Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
110/11.9TBCLB-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO
CREDOR
TAXA DE JUSTIÇA
PAGAMENTO
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 130º, Nº 1 E 304º DO CIRE
Sumário: I – No processo de insolvência, o impulso processual consubstanciado na apresentação de uma impugnação à lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, não gera a obrigação, para esse impugnante, de pagamento de taxa de justiça.

II – Com efeito, integrando-se essa impugnação no quadro do procedimento concursal, na chamada tramitação regular de verificação de créditos, regulada nos artigos 128º a 140º do CIRE (a que é desencadeada pela apresentação das reclamações dentro do prazo fixado na sentença de insolvência), é ela abrangida pela regra geral, constante do artigo 304º do CIRE, que atribui a responsabilidade pelas custas, quando a insolvência é decretada, sempre à massa insolvente.

III – Porque a obrigação de suportar o pagamento de taxa de justiça se refere ao impulso processual induzido por um interveniente processual que possa ser ulteriormente responsabilizado pelas custas, não é essa taxa devida quando a obrigação de custas não existe, logo à partida, para quem induz esse impulso processual.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. Decretada que foi, em processo iniciado em 2011[1], a insolvência da sociedade A…, S.A., com a consequente abertura da fase executiva do procedimento concursal (aqui através da reclamação e verificação de créditos dentro do prazo fixado na Sentença[2]), foi apresentada pelo Senhor Administrador da Insolvência, nos termos previstos no artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), a relação de créditos de fls. 3/73, correspondente às reclamações de créditos que lhe foram apresentadas (artigo 128º do CIRE), originando-se, assim, a abertura deste apenso E da insolvência. Incluiu tal lista, entre muitos outros, um crédito reclamado pela C…, S.A. (Credora, Reclamante e Apelante neste recurso), reconhecendo-o, todavia, só parcialmente (v. fls. 14: reconheceu-o por € 252.985,31, quando a reclamação original se referia ao valor total de € 2.542.509,70).

            Discordando do entendimento do Administrador, impugnou esta Reclamante essa lista (v. fls. 1852/1855, pugnando pela verificação do valor de € 757.895,31), fazendo assim uso do expediente processual previsto no artigo 130º, nº 1 do CIRE[3].

            1.1. Na continuidade processual conferida a essa impugnação da Reclamante – e assim entramos na matéria que interessa directamente a este recurso – concluiu a Secção os autos ao Senhor Juiz com a seguinte informação:
“[…]
CONCLUSÃO – 02-12-2011, com a informação a V. Exª. que se nos suscitam dúvidas quanto à obrigatoriedade de pagamento de taxa de justiça, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 7º do RCP, por parte dos diversos impugnantes, pelo que, para os fins tidos por convenientes faço os autos
[…]”
            [transcrição de fls. 2118].

            Recaiu sobre esta inquirição o despacho de fls. 2118/2119constitui ele a decisão objecto deste recurso, nos termos indicados na decisão do ora relator de fls. 68/69 do apenso G [na reclamação nos termos 688º do Código de Processo Civil (CPC)] – com o seguinte teor:
“[…]
Compulsados os autos verifica-se que nenhum dos impugnantes juntou às suas impugnações comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial.
Dispõe o n.º 3 do artigo 7.º do RCP que ‘A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pela apresentação de requerimento de injunção, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções e determinada de acordo com a tabela II, que faz parte integrante do presente regulamento’.
Por sua vez, a referida tabela II, na redacção que lhe deu o Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13/4, dispõe que a taxa de justiça normal devida pelos incidentes em geral, que denomina de ‘outros incidentes’, por oposição aos que discrimina, vai de 0,5 a 5UC.
Ora, a impugnação da lista de credores configura, claramente, um incidente processual, pelo que, conforme ensina Salvador da Costa [Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 3.º Edição, Almedina, pág. 209], está sujeita ao pagamento de taxa de justiça inicial, no caso, de 0,5UC.
Dispõe o artigo 13.º, n.º 2, do RCP que a taxa de justiça é paga integralmente por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário relativa ao apoio judiciário, dispondo de seguida o artigo 14.º, n.º 1, do RCP que o pagamento da taxa de justiça se faz até ao momento da prática do acto processual a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado ou requerimento.
No caso, os impugnantes nada juntaram.
Assim, sendo a impugnação da relação de credores de um acto sujeito a prazo, julgo dever ser-lhe aplicado o regime de contestação para efeitos de custas, conforme tem sido entendido relativamente à oposição à execução, pelo que, em face do exposto, determino se notifique os impugnantes que não liquidaram taxa de justiça para, em 10 dias, efectuarem o pagamento omitido, com acréscimo de multa, nos termos do disposto no artigo 486.º-A, n.º 3, do CPC
[…]”
            [transcrição de fls. 2118/2119].

