Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4/18.7T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE MANUEL LOUREIRO
Descritores: ACÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO.
INDEMNIZAÇÃO POR ANTIGUIDADE.
Data do Acordão: 10/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 98º-J, Nº 3 DOCPT; 391º DO CT DE 2009
Sumário: I) Nas acções de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em que o tribunal seja convocado a declarar a ilicitude do despedimento sem prévia audiência de julgamento, por falta de apresentação do articulado motivador do despedimento ou por falta de junção do procedimento disciplinar (art. 98º-J/3 do CPT), se pretender a condenação do empregador no pagamento da indemnização por antiguidade o trabalhador terá se ter enunciado essa sua pretensão até ao momento em que o tribunal proferida a decisão prevista nesse art. 98º-J/3.

II) Na decisão prevista nesse art. 98º-J/3, terão que ficar decididas, sem possibilidade de ser relegado para momento processual ulterior a tal decisão e esgotando-se o poder jurisdicional do decisor, designadamente, as questões da ilicitude do despedimento (corpo do normativo), da obrigação do empregador reintegrar o trabalhador ou de lhe pagar uma indemnização substitutiva dessa obrigação (alínea a) do normativo), e da obrigação do empregador pagar ao trabalhador as denominadas retribuições intercalares (alínea b) do normativo).

III) O tribunal tem de condenar o empregador na reintegração do trabalhador, salvo se até ao momento da decisão este último tiver optado pela indemnização de antiguidade.

IV) Proferida esta última condenação, não pode ulteriormente o mesmo tribunal substituir a reintegração por indemnização de antiguidade

Decisão Texto Integral:



Acordam na 6.ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

A autora propôs contra a ré uma acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento que lhe foi imposto pela ré, mediante apresentação do correspondente formulário legal.

Citada a ré e realizada a audiência de partes, aquela não apresentou articulado motivador do despedimento e foi imediatamente proferida decisão a julgar ilícito o despedimento e a condenar a ré na reintegração da autora e no pagamento das retribuições intercalares.

Notificada para o efeito, a autora veio apresentar articulado em que peticionou a condenação da ré a satisfazer-lhe os seguintes créditos:

- O montante correspondente ao mês de Dezembro de 2017 (retribuição base e uma diuturnidade), no montante de……………………………………………..610,00 €;

- Diferença entre o valor da retribuição base que foi paga e aquela que deveria ter sido paga ao longo da vigência do contrato de trabalho, no montante global de.................................................................................................1.259,00 €;

- Retribuições que deixou de auferir desde o despedimento ilícito (27/12/2017) até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declarou a ilicitude do despedimento, e que na presente data se computa em…………………...…....1.530,00 €;

- 336 horas de trabalho suplementar prestado e não pago, no montante de………………………………………………………………...…1.739,16 €;

- Proporcional de férias (trabalho prestado no ano da cessação do contrato), no valor de……………………………………………….….…………..…...……..604,88 €;

- Proporcional de subsídio de férias (trabalho prestado no ano da cessação do contrato), no valor de……………………………….………...……..604,88 €;

- Proporcional de subsídio de Natal (trabalho prestado no ano da cessação do contrato), no valor de……………………………………………...……...……..604,88 €;

- Indemnização em substituição da integração, no montante de….......3.914,17 €;

- Indemnização a título de danos morais sofridos pela Autora, a quantia de……………………………………………………………………...2.500,00 €;

- Os juros de mora à taxa legal, sobre todas as quantias em dívida, que na presente data se computam em……..…………………………………………...217,90 €;”.

Notificada para o efeito, a ré não contestou tal articulado da autora.

O tribunal recorrido proferiu, então, decisão que conheceu do mérito da causa, constando do respectivo dispositivo, designadamente, o seguinte:

Pelo exposto decide o Tribunal:

I.

Condenar o Empregador «Fundação A...» a pagar à Trabalhadora A... as seguintes importâncias:

i. €1.497,00 (mil quatrocentos noventa e sete euros), a título de retribuição de dezembro de 2017 e diferenças salariais, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido até integral e efetivo pagamento;

ii. Aquela que se vier a liquidar, em incidente posterior, respeitante ao trabalho suplementar prestado pela Trabalhadora A..., acrescendo juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da liquidação até integral e efetivo pagamento.

II.

Absolver o Empregador «Fundação A...» do restante pedido formulado, e admitido, pela Trabalhadora A...

III.

