Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3289/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Data do Acordão: 01/19/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 142/99, DE 30/04 .
Sumário: I – O regime legal do actual FAT assegura a garantia do pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária, apresentando um leque de garantias mais alargado que o anterior FGAP, por forma a prevenir que em caso algum os pensionistas deixem de receber as pensões/prestações que lhes são devidas por acidente de trabalho .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I -
1 - Na acção emergente de Acidente de Trabalho que correu termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, na qual figuram como A. A... e R. ‘B...’, veio aquele requerer, a fls. 276, que o pagamento das quantias a que tem direito, conforme sentença proferida nos Autos, seja assegurado pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, uma vez que, ao pretender executar a decisão, se deparou com a falência da R.

2 – A sua pretensão foi parcialmente considerada, 'ut' despacho de fls. 300-303, cometendo-se ao FAT a responsabilidade pelo pagamento tão-somente da pensão anual e vitalícia oportunamente fixada, com exclusão das prestações relativas a indemnização pelas incapacidades temporárias e outras despesas.

3 – É dessa decisão que, inconformado, o A. vem agravar.
Alegando, concluiu:
– O DL. n.º 142/99, de 30 de Abril, estipula no seu art. 1º, a), que ao FAT compete garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidente de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade objectivamente caracterizada em processo judicial de falência, não possam as mesmas ser pagas pela Entidade responsável;
– A situação objectiva de falência determinante da aplicação daquele normativo legal no presente caso data de 24.2.2002 (data do trânsito em julgado da sentença que decretou a falência da Entidade responsável), sendo que o diploma em que tal normativo se insere entrou em vigor antes daquela data, logo o diploma a aplicar ao caso dos Autos é o DL. 142/99, de 30 de Abril;
– Ao contrário do que sucedia com o anterior diploma que regulava estas situações, (P. n.º 642/83, de 1 de Junho e respectivo Anexo), o actual, (DL. n.º 142/99, de 30/4), não faz qualquer exclusão ou ressalva relativamente às prestações devidas por incapacidades temporárias e outras despesas;
– Nomeadamente, não existe um normativo igual aos artigos 1º e 6º do Anexo à já referida Portaria 642/83, que expressamente estipulem a exclusão de outras prestações que não as pensões por incapacidade permanente ou morte;
– Tal facto é demonstrativo de que o legislador quis incluir nas prestações a garantir pelo FAT toda e qualquer prestação decorrente de acidente de trabalho, incluindo as indemnizações por incapacidade temporária e outras despesas, nomeadamente despesas de transportes fixadas judicialmente;
- Assim sendo, o douto despacho de fls. 300 e sts., nesta parte em discussão, violou a vontade do legislador expressa na alínea a) do art. 1º do DL. 142/99, de 30 de Abril, pelo que deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que ordene igualmente o pagamento ao sinistrado das prestações fixadas na sentença a título de indemnização por incapacidade temporária e despesas de transporte.

4 – Não foi oferecida resposta.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º Proc.-Geral Adjunto a pronunciar-se no sentido do Parecer do MºPº emitido no identificado Processo n.º 4680/02, da 4ª Secção, e de uma solução com ele conforme, apesar de o S.T.J. ter decidido de forma divergente (Ac. de 26.11.03), e por isso, desfavorável à tese do agravante – vamos decidir.

II -

A - Importa reter basicamente, como ocorrências de facto relevantes, todas de natureza processual, aqui documentadas, e para além do que resulta da exposição esquemática que antecede, o seguinte:
» - O A. participou em 15 de Setembro de 2000 a ocorrência de um acidente que sofrera no dia 11.10.99, quando exercia as funções de cozinheiro para a co-R. patronal, ‘B...’;
» - Por sentença proferida nos Autos, com data de 1 de Junho de 2003, e transitada em julgado, foi a co-R. patronal condenada a pagar ao A. – além da pensão anual e vitalícia de 2.195,91 Euros, devida desde o dia 15 de Junho de 2001, e da quantia de 25,00 Euros de transportes a Tribunal – a quantia de 11.016,73 Euros a título de indemnização por incapacidades temporárias sofridas pelo A. desde o dia seguinte ao do acidente e até à data da alta clínica;
» - A co-R. seguradora foi totalmente absolvida do pedido;
» - Tendo sido a R. patronal declarada em estado de falência, conforme certidão de sentença junta aos Autos, com nota do respectivo trânsito – fls.289-293 – e na sequência de requerimento do A. nesse sentido, foi proferido o já falado despacho ora sob protesto.
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B – É única questão posta a de dilucidar e decidir se, no caso presente, cabe ao FAT a responsabilidade pelo pagamento da importância liquidada e creditada ao A. a título de indemnização por incapacidades temporárias.
A solução assume o seu melindre, sendo prova disso a divergência de posições jurisprudenciais patenteadas, v.g., no Acórdão do S.T.J. de 26.11.2003, publicado na C.J./S.T.J., Ano XI, Tomo III, pg. 280 e seguintes, e no Acórdão desta Secção, tirado na Sessão de 15.1.2004, que vem publicado na C.J., Ano XXIX, Tomo I, pg. 53.
É sabido também que as Relações do Porto e Évora decidiram já em sentido oposto (aquela no sentido afirmativo, ou seja, de que o FAT responde pelas indemnizações devidas a sinistrado por incapacidades temporárias decorrentes de acidente acontecido antes de 1.1.2000 – vide Acórdão de 17.9.2001 in C.J. 2001, IV/250; esta, a de Évora, ao contrário, entendendo que o FAT não responde por tal indemnização – cfr. Acórdão de 1.10.2002, in C.J. 2002, IV/259).

