Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
285/2002.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
PENSÃO
SUB-ROGAÇÃO
Data do Acordão: 10/09/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 589.º; 591.º; 592.º; DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS 472º, Nº 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 18º, Nº 1, DO DL Nº 522/85, DE 31 DE DEZEMBRO; Nº 4, DA BASE XXXVII, DA LEI Nº 2127, DE 3 DE AGOSTO DE 1965
Sumário: I - A seguradora laboral não pode exigir o montante das reservas matemáticas que foi obrigada a constituir para garantia do pagamento das pensões fixadas, a favor da viúva e filha do sinistrado, porquanto essas reservas apenas caucionam dívidas, não podendo considerar-se como pagamento delas, garantindo apenas prestações futuras e incertas, dependentes, além de outras condições, da sobrevivência dos próprios credores.

II - A sub-rogação só se verifica em relação às prestações que o terceiro já efectuou, no momento do pedido, sem que, desde logo, possa requerer o reembolso das quantias que vier a satisfazer aos lesados, ou seja, das prestações futuras, vencidas, posteriormente, ao pedido formulado, sob pena de tal representar a antecipação de um dano que apenas virá a acontecer se e quando pagar as pensões ainda devidas.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A.., viúva, por si e como representante legal de sua filha B.., enquanto menor, e esta depois de atingir a maioridade, ambas residentes na ...., propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel, com sede ..., pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar à primeira autora a quantia global de 90.445,31€, acrescida de juros de mora, a contar da citação, a título de danos patrimoniais, e, subsidiariamente, que o réu seja condenado a pagar, em conjunto, às duas autoras, a mesma importância de 90.445,31€, acrescida de juros de mora, a contar da citação, que estas partilharão, nos termos sucessórios gerais, que o réu seja condenado a pagar às autoras, em conjunto, a importância de 44.891,81€, acrescida de juros de mora, a contar da citação, que estas partilharão, nos termos sucessórios gerais, a título de indemnização pelo dano não patrimonial proveniente da perda da vida do seu marido e pai, que o réu seja condenado a pagar à primeira autora a importância de 17.457,93€, acrescida de juros de mora, a contar da citação, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela primeira autora pela morte de seu marido, e que o réu seja condenado a pagar à segunda autora a importância de 17.457,93€, acrescida de juros de mora, a contar da citação, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma com a morte de seu pai.
Alegam, para o efeito, em resumo, que, no dia 27 de Abril de 1999, na EN nº 1, entre a Redinha e Pombal, ocorreu um acidente de viação que deveria imputar-se, exclusivamente, ao condutor de um pesado de mercadorias, cuja identificação nunca foi possível apurar, uma vez que se pôs em fuga, logo após o embate, e do qual resultou o falecimento de seu marido e pai.
Uma vez que se tratou, simultaneamente, de acidente de viação e de trabalho, correu termos, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, um processo que terminou, na fase conciliatória, com a celebração de um acordo entre as autoras e a entidade patronal do falecido e a interveniente “C... Companhia de Seguros, SA”, seguradora daquela entidade patronal, em que estas se obrigaram a pagar às autoras as pensões devidas, correspondentes ao vencimento anual de 2.430.285$00, sendo 2.005.804$00 da responsabilidade da seguradora, por ter sido apenas este o vencimento transferido pela entidade patronal, por via do contrato de seguro, e os restantes 424.481$00 da responsabilidade da entidade patronal.
Foram acordadas uma pensão anual e vitalícia, para a autora esposa, no montante de 627.404$00, e uma pensão anual e temporária, para a autora filha, no montante de 418.269$00.
Uma vez que o vencimento, efectivamente, auferido pelo sinistrado, à data do falecimento, era de 2.430.285$00, o montante anual total de 1.045.674$00, referente às pensões pagas, não cobre todo o seu prejuízo, restando ainda uma parte por ressarcir, para que fique compensado todo o dano decorrente da perda de rendimentos futuros da vitima.
Que o ciclomotor ficou, totalmente, destruído, tendo-o a primeira autora vendido, por apenas 10.000$00, quando ele valeria, antes do acidente, cerca de 80.000$00, e que, por força do acidente, devem ambas as autoras ser ressarcidas, pela perda da vida do seu marido e pai e pelos sofrimentos e padecimentos que decorreram, para cada uma, desse falecimento.
