Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2617/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JOÃO TRINDADE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO - REGIME DE RECURSO
Data do Acordão: 10/15/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Indicações Eventuais: ADMISSIBILIDADE NA MODALIDADE DE PAGAMENTO DE HONORÁRIOS AO PATRONO CONSTÍTUIDO PELO ARGUIDO
Legislação Nacional: ART. S 15°, 42° N.º2, 51° E 57º Nº 3 DA L. 30/E-00, ART. 39°, N.º 1 DO D.L. 387-B/87
Sumário: I - Mantendo-se em vigor o D.L. 387-B/87 no que respeita aos pedidos de apoio judiciário formulados pelo arguido (art. 57º, n.º3 da Lei 30-E/00) e sendo inaplicável da Lei 30-E/00 por a mesma não dispor de normas susceptíveis de regular a tramitação judicial do incidente de apoio judiciário formulado pelo arguido, recurso segue regime previsto no art. 39° do D.L. 387-B/87, sendo de agravo e matéria civil.
II - A modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido pelo recorrente prevista no art. 15° da L. 30-E/00 não é admissível nos casos de mandatário já constituído.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 2617/03-5
Comarca de LEIRIA – 3º
Acordam na Secção Criminal desta Relação:
O recorrente/arguido Francisco ... requereu nos termos conjugados dos artºs 57º, 2, 1º, 7º, 15º, 18º e 20º da lei 30-E/2000 de 20/12 o benefício do apoio judiciário nas seguintes modalidades:
- Dispensa total do pagamento de custas e demais encargos do processo.
- Pagamento de honorários ao patrono escolhido a saber: Dr. ….
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O Mº Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho:
“Compulsados os autos requer o arguido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas.

Uma vez que o arguido constitui mandatário o Dr. …. (cf. Procuração de fls. 220 ) face ao preceituado no artº 46º, nº 2 da lei 30-E/2000 de 20/12 indefere-se o pedido de nomeação de patrono.”
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Inconformado, recorreu o arguido, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. Pode ser concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono escolhido pelo arguido se este utilizou como meio para a escolhe do seu defensor a outorga de procuração a favor deste.
2. Ao decidir como fez, o tribunal a quo violou o prescrito nos artºs 15º e 42º da lei 30-E/2000.
3. Nestes termos requer que seja dado provimento ao recurso proferindo-se decisão que ordene o pagamento de honorários e despesas solicitadas
O Mº Pº na comarca respondeu pugnando pela improcedência do recurso pois considera que não pode pretender o arguido/recorrente que lhe seja nomeado como patrono, no âmbito do apoio judiciário , ao abrigo do artº 15º, al. c) da lei 30-E/00 de 20/12, advogado que anteriormente haja constituído seu mandatário judicial nos autos.
Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto emite parecer no sentido do recurso ser rejeitado nos termos dos artºs 420º, nº 1, 411º, nº 2 e 414º, nº 2 do CPP já que considera que se deve aplicar o regime dos recurso do Código de Processo Penal
Parecer que notificado não mereceu resposta.
Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :
O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação,bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As questões a resolver são as seguintes:
A. Rejeição do recurso.
B. Admissibilidade do apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono constituído pelo arguido.
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A- Rejeição do recurso
O arguido/recorrente perante o despacho de indeferimento, em 10 de Fevereiro de 2003 interpôs recurso que catalogou de agravo com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
O Mº Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho:
O arguido a fls. 279 interpôs recurso de agravo do despacho que indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono escolhido nos termos do nº 39º, nº 1 do D.L. 387-B(87 de 29/12.
Porém este diploma legal foi revogado pela L. 30-E/200 de 20/12 (cfr. artº 57º, nº 1) pelo que ao recurso aplicar-se-ão as disposições relativas aos recurso ordinários em processo penal ( artº 399 e segs. do CPP).
Assim notifique o arguido para no prazo de 15 dias juntar a motivação que falta sob pena de rejeição do recurso ( artº 411º, nº 3 e 414º ambos do CPP)”
Foi então junta em 11-3-2003 a motivação e o recurso admitido nos termos dos artigos 406º, nº 1 , 407º, nº 3 e 400º, nº 1 , 2 todos do CPP.
Decidindo:
Começando por apreciar a questão colocada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto , através da qual entende dever ser o recurso rejeitado , dir-se-á :
Por efeito da publicação e entrada em vigor de Lei nº 30-E/2000, de 20/12, a qual alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e revogou o D.L. nº 387-B/87 de 29/12, bem como os artºs 2º, 4º, 5º e 6º do D.L. 391/88 de 26/10, na redacção que lhes foi dada pelo D. L. 231/99 de 24/6 , atribuindo competência aos serviços da segurança social para a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, vem-se suscitando a questão de saber qual o regime aplicável aos pedidos de apoio judiciário formulados por arguidos em processo penal, visto que o artº 57º, nº 3 da lei 30-E/00 , estabeleceu que “ O Governo regulará por decreto-lei, a apresentação, instrução, apreciação e decisão pelos serviços de segurança social dos pedidos de apoio judiciário formulados por arguidos em processo penal, que, até à entrada em vigor desse diploma complementar, continuam a ser apresentados , instruídos, apreciado e decididos perante a autoridade judiciária”, sendo certo que até ao momento não foi publicado o necessário diploma.
São prefiguráveis três soluções:
a) Aplica-se o regime instituído pela Lei nº 30-E/00.
b) Aplica-se o regime do D.L. 387-B/87.
c) Aplica-se o regime dos incidentes do Código de Processo Penal.
Numa interpretação meramente literal, impõe-se a adopção da primeira solução.
