Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
172/04.5TBIDN-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: INVENTÁRIO
LICITAÇÃO
QUINHÃO
TORNAS
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: IDANHA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: Nº 2 E 3 DO ARTIGO 1377° DO CPC
Sumário: a)-O interessado que licitou em mais verbas do que as necessárias para preenchimento do seu quinhão pode escolher, para composição do seu quinhão, de entre essas verbas, aquelas cujo valor global não chegue a igualar o valor do seu quinhão, desde que o credor de tornas não se torne, por virtude dessa escolha, devedor de tornas.

b)-Tendo o licitante prescindido de tornas por virtude da escolha que fez, o não licitante não se constituiu devedor de tornas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE:

I - Relatório:

Por apenso ao processo de divórcio em que foi decretada a dissolução do casamento entre A... e B..., veio esta requerer inventário para partilha dos bens do casal.

O cabeça de casal apresentou a relação de bens que consta a fl. 105 ss, cujo activo é composto por bens móveis (verbas até nº 17) e bens imóveis (verbas nºs 18 a 49). Por despachos de fls. 155 e 193 foram os interessados remetidos para os meios comuns quanto às verbas nºs 1, 2 e 9. O ex-marido cabeça de casal foi removido do cargo e foi mais tarde, a fls. 200ss, apresentada pela cabeça de casal uma relação de bens em correcção da anterior.

Realizou-se, após adiamento, a conferência de interessados documentada a fls. 155 ss, à qual não compareceu o interessado A..., tendo a interessada – na falta de acordo quanto à composição dos quinhões – licitado nos bens das verbas nºs 4, 5, 8, 18 a 40, 44, 46, 48 e 49 (numeração da relação original).

Foi dada forma à partilha e foi ordenada a elaboração do respectivo mapa, tendo a secretaria elaborado o mapa informativo de fl. 321, donde consta: «O valor dos bens da herança, com o aumento das licitações, passou a ser de 155.268,34 €. Pertence à interessada licitante B...… 77.634,18 €, que recebe 104.109,29 € e excede 26.474,18 €, pelo que dará de tornas ao interessado A...… 26.474,18 €».

Ordenado o cumprimento do (nº 1 do) artigo 1377º do CPC ([1]), veio o interessado A...requerer a fls. 332: «tendo sido notificado nos termos e para os efeitos do vertido 1377° do CPC vem mui respeitosamente requerer o seguinte:
a) Por notificação datada de 25 de Fevereiro de 2008 foi o interessado não licitante, ora Requerente, notificado que lhe tinham sido atribuídas, nos termos do artigo 1374°, as verbas não licitadas (Verbas nº 3, 6, 7, 9, 10 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 41, 42, 43, 45, 47 da relação de bens originária).
b) Todavia, constata-se que os bens adjudicados à interessada licitante excedem o seu quinhão em € 26.474,18;
c) Assim sendo, o ora Requerente, nos termos do vertido no artigo 1377° do CPC requer que as verbas licitadas em excesso lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação até ao valor limite do seu quinhão.
d) Ou seja, requer que o remanescente da sua quota seja preenchido com verbas licitadas em excesso;

e) Pelo que, analisada a licitação e adjudicação, e não havendo outra hipótese, apesar do direito de escolha que assiste à interessada licitante, propõe que lhe sejam adjudicadas as seguintes verbas: 8, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 44, 46 e 49 da relação de bens originária.
f) Contudo, o valor dos bens adjudicados à interessante licitante, verbas 4, 5 e 31, será de € 80.923,28.

g) Em suma, ultrapassa o valor do seu quinhão.
h) Assim sendo, o Requerente reclama, face à impossibilidade material de preenchimento do seu quinhão apenas com os bens adjudicados em excesso, o pagamento de tornas relativas à diferença».

Respondeu a interessada B...a fls. 337, em suma, que a si cabe a escolha de entre as verbas por si licitadas e que aguarda ser notificada para o efeito, nos termos do artigo 1377º nº 3 do CPC.