Na contestação, o réu Fundo de Garantia Automóvel defende a improcedência da acção, alegando desconhecer os factos invocados pelas autoras e que são exagerados os valores por elas reclamados, requerendo a intervenção principal provocada de C...- Companhia de Seguros, SA, a fim de se discutir, num só processo, toda a responsabilidade decorrente do acidente em apreço.
A interveniente “ C... Companhia de Seguros, SA”, pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia global de 23.600,62€, acrescida das importâncias que vierem a ser liquidados, até final, bem assim como dos montantes que constituiu como reserva matemática, alegando, para tanto, os factos já invocados pelas autoras, quanto ao processo de acidente de trabalho, e que pagou, por força do acordo aí celebrado, até à data da entrada do articulado, a referida quantia de 23.600,62€, tendo de continuar a pagar às autoras uma pensão anual e vitalícia, constituindo, para o efeito, uma reserva matemática, no montante de 46.570,00€.
Na resposta, o réu alega desconhecer os factos articulados pela interveniente.
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social pede a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 5.087,08€, acrescida das pensões que se vencerem e forem pagas, na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem como dos juros legais, a contar da citação até integral pagamento, alegando que as autoras lhe requereram as prestações devidas, pela morte de seu marido e pai, tendo, até à data, pago a referida quantia de 5.087,08€, mas devendo continuar a pagar as pensões em causa, no futuro.
Na resposta, o réu invoca desconhecer os factos alegados e defende que os montantes peticionados não são susceptíveis de reembolso, por si, por se tratar de subsídios por morte.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar às autoras A.. e B.. as quantias de 40.000,00€, em conjunto a ambas as autoras, pela perda da vida do seu marido e pai, D..., acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença, até integral pagamento, 12.000,00€, à autora A.., pelos danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do seu marido, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença, até integral pagamento, 8.000,00€, à autora B.., pelos danos não patrimoniais próprios sofridos com a morte do seu pai, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da sentença, até integral pagamento, 56.000,00€, à autora A.., pela perda de rendimentos futuros decorrente da morte de seu marido, quantia a acrescer ao que já recebem, ela e a sua filha, por via da indemnização atribuída, em sede de processo de acidente de trabalho, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação e até integral pagamento.
Mais condenou o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar à interveniente C...Companhia de Seguros, SA, a quantia de 18.880,50€, a título de reembolso dos montantes por esta pagos, até 30 de Setembro de 2003, às autoras A.. e B.., em consequência do acidente de trabalho que vitimou o seu falecido marido e pai, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação e até integral pagamento.
Condenou, igualmente, o réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar ao interveniente Instituto de Solidariedade e Segurança Social a quantia de 4.069,66€, a título de reembolso das quantias por este pagas, até Julho de 2003, às autoras A.. e B.., a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, na sequência da morte de seu marido e pai, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da data da citação e até integral pagamento.
Desta sentença, a interveniente “ C...Companhia de Seguros, SA”, interpôs recurso de apelação, onde sustenta a sua revogação, com a consequente condenação do réu Fundo de Garantia Automóvel, igualmente, a pagar-lhe todos e quaisquer valores que vierem a ser, por si despendidos, e, portanto, a liquidar em execução de sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Resulta da decisão recorrida ser o Fundo de Garantia Automóvel responsável pela satisfação de todas as indemnizações devidas e decorrentes do acidente dos autos originado por um veículo pesado de mercadorias não identificado, acidente de viação e simultaneamente de trabalho.
2ª - Daquele acidente resultou a obrigação da ora apelante suportar "in futurum" uma pensão anual e vitalícia, quanto à autora esposa do sinistrado, e ainda uma pensão anual e temporária quanto à autora filha do sinistrado, até perfazer 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente o ensino secundário ou curso equiparado ou superior.
3ª - Aquelas pensões foram fixadas nos termos da decisão do Tribunal do Trabalho de Coimbra, onde correu termos no 2o juízo o processo ....
4ª – No recurso ora apresentado, reporta-se a ora apelante aos montantes a pagar até decisão final e aqueles a pagar "in futurum", portanto, em execução de sentença, e para os quais foi constituída a reserva matemática.
5ª - Entendeu o Tribunal "a quo" não serem atendidos estes montantes, que constituem danos assaz consideráveis para a ora apelante, não lhe assistindo por isso a razão no seu pedido.
