Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2928/03.7TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
PESSOA SINGULAR
RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
Data do Acordão: 09/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA – 5ºJUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 27º, Nº 1, 240º A 245º DO CPEREF (D.L. Nº 132/93, DE 23/04)
Sumário: I – Estabelece o artº 27º, nº 1, do CPEREF, que o devedor insolvente que não seja titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado pode ser declarado em situação de falência, mas não pode beneficiar do processo de recuperação.

II - Porém, ser-lhe-á possível evitar a declaração de falência, mediante a apresentação de concordata que o juiz homologue nos termos dos artºs 240º a 245º.

III – Uma vez assente que o devedor não titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo de falência for instaurado está em situação de insolvência – isto é, que se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível – a declaração de falência só poderá ser evitada mediante a apresentação de concordata que o juiz homologue, nos termos dos artºs 240º a 245º do CPEREF.

IV – A concordata particular assegura aos devedores insolventes que não podem beneficiar dos meios de recuperação – nos termos do artº 27º - uma função sucedânea da deste instituto.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A..., casado, com domicílio profissional na Rua ......., e B..., com domicílio na Rua ........., instauraram acção especial de falência, ao abrigo do DL nº 132/93, de 23.04, alterado pelo DL nº 315/98, de 20.10 (adiante designado por C.P.E.R.E.F), contra C... e D...., casados entre si, residentes na Rua..............., pedindo que seja declarada a falência dos requeridos, para o que alegam factos tendentes a demonstrar a situação de insolvência e a inviabilidade económica dos mesmos.
Cumpridas as citações ordenadas, nos termos do disposto no art. 20º do C.P.E.R.E.F., foram justificados créditos.
Foi deduzida oposição à falência por parte dos requeridos e, bem assim, por parte de E...., pugnando aqueles pela improcedência do pedido e pela condenação dos requerentes em litigância de má fé e concluindo esta pela adopção da medida de gestão controlada.
Realizadas as diligências necessárias, foi proferido despacho de prosseguimento dos autos como acção de falência, tal como estipula o art. 25º do CPEREF.
Atenta a oposição deduzida ao requerimento de falência, foi designada data para a audiência de julgamento a que alude o art. 124º do CPEREF, audiência essa que foi realizada e em cujo âmbito foi proferido o despacho de fls. 1942 a 1947 decidindo a matéria de facto.
Foi depois emitida a sentença de fls. 1952 a 1962 julgando a acção improcedente e indeferindo o pedido de declaração dos requeridos em estado de falência.
Inconformados, os requerentes A... e B... interpuseram recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Na alegação apresentada formularam os apelantes as conclusões seguintes:
1. Estando provados os factos que constam da douta decisão de fls. , é manifesto que a acção tem de proceder – é que perante tais factos, resulta evidente que os requeridos estão numa situação patrimonial que os impossibilita de cumprir as suas obrigações.
2. Dos factos provados resulta que os requeridos devem aos credores, que não beneficiam de garantia real sobre quaisquer bens a quantia global de 2.346.425,00 €.
3. Sobre tais créditos incidem juros de mora, que, se forem apenas calculados à taxa de 4% (e alguns terão de ser calculados a taxa superior), ascendem, neste momento, a, pelo menos, 527.445,00 €.
4. Dos créditos garantidos por hipoteca, os requeridos devem ao BTA a quantia global de 1.044.428,81 €, a que acrescem juros demora que neste momento ascendem, pelo menos à quantia de 229.786,04 €.
5. Os requeridos devem ainda ao BES a quantia global de 853.763,96 €, a que acrescem juros de mora que, neste momento, ascendem, pelo menos, à quantia de 168.000,00 €, sendo certo que o crédito no montante de 411.089,28 € está garantido por hipoteca.
6. Mesmo sem contar com o crédito do BCP, o montante global das dívidas dos requeridos é, neste momento, de 4.244.671,67 €, a que acrescem juros de mora que neste momento ascendem, pelo menos, à quantia de 925.241,04 € - logo, 5.169.912,71 €.
7. Por outro lado, o activo dos requeridos ascende a 1.213.915,00 €, como resulta dos factos provados, assim descriminado: casa de Marrazes (795.840,00 €), casa de Gandra dos Olivais (118.075,00 €), andar de Lisboa (150.000.00 €) e recheio da casa de Marrazes (150.000,00 €).
