Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1783/07.2TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 12/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 385º, N.º1 DO CPC
Sumário: I-No procedimento cautelar impõe-se, como regra, o contraditório do requerido antes de decretamento da providência, excepto no âmbito dos procedimentos em que a lei o dispensa, como são os casos do arresto e da restituição provisória de posse.
II-A inobservância do contraditório ou da audiência do requerido deve constar sempre de despacho fundamentado.
III-A falta de fundamentação de tal despacho constitui nulidade a ser arguida pelo requerido perante a 1ª instância.
IV-O despacho que ordena a audiência do requerido é passível de recurso pelo requerente caso este haja pedido a dispensa do contraditório, e só após o trânsito em julgado de tal despacho é que deve ser citado o requerido.
V)-O contraditório só deve ser dispensado quando a audiência do requerido puser em sério risco o fim ou a eficácia da providência, e tal se compreende porque a audiência retarda o decretamento da providência, potencia o periculum in mora, eliminando a audiência o efeito surpresa da medida, bem podendo o requerido, nesse interim, agir por forma a inutilizar todo o interesse da medida cautelar.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- GUSTAVO NUNO AREOSA DE CARVALHO ANTUNES DA CUNHA intentou, em 16.07.2007, nas Varas Mistas de Coimbra, contra ISABEL MARIA DE CASTRO FILIPE MARTINS NORTON e marido JOÃO PEDRO DE QUADROS SIMÕES NORTON, procedimento cautelar comum, requerendo que, sem audiência da parte contrária, se ordene a intimação dos Requeridos para que se abstenham de vender a terceiros, que não à sociedade a constituir com o Requerente, os prédios descritos nos artigos 60 a 65 da petição, bem assim para se absterem de, em relação aos mesmos prédios, celebrarem quaisquer outros contratos-promessa, de compra e venda, com eficácia real ou meramente obrigacional, arrendamentos ou contratos de qualquer outra natureza, que possam onerar os bens em causa, devendo igualmente os Requeridos absterem-se de constituir hipotecas ou outras garantias sobre os bens em causa, reais ou pessoais, ou por qualquer forma dispuser dos referidos prédios  a favor de terceiros que não a sociedade comercial a constituir.

Para tanto, o Requerente alegou, em síntese:

-Em 19.04.2002, Requerente e Requeridos celebraram entre si o contrato, junto como doc. n.º1;

-Os Requeridos celebraram tal contrato na qualidade de proprietários de um prédio rústico, com a área de 68.850 m2, sito na freguesia de Taveiro, Coimbra, intervindo o Requerente na qualidade de arquitecto com especiais competências na elaboração de planos de pormenor e de negociação com municípios na outorga de protocolos;

-Por via desse contrato, o Requerente obrigou-se a assessorar os Requeridos na negociação, junto da Câmara Municipal de Coimbra, com vista à celebração de um protocolo para a elaboração de um plano de pormenor para o prédio rústico dos Requeridos, bem como área envolvente,com o objectivo de atribuir capacidade construtiva ao prédio;

-Foi definido que ao Requerente competia a responsabilidade pela elaboração e pagamento de todos os estudos e projectos respeitantes à execução, implementação e promoção do respectivo prédio, incluindo a elaboração do plano de pormenor;

-Em contrapartida os Requeridos obrigaram-se a constituir com o Requerente uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social será a promoção imobiliária do dito prédio, de modo a que o Requerente quinhoe na dita sociedade em função da capacidade construtiva que viesse a ser obtida para o prédio;

-Os critérios para a determinação da participação do Requerente na sociedade foram fixados no dito contrato, de modo que o Requerente teria direito a 20% da sociedade, caso a capacidade construtiva fosse igual ou superior a 30.982, 5 m2 de área bruta, correspondendo tal participação social à remuneração dos serviços prestados;

-Obrigaram-se ainda os Requeridos a transmitir gratuitamente o prédio para a sociedade a criar, caso fosse atribuída aquela capacidade construtiva através do Plano de Pormenor;