            1.2. Inconformada interpôs a Reclamante o presente recurso – que esta Relação, como dissemos, admitiu[4] – nele concluindo o seguinte:
“[…]


II – Fundamentação


            2. Apreciando a apelação – dirige-se ela ao despacho de fls. 2118/2119, como decorre do processamento que conduziu à admissão do recurso –, sublinhamos que a incidência temática da impugnação resulta do teor das conclusões, transcritas no item anterior, com as quais a Apelante rematou a respectiva alegação. É o que decorre, relativamente a qualquer recurso, do disposto nos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[5].

            Está em causa, pois, constituindo o objecto do recurso, a asserção decisória desse despacho, expressa no respectivo trecho final de fls. 2119, segundo a qual uma impugnação das listas previstas no artigo 129º, nº 1 do CIRE, desencadeada por um credor reclamante nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, é tributada – rectius, está sujeita a custas – e, nesse sentido, corresponde-lhe o pagamento de taxa de justiça pelo impulso processual nela (na impugnação) envolvido[6], taxa esta determinada nos termos do nº 3 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), por analogia com o regime da oposição à execução.

            Simplificando as coisas, reduzindo a caracterização do recurso à sua essência temática, diremos que se trata aqui de determinar se, no quadro processual subsequente à declaração de insolvência, é devida taxa de justiça como condição do desencadear, nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, de uma impugnação da lista de credores apresentada pelo Administrador.

            É o que interessa esclarecer na subsequente exposição.

            2.1. Numa primeira aproximação a este problema, reteremos, por se tratar de um dado significativo, a existência no CIRE de um acervo de disposições estruturadas em torno das incidências da tributação do processo concursal. Referimo-nos ao Título XVII, designado “disposições finais” e que corresponde aos artigos 301º a 304º. Nestes avulta, com algum aroma de regra geral de custas, o artigo 304º, correspondendo este à última norma do CIRE:

Artigo 304º
Responsabilidade pelas custas do processo
As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.

            Esta norma é antecedida, sob a epigrafe de “base de tributação” – em certo sentido esta parte do CIRE referente às custas (o Título XVII), parece ter sido “escrita ao contrário” (o artigo 304º, como regra geral, pareceria vocacionado para ocupar a posição sistemática que ocupa o artigo 301º) –, dizíamos que esta norma (o artigo 304º) é antecedida pela indicação de quais as incidências do processo de insolvência que, corram elas por apenso ou em separado do processo matriz (esta corresponde ao processo base declarativo da insolvência), são suportadas pela massa insolvente (sendo – e se for –, por isso corresponder à regra geral, decretada a insolvência). Referimo-nos aqui, quanto à base de tributação, ao artigo 303º[7], sendo evidente abranger ele o chamado “apenso regular de verificação do passivo”, regulado nos artigos 128º a 140º do CIRE, sendo este que está em causa no presente recurso, e não o designado “apenso de verificação ulterior de créditos”, regulado nos artigos 146º a 148º do CIRE[8]. Como adiante veremos, recebem estes dois apensos (o “regular” e o de verificação ulterior) um tratamento distinto no que concerne a custas.

            Interessa, enfim, completando o roteiro das disposições finais (tributárias) do Título XVII do CIRE, referir o artigo 302º, respeitante à determinação da taxa de justiça face às especiais incidências de um processo de insolvência, no qual a dicotomia decorrente do artigo 304º do CIRE (custas a cargo da massa se a insolvência for decretada; custas a cargo de requerente se o não for) está presente, logo à partida, no nº 1, prevendo este hipóteses em que a insolvência não é declarada (“[a] taxa de justiça é reduzida a metade no processo de insolvência quando a insolvência não seja declarada;  se o processo findar antes de iniciada a audiência de discussão e julgamento, a taxa de justiça é reduzida a um quarto”)[9].

