Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1459/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
PRESCRIÇÃO
PETIÇÃO DEFICIENTE
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 09/28/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.467 N.º1 C), 508.º DO CPC E ARTS.500.º, 504.º E 498.º N.º1 DO CC
Sumário: 1. Face ao estatuído no art.467 n.º1 d) do CPC, só é admissível a alegação por remissão para documentos juntos com a petição inicial, desde que neles os factos estejam inequivocamente individualizados, sem quaisquer dúvidas ou ambiguidades, até para que fique definida a causa de pedir, com as implicações processuais inerentes, designadamente, a estabilidade objectiva da instância.
2. O despacho pré-saneador de aperfeiçoamento de articulados deficientes, proferido ao abrigo do art.508.º, n.º 1 b) e n.º3 do CPC, não é um despacho vinculado, pois inscreve- se no poder discricionário do juiz (artigo 156.º, n.º (4 do Código de Processo Civil).
3. A sua omissão não gera qualquer nulidade processual e não é sindicável por via recursiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1. - O Autor – A... – instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus:
1º) - B...;
2º) - C...;
3º) - D....
Alegou, em resumo:
No dia 7 de Março de 1998, ocorreu uma colisão entre o veículo de matrícula RQ-62-77, pertencente à 2ª Ré e conduzido pelo 3º Réu, no qual seguia o Autor, e o veículo ligeiro de mercadoria de matrícula OE-58-94, conduzido por E..., sua proprietária, a qual transferira a sua responsabilidade para a 1ª Ré.
Em consequência dessa colisão, o Autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais
Pediu a condenação da 1ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 18.599,58, acrescida de juros de mora, desde a citação.
Contestou a 1ª Ré, defendendo-se, em síntese:
Por excepção, arguiu a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito do Autor.
Por impugnação, admitiu a colisão entre os veículos, desconhecendo, contudo, como a mesma ocorreu, bem assim os danos alegados.
Contestaram os 2º e 3º Réus, excepcionando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição do direito do Autor, impugnando a versão do acidente.
Replicou o Autor, alegando ter existido erro na forma de processo, e requereu a intervenção provocada da F....

1.2. - Findos os articulados, foram proferidos, na mesma data, dois despachos.
No despacho pré-saneador decidiu-se:
a) - Julgar procedente o erro na forma de processo, ordenando-se o prosseguimento da acção com forma de processo ordinário, corrigindo-se a distribuição;
a) - Julgar improcedente o incidente de intervenção principal provocada requerido pelo Autor.
No despacho saneador, decidiu-se:
c) - Julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva e absolver os 2º e 3º Réus da instância;
d) - Julgar procedente a excepção de prescrição do direito de indemnização do Autor e absolver do pedido a Ré Seguradora.