-O Requerente encetou negociações com a Câmara Municipal de Coimbra, que culminaram com o Protocolo entre o dito Município e os Requeridos, conforme documento que juntou;

-Na execução do contrato celebrado com os Requeridos, o Requerente assegurou e custeou a elaboração de um plano de pormenor para o prédio, prevendo o Plano de Pormenor uma área bruta de construção de 31.000 m2;

-A Câmara Municipal de Coimbra, irá pronunciar-se e publicar o Plano de Pormenor em causa, o que permitirá a obtenção de autorização/licença de loteamento e construção para a área em causa;

-O processo camarário respectivo está em fase final de execução, aguardando-se apenas a respectiva decisão que será favorável;

-Porém, os Requeridos, contrariando o acordado, vêm diligenciando e negociando junto de terceiros (empreiteiros e construtores civis) a venda do prédio em causa, deslocando-se à Câmara Municipal, Conservatória e Notários, no sentido de prepararem a venda do prédio;

-Têm os Requeridos manifestado publicamente a sua intenção de vender o prédio, e inclusivamente no mês de Julho do ano de 2007, tinham agendada a formalização de uma escritura pública de compra e venda do prédio, mas que não chegou a concretizar-se, continuando, porém, os Requeridos resolutos na sua intenção de vender;

-Nesses contactos com terceiros tendo em vista a venda do prédio, os Requeridos procuram que o negócio seja formalizado por baixo preço;

-A venda do prédio a terceiros impede a transmissão para a sociedade a constituir entre Requerente e Requeridos, tirando qualquer utilidade à constituição da sociedade que teria como único objecto a promoção imobiliária;

-Como a venda a terceiros impede que o Requerente seja remunerado pelos seu serviços, uma vez que a remuneração consiste na atribuição de uma quota de 20% na sociedade;

-O Requerente já investiu centenas de milhares de euros no cumprimento da sua parte no contrato celebrado com os Requeridos;

-Após aprovação do plano de pormenor e aprovação do loteamento, valerá o prédio, no mínimo, € 3.500.000, quando antes da obtenção da capacidade construtiva valeria alguns milhares de euros; 

-Face à postura dos Requeridos, a providência deve se decretada sem audição prévia destes, uma vez que se frustrará a utilidade da medida;

-O prédio em causa, identificado no contrato celebrado entre Requerente e Requeridos, deu origem a três artigos matriciais distintos e três novas descrições no registo predial. 

Na subsequente tramitação do procedimento cautelar, foi desatendido o pedido do Requerente visando a dispensa do contraditório, exarando-se no despacho, com a data de 17.07.2007, o seguinte:

Não se me afigura a preenchida a hipótese de risco sério para o fim ou eficácia da decisão.

Assim sendo, cite os Requeridos para deduzirem oposição- art. 385º, n.º2 do CPC”.

De imediato foi expedida carta registada com A/R para citação dos Requeridos, frustrando-se, porém, a citação por essa via, como se vê de fls. 55 a 58.

 

O Requerente requereu a rectificação daquele despacho e anulação da citação dos Requeridos, pretensão essa indeferida por despacho de 20.07.2007.

Inconformado, agravou o Requerente, pugnando pela total revogação do dito despacho, integrado pelo despacho de 20.07.2007, e consequente prosseguimento dos autos sem observância do contraditório dos Requeridos.

Da sua alegação extraiu as seguintes conclusões, que se resumem:

1ª-Deverá ser ordenada a rectificação do despacho, passando dele a constar que a citação dos Requeridos apenas tem lugar após o trânsito em julgado da decisão que indeferiu o pedido de dispensa de citação prévia dos Requeridos;

2ª-Atentos os factos alinhados na petição inicial, vê-se que a posição jurídico-subjectica do Requerente depende da manutenção do prédio na esfera da disponibilidade dos Requeridos;

3ª-Se os Requeridos vendem o prédio, o Requerente não poderá ver remunerados os seus serviços que, por contrato, lhe foram solicitados pelos Requeridos e que, com sucesso, efectivamente prestou;