            Existe, adicionalmente a estas normas e ainda no texto do CIRE, uma disposição de natureza adjectiva contendo um trecho final respeitante a custas que apresenta relevância interpretativa na construção da solução do caso concreto. Referimo-nos ao artigo 148º CIRE: “[a]s acções a que se refere o presente capítulo correm por apenso aos autos da insolvência e seguem, qualquer que seja o seu valor, os termos do processo sumário, ficando as respectivas custas a cargo do autor, caso não venha ser deduzida contestação” (sublinhado acrescentado).

            O capítulo em que se integra esta última norma (o capítulo III correspondente aos artigos 146º a 148º) refere-se à verificação ulterior de créditos, mediante reclamação apresentada já posteriormente ao esgotamento do prazo de reclamação fixado na sentença que decretou a insolvência, sendo que o trecho final respeitante a custas conduz a uma tributação distinta da que decorreria da aplicação da regra geral do artigo 304º, numa espécie de “concurso aparente”. Com efeito, tendo sido decretada a insolvência, a incidência desta regra geral sobre as reclamações ulteriores conduziria a que as custas destas também ficassem a cargo da massa insolvente, como sucede com o apenso regular de verificação previsto e regulado nos artigos 128º a 140º do CIRE. Assim, existindo uma norma especial (o tal artigo 148º), a tributação em custas realiza-se, neste tipo de reclamações, nos termos (especiais) aí estabelecidos: não obstante a insolvência ter sido decretada a reclamação ulterior conduz, inexistindo contestação do crédito reclamado, à referenciação das custas ao próprio reclamante (que é o autor da acção autónoma visando o reconhecimento ulterior de créditos), numa significativa proximidade ao regime decorrente do artigo 449º do CPC quanto à responsabilidade do autor pelas custas.

            2.1.1. Ora, conjugando estes dados, podemos formular o seguinte critério de decisão quanto às responsabilidades tributárias atinentes à adjectivação dos créditos sobre o insolvente (respectiva reclamação, reconhecimento e graduação) na fase executiva do concurso.

            (a) No quadro normal – chamemos-lhe assim por comodidade distintiva das reclamações ulteriores – referente à chamada verificação regular de créditos que é desencadeada dentro do prazo de reclamação fixado na sentença que declara a insolvência (artigo 128º, nº 1 do CIRE), as custas ficam sempre a cargo da massa insolvente (regra geral do artigo 304º do CIRE); (b) no quadro de uma verificação ulterior de créditos (artigo 146º, nº 1 do CIRE), as custas, inexistindo contestação do crédito ulteriormente reclamado, ficam a cargo do autor (do reclamante ulterior), sendo que na hipótese contrária, existindo contestação, ficam a cargo de quem tenha ficado vencido (e na proporção em que o venha a ficar) na impugnação desse crédito, nos termos gerais do artigo 446º, nºs 1 e 2 do CPC.

            Existe nesta distinção de regimes de custas (e consequentemente de incidência da taxa de justiça) uma racionalidade que nos parece fácil de detectar e que expressaremos nas seguintes asserções: as custas no processo concursal em que ocorre o decretamento da insolvência, na sua tramitação regular (a que pressupõe na fase executiva uma verificação de créditos dentro dos parâmetros regulados nos artigos 128º a 140º do CIRE), constituem (as custas) encargo da massa insolvente, apenas ocorrendo uma tributação autónoma – ou seja, fora do quadro do artigo 304º e normas antecedentes conexas –, de incidências adjectivas que saíam da tramitação que o legislador fixou como rito sequencial regular do concurso, sendo que a verificação ulterior de créditos é vista, dentro desta lógica (que é a lógica expressamente consagrada no artigo 148º do CIRE), como uma incidência destacável de uma tramitação regular[10] e que, como tal, deve ser encarada, em matéria de custas, num quadro de proximidade muito acentuada ao regime geral de custas previsto no CPC (artigos 446º e seguintes). Não existe nestes casos de reclamação ulterior – e cremos ser esta a mensagem normativa contida na compaginação entre o artigo 304º e 148º do CIRE – razão para manter um regime tão acentuadamente divergente, como o que resulta do artigo 304º, relativamente ao regime geral das custas. Daí que o trecho final do artigo 148º fundamentalmente remeta para esse regime geral.  