1.3. - Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1º) - Salvo o devido respeito, as decisões constantes da sentença recorrida assentam na concepção, errada, de que não foram alegados factos susceptíveis de integrarem pressupostos de que depende a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos.
2º) - Na sentença recorrida é, repetidamente, assumido que o A. se limitou a alegar a responsabilidade objectiva (pelo risco) do R. D..., o que não corresponde à verdade,
3º) - O A. juntou, aquando da entrada em juízo da petição inicial (cfr. artigo 7° daquele articulado), cópia do Auto de Participação e Acidente, documento que deu integralmente reproduzido para os legais efeitos", e no qual são alegados os factos susceptíveis de demonstrar a culpa do R. D... e/ou da condutora do veículo OE-58-94.
4º) - Ora, dar um documento por integralmente reproduzido, mais do que uma expressão convencional, significa que se assume como parte do articulado todo o seu conteúdo.
5º) - No caso concreto, o documento junto descreve as condições em que ocorreu a colisão, condições meteorológicas, condições da estrada, taxa de alcoolemia, danos resultantes, identificação dos intervenientes, etc., sendo certo que todos estes aspectos são parte integrante da p.i..
6º) - Posto isto, nunca poderia o Mmo. Juiz a quo concluir que o A. não alegou quaisquer factos relativos à culpa do R. D..., quando muito, poderia entender que os factos alegados são insuficientes (o que não se concede) para sustentar a sua pretensão, situação em que se imporia uma solução diversa da que adoptou.
7º) - De facto, e após a Reforma de 1995, estabelece a lei processual, na alínea b) do nº 1 do artigo 508º do Código do Processo Civil, que, findos os articulados, o Juiz profere despacho destinado a "convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados", concretizando, no nº 3, que "pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada".
8º) - Esta alteração procura devolver a primazia à justiça material do caso sobre a justiça formal.
9º) - O legislador assume claramente que "no que se refere à exacta definição da regra do dispositivo, (…)a sua vigência não preclude ao juiz a possibilidade de fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos factos instrumentais que, mesmo por indagação oficiosa, lhes sirvam de base. E, muito em particular, consagra-se (...) a atendibilidade na decisão de factos essenciais à procedência do pedido ou de excepção ou reconvenção que, embora insuficientemente alegados pela parte interessada, resultem da instrução e discussão da causa, desde que o interessado manifeste a vontade de os aproveitar", in Preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12.
10º) - Note-se, que estamos perante um verdadeiro poder-dever, acarretando, a sua violação, uma nulidade processual ( neste sentido o Ac. da Relação do Porto de 28/02/2000, in www dgsi.pt/trp )..
11º) - Ainda que se assuma os factos alegados pelo A. como insuficientes para a procedência do pedido, e uma vez que do processo constam factos que poderiam, depois de feita a competente prova, fundamentar a responsabilidade por factos ilícitos, tendo aquele manifestado claramente a pretensão de os aproveitar, sempre se dirá que impendia sobre o Julgador o poder -dever de convidar o A. a aperfeiçoar o articulado, ao invés de se limitar realizar a justiça formal do caso, como fez.
12º) - Igualmente de rejeitar o argumento de que o A. invocou expressamente a figura da responsabilidade objectiva (pelo risco) do artigo 503º do Código Civil, com o que teria delimitado o âmbito decisório.
13º) – Se é certo que o julgador está (hoje, menos) limitado pelos factos alegados pelas partes, certo é também que não está sujeito às alegações daquelas no tocante à indagação, interpretação e aplicação do Direito -é o que resulta do disposto no artigo 664º do Código do Processo Civil.
14º) - Havendo, como há, no processo factos susceptíveis de integrar a figura da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, e tendo a parte manifestado intenção de os aproveitar, o julgador podia e devia ter convidado o A. a aperfeiçoar o articulado, já que considerava insuficientes (aparentemente, mesmo inexistentes) os factos alegados, mas não o fez.
15º) - Ainda que se considere que o A. ampliou a causa de pedir, tal alteração foi feita no momento e pelo meio próprios, nos termos do nº 1 do artigo 273º do Código do Processo Civil, donde, mais uma vez, competia ao julgador, se entendia não estarem invocados todos os factos de que dependia a culpa dos RR., convidar as partes as aperfeiçoar a exposição apresentada em juízo.
16º) – Assim, e no tocante à decisão que julgou improcedente a requerida intervenção principal provocada da F...., decisão fundamentada no facto do A. se terá limitado a invocar a responsabilidade objectiva da R., não tendo alegado quaisquer factos relativos à culpa do R. condutor, não pode ser aceite.
17º) - É que, e ao contrário da posição sufragada na sentença a quo, o A. alegou, efectivamente factos susceptíveis de fundamentar a responsabilidade dos RR. por factos ilícitos, sendo certo que dos elementos constantes do processo dúvidas se levantavam quanto à titularidade da relação material controvertida.
18º) - Designadamente, e se por um lado o Auto de Participação de Acidente dá conta de factos que indiciam como responsável pela colisão a condutora do veículo OE-58-94, posição igualmente defendida pelos 2º e 3º Réus.
19º) - Por outro, o A. juntou e deu por integralmente reproduzida, na réplica que deu entrada em juízo a 08/04/2003, cópia da carta que lhe foi remetida pela Seguradora Império, S.A. e que, em suma, atribui ao R. condutor culpa exclusiva pela colisão da qual resultaram danos para o A..
20º) - Ora, os danos que o A. sofreu são a consequência do acidente de viação em que intervieram as viaturas conduzidas pelo R. D... e a segurada da chamada F..., E..., donde, um dos dois é culpado da ocorrência do acidente, logo, responsável pelos danos que dele advieram.
21º) – Nesta conformidade, não poderá deixar de se considerar justificada a dúvida quanto à titularidade da relação material controvertida e verificados, por conseguinte, todos os pressupostos de que depende a procedência do incidente de intervenção principal provocada do artigo 325º do Código do Processo Civil, razão pela qual é de todo inaceitável a solução preconizada pelo Tribunal a quo que o julgou improcedente.
22º) - É, assim, nula a sentença nesta parte, por força do disposto no artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
23º) - Igualmente nula a decisão que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição, também ela fundada no pressuposto, falso, de que não teria o A. alegado factos de que dependeria a responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa do R. António Augusto.
24º) – Contudo, e como fica dito, o A. alegou factos que consubstanciam a prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143° do Código Penal, donde a decisão recorrida mostra-se ferida de nulidade, já que não conhece de factos de que podia e devia conhecer.
25º) - Idêntica solução se impõe ainda que se entenda que os factos alegados são insuficientes, já que sobre o julgador impendia o dever de convidar as partes a aperfeiçoar o articulado, constituindo a omissão deste dever uma nulidade processual que influi decisivamente na decisão da causa, igualmente nula.