4ª-Tais factos, designadamente a circunstância facto de os Requeridos diligenciarem pela venda do prédio, nomeadamente, deslocando-se a notários, conservatória e consultando empreiteiros, para além de legitimar o recurso à tutela cautelar comum, também justificam a dispensa do contraditório, porque a audiência prévia põe em risco sério o fim ou a eficácia da providência;

5ª-Basta que os factos alegados, na sua idoneidade abstracta e de acordo com um juízo prudente, revelem que a audiência prévia, cause risco sério de frustração da eficácia da decisão;

6ª-Estaria correcta a decisão, se o Requerente não tivesse invocado factos que, à luz da regras da experiência, tornassem plausível a existência de risco sério para a eficácia da decisão com a citação prévia dos Requeridos;

7ª-Em todo o caso, sempre o Tribunal poderia convidar o Requerente a prestar caução, nos termos do art. 390º, n.º2 do CPC, ou responsabilizá-lo, a final, se viesse a demonstrar que o procedimento foi intentado de modo leviano;

8ª-Como poderia o Tribunal inquirir, a título preparatório, as testemunhas arroladas pelo Requerente, de forma a avaliar se justificava, ou não, a dispensa de audição prévia;

9ª-A decisão recorrida viola o disposto nos arts. 381º, n.ºs 1 e 2 e 385º, n.º1, ambos do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- Como é sabido, o tema do recurso é balizado, em princípio, pelas conclusões da alegação ( arts. 690º, n.º1 e 684, n.º3, ambos do CPC).

Analisadas as conclusões do recurso interposto pelo Agravante, podem equacionar-se as seguintes questões:

1ª- Saber se, em procedimento cautelar comum, uma vez indeferida a pretensão deduzida pelo requerente visando a dispensa de audiência do requerido antes do decretamento da providência, a citação do requerido apenas deve ser ordenada após o trânsito da decisão que indefere a dita pretensão;

2ª– Definir se, no caso ajuizado, deve ser dispensada a audiência dos Requeridos antes do decretamento das providências.

Apesar de tais questões terem sido por essa ordem colocadas no recurso interposto, torna-se evidente que a solução dada à segunda questão pode prejudicar o conhecimento da primeira. Isto é, se for reconhecido que deve ser dispensado o contraditório ou a audiência prévia dos Requeridos, consequentemente não há lugar à sua citação para deduzir oposição. Com efeito, como prescreve o n.º2 do art. 385º do CPC, “quando seja ouvido antes do decretamento da providência, o requerido é citado para deduzir oposição…” A contrario, dispensando-se a audiência prévia, o requerido não é citado. Abordaremos, pois, a segunda questão em primeiro lugar.

II-1)- Na tese do Agravante, os factos alinhados no requerimento inicial justificam a dispensa da audiência dos Requeridos, porque a observância do contraditório antes do decretamento da providência põe em sério risco o fim ou a eficácia das providências requeridas.

Foram já acima relatados, em síntese, os factos e que se julga com relevância ao conhecimento ao objecto do recurso, tornando-se ociosa a repetição integral dos mesmos.

Designadamente, e com especial ênfase, alega o Requerente ter celebrado um contrato escrito com os Requeridos, conforme documento junto aos autos, em que se comprometia, na qualidade de arquitecto, a assessorar os Requeridos na negociação, junto da Câmara Municipal de Coimbra, com vista à celebração de um protocolo para a elaboração de um plano de pormenor para a área de um prédio rústico pertencente aos Requeridos, abarcando a área envolvente, com o objectivo de atribuir capacidade construtiva ao prédio. Ainda, o Requerente obrigava-se a elaborar e pagar todos os estudos e projectos respeitantes à execução, implementação e promoção do respectivo prédio, incluindo a elaboração do plano de pormenor. Nas negociações que encetou com a Câmara Municipal de Coimbra, o Requerente logrou a celebração de um Protocolo entre a dita Câmara e os Requeridos. O Plano de Pormenor, que o Requerente assegurou e custeou, aludido no Protocolo, prevê uma área bruta de construção de 31.000 m2. Aguardando-se a deliberação camarária a aprovar o Plano de Pormenor e a sua publicação, será obtido o alvará de loteamento e construção para o prédio em causa.