            Assim – prosseguindo o nosso percurso interpretativo –, abrangendo as custas a taxa de justiça (v. os artigos 447º, nº 1 do CPC e 3º, nº 1 do RCP) e pressupondo esta a possibilidade de o obrigado ao pagamento ser responsabilizável por aquelas, não é devida taxa de justiça pelo impulso processual desencadeado por quem, no processo de insolvência e dentro da tramitação prevista nos artigos 128º a 140º do CIRE, não é ulteriormente responsabilizável pelas custas, em função da incidência e da projecção de uma regra de custas que atribui essa responsabilidade – só a atribui – à massa insolvente. É o que resulta da conjugação do artigo 304º do CIRE com o antecedente artigo 303º e, enquanto argumento interpretativo construído a contrario sensu, com o artigo 148º in fine do mesmo Diploma (este último fixa a regra especial de custas para as verificações ulteriores, divergentemente do regime geral contido naqueles artigos 303º e 304º).

            2.1.2. Vale isto, enfim, encarando agora, em função dos argumentos antes desenvolvidos, as incidências do caso concreto, pela afirmação de que uma impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, realizada nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, integrando-se na chamada tramitação regular de verificação de créditos no processo de insolvência, não foge à regra geral da responsabilidade da massa insolvente pelas custas (artigo 304º do CIRE) e, em função disso, não gera para o impugnante qualquer obrigação de pagamento de taxa de justiça pelo correspondente impulso processual. Com efeito, este impugnante do artigo 130º – chamemos-lhe assim –, independentemente da circunstância e da medida em que os fundamentos da sua impugnação venham a ser atendidos ou não pelo Tribunal, não suportará, nos termos do artigo 304º do CIRE aplicável ao caso, as custas deste “apenso regular de verificação de créditos”[11].

            2.2. Ora, aqui chegados, constatando-se que o despacho recorrido (o despacho de fls. 2118/2119), ao considerar ser devida taxa de justiça pela impugnação da lista de credores reconhecidos, assenta num entendimento que é antagónico do sustentado por esta Relação no antecedente percurso expositivo, haverá que revogar esse despacho, fixando-se ao Tribunal de primeira instância, na decisão final deste recurso, a asserção contrária: a de não ser devida taxa de justiça (e, consequentemente, a multa prevista no artigo 486º-A, nº 3 do CPC) pela impugnação da lista de credores reconhecidos apresentada pela Apelante C…, nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE.

            Corresponde este entendimento, pois, à procedência do recurso.

            2.3. Entretanto, previamente à formulação da correspondente decisão da apelação, aqui deixamos nota, cumprindo o encargo referido ao relator pelo nº 7 do artigo 713º do CPC, do sumário do presente Acórdão:
I – No processo de insolvência, o impulso processual consubstanciado na apresentação de uma impugnação à lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE, não gera a obrigação, para esse impugnante, de pagamento de taxa de justiça;
II – Com efeito, integrando-se essa impugnação, no quadro do procedimento concursal, na chamada tramitação regular de verificação de créditos, regulada nos artigos 128º a 140º do CIRE (a que é desencadeada pela apresentação das reclamações dentro do prazo fixado na sentença de insolvência), é ela abrangida pela regra geral, constante do artigo 304º do CIRE, que atribui a responsabilidade pelas custas, quando a insolvência é decretada, sempre à massa insolvente;
III – Porque a obrigação de suportar o pagamento de taxa de justiça se refere ao impulso processual induzido por um interveniente processual que possa ser ulteriormente responsabilizado pelas custas, não é essa taxa devida quando a obrigação de custas não existe, logo à partida, para quem induz esse impulso processual.