Por despacho de fl. 342, foi a interessada B...notificada para em 10 dias escolher de entre as verbas que licitou aquelas com que pretendia preencher o seu quinhão.

Veio a interessada dizer a fls. 345 que escolhia as verbas nºs 5, 8, 18 a 40, 44, 46, 48 e 49 (numeração da relação original), ou seja, todos os bens por si licitados com excepção da verba nº 4 (no valor de € 30.000,01), prescindindo de tornas (no valor de € 3.525,83).

No despacho de fl. 360 foi decidido não assistir razão ao interessado A..., porquanto o direito de escolha compete ao licitante, o que este fez, inclusivamente prescindindo de tornas pelo excesso, pelo que a A...é adjudicada a verba nº 4 da relação originária (= verba nº 2 da relação corrigida).

Deste despacho recorre de agravo o interessado A..., concluindo a sua alegação:
A) A Sentença recorrida, não atendeu devidamente à matéria de facto e respectivo enquadramento jurídico, subjacente ao presente pleito;

B) Vem o presente recurso da decisão do Meritíssimo Juiz" a quo ", em que decidiu, nos termos e para os efeitos do vertido no artigo 13770 do CPC, adjudicar ao ora Recorrente, para composição do seu quinhão, a verba excluída da escolha da Interessada B..., constituindo, consequentemente, o credor de tornas, devedor destas, com o fundamento que o direito de escolha compete à Interessada Licitante e que esta prescindiu do pagamento de tornas.

C) Portanto, a questão a dilucidar é se, face à posição assumida pelo Recorrente, credor de tornas, e pela Interessada, devedora de tornas, poderia o Tribunal adjudicar, nos termos em que o fez, a verba em causa, porquanto, o ora Recorrente passou de credor de tornas, a devedor de tornas.
D) Refira-se que, foi, a nosso ver incorrectamente analisada a questão sub judice, discordando no decidido de adjudicar ao Recorrente tal verba.
E) Assim, o presente recurso de Agravo do Despacho do Meritíssimo Juiz da 1ª Instância baseia-se na seguinte razão:
- A lei estabelece o direito do licitante, em excesso, de escolher, entre as verbas licitadas, as necessárias para preencher a sua quota, cabendo ao credor delas, requerer, em abstracto, que a composição do seu quinhão se concretize com bens licitados em excesso e/ou tornas, até ao limite da sua quota, não podendo o licitante escolher bens de modo a tornar o credor de tornas, devedor destas.
F) O Recorrente discorda do decidido, por entender que na sua determinação não foi respeitado o que, legalmente, se encontra disposto sobre a matéria, senão vejamos:
G) A factualidade relevante para o presente Recurso é a seguinte:

- A Interessada B... foi a única licitante na Conferência de Interessados;

- Por Notificação datada de 23/04/2008 o ora Recorrente foi notificado para requerer a composição do seu quinhão e/ou reclamar o pagamento de tornas.
- Oportunamente o Recorrente, considerando que os bens adjudicados à Interessada B..., excediam o quinhão desta em € 26.474,18, veio requerer que, a composição da sua quota fosse preenchido, com verbas licitadas em excesso pelo valor resultante dessa mesma licitação e o remanescente em tornas.

- Após ter sido notificada nos termos do nº 3 do artigo 1377º a interessada B... veio escolher as verbas necessárias para preencher a sua quota;

- Tendo escolhido todos os bens por si licitados, com excepção da verba nº 4.

- Sendo certo que, sendo atribuída a referida verba ao ora Recorrente, este tornar-se-ia devedor de tornas no valor de € 3.525,83;

- Porém, a interessada, habilidosamente, veio prescindir do pagamento dessas tornas.

- A isso se opôs o ora Recorrente dizendo que o artigo 1377 nº 2 do CPC não permite que ao não licitante, credor de tornas, seja adjudicada verba cujo valor exceda o seu quinhão, tornando-se, ele próprio devedor de tornas.