6ª - Estes danos de que fala a ora apelante, não poderiam nem podem ser quantificados "in concreto". De facto, ninguém pode saber até quando pode durar a vida de uma pessoa, beneficiária de uma pensão vitalícia ou temporária e consequentemente até quando tem o devedor obrigação de pagar. Somente certo é que essa obrigação existe enquanto a vida do(s) credor/beneficiário(s) durar.
7ª - Não foi considerado pelo Tribunal "a quo" o montante correspondente à reserva matemática porque entendeu ser pedido pela ora apelante a condenação do FGA no seu pagamento integral quando, afinal não foi essa a sua pretensão jurisdicional deduzida.
8ª - É certo que, do conteúdo do articulado 13° do pedido da interveniente e ora apelante resulta ser aí peticionado o valor correspondente à reserva matemática. No entanto, não poderemos descurar o ponto 14º daquele pedido quando se peticionam “as quantias já pagas e a pagar", e ainda a própria conclusão.
9ª - Ao referir-se a interveniente e ora apelante às "quantias a pagar", não poderia apenas estar a referir-se unicamente àquelas resultantes até decisão final.
10ª - Resulta da própria conclusão do pedido que se atendesse aos montantes que viessem a ser liquidados até decisão final "bem como os montantes que a interveniente constituiu como reserva matemática".
11ª - Esses montantes só poderiam ser aqueles a liquidar em execução de sentença e não o montante integral pelo qual foi constituída a dita reserva matemática. Pois não deixa de ser provável que, até tenha a ora apelante de pagar menos daquele valor.
12ª - A indemnização em forma de pensão anual, é uma obrigação para a seguradora por tempo indeterminado, e não parece nesse caso estar a falar-se da reserva matemática enquanto valor "em abstracto", mas tão somente nos montantes "em concreto" que por um lado já pagou e por outro os que ainda vai pagar durante esse período de tempo, que poderão ser até inferiores ao valor estabelecido para a reserva matemática como já se disse supra.
13ª – Resulta da lei substantiva, desde logo no Livro II do CC, na secção VII, sobre a obrigação de indemnização, artº 562°, que consagra o princípio geral, que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".
14ª - Deste normativo se retira que, sendo o FGA o responsável pelo acidente, deverá ser condenado a reparar o dano, neste caso à ora apelante, tudo o que vier a despender com as autoras, que não teria que despender se não se tivesse verificado o acidente que o obrigou (ao FGA) à reparação. Pelo que, fácil se conclui que deverá, atenta a sua obrigação, pagar todos os montantes que a ora apelante vier a liquidar em execução de sentença.
15ª - Estipula ainda o artº 563° do CC que, "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão". Pois bem, não teria a ora apelante qualquer dever de indemnizar as autoras, não fosse o acidente, do qual resultou a responsabilidade do FGA.
16ª - O Tribunal "a quo" deveria ter observado igualmente o artº 569° do CC, que permite ao lesado a possibilidade de deduzir pedidos genéricos e apenas indicar os danos sofridos e a concretizar, posteriormente, e portanto, se o lesado não necessita de indicar, logo no momento inicial do processo, a importância exacta em que avalia os danos que sofreu, podendo fazê-lo mais tarde, por maioria de razão isso também lhe deverá ser facultado quando formule um pedido líquido e certo e não logre fazer prova do respectivo montante.
17ª - A considerar, como considera a ora apelante, no caso "sub júdice" dever atender-se aos "montantes a liquidar até decisão final" assim como aos "montantes a liquidar em execução de sentença", não poderia o Tribunal "a quo" ignorar o n° 2 do artº 661° do CPC.
18ª - Nesta matéria, dá-nos conta a jurisprudência de serem atendidos os valores de prejuízos, apesar da sua indefinição, a liquidar até decisão final ou em execução de sentença.
19ª - A aplicação deste normativo, depende da verificação em concreto, de uma indefinição de valores dos prejuízos a atender. É verdade que, como pressuposto primeiro da aplicação do dispositivo, deverá ocorrer a prova da existência de danos, que, no caso concreto, não se almejam razões para não se considerarem, como já ficou demonstrado.
20ª - Entende a douta jurisprudência e doutrina, aplicar-se este normativo "tanto no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido especifico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, a quantidade de condenação" (neste sentido, in A. Reis, CPC Anotado, I, 614 e ss. e V, 71, Vaz Serra, RLJ, 114º, 309, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. Ill, pág.233).
21ª - É portanto possível a liquidação do montante dos danos em execução de sentença, como forma de atingir a justiça material quando não existam elementos no processo que permitam fixar, mesmo com recurso à equidade, o objecto ou a quantidade.