Condenar a Trabalhadora A... e o Empregador «Fundação A...» no pagamento das custas do processo, na proporção de 44% (quarenta e quatro por cento) para a Trabalhadora e 56% (cinquenta e seis por cento) para o Empregador, fixando o valor da causa em €9.053,73 (nove mil cinquenta e três euros setenta e três cêntimos), sem prejuízo da sua posterior correção, conforme o disposto no artigo 299º, nº 4, do Código de Processo Civil.”.

Não se conformando com o assim decidido, apelou a autora, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas:

...

Não foram apresentadas contra-alegações.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Principais questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26/6 – NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho – CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

1ª) se ocorre ou não excepção dilatória inominada que obste ao conhecimento do pedido da autora de condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade, pedido esse formulado após o tribunal recorrido ter condenado a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho nos termos da primeira parte do art. 98º-J/3/a do CPT;

2ª) se o tribunal recorrido deveria ter arbitrado à apelante proporcionais de férias e de subsídios de férias;

3ª) se o tribunal recorrido deveria ter proferido uma condenação líquida quanto ao crédito por trabalho suplementar que reconheceu ter sido prestado pela autora, em substituição da condenação ilíquida que proferiu nesse domínio;

4ª) se o tribunal recorrido deveria ter ordenado a produção de prova testemunhal referente aos danos morais suportados pela autora;

5ª) se o tribunal recorrido deveria ter arbitrado à apelante juros vencidos em momento anterior à data da notificação dos pedidos formulados no requerimento de 2/4/2018, com a referência 28700571.

III – Fundamentação

A) De facto

Os factos provados

...

B) De direito

Primeira questão: se ocorre ou não excepção dilatória inominada que obste ao conhecimento do pedido da autora de condenação da ré a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade, pedido esse formulado após o tribunal recorrido ter condenado a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho nos termos da primeira parte do art. 98º-J/3/a do CPT.

Declarada a ilicitude de um despedimento, em cumprimento do estatuído no corpo do art. 98º-J/3/a do CPT e pela circunstância de o empregador não ter apresentado o articulado motivador do despedimento, coloca-se ao tribunal a questão de saber se deve condenar o empregador na reintegração do trabalhador no posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração.

Nos termos do art. 389º/1/b do CT/09, sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, salvo nos casos previstos nos artigos 391.º e 392.º.

O art. 391º do CT/09 prevê a possibilidade do trabalhador requer a substituição da reintegração por uma indemnização de antiguidade, sendo que o art. 392º do CT/09 prevê a possibilidade da entidade empregadora requerer a exclusão da reintegração mediante o pagamento de uma indemnização de antiguidade.

Resulta da conjugação dos normativos enunciados nos dois antecedentes parágrafos que o regime regra decorrente da declaração da ilicitude do despedimento será o da condenação do empregador na reintegração do trabalhador, regime esse que apenas poderá ser afastado a requerimento do trabalhador ou do empregador.

A significar que a indemnização por antiguidade prevista no art. 391º do CT/09 constitui um sucedâneo da obrigação de reintegração, tendo esta a natureza de obrigação com faculdade alternativa por parte do credor decorrente do regime legal supletivo previsto para o caso de declaração da ilicitude do despedimento – neste sentido, acórdãos do STJ de 4/5/2011, proferido no processo 444/06.4TTSNT.L1.S1, de 3/3/2016, proferido no processo 4946/05.1TTLSB.L2.S1, da Relação de Lisboa de 22/5/2013, proferido no processo 521/11.0TTCSC.L1-4, de 19/10/2011, proferido no processo 140/08.8TTLRS.L1-4, da Relação de Évora de 21/2/2013, proferido no processo 339/03.3TBSTC.E1, da Relação do Porto de 27/4/09, proferido no processo 1749/07.2TTPRT.P1, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2012, p. 475.

Relativamente ao momento até ao qual o trabalhador pode exercer a opção que lhe assiste o art. 391º do CT/09 confere ao trabalhador a possibilidade de requer a referida substituição até ao termo da discussão em audiência final de julgamento.

Naturalmente que esse art. 391º do CT/09 tem por pressuposto uma acção cuja concreta tramitação tenha comportado uma audiência final de julgamento.