Como remuneração dos serviços que se obrigou a prestar aos Requeridos, estes, por seu turno, obrigaram-se a constituir com o Requerente uma sociedade comercial cujo objecto social será a promoção imobiliária do dito prédio, em que Requerente terá uma quota equivalente a 20% do capital. E para a hipótese de o Plano de Pormenor permitir a construção de, pelo menos, 30.982,5 m2 de área bruta do prédio, essa seria a participação social do Requerente, obrigando-se ainda os Requeridos a transmitir, gratuitamente, o prédio para a sociedade a criar.

Alegou, ainda, que os Requeridos, contrariando as suas obrigações de constituir com o Requerente uma sociedade comercial por quotas e transmitir, de forma gratuita, o prédio para o património dessa sociedade, diligenciam junto de terceiros a venda de tal prédio, que, a consumar-se, tira qualquer razão de ser à sociedade cujo objecto social é a promoção imobiliária do prédio. Os Requeridos têm-se deslocado sucessivas vezes à Câmara Municipal, à Conservatória competente e a diversos notários, no sentido de prepararem a venda do prédio, tendo mesmo manifestado publicamente a intenção de venda, na tentativa de obter o melhor preço. Na segunda semana do mês de Julho de 2007, os Requeridos tinham mesmo agendada a formalização da escritura pública de compra e venda do dito prédio, que não chegou a concretizar-se, mas continuando determinados na intenção de vender o prédio e fazendo constar da escritura um preço baixo, por forma a prejudicarem o Requerente. A concretização da venda do prédio impede o Requerente de ser remunerado conforme acordado e receber os dividendos resultantes da promoção imobiliária. Investiu o Requerente milhares de euros no cumprimento da sua parte no negócio, e depois de aprovado o Plano de Pormenor e loteamento, o prédio valerá, no mínimo, € 3.500.000,00, quando antes da obtenção da capacidade construtiva valeria alguns milhares de euros.

Tendo o prédio aludido no contrato, entretanto, dado origem a três prédios com artigos matriciais e descrições registrais diversas, foi requerida cautelarmente a intimação dos Requeridos para que se abstenham de alienar tais prédios a terceiros, que não a sociedade a constituir com o Requerente, e ainda se abstenham de celebrar quaisquer contratos que possam onerar os prédios ou de constituir garantias sobre os mesmos bens.

Poderá, então, concluir-se, atenta a factualidade alegada, que a audiência dos Requeridos antes do decretamento das providências requeridas, põe em sério risco o fim ou a eficácia das providências?

Como resulta claramente da lei (n.º1 do art. 385º do CPC), no procedimento cautelar comum, como regra, impõe-se a audiência do requerido antes do decretamento da providência. Como tal, deverá ser citado ou notificado para deduzir oposição (n.º2 do mesmo artigo). Tal disposição está em consonância com o disposto no n.º2 e 3º do art. 3º do CPC, prescrevendo n.º2 que “só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida”. È o chamado princípio do contraditório, como um dos princípios basilares do ordenamento processual. O contraditório (audi alteram partem) é, em princípio, útil e desejável, porque os interesses das partes merecem a mesma protecção, e só assim o Tribunal logra uma visão completa da situação em litígio.

Assim, no âmbito das providências cautelares, prevê expressamente o legislar a dispensa da audiência do requerido antes do decretamento da medida, como acontece na restituição provisória de posse (parte final do art. 394º do CPC) e no arresto (n.º 1 do art. 408º do CPC). 

