as testemunhas cujo depoimento suportaria, no seu entender, a resposta positiva aos quesitos 1º e 2º e porquê – nessa parte, portanto, parece-nos que não foi dado cumprimento ao disposto no art. 690º A, nº1, alínea b) do C.P.C..

No contexto do despacho de fundamentação proferido pela 1ª instância, que respondeu afirmativamente a inúmeros quesitos que consubstanciam factualidade invocada pelos réus, sendo que não foi impugnada essa resposta, não é, pois, relevante, a crítica feita e com referência às testemunhas O... e P... : mesmo que se chegasse à conclusão que o depoimento dessas testemunhas não podia ser relevado, ainda assim não se vislumbra em que medida isso poderia motivar a resposta afirmativa aos quesitos 2º e 3º.

Em conclusão, com os elementos existentes nos autos, não é possível responder afirmativamente aos quesitos 2º e 3º, como os recorrentes pretendem, nada havendo que apontar à ponderação feita na 1ª instância, relativamente aos termos em que apreciou os vários elementos probatórios.

Improcedem, pois, as conclusões de recurso.

3. Os recorrentes insurgem-se, ainda, contra a caracterização da acção feita na sentença recorrida.

Refere-se na decisão o seguinte:

“Com efeito, pese embora a formulação do peticionado no ponto “4” da douta petição inicial, cremos que a presente acção, em face dos demais pedidos e da causa de pedir se configura, antes de mais, como uma acção de reivindicação.
Com efeito, os Autores pretendem o reconhecimento judicial do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em sita em Anadia, com a área de 23.145 m2, que confronta” …de norte com estrada Monte Crasto, de nascente com quintais de várias residências, de sul com logradouro do próprio e de poente com G...” existe efectivamente na esfera jurídica destes (segmento de simples apreciação). Mais pretendem a condenação dos Réus no reconhecimento de tal facto com a consequente entrega de uma área de 5.041 m2 que os Autores alegam ser retida indevidamente pelos RR em violação do direito de propriedade dos Autores (segmento de condenação, caracterizador da espécie da acção segundo o artigo 4.º, n.º 2, alínea b) do Código Processo Civil).

Concordamos com esta argumentação, considerando que a Sra. juiz perspectiva a acção, em primeira linha, como uma acção de reivindicação, mas não exclui que consubstancie, ainda, uma acção de demarcação atento o pedido formulado em último lugar.

Na acção de reivindicação – acção de condenação, nos termos do art. 4º, nº2, al) b –, a pretensão real é a da entrega da coisa e, se bem que a actividade jurisdicional também se possa dirigir à apreciação da existência do direito, essa apreciação é, essencialmente, pressuposto do conhecimento da pretensão material formulada e que se prende com aquela entrega (art. 1311º, nº1 do C.Civil). [ [3]  ]

“Como já deixámos antever, reúnem-se nas acções de condenação dois juízos: um de apreciação – implícito – e outro de condenação – explícito. O tribunal não pode condenar o eventual infractor sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante. Simplesmente as duas operações – apreciação e condenação – não gozam de independência”.[ [4]]

Ou seja, “a vertente condenatória parece prevalecer sobre a declaratória”. [ [5]  ]

Daí a dificuldade na delimitação entre a acção reivindicação e a acção de demarcação nos casos em que estamos perante a actio finium regundorum, ou seja, uma acção que tem por finalidade a fixação/determinação das estremas dos prédios confinantes, quando haja dúvidas acerca dos limites de cada um – e por confronto com a acção de demarcação destinada apenas à colocação de marcos nas estremas. [  [6] ]

Neste tipo de acções a causa de pedir é complexa – a existência de prédios confinantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas –, pressupondo-se o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende. Mas a finalidade específica da acção não é o reconhecimento desse direito de propriedade, mas fazer funcionar o direito do proprietário de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio – 1353º, do Cód. Civil.

No caso em apreço, a demarcação entre o prédio dos autores e da ré está perfeitamente definida e não oferece qualquer dúvida. O que acontece é que os autores reivindicam área superior à que se contém dentro dos limites demarcados desse seu prédio e essa pretensão é aquela que é determinante na acção: só assim se compreende que os autores deduzam os pedidos supra enunciados nas alíneas a) a c), típicos da acção de reivindicação.

O pedido de demarcação surge em segunda linha e na sequência do primeiro, sendo de salientar que, como a recorrida refere nas suas alegações de recurso, os autores nem sequer invocaram os factos pertinentes à fixação da linha divisória, não indicando qualquer traçado de demarcação.

Conclui-se, pois, que a acção configura uma acção de reivindicação, conjugando-se ainda pedido com vista à demarcação.

Em todo o caso, parece-nos que, no contexto da factualidade assente, a discussão é espúria.

