Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPONSABILIDADE OBJECTIVA PRESCRIÇÃO PETIÇÃO DEFICIENTE DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO | ||
Data do Acordão: | 09/28/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DE VAGOS | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.467 N.º1 C), 508.º DO CPC E ARTS.500.º, 504.º E 498.º N.º1 DO CC | ||
Sumário: | 1. Face ao estatuído no art.467 n.º1 d) do CPC, só é admissível a alegação por remissão para documentos juntos com a petição inicial, desde que neles os factos estejam inequivocamente individualizados, sem quaisquer dúvidas ou ambiguidades, até para que fique definida a causa de pedir, com as implicações processuais inerentes, designadamente, a estabilidade objectiva da instância. 2. O despacho pré-saneador de aperfeiçoamento de articulados deficientes, proferido ao abrigo do art.508.º, n.º 1 b) e n.º3 do CPC, não é um despacho vinculado, pois inscreve- se no poder discricionário do juiz (artigo 156.º, n.º (4 do Código de Processo Civil). 3. A sua omissão não gera qualquer nulidade processual e não é sindicável por via recursiva. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1. - O Autor – A... – instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra os Réus: 1º) - B...; 2º) - C...; 3º) - D.... Alegou, em resumo: No dia 7 de Março de 1998, ocorreu uma colisão entre o veículo de matrícula RQ-62-77, pertencente à 2ª Ré e conduzido pelo 3º Réu, no qual seguia o Autor, e o veículo ligeiro de mercadoria de matrícula OE-58-94, conduzido por E..., sua proprietária, a qual transferira a sua responsabilidade para a 1ª Ré. Em consequência dessa colisão, o Autor sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais Pediu a condenação da 1ª Ré a pagar-lhe a quantia de € 18.599,58, acrescida de juros de mora, desde a citação. Contestou a 1ª Ré, defendendo-se, em síntese: Por excepção, arguiu a ineptidão da petição inicial e a prescrição do direito do Autor. Por impugnação, admitiu a colisão entre os veículos, desconhecendo, contudo, como a mesma ocorreu, bem assim os danos alegados. Contestaram os 2º e 3º Réus, excepcionando a sua ilegitimidade passiva e a prescrição do direito do Autor, impugnando a versão do acidente. Replicou o Autor, alegando ter existido erro na forma de processo, e requereu a intervenção provocada da F.... 1.2. - Findos os articulados, foram proferidos, na mesma data, dois despachos. No despacho pré-saneador decidiu-se: a) - Julgar procedente o erro na forma de processo, ordenando-se o prosseguimento da acção com forma de processo ordinário, corrigindo-se a distribuição; a) - Julgar improcedente o incidente de intervenção principal provocada requerido pelo Autor. No despacho saneador, decidiu-se: c) - Julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva e absolver os 2º e 3º Réus da instância; d) - Julgar procedente a excepção de prescrição do direito de indemnização do Autor e absolver do pedido a Ré Seguradora. 1.3. - Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1º) - Salvo o devido respeito, as decisões constantes da sentença recorrida assentam na concepção, errada, de que não foram alegados factos susceptíveis de integrarem pressupostos de que depende a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos. 2º) - Na sentença recorrida é, repetidamente, assumido que o A. se limitou a alegar a responsabilidade objectiva (pelo risco) do R. D..., o que não corresponde à verdade, 3º) - O A. juntou, aquando da entrada em juízo da petição inicial (cfr. artigo 7° daquele articulado), cópia do Auto de Participação e Acidente, documento que deu integralmente reproduzido para os legais efeitos", e no qual são alegados os factos susceptíveis de demonstrar a culpa do R. D... e/ou da condutora do veículo OE-58-94. 4º) - Ora, dar um documento por integralmente reproduzido, mais do que uma expressão convencional, significa que se assume como parte do articulado todo o seu conteúdo. 5º) - No caso concreto, o documento junto descreve as condições em que ocorreu a colisão, condições meteorológicas, condições da estrada, taxa de alcoolemia, danos resultantes, identificação dos intervenientes, etc., sendo certo que todos estes aspectos são parte integrante da p.i.. 6º) - Posto isto, nunca poderia o Mmo. Juiz a quo concluir que o A. não alegou quaisquer factos relativos à culpa do R. D..., quando muito, poderia entender que os factos alegados são insuficientes (o que não se concede) para sustentar a sua pretensão, situação em que se imporia uma solução diversa da que adoptou. 7º) - De facto, e após a Reforma de 1995, estabelece a lei processual, na alínea b) do nº 1 do artigo 508º do Código do Processo Civil, que, findos os articulados, o Juiz profere despacho destinado a "convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados", concretizando, no nº 3, que "pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada". 8º) - Esta alteração procura devolver a primazia à justiça material do caso sobre a justiça formal. 9º) - O legislador assume claramente que "no que se refere à exacta definição da regra do dispositivo, (…)a sua vigência não preclude ao juiz a possibilidade de fundar a decisão não apenas nos factos alegados pelas partes mas também nos factos instrumentais que, mesmo por indagação oficiosa, lhes sirvam de base. E, muito em particular, consagra-se (...) a atendibilidade na decisão de factos essenciais à procedência do pedido ou de excepção ou reconvenção que, embora insuficientemente alegados pela parte interessada, resultem da instrução e discussão da causa, desde que o interessado manifeste a vontade de os aproveitar", in Preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12. 10º) - Note-se, que estamos perante um verdadeiro poder-dever, acarretando, a sua violação, uma nulidade processual ( neste sentido o Ac. da Relação do Porto de 28/02/2000, in www dgsi.pt/trp ).. 