8. Não releva para a fixação do valor do património dos requeridos a máquina de melamina que pertence à F...., SA, no valor de 550.000,00 €, pois que tal máquina pertence a essa sociedade e não está determinado o valor patrimonial da posição social do requerido marido no capital social da F..., SA.
9. Também não releva para o mesmo efeito o facto de os requeridos serem detentores de quotas no capital social da G..., Lda, pois que não se sabe qual seja o valor de tais quotas – para mais que as mesmas estão penhoradas e não se consegue a sua venda.
10. Mas mesmo que relevasse, sempre tal valor nunca permitiria aos requeridos a satisfação do seu passivo.
11. Assim, é manifesto que os requeridos se encontram numa situação patrimonial que os impossibilita de cumprir as suas obrigações.
12. Na verdade, o valor dos prédios urbanos acima identificados – casa de Marrazes, casa de Gandra dos Olivais e andar de Lisboa – não é suficiente para pagar os créditos garantidos por hipoteca, tanto mais que a quase totalidade dos créditos reclamados – embora a recorrente os impugne – resultam da actividade comercial do marido da recorrente.
13. Por outro lado, os demais bens são mais do que insuficientes para pagar os demais credores – entre eles, os requerentes.
14. Quanto aos salários dos requeridos, é manifesto, atento o seu valor e ainda o facto de que o valor equivalente ao salário mínimo não é penhorável, que os credores teriam de esperar cerca de 320 anos para verem satisfeitos os seus créditos.
15. Ou seja, os salários dos requeridos também não são de montante, que lhes permita cumprir as suas obrigações perante os credores.
16. Assim e nos termos do art. 3° do CPEREF, que se mostra violado, deve ser revogada a douta sentença em recurso e deve ser declarado que os requeridos se encontram numa situação de falência.
Os apelados responderam defendendo a manutenção do julgado.
Colhidos os pertinentes vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste tribunal foi colocada essencialmente a questão de saber se, face à factualidade dada como provada, era ou não de decretar a falência dos requeridos.
Consigna-se desde já que, tendo em conta as datas da propositura da acção de falência e da entrada em vigor do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004 de 18/03 e alterado pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de 18/08, bem como o regime transitório estabelecido no artº 12º do aludido Decreto-Lei nº 53/2004, é aplicável ao presente processo o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93, de 23/04 e alterado pelos Decretos-Leis nºs 157/97, de 24/06, 315/98, de 20/10, 323/2001, de 17/12 e 38/2003, de 08/03 [1] .
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
Não tendo sido impugnada a decisão sobre a matéria de facto nem havendo fundamento para oficiosamente a alterar, tem-se como assente a factualidade dada como provada na 1ª instância e que é a seguinte:
1. Em Janeiro de 1999, os requerentes declararam vender aos requeridos, que declararam comprar-lhes, participações sociais, tendo o preço desse acordo sido titulado por letras de câmbio aceites por F... – , sociedade de que são sócios os ora requeridos, e que as avalizaram, e que não foram pagas nas respectivas datas de vencimento.
2. Consequentemente, e sob o nº ...../00, o requerente B... intentou, pela 3ª Vara Cível, 1ª Secção, do Porto, uma execução contra F... – , e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de 42.478.417$00 (contravalor em euros de € 211.881,45), correspondente ao capital em dívida e juros vencidos, bem como os juros vincendos.
3. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.
4. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação do Porto em 06.05.2003, transitado em julgado em 22.05.2003.
5. Sob o nº 463/2001, corre temos no Tribunal Judicial da Sertã, uma execução em que o requerente A... demanda F... , e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de € 137.527,94 de capital, acrescida de juros.
6. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.
7. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação de Coimbra em 13.05.2003, transitado em julgado em 29.05.2003.
8. Nas sobreditas execuções, os requerentes, na sequência de desconformidade entre as áreas da matriz e as do Registo Predial, não conseguiram rapidamente registar as penhoras, e viram ainda os requeridos levantar incidente de avaliação dos bens penhorados, onde atribuíam aos bens nomeados à penhora e descritos sob os números 540º e 543º da freguesia de Leiria, o valor de 374.098,42 €, os quais depois foram vendidos apenas por 54.031,79 €, isto é, por 14,5% do valor atribuído.
9. Uma vez ordenada a penhora do prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 2978, onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), constatou-se que, sobre ele, os requeridos haviam constituído e registado duas hipotecas a favor do Banco Totta & Açores, S.A., até aos montantes máximos de € 418.990,24 e € 625.492,57.