22ª - Por todo o supra exposto, e provado nos autos, afrontou a douta decisão recorrida as supra citadas normas substantivas e processuais e portanto, não aceitar a ora apelante a interpretação feita ao seu pedido na sua intervenção e consequentemente a sentença ora em causa, nos pontos a que ora se refere.
Nas suas contra-alegações, o réu entende que deve ser mantida a sentença recorrida, julgando-se improcedente o recurso.
Na sentença recorrida, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
D... faleceu, no dia 27 de Abril de 1999, com 35 anos de idade, tendo deixado, como herdeiros, o cônjuge, A..., e a filha, B.., ora autoras – A).
A morte de D... foi devida às graves lesões crânio-meningo-encefálicas e torácico-abdominais, descritas no relatório de autópsia, cuja cópia certificada se encontra junta a folhas 16 e seguintes e cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzido – B).
Na sequência da morte de D..., que ocorreu quando este tinha acabado de prestar o seu trabalho e se deslocava no seu percurso normal e habitual entre esse local de trabalho, sito em ..., Pombal, e a sua residência, em ..., Soure, correu termos, no Tribunal de Trabalho de Coimbra, com o n.º ...-AT, um processo de acidente de trabalho, no âmbito do qual a autora A...e a filha B... ficaram a receber a pensão anual de 1.045.647$00, suportada pela “ C... Companhia de Seguros, SA”, e pela entidade patronal do falecido, nos termos e condições referidos, a folhas 55 e ss., e cujo teor a sentença dá por, integralmente, reproduzido – C).
O falecido D... casou com a autora A..., em 28 de Setembro de 1985 – D).
B... nasceu, em 17 de Outubro de 1986, e, à data da morte do seu pai, contava 12 anos – E).
Por contrato, titulado pela apólice nº 198001708, a entidade empregadora de D... havia transferido para a interveniente “ C... Companhia de Seguros, SA”, a responsabilidade relativa a acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores – F).
No dia 27 de Abril de 1999, pelas 00 horas e 30 minutos, na EN 1, entre as localidades de Redinha e Pombal, ocorreu um embate entre o ciclomotor, de matrícula ..., pertencente e conduzido pelo falecido D..., e um veículo pesado de mercadorias, conduzido por um condutor não identificado, na ocasião, e que se pôs em fuga, após o acidente – 1º.
Foi, em consequência de tal embate, que o falecido D... sofreu as lesões, referidas em B), as quais foram causa directa e necessária da sua morte – 2º.
O dito veículo pesado e o seu condutor não chegaram a ser identificados, posteriormente, permanecendo, até agora, desconhecida a matrícula da viatura, bem como a sua marca, e a identidade do seu condutor – 3º.
O embate, referido no ponto nº 1, ocorreu quando o condutor do mencionado veículo pesado de mercadorias transitava na EN1, entre as localidades de Redinha e Pombal, sentido sul/norte, seguindo atrás do ciclomotor – 4º.
Ao km 145,500, na zona conhecida por Venda da Cruz, em Pombal, o veículo pesado e o ciclomotor embateram, o que provocou a queda deste último e do seu condutor, tendo o pesado de mercadorias passado com os rodados traseiros direitos por cima deles – 5º.
O veículo pesado de mercadorias circulava a uma velocidade, entre 70 a 80 km/hora – 7º.
Quando se deu o embate, estava a chover – 8º.
O condutor do ciclomotor circulava, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido sul/norte – 10º.
Tendo sido nesse local (metade direita da faixa de rodagem) que se deu a colisão – 11º.
Após o embate, o veículo pesado saiu da EN1 e tomou a direcção de Almagreira – 12º.
Aquando do embate, o condutor do ciclomotor, o falecido D..., trabalhava como encarregado, na empresa E..., Lda., com a categoria profissional de operador de banhos químicos, onde auferia o vencimento anual de 2.430.285$00 – 13º.
Aquando do embate, a autora A... vivia com o falecido D..., seu marido, em comunhão de mesa e habitação, saindo da quantia referida, no ponto nº 13, os montantes necessários para o sustento do lar – 14º.
Em 27 de Abril de 1999, a autora A... tinha 33 anos de idade – 15º.
Em consequência do embate, o ciclomotor conduzido por D... ficou, totalmente, destruído – 16º.
A autora A... vendeu o salvado por 10.000$00 – 17º.