- Posteriormente a Meritíssima Juiz a quo tomou a decisão ora recorrida.
H) Como supra referido, a Decisão da Meritíssima Juiz a quo não tem acolhimento no preceituado no artigo 1377° do CPC.
I) O nº 1 do artigo 1377° preceitua que o Interessado a quem haja de caber tornas pode requerer a composição do seu quinhão e/ ou reclamar o pagamento de tornas.
J) O nº 2 da mesma disposição legal estipula que se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, ao outro Interessado é permitido requerer que as verbas em excesso lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
K) Ou seja, o Interessado a quem haja de caber tornas deverá requerer a composição do seu quinhão em abstracto sem concretizar bens, mas nada obsta, como no caso sub judice, que, logo no requerimento, indique as verbas que desejaria para o preenchimento do seu quinhão, e apenas até ao limite do seu quinhão.
L) Por sua vez o nº 3 do artigo 1377° dispõe que o interessado licitante pode escolher, entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota.
M) Sendo certo que, os direitos expressos no nº 2 e nº 3 do artigo 1377° estão sujeitos a certos limites, porquanto, o nº 2 só permite que o credor de tornas requeira que as verbas em excesso lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da sua licitação, até ao limite do seu quinhão.
N) Enquanto que o nº 3 apenas consente ao licitante a faculdade de escolher, entre aquelas que licitou, as necessárias a preencher a sua quota.
O) Acresce que, da leitura e interpretação do nº 3 do artigo 1377° do CPC, resulta que o licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, mas não tem a faculdade de optar entre ficar com todos os bens a partilhar ou ficar com o direito a tornas.
P) Assim sendo, interpretando correctamente a disposição sub judice, o credor de tornas só pode requerer a adjudicação de verbas em excesso até ao limite do seu quinhão.
Q) E a ratio legis do estabelecido no nº 2 e nº 3 do artigo 1377° do CPC vai no sentido de se evitar que o credor de tornas passe a devedor delas.
R) Isto porque, a composição de quinhões tem como ratio corrigir a licitação, atribuindo justiça à partilha.
S) Ou seja, o Licitante não pode, face ao princípio da equidade e igualação que está subjacente à partilha, escolher verbas que não cheguem para preencher completamente o seu quinhão, obrigando o credor de tornas a dar-lhe tornas.
T) É esta a posição unânime da Jurisprudência e da Doutrina.
U) Assim sendo, o nº 3 do artigo 1377° do CPC não traduz a faculdade de o Licitante e devedor de tornas se tornar credor de tornas.
V) Ou seja, mesmo que a Interessada, de forma habilidosa, tenha prescindido de tornas, o despacho ora recorrido é manifestamente ilegal, porquanto viola a letra e o espírito do plasmado no artigo 1377° do CPC.
W) Na verdade, o ora Recorrente tornou-se, irrefutavelmente, devedor de tornas, apesar da atitude, filantropo, da Interessada B....
X) Pelo que, a Decisão ora Recorrida é nula.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Decisão recorrida e substituída por outra que não constitua o ora Recorrente em devedor de tornas, ordenando o prosseguimento dos ulteriores termos dos autos.

 

Contra-alegou a interessada B..., concluindo:
1.No preenchimento dos quinhões de interessados no processo de inventário, a regra é a de os bens licitados serem adjudicados aos respectivos licitantes;
2.O direito de escolha dos bens que comporão o respectivo quinhão cabe ao interessado licitante, ou seja, só depois da reserva deste o credor de tornas interessado na composição com bens licitados pode fazer escolha sobre os restantes;
3.Do disposto nos nº 1 e 2 do art. 1377º do CPC não se pode retirar que a Recorrida não possa escolher um conjunto de bens que não alcancem o limite da sua meação, sobretudo quando o faz prescindindo das tornas a que em abstracto teria direito;

4.Pois esta prescinde de um direito próprio, procedendo de uma forma não apenas igualitária, mas com prejuízo para si, cumprindo na íntegra a ratio legis do art. 1377° do CPC,

5.Sendo certo que a escolha de bens pela interessada licitante em regra não permite uma exacta coincidência entre o valor daqueles e o respectivo quinhão, pelo que sempre se exigem operações de acerto, como a efectuada pela Recorrida.
6.Termos em que deve improceder, na íntegra, o Agravo interposto pelo interessado A..., mantendo-se, in totum, o douto despacho recorrido.