10. Tais hipotecas foram registadas em 01.03.2002, antes do registo da penhora, e para garantia de financiamentos feitos ou a fazer à sociedade familiar dos requeridos denominada G..., com sede em Marrazes, Leiria.
11. Os requeridos, em 1 de Agosto de 1997, outorgaram procuração irrevogável a favor do Banco Espírito Santo, conferindo a este poderes especiais para, sobre o mesmo prédio, requerer actos de registo de hipoteca para garantia de responsabilidades assumidas ou a assumir perante o mandatário até ao valor de 72.500.000$00.
12. Durante o ano de 2002 os requeridos alienaram os seus bens imóveis, cuja localização, inscrição na matriz e descrição predial são as seguintes:
-Na Freguesia de Souto da Carpalhosa: seis prédios rústicos inscritos na matriz nos artigos 15.533º, 17.271º, 15.586º, 15.419º, 15.498º, 15.527º com uma área total de 18.350 m2 e descritos na Conservatória do Registo Predial respectivamente, sob os nº 4.813, 4.814, 4.811, 4.812, 4.809 e 4.810.
-Na freguesia de Leiria: duas parcelas de terreno para construção, Lote 2-A, inscrito na matriz urbana no artigo 2.846º e Lote 7-A inscrito no artigo 2.847º.
-Prédio rústico com 561.250 m2, sito na Freguesia da Chamusca inscrito no artigo Um e descrito no Registo Predial sob o número 122 Secção Y.
13. O requerido, como gerente, aufere o vencimento que retira da H..., com sede em Gândara dos Olivais, Marrazes, Leiria, no montante de 748,20€ /mês; a requerida, como funcionária pública, professora do ensino básico, tem um vencimento mensal da ordem dos 750.00 Euros.
14. A quota do requerido na sociedade onde os requeridos são sócios e gerentes, mais precisamente, na G..., com sede em Marrazes, Leiria, tal como a sua quota na H..., foram penhoradas em execução movida pelo fornecedor de madeira E... (Exec. Ord. Nº 179/2002 da 1ª secção da Vara Mista e Juízos Criminais de Coimbra).
15. O requerido é o principal accionista e Presidente do Conselho de Administração da F... , sociedade maioritariamente detentora de participações sociais da I....
16. É Presidente do Conselho de Administração da I...., com sede em Proença-a-Nova, e que se encontra actualmente paralisada.
17. A oponente E..., SA, alegou ser credora dos requeridos em € 795.837,00 e que tem emitida a seu favor uma garantia bancária no valor máximo de 40.000.000$00 (contravalor em euros de € 199.519,16);
18. Banco Espírito Santo, SA, Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A., e Caixa Geral de Depósitos, S.A., justificaram e reclamaram créditos sobre os requeridos, respectivamente, nos montantes de cerca de € 853.763,96, € 292.497,29 e € 998.026,28.
19. O crédito justificado pela Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A., advém de contratos de mútuo celebrados com a sociedade F... , onde os requeridos assumiram a posição de fiadores, renunciando ao benefício de excussão prévia.
20. O crédito justificado pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., resulta de contratos de mútuo celebrados com a sociedade F... , onde os requeridos assumiram a posição de avalistas.
21. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, do prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2274 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 5752/19990617 da freguesia de Marrazes.
22. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 15.10.2001, uma hipoteca a favor do Banco Espírito Santo, S.A., com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28.
23. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, da fracção denominada pelas letras “AQ”, correspondente ao 10º andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1535 e descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 00703/190789 da freguesia do Lumiar.
24. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 02.10.2001, uma hipoteca a favor do Banco Espírito Santo, S.A., com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28 [2] .
25. O prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 2978, onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), tem o valor de € 795.840,00.
26. A sociedade F..., é detentora de uma linha de revestimento a papel melamínico, que se encontra nas instalações da I..., em Proença-a-Nova, e que tem o valor de € 550.000,00.
27. No imóvel supra referido sob o nº 22, existe recheio no valor de € 150.000,00.
28. O imóvel que se encontra descrito sob o nº 5752 da freguesia de Marrazes (prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros) tem um valor real de € 118.075,00.
28. A fracção autónoma denominada pelas letras “AQ” do prédio descrito na 7ª CRP de Lisboa sob o nº 703 (correspondente ao 10º andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento) tem um valor de € 150.000,00.