Não foram apresentadas contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Como resulta das conclusões do recurso, são essencialmente três as questões que importa decidir:

1º) - Se o Autor satisfez o ónus de alegação relativamente à culpa do condutores dos veículos intervenientes na colisão;

2º) - Se ocorre a nulidade processual, nos termos do art.201 nº1 do CPC, por o tribunal a quo não haver convidado o Autor a corrigir a petição deficiente;

3º) - Se está prescrito o direito do Autor.

2.2. – 1ª QUESTÃO:

Por imposição do art.467 nº1 alínea d) do CPC, na petição, com que propõe a acção, o autor deve “ expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção “.
Daqui decorre que o autor terá de indicar os factos constitutivos da situação jurídica que pretende fazer valer e que constituem a causa de pedir ( art.498 nº4 do CPC ), que nas acção de indemnização para efectivação da responsabilidade civil por acidentes de viação assume natureza complexa.
A descrição do acidente alegada pelo Autor encontra-se vertida nos artigos 2º a 7º da petição inicial, que se passam a reproduzir:
“ No dia 7 de Março de 1998, o A. jantou em casa do Sr. G..., em Vagos, “ ( 2º), “ tendo depois ido com aquele e o Terceiro Réu a uma discoteca próxima “ ( 3º), de onde saíram cerca das 04h00, no veículo Toyota Hiace, com matrícula ( 4º), pertencente à Segunda Ré, a Firma C... ( 5º ), e que na altura era conduzido pelo Réu D..., quando ( art.7º), cerca de 30 minutos mais tarde, ocorreu entre aquele veículo e o ligeiro de mercadorias, com matrícula OE-58-94, propriedade de E... e conduzido por esta – cfr. Cópia do Auto de Participação de Acidente de Viação que se junta sob o doc. nº1 e se tem, para os legais efeitos, por integralmente reproduzido “.
A sentença recorrida, ao analisar a petição inicial, considerou que o Autor não alegou quaisquer factos relativos à culpa ( efectiva ou presumida ) tanto do condutor do veículo RQ-62-77, como da condutora do veículo OE-58-94.
Deste modo, porque o Autor se limitou a invocar a responsabilidade objectiva do detentor da detenção efectiva do veículo, julgou improcedente o incidente de intervenção principal passiva da Seguradora do veículo OE e procedente a excepção peremptória da prescrição.

No caso de transporte gratuito, o art.504 do CC prescrevia que a responsabilidade do transportado abrangia apenas os danos que culposamente causasse.

O Dec.-Lei nº 14/96, de 6 de Março, para harmonização com a Directiva 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, veio estender a este caso a responsabilidade pelo risco, embora limitada aos danos pessoais.