À data da morte, D... era saudável, sendo uma pessoa alegre que vivia, intensamente, a vida, um bom pai e marido, dedicado à família, para quem vivia, exclusivamente, acalentando a esperança de ver crescer e desenvolver-se a sua única filha, B..., a quem muito amava – 19º.
A autora A... ficou muito perturbada com a morte do marido, tendo sofrido um grande desgosto, do qual não está ainda hoje recuperada – 20º.
Tinha uma vida alegre e feliz na companhia do seu marido e da sua filha, tendo-se sentido, com a morte daquele, sozinha e desamparada – 21º.
A autora A... acalentava a expectativa de uma vida feliz com o marido e filha, por longos anos – 22º.
Em consequência da morte do seu marido, e porque não conseguisse suportar a dor e o sofrimento dessa perda, a autora teve que recorrer a tratamento médico, em Soure e Vinha da Rainha, tendo sido medicada com antidepressivos e ansiolíticos – 23º.
Durante todo esse período, a autora A... não tinha vontade de trabalhar, nem de conviver e conversar com as outras pessoas – 24º.
Tendo perdido o gosto e a vontade de viver – 25º.
B... sofreu um grande choque com a morte do seu pai, de quem muito gostava, do qual não está nem nunca ficará, totalmente, recuperada – 26º.
Era muito ligada ao seu pai, com quem ficava e brincava, sempre que este estava em casa, e a quem acompanhava, onde quer que ele fosse – 27º.
Na sequência da morte do pai, entrou em depressão, o que perturbou os seus estudos e alterou o seu comportamento – 28º.
Após a morte do seu pai, B..., que frequentava o 7º ano de escolaridade, na Escola Básica de ..., deixou de falar e de participar nas aulas, tendo deixado de conviver e conversar com os seus colegas nos recreios – 29º.
A autora A... foi mesmo chamada, por três vezes, à escola, para falar com a directora de turma sobre o isolamento da sua filha – 30º.
A título de subsídio de funeral, a “ C... Companhia de Seguros, SA”, pagou às autoras A... e B... a quantia de 1.667,49€ - 31º.
Por transportes, a “ C... Companhia de Seguros, SA”, pagou às autoras a quantia de 24,94€ - 32º.
A título de pensões, a “ C... Companhia de Seguros, SA”, pagou à autoraA... a quantia de 13.144,87€ e à autora B... a quantia de 8.763,32€, tendo constituído uma reserva matemática, no montante de 46.570,00€ - 33º.
Com base no falecimento de D..., foram requeridas ao Centro Nacional de Pensões, pelas autoras, as respectivas prestações por morte, as quais foram deferidas – 34º.
A título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, o Centro Nacional de Pensões pagou à autora A..., entre Julho de 2000 e Julho de 2003, a quantia de 5.087,08€ - 35º.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se a interveniente, enquanto seguradora da entidade patronal para que trabalhava a vítima mortal, D... , pode exigir do réu FGA o valor da reserva matemática que constituiu, em virtude de ter assumido o encargo do pagamento das pensões, à viúva daquele e a sua filha.

DA EXIGIBILIDADE DAS RESERVAS MATEMÁTICAS

Efectivamente, a interveniente pretende exigir do réu, como garante, na ausência de seguradora conhecida, daquele a quem atribui a culpa pela produção do acidente, não só o que pagou, em consequência deste, simultaneamente, de viação e laboral, mas, também, a totalidade da reserva matemática que constituiu, no montante de 46570,00€, de acordo com a versão do seu articulado, ou, em conformidade com os montantes que vier a liquidar em execução de sentença, sendo certo que foi esta última parte do pedido que não logrou acolhimento, em virtude das prestações ainda não terem sido pagas, e aquela não ter quantificado esses montantes, nem ter efectuado qualquer ampliação do pedido.
Dispõe o artigo 592º, nº 1, do Código Civil (CC), que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito”.
Assim sendo, e como decorre, igualmente, do estipulado pelos artigos 589º a 591º, do CC, a sub-rogação supõe o “cumprimento da obrigação”.
Por seu turno, as reservas matemáticas não constituem, em si, qualquer pagamento, destinando-se antes a garantir o cumprimento das pensões atribuídas ao sinistrado e aos seus familiares, sendo certo que, enquanto estas não forem satisfeitas pela seguradora laboral, não pode a mesma exigi-las do responsável pelo acidente de viação ou da respectiva seguradora.