Foi proferido despacho de sustentação:

«Somos de parecer que não se vislumbram razões que justifiquem a alteração da decisão de fls. 360, e que ora se encontra sob recurso, em face dos fundamentos nele exarados, que mantemos nos seus precisos termos. No mesmo sentido, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 12.04.2005, proc. 680/05, relator Desembargador Dr. Ferreira de Barros, disponível em www.dgsi.pt., onde expressiva e exemplarmente se refere: “O interessado a quem haja de caber tornas deverá requerer a composição do seu quinhão em abstracto, sem concretizar bens, mas nada obsta a que, logo no seu requerimento, indique a verba ou verbas que desejaria para preenchimento do seu quinhão, e apenas até ao limite do seu quinhão, mas tal indicação não vincula o devedor de tornas. É ao interessado que haja licitado bens em excesso a sua quota que cabe escolher, de entre as verbas que licitou, as necessárias para preencher a sua quota”, nos termos do disposto no nº3 do artigo 1377º do CPC».

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir:

II - Fundamentos:

A questão consiste essencialmente em reapreciar se, perante o excesso da licitação sobre a quota da interessada licitante, podia esta escolher verbas cujo valor global é inferior ao valor da sua quota.

Enunciemos antes de mais as disposições legais convocáveis para a solução.
Preceitua o art. 1374º do CPC:
No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras:
a) Os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário;
b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias. (…)
Preceitua o art. 1376º do CPC:
1— Se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respectivo interessado ou a parte disponível do inventariado, lançará no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso. (…)
Preceitua o art. 1377º do CPC:
1— Os interessados a quem hajam de caber tornas são notificados para requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas.
2— Se algum interessado tiver licitado em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota, a qualquer dos notificados é permitido requerer que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, até ao limite do seu quinhão.
3— O licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do n.º 2 do artigo anterior.

Pretende o agravante que a decisão recorrida seja revogada, porquanto o licitante não pode escolher verbas que não cheguem para preencher completamente o seu quinhão, obrigando o credor de tornas a dar-lhe tornas (dado que os nº 2 e 3 do artigo 1377° do CPC não permitem que o licitante devedor de tornas se torne credor de tornas), e não o pode, mesmo que o licitante, de forma habilidosa, tenha prescindido de tornas. Ora, o recorrente tornou-se, irrefutavelmente, devedor de tornas, apesar do prescindimento de tornas pela interessada B..., pelo que a decisão recorrida é nula. Daí que a decisão recorrida deva ser substituída por outra que não o constitua em devedor de tornas.

O agravante não tem razão, como passamos a explicar.

Só a interessada B...licitou. E licitou em mais verbas do que as necessárias para preencher a sua quota: esse excesso, de € 26 474,18, foi indicado no mapa informativo.
O primeiro ponto a reter é este: com a indicação desse excesso, a interessada B...não ficou necessariamente constituída devedora de tornas nem o interessado A...ficou logo constituído credor de tornas no montante de € 26 474,18.
É que, por um lado, esse mapa é meramente informativo, não serve de base à partilha, mas apenas para indicar o montante do excesso (art. 1376º nº 1) ([2]) e facultar correcções posteriores. De contrário não se perceberia o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo, por cujos termos compete de seguida àqueles “a que hajam de caber tornas” (a lei não diz “credores de tornas”) requerer a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas e, requerendo eles que as verbas em excesso ou algumas lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação até ao limite do seu quinhão, pode o licitante escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota, e será notificado para exercer esse direito, nos termos aplicáveis do nº 2 do artigo anterior.
Por outro lado, no caso de o interessado “a que hajam de caber tornas” pelo mapa informativo requerer a adjudicação nos termos do nº 2 do art. 1377º, há que atentar ainda no seguinte. Ainda que porventura ao licitante viesse, por força da escolha que lhe cabe efectuar por força do nº 3 do art. 1377º, a competir dar tornas, estas não teriam necessariamente de coincidir com o montante indicado no mapa informativo, pois que o valor global das verbas por si escolhidas pode caber nalguma das seguintes hipóteses: ser inferior à sua quota, coincidir com esta (o que é de rara verificação) ou excedê-la (desde que escolha as verbas que com menos diferença excedam a sua quota) ([3]).