Ao invocar a norma do art.503 nº3 do CC ( cf. art.9º da petição inicial ), pretende o Autor imputar a culpa presumida ao condutor do RQ, mas sem qualquer suporte factual, designadamente pela ausência da relação de comissão.
O art.503 nº3, na interpretação do Assento do STJ de 14/4/83 ( BMJ 326, pág.302 ) estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem, aplicável nas relações entre ele como lesante e o titular do direito à indemnização.
O funcionamento da presunção de culpa pressupõe uma relação de comissão ( art.500 do CC), que se caracteriza pelos seguintes elementos: a) - vínculo entre o comitente e o comissário; b) - relação de subordinação ou de dependência do comissário perante o comitente, que autorize este a dar ordens ou autorizações àquele; c) - o facto haja sido praticado pelo comissário no exercício das funções que lhe foram confiadas, embora seja suficiente que o acto se integre no quadro geral da competência ou dos poderes confiados ao comissário.
A comissão do art.500 do CC não tem aqui o sentido preciso que reveste no art.266 e segs, do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizado por conta e sob a direcção de outrem, podendo traduzir-se num acto isolado ou numa actuação duradoura.
Deste modo, a relação comissário /comitente é distinta do mero interesse (económico ou moral) na utilização do veículo, cuja direcção efectiva (traduzida no poder de facto sobre o veículo ) pode coexistir entre o proprietário do veículo e o seu condutor, bastando recordar, entre outras, as figuras do comodato, mantendo, assim, a direcção efectiva do veículo.
Não tendo o Autor alegado factos que consubstanciem a relação de comissão entre o condutor do RQ e a respectiva proprietária, jamais se poderá estabelecer a presunção legal de culpa.
Sustenta o apelante que tendo junto com a petição inicial o documento de fls.5 a 8 ( Auto de Participação de Acidente de Viação ), e dando-o por integralmente reproduzido para os legais efeitos ( art.7º ), nele são alegados os factos susceptíveis de demonstrar a culpa ( efectiva ) do Réu António Augusto Oliveira e/ou da condutora do veículo OE-58-94 ( cf. conclusões 2ª a 6ª ).
Coloca-se, assim, a questão de saber se, face ao estatuído no art.467 nº1 d) do CPC, é admissível a alegação por remissão para documentos juntos e sobre a qual existem duas correntes jurisprudenciais:
a) - Uma, mais rigorosa, no sentido da inadmissibilidade, com o argumento de que os documentos não são factos, mas meios de prova dos factos, pelo que obrigação de os expor na petição inicial não pode ser suprida pela referência a documentos juntos com esse articulado, visto assumirem uma função instrumental probatória (cf., por ex., Ac STJ de 1/2/85, C.J. ano III, tomo I, pág.264, Ac RL de 21/4/81, C.J. ano VI, tomo II, pág.194, Ac RL de 11/5/82, C.J. ano VII, tomo III, pág.92, Ac RP de 19/4/94, Ac RP de 9/5/2002, in www dgsi).
b) - Outra, mais flexível, que, na esteira da doutrina de ALBERTO DOS REIS (Comentário, vol.2º, pág.364) admite a possibilidade de remissão, por os documentos juntos com a petição se considerem parte integrante da mesma, suprindo as lacunas que comportem ( cf., por ex., Ac STJ de 28/5/81, BMJ 307, pág.266, de 17/1/85, BMJ 343, pág.335, de 8/2/94, C.J. ano II, tomo I, pág.95 ).
Mesmo a admitir-se esta posição mais benévola, só pode aceitar-se a alegação por remissão para documentos desde que neles os factos estejam inequivocamente individualizados, sem quaisquer dúvidas ou ambiguidades, até para que fique definida a causa de pedir, com as implicações processuais inerentes, designadamente, a estabilidade da instância.
De outra forma, a citação deixaria de produzir os efeitos constantes do art.481 alíneas b) e c) do CPC, estar-se-ia a violar o princípio da estabilidade da instância ( art.268 do CPC ), o réu ficaria, na prática, impedido de contraditar os mesmos, através da impugnação especificada ( art.490 nº1 do CPC ), e colocaria obstáculos à identidade da causa de pedir, nomeadamente, para efeitos de litispendência e caso julgado (arts.497 e 498 nº1 e 4 do CPC).
Pois bem, o Autor remeteu para o Auto de Participação, que deu por integralmente reproduzido, mas dele não se extrai factos que imputem suficientemente a culpa a qualquer dos condutores dos dois veículos automóveis, intervenientes na colisão.
É que sobre a descrição do acidente, nele se refere que o participante se deslocou ao local e orientou a participação “apenas pela posição dos veículos após o acidente”, transcrevendo-se as declarações de ambos os condutores.
Por outro lado, é inócua a carta da Seguradora Império, junta pelo Autor com a réplica ( fls.59 ), dada igualmente por reproduzida, pois dizer-se que “ o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo onde se fazia transportar (…) “ ou que “ o próprio lesado confirma que a nossa cliente não cometeu qualquer infracção “, não passa de um mero juízo valorativo.
Ora, para além disto não satisfazer o ónus de alegação, como o mínimo de individualização dos factos pertinentes à culpa, também não é admissível a alegação por presunções.
Sendo assim, os factos alegados na petição inicial apenas configuram uma situação de responsabilidade objectiva ou pelo risco, como bem se decidiu na sentença recorrida.