III – Decisão

            3. Assim, na procedência do recurso, revoga-se o despacho de fls. 2118/2119, fixando-se ao Tribunal de primeira instância o entendimento de não ser devido o pagamento de taxa de justiça pela impugnação, por parte da Apelante C…, S.A., do conteúdo da lista de credores reconhecidos, devendo essa impugnação ser apreciada por esse Tribunal sem que ao referido Credor/Impugnante seja exigida a liquidação de tal taxa.

            Custas do recurso pela massa insolvente.

 J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Aplica-se aqui o regime dos recursos decorrente da reforma consubstanciada no Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, todas as normas do Código de Processo Civil adiante indicadas pressupõem a redacção introduzida pelo referido DL 303/2007.
Ainda no quadro da determinação da lei aplicável – desta feita por referência ao regime das custas –, sublinha-se ser aqui aplicável (trata-se de processo iniciado posteriormente a 20/04/2009) o Regulamento das Custas Processuais, aprovado Pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro (v. os respectivos artigos 26º, nº 1 e 27º, nº 1).
[2] Consubstanciando o que é usual referir-se como “apenso regular de verificação de créditos”, por oposição ao “apenso de verificação ulterior de créditos” (v. nota 9, infra). 
[3] Interessa à delimitação da situação processual aqui originada a conjugação das seguintes disposições do CIRE, destacando-se o nº 1 do artigo 130º:
Artigo 128º
Reclamação de créditos
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.
2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado no seu domicílio profissional ou para aí remetido por via postal registada, devendo o administrador, respectivamente, assinar no acto de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias, comprovativo do recebimento.
3 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
Artigo 129º
Relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos
1 - Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.
2 - Da lista dos credores reconhecidos consta a identificação de cada credor, a natureza do crédito, o montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, as garantias pessoais e reais, os privilégios, a taxa de juros moratórios aplicável e as eventuais condições suspensivas ou resolutivas.
3 - A lista dos credores não reconhecidos indica os motivos justificativos do não reconhecimento.
4 - Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser disso avisados pelo administrador da insolvência, por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40.º a 42.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia que não tenham já sido citados nos termos do n.º 3 do artigo 37.º.
Artigo 130º
Impugnação da lista de credores reconhecidos
1 - Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
2 - Relativamente aos credores avisados por carta registada, o prazo de 10 dias conta-se a partir do 3.º dia útil posterior à data da respectiva expedição.
3 - Se não houver impugnações, é de imediato proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, em que, salvo o caso de erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista.

[4] Nos termos que aqui se transcrevem:
 “[…]

Refere-se a presente reclamação ao despacho certificado a fls. 57/59, que não admitiu o recurso da Reclamante e Apelante C…, S.A., interposto e alegado nos termos certificados a fls. 3/26 (v. 17/26), recurso este que visava a conjugação decisória formada pelo despacho de 02/12/2011, certificado a fls. 8/9, com uma posterior notificação da mesma Reclamante (reconhecida pelo Tribunal no início do despacho de 10/01/2012, a fls. 30) para proceder ao pagamento de taxa de justiça com o acréscimo de multa respeitante a uma impugnação da lista de credores reconhecidos, nos termos do artigo 130º, nº 1 do CIRE.

Funda-se essa não admissão – permitindo-nos nós interpretar o sentido do despacho desse não admissão – na circunstância de não ter sido ainda proferido um outro despacho que, face à recusa da Reclamante em satisfazer o montante da taxa de justiça considerada devida (e acréscimo de multa) no despacho do qual se pretende recorrer, mandasse desentranhar a mencionada impugnação.

Estamos perante um entendimento formal – mesmo formalista, no sentido de contrário ao encarar da materialidade subjacente – da situação, em termos que, salvo o devido respeito, olvidam a verdadeira natureza decisória do trecho final do despacho de 02/12/2012 (fls. 9) quanto à tributação da impugnação nos termos do artigo 130º do CIRE e à imposição adicional de multa nos termos do artigo 486º-A, nº 3 do CPC, sendo esta a questão de fundo pretendida recorrer pela ora Reclamante.