Claro que, se o interessado “a que hajam de caber tornas” pelo mapa informativo, em vez de requerer a composição do seu quinhão, apenas reclamar o pagamento das tornas, aquele que haja de as pagar ficará constituído devedor delas a partir da notificação do despacho que ordenar o seu pagamento em determinado prazo e, findo este sem haver depósito, o devedor entra em mora (cf. J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 2ª ed, p. 449).

No caso concreto, o interessado não licitante, ao qual haveriam de caber tornas pelo mapa informativo, notificado para a opção a que se refere o nº 1 do art. 1377º, requereu:

«(…) apesar do direito de escolha que assiste à interessada licitante, propõe que lhe sejam adjudicadas as seguintes verbas: 8, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 44, 46 e 49 da relação de bens originária. Contudo, o valor dos bens adjudicados à interessante licitante, verbas 4, 5 e 31, será de € 80.923,28. Em suma, ultrapassa o valor do seu quinhão. Assim sendo, o Requerente reclama, face à impossibilidade material de preenchimento do seu quinhão apenas com os bens adjudicados em excesso, o pagamento de tornas relativas à diferença».

O requerente pediu a composição do seu quinhão em bens (não em dinheiro) e, pela diferença que viesse a resultar, o pagamento de tornas.

Note-se que o requerente reconhece, e bem, que o direito de escolha compete em exclusivo à licitante ([4]). Ele, não licitante, não pode obstar a que a licitante escolha, de entre os que licitou, os bens das verbas necessárias para preencher a sua quota, para o que devia ser notificada como foi.

Note-se também que embora o requerente, não licitante, não tenha direito de escolha, apenas tendo o direito de pedir a composição do seu quinhão em abstracto (ou seja, sem ter o direito de especificar as verbas que em concreto lhe deveriam ser adjudicadas), ele podia indicar quais as que lhe convêm, sem carácter vinculativo ([5]).

De entre 46 verbas a partilhar (nºs 3 a 8, 10 a 49), 30 foram licitadas e foram-no pela interessada B.... As verbas que o interessado A...se propôs serem-lhe adjudicadas foram 26 dessas 30 verbas licitadas pela interessada B.... Evidentemente, B..., ao exercer o direito de escolha nos termos do artigo 1377º nº 3, não estava limitada no exercício desse seu direito pela indicação feita por A....

A interessada, notificada para escolher, escolheu todas aquelas verbas em que licitara, com excepção da verba nº 4 (licitada por € 30 000,01). Como a quota de B...tinha o valor de € 77 634,18, as verbas escolhidas por si tinham um valor global inferior ao da sua quota em € 3 525,83. Se acaso B...tivesse englobado também a verba nº 4 como o agravante defende, ela ficaria com excesso de € 30 000,01- € 3 525,83 sobre a sua quota.

Deste modo, a interessada B..., ao escolher todas as verbas em que licitara com excepção da verba nº 4 da relação originária, não exorbitou do seu direito consignado no nº 3 do art. 1377º, segundo o qual «o licitante pode escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota» ([6]).

E a interessada B..., na mesma oportunidade em que fez a escolha, prescindiu de tornas. O que vale por dizer que, por via dessa renúncia às tornas, o não licitante credor de tornas não se tornou delas devedor.