2.3. – 2ª QUESTÃO:
Entende o apelante que, sendo a petição deficiente, deveria o tribunal ter convidado a aperfeiçoar a petição, cuja omissão consubstancia uma nulidade processual ( conclusões 7ª a 11ª, 14ª, 15ª e 25ª).
No processo declarativo, findo os articulados, o juiz profere despacho, designado de pré-saneador ( art.508 do CPC ) destinado a sanar a falta dos pressupostos processuais ( nº1 alínea a) ), corrigir as irregularidades dos articulados ( nº1 alínea b) e nº2 ) e a completar os articulados deficientes ( nº1 alínea b) e nº3 ).
O despacho jurisdicional de sanação dos pressupostos processuais e de correcção de articulado irregular é um despacho vinculado, cuja omissão origina nulidade processual, nos termos do art.201 nº1 do CPC.
Em contrapartida, o despacho de aperfeiçoamento de articulados deficientes, ou seja, em que há uma insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, não é um despacho vinculado, pois inscreve-se no poder discricionário do juiz ( art.156 nº4 do CPC ), como aliás, resulta do próprio argumento literal “ pode ainda o juiz “, por contraposição com a expressão utilizada no nº2 “ o juiz convidará as partes “, o que significa que é irrecorrível ( art.679 do CPC ) e a sua omissão não gera qualquer nulidade processual ( cf., por ex., Ac do STJ de 28/2/2000, Ac RC de 29/5/2001 e de 16/4/2002, Ac RP de 16/10/2001, Ac RL de 18/12/2002, in www dgsi; LEBRE DE FEITAS, Código de Processo Civil Anotado, vol.2º, pág. 354 e 355 )
Por conseguinte, sendo a petição inicial deficiente quanto à culpa dos condutores de ambos os veículos em colisão, o não convite do juiz ao Autor não consubstancia qualquer nulidade processual, sendo, nessa parte, irrecorrível a decisão.
Noutra perspectiva, tal como se decidiu no Acórdão desta Relação de 6/3/2001 ( C.J. ano XXVI, tomo II, pág.15 ) o poder-dever do juiz a que se reporta o art.508 nº1 a) e b) do CPC ), como emanação do princípio da cooperação, não é sindicável por via recursiva, por três argumentos essenciais:
O primeiro, sendo proibido o recurso do despacho-convite ( art.508 nº6 do CPC ), por identidade de razão está vedado o recurso relativo à omissão de tal despacho.
O segundo, resulta do art.678 nº1 do CPC, ao estabelecer o critério de que só pode recorrer-se de decisões desfavoráveis, o que não sucede relativamente à inexistência de um despacho que criticasse negativamente um acto de uma parte, como acto desfavorável.
Em terceiro lugar, porque de outra forma estar-se-ia a violar o princípio da igualdade das partes ( art.3ºA do CPC ), pois “ não se concedendo recurso à parte que se sinta prejudicada com o convite feito à contra-parte, para prevenir e ajudar a supressão de deficiências ou insuficiências de um articulado que lhe é adverso, não teria sentido concedê-lo ao autor da deficiência ou insuficiência, pela omissão de ajuda à supressão dos seus próprios erros ou faltas “.
Dai que, como se concluiu neste aresto, relatado pelo Senhor Desembargador Araújo Ferreira, “ o respectivo poder-dever funcional que impende sobre os juízes, terá de ver-se apenas como um imperativo ético funcional, cujo controle não pode ocorrer por via recursiva, já que tão pouco pode ver-se no seu não cumprimento analogia com o despacho de não-pronúncia”.

2.4. – 3ª QUESTÃO:
No despacho saneador decidiu-se julgar procedente a arguida excepção peremptória da prescrição do direito do Autor, por se considerar ser de 3 anos o prazo prescricional ( art.498 nº1 do CC ), visto tratar-se de responsabilidade objectiva, uma vez que não alegou factos susceptíveis de configurar qualquer crime, que sempre pressuporia a culpa.
Como o acidente ocorreu em 7 de Março de 1998, e instaurada a acção em 11 de Fevereiro de 2003, logo, antes de a Ré ter sido citada ( 14 de Fevereiro de 2003 ), já se encontrava esgotado o prazo de prescrição de 3 anos aplicável, independentemente de se considerar que esse prazo se suspendeu, ou não, por 12 meses, por força do art. 319 do CC, em virtude do Autor ter integrado nesse período a missão de paz na Bósnia.
Por isso, a admitir-se a suspensão do prazo durante esse período, a prescrição deu-se em 7 de Março de 2002, e no caso contrário, o prazo extinguiu-se em 7 de Março de 2001.
Sustenta o apelante ser aplicável o prazo mais longo do art.498 nº3 do CC, por os factos configurarem um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo art.143 do Código Penal, ou seja, o prazo de 5 anos ( art.118 nº1 c) do Código Penal ).
Porém, já se verificou não haverem sido alegados quaisquer factos susceptíveis de imputar a culpa aos condutores de ambos os veículos, como, de resto, se fundamentou na decisão recorrida, e daí estar prescrito o direito do Autor.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
2)
Condenar o apelante nas custas.
+++
COIMBRA, 28 de Setembro de 2004.