Com efeito , o regime pré-vigente foi revogado, apenas se mantendo, transitoriamente , a competência da autoridade judiciária para a recepção , apreciação e decisão dos pedidos formulados pelos arguidos em processo penal.
É esta , aliás, a solução por nós defendida relativamente ao regime substantivo , regime que no essencial , não difere do pré-vigente ( - Cf. o Ac. desta Relação de 02-05-22 , proferido no recurso nº 1285/02)
No entanto , no que tange ao regime adjectivo , certo é que a Lei nº 30-E/00, é inaplicável , pela simples razão de que a mesma não dispõe de normas que, ao menos por via analógica, sejam susceptíveis de regular a tramitação judicial do incidente de apoio judiciário formulado pelo arguido, maxime em matéria de recursos, para além de que o pedido de apoio judiciário encontra-se definido e estruturado naquele diploma legal em termos de procedimento administrativo.
Sendo inaplicável a Lei nº 30-E/00 em matéria processual e atenta a redacção dada ao transcrito nº 3 do artº 57º, designadamente na parte em que textua continuam a ser apresentados, instruídos, apreciados e decididos perante a autoridade judiciária, entendemos que o legislador, se bem que de forma pouco clara , quis significar que o incidente de apoio judiciário formulado pelo arguido em processo penal continua a ser processado tal qual o era antes , isto é , de acordo com o D.L. nº 387-B/87 de 29/12 ( -Cf. o Ac. desta Relação de 02-02-06 , proferido no recurso nº 3120/01 , bem como o anteriormente citado.)
Ora , segundo o texto do artº 39º, nº 1 do D.L. 387-B/87 (redacção dada pela Lei nº 46/96 de 3/9) o recurso é de agravo, a significar que o prazo , a forma de interposição e demais regras de processamento, são as previstas na lei adjectiva civil. Aliás, como tal foi recebido o presente recurso.
Destarte , tendo em vista que é aqui inaplicável o Código de Processo penal , sendo aplicável o Código de Processo Civil , o recurso interposto não deve ser rejeitado já que se mostra interposto e processado de acordo com as normas dos artºs 685º e segs. do Código de Processo Civil. ( - Ac. desta relação proferido no recurso no recurso 3314/02)
“O recurso da decisão sobre apoio judiciário é de agravo e rege-se pelas normas do agravo , em matéria civil.”( - Ac. da Rel. de Évora de 26/11/02, CJ ,V- 257)
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B- Admissibilidade do apoio judiciário na modalidade de pagamento de honorários ao patrono constituído pelo arguido.
Estabelece o artº 15º da Lei 30-E/00 que o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades:
c) Nomeação e pagamento de honorários de patrono ou, em alternativa, pagamento de honorários do patrono escolhido pelo recorrente.(sublinhado nosso)
O que está em causa no caso em apreço é esta última situação “pagamento de honorários a patrono nomeado”.
Importa pois interpretar a vontade do legislador e mais concretamente o que pretendeu englobar com a palavra “escolhido”.
Para tal ,tendo como pano de fundo que o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a promover que a ninguém seja dificultado ou impedido , em razão da sua condição social ou cultura ou por insuficiência de meios económicos de conhecer, , fazer valer ou defender os seus direitos, teremos de concatenar os vários normativos deste diploma.
E assim debruçarmo-nos – emos sobre o artº 51º que mantém na integra a redacção do mesmo normativo do D.L. 387-B/87. Nele se estabelece que a indicação de advogado não é atendida quando houver fortes indícios de que é solicitada no processo em curso para o qual o requerente tenha patrocínio.
Ora se para o caso de “nomeação e pagamento de honorários” não é atendido um defensor constituído por idêntica ou maioria de razão não pode estar contemplado o “pagamento de honorários do patrono escolhido”.
O termo ”escolhido” utilizado pelo legislador surge na sequência da possibilidade que é dada ao arguido de optar e, pelo menos formal e processualmente só , após o pedido respectivo. “ A nomeação é antecedida da advertência ao arguido o seu direito a escolher e constituir defensor” (artº 42º, nº 2 do diploma).
Assim consideramos que o benefício do apoio judiciário não abrange a dispensa de pagamentos dos honorários a advogado já constituído.
“É que, não obstante a lei prever que o arguido tem direito a escolher defensor, sendo atendível a indicação do requerente do pedido de apoio judiciário de advogado quando este declare aceitar a prestação dos serviços requeridos, no entanto, tal situação assenta no pressuposto de que o requerente pediu o benefício de tal apoio na modalidade de patrono oficioso, precisamente porque não tem mandatário constituído nos autos.”( - Ac. Rel. do Porto de 23-10-2002 proferido no recurso nº 0240855. Neste sentido também Acs. Rel. Porto de 12-2-2001,Recurso 0130151, Rel. Porto de 19-9-02 Recurso 0231087 , Lisboa 18-1-2000, Recurso 0027395. Em sentido contrário Ac. Rel. Lisboa 5-2-98 no Recurso 0069462)
“Em nosso entender a 2ª parte da al. c) do artº 15º tem implícito o pedido de nomeação de patrono e apenas pretende significar que o patrono pode ser escolhido , ou mais propriamente indicado - conforme prevê o citado artº 50º - pelo requerente do apoio judiciário , hipóteses em que os respectivos honorários serão suportados pelo Estado.
Porém não obstante essa indicação ou escolha, a nomeação compete à Ordem dos Advogados ( artº 32º da citada Lei) que pode não atender a indicação nos casos previstos no artº 51º.” ( - Ac. Relação do Porto de 19-9-02, recurso 0231087)
Nestes termos se decide:
- Julgar por não provido o recurso.
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O recorrente pagará 6(seis) Ucs de taxa de justiça.
Coimbra, 2003-10-15