Efectivamente, mantendo-se a resposta aos quesitos e, portanto, inalterada a factualidade apurada na sequência da audiência de julgamento, mais não restaria senão concluir pela improcedência da acção, porquanto não constam da factualidade assente factos que permitam concluir que os autores adquiriram a propriedade do prédio com a área de 23 145 m2 (ou com a área de 19 751 m2), considerando as formas de aquisição do direito de propriedade a que alude o art. 1316º do Cód. Civil: nem a aquisição originária, por usucapião, nem o trato sucessivo por referência à aquisição derivada. 

Não pode deixar de notar-se que os autores beneficiam da presunção de que são proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00933, atenta a factualidade assente (alíneas Q e R) e o disposto no art. 7º do Cód. do Registo Predial.

No entanto, e como vem sendo entendido quase com uniformidade, cremos, pela jurisprudência, essa presunção não abrange os factores descritivos do prédio (as áreas, limites ou confrontações), cujo ónus de alegação e prova impende sobre o proprietário que pretende exercer o direito à demarcação. [ [7] ]

As inscrições matriciais também não são garantia suficiente das áreas e delimitações inscritas (para efeitos fiscais), desde logo porque resultam de declarações feitas pelos próprios interessados.

Aliás, no caso dos autos, constando inicialmente do registo que o prédio tinha uma área de 23.145 m2, foi depois inscrito novo averbamento, em 19/03/2003, referido, exactamente, que a área do prédio passou para 18.104 m2, constando também outro averbamento, de 28/03/2003, referindo que o prédio é urbano.  

Por último, salienta-se que os autores não reconduziram a situação de erro que invocam na petição inicial a qualquer das hipóteses de vício do negócio jurídico previstas nos arts. 240º e seguintes do Cód. Civil, maxime a situação de erro na declaração (art. 247º) ou erro sobre o objecto do negócio (art. 251º), não situando a invocada desconformidade entre as áreas do terreno declaradas pelos outorgantes na escritura e as áreas efectivas dos prédios, tendo em conta a planta topográfica, a esse nível.

Improcedem, pois, as conclusões dos autores recorrentes.

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Conclusões:

1. A acção de demarcação tem como pressuposto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende; No entanto, a finalidade específica da acção não é o reconhecimento desse direito, mas fazer funcionar o direito que o proprietário tem de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios (1353º, do Cód. Civil).

2. Deduzido pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre um prédio, com uma determinada área, e a condenação dos réus na entrega aos autores da área ocupada e que estes invocam pertencer-lhe, estamos perante uma típica acção de reivindicação, tal como ela é configurada no art. 1311º do Cód. Civil.

3. Nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão deduzida com vista à demarcação, o que acontece quando o demandante peticiona ainda a condenação dos réus a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios”.

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Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo dos autores apelantes.

Notifique.

[1] Refere-se no preâmbulo: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”

[2] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, 1997, pág. 258. Cfr. ainda, o Ac. desta Relação de Coimbra de 11/03/2003, C.J., Ano XXVIII, T.V., pág. 63 e o Ac. do STJ de 20/09/2005, proferido no processo 05A2007, acessível in www.dgsi.pt, podendo ler-se, neste:«De salientar a este propósito, como se faz no acórdão recorrido, que o controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im) parcialidade, serenidade, "olhares de súplica" para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (sobre a comunicação interpessoal, RICCI BOTTI/BRUNA ZANI, A Comunicação como Processo Social, Editorial Estampa, Lisboa, 1997)».

[3] Sobre os conceitos de “pretensão material” e “pretensão processual” v.d. Miguel Teixeira de Sousa, in Sobre a Teoria do Processo Declarativo, Coimbra Editora, 1980, pág.147-156.

[4] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1981, vol. I, pág.102. Vd ainda Fernando Luso Soares, Processo Civil de Declaração, Almedina, 1985, pág.205. 

[5] Oliveira Ascensão in A Acção de Reivindicação, estudo publicado na ROA, 57º, Abril de 1977, p.519 

[6] Pires de Lima e Antunes Varela, C.C.Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, vol. III, p. 197. ,     

[7] Neste sentido cfr. os Acs. STJ de 14/10/2003, proferido no processo 03A2776 (Relator: Cons. Alves Velho),de 13/05/2008, proferido no processo nº 08A868 (Relator: Cons. Mário Cruz), 15/05/2008, proferido no processo nº 08B856 (Relator: Cons. Pereira da Silva), 12/01/2006, proferido no processo nº 05B4095 (Relator: Cons. Duarte Soares), de 08/01/1991, proferido no processo nº 079397 (Relator: Cons. Miguel Montenegro), acessíveis in www.dgsi.pt e Ac. desta Relação de 9 de Março de 1999, C.J., Ano XXIV, 1999, T. II, p. 17.