11º) - Ainda que se assuma os factos alegados pelo A. como insuficientes para a procedência do pedido, e uma vez que do processo constam factos que poderiam, depois de feita a competente prova, fundamentar a responsabilidade por factos ilícitos, tendo aquele manifestado claramente a pretensão de os aproveitar, sempre se dirá que impendia sobre o Julgador o poder -dever de convidar o A. a aperfeiçoar o articulado, ao invés de se limitar realizar a justiça formal do caso, como fez. 12º) - Igualmente de rejeitar o argumento de que o A. invocou expressamente a figura da responsabilidade objectiva (pelo risco) do artigo 503º do Código Civil, com o que teria delimitado o âmbito decisório. 13º) – Se é certo que o julgador está (hoje, menos) limitado pelos factos alegados pelas partes, certo é também que não está sujeito às alegações daquelas no tocante à indagação, interpretação e aplicação do Direito -é o que resulta do disposto no artigo 664º do Código do Processo Civil. 14º) - Havendo, como há, no processo factos susceptíveis de integrar a figura da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, e tendo a parte manifestado intenção de os aproveitar, o julgador podia e devia ter convidado o A. a aperfeiçoar o articulado, já que considerava insuficientes (aparentemente, mesmo inexistentes) os factos alegados, mas não o fez. 15º) - Ainda que se considere que o A. ampliou a causa de pedir, tal alteração foi feita no momento e pelo meio próprios, nos termos do nº 1 do artigo 273º do Código do Processo Civil, donde, mais uma vez, competia ao julgador, se entendia não estarem invocados todos os factos de que dependia a culpa dos RR., convidar as partes as aperfeiçoar a exposição apresentada em juízo. 16º) – Assim, e no tocante à decisão que julgou improcedente a requerida intervenção principal provocada da F...., decisão fundamentada no facto do A. se terá limitado a invocar a responsabilidade objectiva da R., não tendo alegado quaisquer factos relativos à culpa do R. condutor, não pode ser aceite. 17º) - É que, e ao contrário da posição sufragada na sentença a quo, o A. alegou, efectivamente factos susceptíveis de fundamentar a responsabilidade dos RR. por factos ilícitos, sendo certo que dos elementos constantes do processo dúvidas se levantavam quanto à titularidade da relação material controvertida. 18º) - Designadamente, e se por um lado o Auto de Participação de Acidente dá conta de factos que indiciam como responsável pela colisão a condutora do veículo OE-58-94, posição igualmente defendida pelos 2º e 3º Réus. 19º) - Por outro, o A. juntou e deu por integralmente reproduzida, na réplica que deu entrada em juízo a 08/04/2003, cópia da carta que lhe foi remetida pela Seguradora Império, S.A. e que, em suma, atribui ao R. condutor culpa exclusiva pela colisão da qual resultaram danos para o A.. 20º) - Ora, os danos que o A. sofreu são a consequência do acidente de viação em que intervieram as viaturas conduzidas pelo R. D... e a segurada da chamada F..., E..., donde, um dos dois é culpado da ocorrência do acidente, logo, responsável pelos danos que dele advieram. 21º) – Nesta conformidade, não poderá deixar de se considerar justificada a dúvida quanto à titularidade da relação material controvertida e verificados, por conseguinte, todos os pressupostos de que depende a procedência do incidente de intervenção principal provocada do artigo 325º do Código do Processo Civil, razão pela qual é de todo inaceitável a solução preconizada pelo Tribunal a quo que o julgou improcedente. 22º) - É, assim, nula a sentença nesta parte, por força do disposto no artigo 668°, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil. 23º) - Igualmente nula a decisão que julgou procedente a excepção peremptória da prescrição, também ela fundada no pressuposto, falso, de que não teria o A. alegado factos de que dependeria a responsabilidade por factos ilícitos, designadamente a culpa do R. António Augusto. 24º) – Contudo, e como fica dito, o A. alegou factos que consubstanciam a prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143° do Código Penal, donde a decisão recorrida mostra-se ferida de nulidade, já que não conhece de factos de que podia e devia conhecer. 25º) - Idêntica solução se impõe ainda que se entenda que os factos alegados são insuficientes, já que sobre o julgador impendia o dever de convidar as partes a aperfeiçoar o articulado, constituindo a omissão deste dever uma nulidade processual que influi decisivamente na decisão da causa, igualmente nula. Não foram apresentadas contra-alegações. II - FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Delimitação do objecto do recurso: O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ). Como resulta das conclusões do recurso, são essencialmente três as questões que importa decidir: 1º) - Se o Autor satisfez o ónus de alegação relativamente à culpa do condutores dos veículos intervenientes na colisão; 2º) - Se ocorre a nulidade processual, nos termos do art.201 nº1 do CPC, por o tribunal a quo não haver convidado o Autor a corrigir a petição deficiente; 3º) - Se está prescrito o direito do Autor. 2.2. – 1ª QUESTÃO: Por imposição do art.467 nº1 alínea d) do CPC, na petição, com que propõe a acção, o autor deve “ expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção “. No caso de transporte gratuito, o art.504 do CC prescrevia que a responsabilidade do transportado abrangia apenas os danos que culposamente causasse. O Dec.-Lei nº 14/96, de 6 de Março, para harmonização com a Directiva 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, veio estender a este caso a responsabilidade pelo risco, embora limitada aos danos pessoais. Ao invocar a norma do art.503 nº3 do CC ( cf. art.9º da petição inicial ), pretende o Autor imputar a culpa presumida ao condutor do RQ, mas sem qualquer suporte factual, designadamente pela ausência da relação de comissão. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.2) Condenar o apelante nas custas.+++ COIMBRA, 28 de Setembro de 2004. |