Permitindo, porém, o n.º1 do citado art. 385º, atinente ao regime do procedimento cautelar comum, que o tribunal excepcionalmente dispense o contraditório antes do decretamento da providência, “quando a audiência puser em risco sério o fim ou eficácia da providência.” Não carecendo a inobservância do contraditório do requerido de ser pedida pelo requerente. Mas, em qualquer caso, sempre a inobservância do contraditório do requerido deve constar de despacho fundamentado[1] (n.º1 do art. 153º do CPC e 205´, n.º1 da CRP), contra o qual poderá agravar o requerido, uma vez notificado da decisão que ordenou a providência. A inobservância do contraditório sem apoio em despacho, legitima a arguição de nulidade perante a 1ª instância[2]. Sendo indeferida e pretensão do requerente visando a dispensa do contraditório do requerido, tal despacho, também fundamentado, deve ser notificado ao requerente.

No caso ajuizado, o despacho que indeferiu a pretensão do Requerente,  não está devidamente fundamentado, limitando-se a consignar que “não se me afigura preenchida a hipótese de risco sério para o fim ou eficácia da decisão”. Mas tal nulidade (alínea b) do n.º1 do art. 668º do CPC), não impede que este Tribunal conheça do mérito do recurso, porque consta dos autos os factos a ter em conta (art. 715º, n.º1 e 749º, ambos do CPC).

Mas, afinal, a audiência prévia dos Requeridos antes do decretamento das providências requeridas, tal como defende o Agravante, põe em sério risco o fim ou a eficácia daquelas providências ?

É evidente que a audiência prévia do requerido em procedimento cautelar retarda o decretamento da providência, potencia o periculum in mora, uma vez que permite a contestação e indicação de prova. Eliminando tal audiência o efeito surpresa da medida, tal diligência pode comprometer a utilidade da providência ou o fim que com ela se pretenda conseguir. Nesse interim, o requerido, tendo tomado conhecimento da pretensão do requerente, pode agir por forma inutilizar todo o interesse da medida cautelar. Como exemplifica, a propósito, o Professor Alberto dos Reis[3], “o requerente está sob a iminência de um dano; o dano traduz-se em determinada actuação da pessoa com quem está em conflito; se esta pessoa for ouvida antes de decretada a providência, pode suceder que se frustre a utilidade desta, porque o arguido, avisado do que se requereu, praticará, antes de tomada a providência, os actos que com ela se pretendiam evitar”. Como do exercício do contraditório antes do decretamento da providência pode resultar demora susceptível de aumentar ou prolongar o dano[4] . No tocante à providência do arresto o legislador dispensou a audiência prévia do requerido, justamente porque aquela diligência era susceptível de retirar efeito útil à medida, bem podendo o requerido devedor agir, nesse intervalo de tempo, por forma a dissipar ou ocultar todo o seu património.

Ponderando o alegado direito do Requerente, recaindo sobre os Requeridos a obrigação de constituir com o Requerente uma sociedade comercial, em que este participará com uma quota de 20%, tendo essa sociedade por escopo a negociação imobiliária do prédio que os Requeridos se obrigaram a transferir, gratuitamente, para a dita sociedade. Ponderando também, conforme alegado, que os Requeridos  têm vindo a  diligenciar ultimamente junto de terceiros pela venda do prédio, deslocando-se  a Notários, à Conservatória competente, à Câmara Municipal, tendo mesmo agendado a formalização de escritura pública de compra e venda, mas que não chegou a concretizar-se. Mantendo-se os Requeridos resolutos no propósito de vender a terceiros o dito prédio, é óbvio que a realização da venda tira toda e qualquer utilidade à constituição da sociedade, assim lesando o direito do Requerente e obstando a que seja remunerado nos termos contratados. Nesse contexto, a audiência prévia dos Requeridos pode comprometer seriamente a finalidade ou eficácia das providências visando a intimação dos Requeridos para que se abstenham de vender a terceiros, que não a sociedade a constituir com o Requerente, os prédios em que o primitivo se desdobrou, ou mesmo celebrar contratos promessa de compra venda ou contratos de qualquer outra natureza que possam onerar os prédios e ainda sobre eles fazer incidir garantias. No intervalo de tempo reservado ao exercício do contraditório, e antes da decisão final, bem podem os Requeridos, conhecendo a pendência do procedimento cautelar, alienar ou onerar os prédios, praticando, deste jeito, os actos que com as medidas cautelares se pretende evitar. Como assim, o eventual decretamento das providências não terá qualquer efeito útil, correspondendo a pura e inglória perda de tempo. A realização do direito do Requerente pode perigar por via do conhecimento da pretensão deduzida. Os factos alegados pelo Requerente e imputados aos Requeridos, de acordo com um juízo prudente ou analisados à luz das regras da experiência comum[5] são de molde a causar, pois, sério risco de frustração da utilidade das medidas cautelares requeridas.