As reservas matemáticas ou tabelas de provisões caracterizam-se pela sua função básica de garantia das pensões a cargo das seguradoras, através da mobilização de determinados montantes proporcionais ao valor, número e natureza dos riscos assumidos, contendendo, igualmente, com os valores de caucionamento das pensões imposto às entidades patronais, na falta ou insuficiência de seguro, como resulta do estipulado pelos artigos 70º, nº 1, e 71º, nºs 1 e 3, do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, funcionando, enfim, como elemento decisivo no cálculo do capital de remição das pensões, nos termos do disposto pelo artigo 3º, b), da Portaria nº 760/85, de 4 de Outubro, em estreita ligação directa com os quantitativos indemnizatórios a receber pelo sinistrado, nas hipóteses em que e, nisso se traduz a remição, o direito deste sofre a alteração estrutural, consistente na transformação de uma prestação duradoura e periódica de certo montante, em prestação unitária Vítor Ribeiro, Acidentes de Trabalho. Reflexões e Notas Práticas, Lisboa, 1986, 78..
Assim, o facto de a seguradora laboral garantir o pagamento das pensões devidas pelo acidente de trabalho, mediante a constituição de reservas matemáticas, não legitima a sua sub-rogação nos direitos do lesado contra o terceiro responsável, em relação às prestações ainda não pagas, sob pena de tal representar a antecipação de um dano que ainda lhe não foi causado, ou seja, de um dano que apenas virá a acontecer se e quando pagar as pensões ainda devidas, não significando a garantia, só por si, um pagamento ao lesado ou qualquer dos restantes factos extintivos do cumprimento, consagrados pelo artigo 592º, nº 2, do CC Vaz Serra, RLJ, Ano 110º, 334, em anotação ao acórdão do STJ, de 14-10-76, BMJ nº 260, 147..
Quer isto dizer que a sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras, quanto à quantia ou quantias que a seguradora laboral ainda não pagou, mas antes quanto aquelas, efectivamente, pagas pela mesma Assento do STJ, de 9-11-1977, RLJ, Ano 111º, 178; Vaz Serra, em anotação favorável ao mesmo aresto, RLJ, Ano 111º, 181 e seguintes..
É que a sub-rogação tem por base um pagamento efectuado por terceiro ao credor, atribuindo a esse terceiro, na medida do pagamento realizado, os direitos que ao credor pertenciam contra o devedor, nos termos do preceituado pelo artigo 589º e seguintes, do CC.
E isto acontece, igualmente, na hipótese de sub-rogação legal, a que alude o artigo 592º, nº 1, do CC, em que a substituição do «solvens» nos direitos do credor é estabelecida pela lei como meio de atribuir aquele uma indemnização pelo dano que lhe foi causado com o pagamento da dívida alheia Vaz Serra, Sub-rogação nos Direitos do Credor, BMJ nº 37, nota 1; e Sub-rogação do Segurador, RLJ, Ano 94º, 117 e ss..
Com efeito, a garantia do cumprimento, a que se refere o artigo 592º, nº 1, do CC, como um dos casos em que é possível a sub-rogação legal, diz respeito a uma obrigação que não pertence ao sub-rogado, mas em cuja satisfação ele pode ter interesse directo, o que não ocorre na hipótese das reservas matemáticas, que se destinam a garantir uma obrigação própria da entidade seguradora pelo acidente de trabalho, por força do contrato de seguro celebrado STJ, de 10-12-87, BMJ nº 372, 412..
Deste modo, a seguradora laboral não pode exigir o montante das reservas matemáticas que foi obrigada a constituir para garantia do pagamento das pensões fixadas, a favor da viúva e filha do sinistrado, porquanto essas reservas apenas caucionam dívidas, não podendo considerar-se como pagamento delas STJ, de 11-6-65, BMJ nº 148, 270, anotado, favoravelmente, por Vaz Serra, RLJ, Ano 98º, 367 e 368., garantindo apenas prestações futuras e incertas, dependentes, além de outras condições, da sobrevivência dos próprios credores STJ, de 26-4-60, BMJ nº 96, 308..
Ainda que a entidade patronal ou a seguradora laboral possam pedir a condenação do terceiro em prestações futuras, ou seja, pelas que, posteriormente, ele vier a ser responsável, em virtude de pagamentos efectuados por aquelas ao lesado, isso não significa que essas entidades fiquem sub-rogadas nos direitos deste contra o terceiro, antes de efectuarem tais prestações, mas, apenas, que podem obter sentença que as habilitem a fazer valer os seus direitos de sub-rogação, depois de realizarem o pagamento das prestações futuras.