29. A G... continua a exercer a sua actividade, mantendo 12 trabalhadores ao seu serviço.
30. Ao proporem a presente acção, os requerentes tinham conhecimento da existência de alguns dos bens supra referidos e que a pendência desta acção desacreditou os requeridos perante terceiros e condicionou a sua actividade comercial e industrial.
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2.2. De direito
Os requeridos foram demandados, pedindo-se a declaração da sua falência, na qualidade de pessoas singulares, não titulares de empresa.
Estabelece o artº 27º, nº 1, que o devedor insolvente que não seja titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado pode ser declarado em situação de falência, mas não pode beneficiar do processo de recuperação; ser-lhe-á, contudo, possível evitar a declaração de falência, mediante a apresentação de concordata que o juiz homologue nos termos dos artigos 240.° a 245.°. E acrescenta o nº 2 que é aplicável ao devedor insolvente não titular de empresa, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos anteriores relativamente à falência.
As empresas em situação económica difícil ou em situação de insolvência podem ser objecto de uma medida ou de uma ou mais providências de recuperação ou ser declaradas em situação de falência (artº 1º, nº 1).
É considerada em situação económica difícil a empresa que, não devendo considerar-se em situação de insolvência, indicie dificuldades económicas e financeiras, designadamente por incumprimento das suas obrigações (artº 3º, nº 2).
É considerada em situação de insolvência a empresa que se encontre impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível (artº 3º, nº 1).
Constituem providências de recuperação da empresa a concordata, a reconstituição empresarial, a reestruturação financeira e a gestão controlada (artº 4º).
Em caso de insolvência, optar-se-ia pela recuperação ou pela falência conforme a empresa se mostrasse ou não economicamente viável ou se considerasse ou não possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira (artº 1º, nº 2).
São, segundo o artº 8º, nº 1, factos reveladores da situação de insolvência: (a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; (b) Fuga do titular da empresa ou dos titulares do seu órgão de gestão, relacionada com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo, ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade; (c) Dissipação ou extravio de bens, constituição fictícia de créditos ou qualquer outro procedimento anómalo que revele o propósito de o devedor se colocar em situação que o impossibilite de cumprir pontualmente as suas obrigações.
O devedor insolvente que, por não ser titular de empresa, não beneficie dos meios de recuperação previstos no título II, pode evitar a declaração de falência requerida pelos credores submetendo à homologação do juiz, até à data da sentença, uma proposta de concordata particular (artº 240º, nº 1).
Independentemente do pedido de declaração de falência apresentado por iniciativa dos credores ou do próprio devedor, podem aqueles ou este, até à data da sentença, submeter à homologação do juiz uma proposta de concordata particular (nº 2).
Da interpretação conjugada das diversas normas legais mencionadas, com realce para os artºs 27º e 240º, resulta, se bem vemos, que o devedor insolvente que não seja titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado, como não pode beneficiar do processo de recuperação, só não será declarado em situação de falência se for apresentada até à data da sentença, por ele ou pelos credores, concordata particular que o juiz homologue.
Ou seja, assente que o devedor não titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado está em situação de insolvência – isto é, que se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível – a declaração de falência só poderá ser evitada mediante a apresentação de concordata que o juiz homologue nos termos dos artigos 240º a 245º.
Não sendo possível recorrer ao processo de recuperação, de todo inadequado à situação, havia que decidir sobre a possibilidade de ser prevenida a declaração de falência do devedor insolvente não titular de empresa. A lei veio permiti-lo através do recurso à concordata particular, regulada nos artºs 240° e seguintes [3] .
A concordata particular, cuja regulamentação se contém nos artigos 240º a 245º, como se vê do primeiro destes preceitos, assegura aos devedores insolventes que não podem beneficiar dos meios de recuperação – nos termos do artº 27º – uma função sucedânea da deste instituto [4] .
Aplicando o regime atrás delineado ao caso dos autos, sendo certo, por um lado, que os requeridos são devedores não titulares de empresa e, por outro, que os mesmos não apresentaram concordata particular, a declaração ou não da sua falência dependerá de saber se estão ou não em situação de insolvência.
As diligências efectuadas e os elementos recolhidos na primeira fase do processo conduziram o tribunal à conclusão de que a situação de insolvência se verificava e ao proferimento do despacho de prosseguimento da acção previsto no artº 25º.