Em suma, justifica-se a tramitação do procedimento cautelar sem a audiência prévia dos Requeridos, assistindo razão ao Requerente/Agravante.

II-2)- Como já acima se observou, a solução dada à segunda questão poderia prejudicar o conhecimento da primeira. Efectivamente, impondo-se a revogação do despacho que julgou indispensável a audição dos Requeridos antes do decretamento das medidas cautelares, dessa forma indeferindo a pretensão do Requerente, revogado fica também na parte em que ordenou, de imediato, a citação dos Requeridos para deduzir oposição, pressupondo aquele acto processual a audiência prévia dos Requeridos (n.º 2 do art. 385º do CPC). A citação destina-se a chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa, com vista à sua defesa (n.º1 do art. 228º do CPC). 

 Dir-se-á, não obstante, que ao Requerente também assiste razão ao defender que, no caso vertente, tendo requerido as medidas cautelares, sem audiência da parte contrária, a citação apenas deveria ser ordenada após trânsito em julgado do despacho de indeferimento, que, para além de ser fundamentado, carece de notificação ao Requerente, sendo passível de recurso nos termos gerais. Com efeito, não se trata de despacho de mero expediente ou proferido no uso legal de um poder discricionário (n.º 4 do art. 156º do CPC), “tendo em conta os prejuízos que, na perspectiva do requerente, podem advir da audição”[6]. Como bem refere o Agravante, a concretização da citação dos Requeridos antes do trânsito da decisão que indefere o pedido de dispensa de audição prévia daqueles condena à inutilidade o (eventual) recurso que o Requerente pretenda interpor dessa decisão.

Procedem, em consequência, as conclusões em que a divergência a esse se respeito se revela, contrariando o despacho de 20.07.2007, que é parte integrante da decisão impugnada.

III- Nos termos e pelos fundamentos expostos, não se justificando a audiência prévia dos Requeridos, acorda-se em revogar o despacho impugnado que deverá ser substituído por outro a determinar o prosseguimento dos autos.

Custas a cargo da parte vencida a final.


[1] Cfr., a este respeito, acórdãos do STJ, publicados no BMJ n.º 456º, p. 37; e 459º, p. 444; acórdão do STJ, , de 09.04.1991, publicado na AJ 18º, p. 13; acórdão do Tribunal Constitucional, publicado no BMJ 366º, p. 234; acórdão desta Relação, publicado na CJ 2000, 5º, p. 10; acórdão da Relação de Lisboa, sumariado no BMJ n.º 474º, p. 540; acórdão da Relação do Porto, publicado na CJ 1994, 4º, p. 206; na doutrina, “ Temas da Reforma do Processo Civil”, - Procedimento Cautelar Comum”, 3º, vol.3º, , p. 165, de Abrantes Geraldes
[2] Cfr. acórdão do STJ, publicado no BMJ n.º 459º, p. 451; acórdão da Relação do Porto, publicado na CJ 1994, 4º, p. 206 e acórdão desta Relação, publicado na CJ 2004, 1º, p. 22.
[3]  In  Código de Processo Civil Anotado, 1º vol., p. 689.
[4] Cfr. acórdão do STJ, publicado no BMJ 131º, p. 328.
[5] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, p. 123, de Alberto dos Reis
[6] Cfr. obra citada de Abrantes Geraldes, p. 173.