É inconsistente o implícito argumento de que, indicando o mapa informativo um excesso de bens licitados sobre o valor da quota do licitante, este só poderia escolher verbas licitadas cujo valor global ainda mantivesse algum desse excesso ou pelo menos cujo valor coincidisse com o da quota.

Em primeiro lugar, tratando-se de verbas licitáveis, a lei não proíbe que um interessado licite em todas elas, que poderão ser todas as verbas a partilhar.

Em segundo lugar, o direito de escolha é exclusivo dos licitantes em relação às verbas respectivas.

Em terceiro lugar, o mapa é apenas informativo e a indicação do excesso destina-se à sua possível e posterior correcção, caso o interessado a quem hajam de caber tornas opte pela composição do seu quinhão em vez de apenas reclamar tornas.

Em quarto lugar, nenhum preceito manda que sejam adjudicadas todas as verbas a quem licitou ou que ao licitante em excesso devam ser adjudicadas verbas que mantenham algum excesso sobre o seu quinhão: diversamente o nº 3 do art. 1377º concede ao licitante o direito de escolher, de entre as verbas em que licitou, as necessárias para preencher a sua quota. Ora, se escolhesse também a verba nº 4, excedia o quinhão.

Também é inconsistente a conclusão do agravante segundo a qual a renúncia às tornas por parte da interessada B...é uma habilidade, continuando A...a ser devedor das tornas de € 3 525,83. Em primeiro lugar, a interessada pode renunciar ao pagamento das tornas a que teria direito, porque se trata de matéria do âmbito dos direitos livremente disponíveis. Em segundo lugar, com a renúncia não há mais dívida de tornas por parte do agravante.

É certo que o nº 4 do art. 1378º preceitua que, não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença de partilhas. Mas essa não reclamação do pagamento (nº 4) vem prevista em alternativa à reclamação do pagamento (nº 1), o que pressupõe, para ser aplicável tal norma, não ter havido expressa renúncia ao crédito de tornas. Norma essa que não é a aplicável ao caso dos autos.

No presente caso, tendo havido renúncia, não mais há crédito de tornas.

Consequentemente, nada há a censurar na decisão recorrida.

Em conclusão:

a)-O interessado que licitou em mais verbas do que as necessárias para preenchimento do seu quinhão pode escolher, para composição do seu quinhão, de entre essas verbas, aquelas cujo valor global não chegue a igualar o valor do seu quinhão, desde que o credor de tornas não se torne, por virtude dessa escolha, devedor de tornas.

b)-Tendo o licitante prescindido de tornas por virtude da escolha que fez, o não licitante não se constituiu devedor de tornas.

III - Decisão:

Pelo exposto, acordam em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão impugnada.

Custas pelo agravante.


[1] Doravante, os artigos sem menção de origem pertencem ao Código de Processo Civil (CPC).
[2] Pertencem ao CPC os artigos sem menção de outra origem.
[3] Cf. J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, 2ª ed, p. 424 s e ac RC de 10.3.1978 (na CJ 1978, t. 3, p. 719).
[4] Neste sentido, face ao que consta do nº 3 no cotejo com o nº 2 do art. 1377º, vd. ac RP de 20.2.1979 (BMJ 285/374) e A. J. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, II, 2ª ed, p. 422.
[5] Neste sentido, vd. Acs STJ de 26.2.1971 (B. 204/126), de 3.4.1984 (B. 336/378) e de 8.11.84 (B. 341/442) e Lopes Cardoso, op. cit, II, p. 422.
[6] Aliás, mesmo que por hipótese um licitante ultrapasse em pouco o valor da sua quota, tem sido entendimento jurisprudencial e doutrinário que tal pode ser admitido (desde que se trate de bens por si licitados). Note-se que, enquanto para o licitante o nº 3 do art. 1377º refere que ele pode escolher, de entre as verbas em que licitou, «as necessárias para preencher a sua quota», já o nº 2 desse artigo refere que o não licitante pode requerer que verbas em excesso lhe sejam adjudicadas pelo valor resultante da licitação, «até ao limite do seu quinhão».