Assim, por se entender preencher a situação os pressupostos de recorribilidade, admite-se, nos termos do nº 5 do artigo 688º do CPC, reportado ao despacho de 02/12/2011, o recurso pretendido interpor (valem a interposição e alegações de fls. 16/26) pela ora Reclamante. Trata-se de recurso de apelação com subida imediata e efeito suspensivo (artigos 691º, nº 2, alínea c), 691º-A, nº 2 e 692º, nº 3, alínea c) do CPC).
[…]”
                [transcrição de fls. 68/69 do apenso G respeitante à reclamação do artigo 688º do CPC].
[5] V. o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[6] É este, com efeito – o valor devido pelo impulso processual materializado no desencadear de determinado mecanismo processual –, o sentido da taxa de justiça, nos termos em que a define o nº 2 do artigo 447º do CPC e o trecho inicial do nº 1 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais: “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado […]” (sublinhado acrescentado), ou “[…] de cada interveniente […] (terminologia do CPC).
Anotando esta disposição do Regulamento das Custas Processuais, refere Salvador da Costa:
“[…]
Considerando a natureza e o fim da taxa de justiça, em regra contrapartida tendencial do serviço judicial desenvolvido, é pouco conseguida a expressão de que ela corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado. Mas o que a lei pretende significar é que o interessado deve pagar a taxa de justiça devida no momento em que desencadeia a respectiva actividade processual.
[…]” (Regulamento das Custas Processuais, anotado e comentado, Coimbra, 2009, p. 180).

[7] Diz este: “[p]ara efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas de administração, os incidentes do plano de pagamentos, da exoneração do passivo restante, de qualificação da insolvência e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado”.
[8] Esta distinção é traçada por Mariana França Gouveia: “[a] verificação do passivo é um apenso declarativo da acção de insolvência que tem como fim a declaração e a graduação das obrigações do devedor insolvente. Segue a estrutura de um processo declarativo ordinário […]”, correspondendo a um “[…] apenso regular de verificação de créditos, regulado nos artigos 128º a 140º do CIRE […]”, ou a um “[…] apenso de verificação ulterior de créditos, regulado nos artigos 146º a 148º do mesmo Código” (“Verificação do Passivo”, in Themis, Edição Especial – “Novo Direito da Insolvência”, 2005, p. 151).
[9] Dispões este:
Artigo 302º
Taxa de justiça
1 – A taxa de justiça é reduzida a metade no processo de insolvência quando a insolvência não seja declarada; se o processo findar antes de iniciada a audiência de discussão e julgamento, a taxa de justiça é reduzida a um quarto.
2 – Havendo plano de insolvência que ponha termo ao processo, é reduzida a dois terços a taxa de justiça que no caso seria devida.
3 – Em qualquer dos casos a que se referem os nºs 1 e 2, a taxa de justiça pode ser reduzida pelo juiz para um montante não inferior a cinco unidades de conta de custas, sempre que por qualquer circunstância especial considere manifestamente excessiva a taxa aplicável.
[10] Trata-se, a reclamação ulterior, de uma acção declarativa perfeitamente autónoma relacionada com a insolvência e não tanto, como sucede com a reclamação e verificação regular, de uma incidência estruturalmente situada no desenvolvimento sequencial normal do processo de insolvência.
[11] Note-se que este entendimento – a impugnação do artigo 130º do CIRE não suporta o pagamento de taxa de justiça – foi seguido, com base num percurso argumentativo não totalmente coincidente com o aqui adoptado, e também com base num enquadramento legislativo (regime anterior ao Regulamento das Custas Processuais) algo distinto deste, o entendimento seguido na presente decisão, dizíamos, foi adoptado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 15/11/2007 (Gomes da Silva), proferido no processo nº 1881/07-1, disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/d0caa500cc543814802573e5003cad0.
Aqui destacamos o seguinte trecho do sumário constante da indicada base:
“[…]
a. A impugnação da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos, no âmbito do processo de insolvência, apresenta-se como questão incidental da respectiva instância, correndo por apenso, sem autonomia própria.
b. Assim, o requerimento não deve suportar taxa de justiça nem a respectiva omissão de liquidação a sanção aludida no art. 690º-B CPC.
[…]”.