Nesse despacho escreveu-se textualmente:
“Na verdade, julgo estar sumariamente verificada a impossibilidade dos requeridos cumprirem pontualmente a generalidade das suas obrigações, assim como que os mesmos, por vários meios, se terão colocado em situação que os impossibilita de cumprir pontualmente as suas obrigações, estando em situação de insolvência, isto porque, atento o montante da dívida aos requerentes, vencida há mais de um ano, o montante elevado do passivo total dos requeridos na data presente, a quase inexistência de activo, os poucos rendimentos mensais que auferem, só pode evidenciar a situação de insolvência.”
É certo que os requeridos poderiam ainda, na audiência de julgamento, provar a sua solvência e, desse modo, evitar a declaração de falência.
Mas, se bem vemos, não alcançaram tal objectivo.
Com efeito, analisando e ponderando cuidadosamente toda a factualidade provada, concluímos que dela resulta com alguma clareza a situação de insolvência dos requeridos.
Não atribuindo, por absoluta inexistência de indícios nesse sentido, a falta de pagamento dos créditos dos requerentes a uma especial má vontade contra eles, e conjugando essa falta de pagamento com os demais factos assentes, designadamente os relativos às outras dívidas dos requeridos e aos ónus e encargos que recaem sobre os seus bens, a conclusão a que se chega é a de que os requeridos se encontram impossibilitados de satisfazer pontualmente a generalidade das sua obrigações e, por isso, em estado de insolvência.
As obrigações incumpridas – dívidas aos requerentes – são de montante elevado (€ 349.409,09 + juros) e o incumprimento subsiste mesmo após a improcedência dos embargos opostos às execuções oportunamente intentadas. O montante e as circunstâncias do incumprimento apontam decisivamente para a já referida impossibilidade de os devedores satisfazerem pontualmente a generalidade das suas obrigações. E para a falada insolvência.
Na sentença recorrida não se concluiu que os requeridos não estivessem em situação de insolvência. Apesar disso, não se decretou a falência por se entender que, por ora, existe viabilidade dos requeridos (…). Mas, tratando-se de devedores insolventes não titulares de empresa, impossibilitados de beneficiar do processo de recuperação, a viabilidade capaz de obstar à declaração de falência deveria manifestar-se através da oportuna submissão à homologação do juiz de proposta de concordata particular. Coisa que os requeridos não fizeram.
Aliás, na sua contra-alegação os apelados não negam a sua situação de insolvência, esgrimindo antes com a inexistência de inviabilidade económica ou de irrecuperabilidade financeira [5] . Conceitos que, tratando-se de empresa, obstariam à declaração de falência, remetendo para a o processo de recuperação (artº 1º, nº 2). Mas que, estando em causa devedores insolventes não titulares de empresa, só objectivados através da oportuna submissão à homologação do juiz de proposta de concordata particular poderiam lograriam conduzir a resultado semelhante.

Vingam, pois, as conclusões da alegação dos recorrentes, o que leva à procedência da apelação e à revogação da sentença sob recurso.
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3. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, com a consequente falência dos requeridos C... e D..., a ser declarada na 1ª instância.
Custas pela massa falida.
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Coimbra,
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[1] Serão, por isso, do CPEREF as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Os factos que antecedem este facto, incluindo-o, retiram-se quer dos factos que foram dados como provados no despacho de prosseguimento da acção, quer ainda dos documentos até então juntos aos autos e, bem assim, da certidão junta no início da sessão de 15.11.2007. Os subsequentes relatam os factos que se provaram em sede de audiência de julgamento.
[3] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CPEREF Anotado, 3ª edição, 1999, pág. 128.
[4] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, CPEREF Anotado, 3ª edição, 1999, pág. 539.
[5] Na conclusão 3ª afirmam expressamente que “a situação de insolvência foi declarada pelo Tribunal da Comarca de Leiria por despacho de fls. 573 e a sentença de que se recorre não negou que or requeridos estivessem numa situação de Insolvência (art. 3º/1 do CPEREF), mas sim que se não verificava a situação de Falência (art. 1º/2 do CPEREF), por ter concluído que «por ora, existe viabilidade dos requeridos»”.
E na conclusão 16ª dizem que “Os requeridos não se encontram em situação de inviabilidade económica ou de irrecuperabilidade financeira (…)”