A sub-rogação só se verifica em relação às prestações que o terceiro já efectuou, no momento do pedido, atento o preceituado pelos artigos 592º, nº 1 e 593º, nº 1, do CC, sem que, desde logo, possa requerer o reembolso das quantias que vier a satisfazer aos lesados, ou seja, das prestações vencidas, posteriormente, ao pedido formulado STJ, de 4-4-2000, BMJ nº 496, 206; de 20-5-97, CJ, Ano V (STJ), T2, 89; e de 5-1-1995, CJ (STJ), Ano III, T1, 163; RC, de 5-11-2002, CJ, Ano XXVII, T5, 9; e de 30-10-2001, CJ, Ano XXVI, T4, 42; RL, de17-3-98, CJ, Ano XXIII, T2, 151..
Não se trata, assim, de sub-rogação, que só se verifica depois de efectuado o pagamento da dívida ao lesado, mas, tão-só, da obtenção de um título executivo para condenação no pagamento de prestações futuras, a que alude o 472º, nº 2, do CPC.
Porém, a admissibilidade do pedido de condenação em prestações futuras, formulado pela entidade patronal ou seguradora, restringe-se à exacta medida do que tiverem pago, porquanto só pelo pagamento ficam sub-rogadas nos direitos do lesado contra o terceiro responsável, não sendo, portanto, credoras deste quanto ao que ainda não tiverem satisfeito, ou seja, de prestação ou prestações futuras, com a consequente inaplicabilidade do disposto no artigo 472º, nº 2, do CPC.
A este propósito, preceitua o artigo 18º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31 de Dezembro, que “quando o acidente for simultaneamente de viação e de trabalho aplicar-se-ão as disposições deste diploma [seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel], tendo em atenção as constantes da legislação especial de acidentes de trabalho”, enquanto que o nº 4, da Base XXXVII, da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, aplicável ao caso «sub judice» A Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, só entrou em vigor, a 1de Outubro de 1999, tendo o respectivo artigo 42º, com referência ao artigo 41º, nº 3, revogado, a partir de então, a Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965., estabelece que, se o acidente for causado por terceiros, o direito à reparação não prejudica o direito de acção contra esses, nos termos da lei geral.
A interveniente alega que não pretendeu reclamar a condenação do FGA no pagamento integral do montante correspondente à reserva matemática constituída.
Porém, no seu articulado de folhas 79 e seguintes, afirma, no respectivo nº 13, que “…tem a ora interveniente…uma reserva matemática constituída no montante de 46570,00€, que aqui se peticiona”, concluindo no sentido da condenação do réu, Fundo de Garantia Automóvel, “pagar à interveniente o montante já liquidado de 23600.62€, acrescido dos montantes que vierem a ser liquidados até à decisão final bem como os montantes que a interveniente constituiu como reserva matemática nos termos da apólice de acidentes de trabalho”.
Assim sendo, atendendo aos termos do seu articulado, não só a interveniente formula o pedido de condenação do réu no pagamento da quantia constituída como reserva matemática, como, também, uma eventual importância a liquidar, até decisão final, nunca abrangeria a condenação no pagamento de prestações futuras e incertas, ainda não satisfeitas por aquela, em favor dos seus beneficiários.
Improcedem, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da interveniente “ C...Companhia de Seguros, SA”.

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CONCLUSÕES:

I - A seguradora laboral não pode exigir o montante das reservas matemáticas que foi obrigada a constituir para garantia do pagamento das pensões fixadas, a favor da viúva e filha do sinistrado, porquanto essas reservas apenas caucionam dívidas, não podendo considerar-se como pagamento delas, garantindo apenas prestações futuras e incertas, dependentes, além de outras condições, da sobrevivência dos próprios credores.
III - A sub-rogação só se verifica em relação às prestações que o terceiro já efectuou, no momento do pedido, sem que, desde logo, possa requerer o reembolso das quantias que vier a satisfazer aos lesados, ou seja, das prestações futuras, vencidas, posteriormente, ao pedido formulado, sob pena de tal representar a antecipação de um dano que apenas virá a acontecer se e quando pagar as pensões ainda devidas.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar, inteiramente, a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo da interveniente “ C...Companhia de Seguros, SA”