Mesmo o Ministério Público, nestes Autos, não tem posição coincidente nas duas Instâncias – cfr. fls. 299 e 344.

Tudo visto e ponderado:
Ressalvando o sempre devido respeito por diverso e quiçá mais acertado entendimento, não vemos que os argumentos da tese contrária à que enforma a posição desta Secção, (estampada no referido Aresto da pretérita Sessão de 15.1.2004), sejam suficientemente incisivos e induzam, por isso, à reconsideração da solução assumida, que por ora mantemos por se nos afigurar a mais justa e consentânea.
Com efeito:
É fora de dúvida que o regime supletivo constante do anterior FGAP era menos abrangente que o actual FAT.
Enquanto aquele apenas assegurava/cobria o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes (cfr. Base XLV, n.º1, da Lei n.º 2127, de 3.8.65 e Portaria n.º 427/77, de 14/7), este foi assumidamente mais longe, assegurando a garantia do pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária, apresentando um leque de garantias mais alargado, por forma a prevenir que em caso algum os pensionistas deixem de receber as pensões/prestações que lhes são devidas por acidente de trabalho - cfr. art. 39º/1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro e Preâmbulo e art. 1º/1 do DL. n.º 142/99, de 30 de Abril.

A dificuldade maior surge nos casos, como o presente, em que, não obstante o acidente tenha ocorrido em data anterior à entrada em vigor da NLAT, aprovada pela Lei n.º 100/97 – e ao qual, por isso, se não aplicaria a Nova Lei nem o novo regime estabelecido pelo DL. n.º 142/99, já que estes diplomas, em princípio, apenas se aplicam aos acidentes verificados após 1.1.2000 – a questão da responsabilização supletiva do Fundo (ora FAT) se coloca em data posterior, nomeadamente depois (muito depois...) da data legalmente estabelecida como a da extinção do antigo FGAP, a que o FAT sucedeu.
Aqui, o acidente aconteceu em 11.10.1999.
O FGAP foi extinto com efeitos a contar de 15.6.2000, 'ut' Portaria n.º 291/00, de 25 de Maio, 'ex vi' do art. 15º do DL. n.º142/99, de 30 de Abril.
A decisão a cometer ao FAT a responsabilidade pelo pagamento das prestações estabelecidas a favor do A./sinistrado, depois de verificados os respectivos pressupostos, é de 5 de Fevereiro de 2004.

É certo que, como resulta do n.º 3 da referida Portaria, as responsabilidades do FGAP que transitaram para o FAT, seu sucessor, se reportavam a acidentes ocorridos até 31.12.99 e ficavam, enquanto tais, limitadas às obrigações legais e regulamentares daquele.
Mas – com ressalva do devido respeito por opinião diversa – uma coisa é a transferência de responsabilidades a que acima se alude e outra, diferente, é a assunção directa e ‘ex novo’ das obrigações ora constantes da Lei, quando o regime normativo então vigente foi revogado e extinto o anterior Fundo.

Como se escreveu no Aresto acima referido, desta Secção, também no caso em apreço ‘a responsabilidade do FAT surge em consequência do despacho ora recorrido, verificada que foi a impossibilidade da entidade responsável proceder aos devidos pagamentos, e não como resultante de qualquer obrigação que já impendesse sobre o FGAP’. (Sublinhado agora).
Tal despacho, datado de 5 de Fevereiro de 2004, como se disse, atribuiu a responsabilidade pelo pagamento ao FAT.
(A sentença que definitivamente definiu os direitos do A. foi proferida com a data de 1 de Junho de 2003).
Não pode, pois, condicionar-se a extensão da sua cobertura por reporte ao FGAP, há tanto tempo extinto, e, por consequência, ao disposto no art. 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83, de 1 de Junho.
Assim, o FAT será necessariamente responsabilizado de acordo com o estabelecido no art. 1º, n.º1, a), do DL. 142/99, com a amplitude aí consignada, ou seja, suportando igualmente as indemnizações por Incapacidades Temporárias.
(A importância reclamada a título de despesas de transporte não cabe no conceito de prestação em dinheiro, constante do art. 10º, a), da NLAT, não sendo por isso coberta pela responsabilidade supletiva do FAT).

III –
Nos termos expostos, delibera-se conceder parcial provimento ao recurso, e, revogando o despacho na parte impugnada, determina-se que seja proferida decisão em conformidade.
Sem custas.
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Coimbra, 19.01.05