Nos casos em que a acção de impugnação do despedimento onde se coloca a questão da condenação da reintegração ou no pagamento de uma indemnização de antiguidade não comporta a audiência final de julgamento (por exemplo, uma acção com a forma de processo comum decidida sem audiência de julgamento por imposição do art. 57º/1 do CPT) ou em que aquela questão se coloque em momento cronologicamente anterior a uma audiência de julgamento que possa a vir a ter lugar posteriormente (uma acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em que tenha de ser proferida a decisão intercalar prevista no art. 98º-J/3 do CPT e em que venha a decorrer uma audiência de julgamento para apuramento dos factos alegados pelo trabalhador como suporte de pretensões creditícias que tenha formulado ao abrigo do art. 98º-J/3/c do CPT), naturalmente que a faculdade do trabalhador terá de ser exercida em momento anterior à audiência de julgamento e, no limite, até ao momento em que o tribunal é convocado a pronunciar-se sobre as consequências decorrentes da declaração da ilicitude do despedimento em matéria de reintegração ou pagamento de indemnização substitutiva da mesma.

No caso concreto das acções de impugnação da regularidade e licitude do despedimento em que o tribunal seja convocado a declarar a ilicitude do despedimento sem prévia audiência de julgamento, por falta de apresentação do articulado motivador do despedimento ou por falta de junção do procedimento disciplinar (art. 98º-J/3 do CPT), se pretender a condenação do empregador no pagamento da indemnização por antiguidade o trabalhador terá de ter enunciado essa sua pretensão até ao momento em que o tribunal profira a decisão prevista nesse art. 98º-J/3.

A letra deste último normativo e o regime dele decorrente são bem claros no sentido de que na decisão condenatória nela prevista: i) ficarão resolvidas, sem possibilidade de ser relegado para momento processual ulterior, designadamente, as questões da ilicitude do despedimento (corpo do normativo), da obrigação do empregador reintegrar o trabalhador ou de lhe pagar uma indemnização substitutiva dessa obrigação (alínea A do normativo), e da obrigação do empregador pagar ao trabalhador as denominadas retribuições intercalares (alínea B do normativo); ii) o tribunal tem de condenar o empregador na reintegração do trabalhador, salvo se até ao momento da decisão este último tiver optado pela indemnização de antiguidade (“Condena o empregador a reintegrar o trabalhador, ou, caso este tenha optado[1] por uma indemnização em substituição da reintegração, a pagar ao trabalhador …”).

Emitida pronúncia pelo tribunal sobre cada uma dessas questões fica esgotado o poder jurisdicional do autor da decisão sobre os termos em que decidiu cada uma delas, tendo em conta o estatuído no art. 613º/1/3 do NCPC.

Assim, por exemplo, se o trabalhador não optou pela indemnização de antiguidade até ao momento em que é proferida a decisão, resulta daquele normativo que o tribunal tem de condenar na reintegração do trabalhador, ficando assim decidida, com esgotamento do poder jurisdicional do autor da decisão, a questão supra aludida de saber o empregador deve ser condenado na reintegração do trabalhador no posto de trabalho ou a pagar-lhe uma indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração.

Por consequência, o juiz que assim decidiu essa questão referente a uma das possíveis consequências da declaração da ilicitude do despedimento fica processualmente impedido de se pronunciar sobre essa mesma questão, muito menos em termos de alterar o sentido da decisão e o efeito reintegrador com que se sancionou a ilicitude do despedimento igualmente declarada, a não ser que tal lhe seja imposto por um tribunal superior em sede de recurso.

Foi o que, justamente, ocorreu na situação em apreço.

A apelante não exerceu, até ao momento da prolação da decisão impugnada, o direito de optar pela indemnização substitutiva da reintegração, razão pela qual o senhor juiz a quo condenou a empregadora a reconhecer a ilicitude do despedimento e a reintegrar a apelante no seu posto de trabalho, ficando por via disso impedido, por esgotamento do seu poder jurisdicional, de se pronunciar novamente e em momento ulterior sobre a questão de saber se a apelante deveria ser reintegrada no seu posto de trabalho ou se, em alternativa, deveria receber uma indemnização substitutiva da reintegração.

Acompanha-se, assim, o tribunal recorrido quando identificou uma excepção dilatória inominada que obstava ao conhecimento do pedido de condenação da empregadora a pagar à trabalhadora uma indemnização em substituição da reintegração, excepção essa determinante da absolvição da instância relativamente àquele concreto pedido da trabalhadora.

Resulta do exposto, pois, que não acompanhamos a apelante, bem como os ensinamentos de Joana Vasconcelos[2] por si invocados nas alegações, no sentido de que é, por assim dizer, provisória, condicional e reversível a condenação na reintegração proferida ao abrigo do art. 98º-J/3/a e sem que previamente o trabalhador se tenha pronunciado sobre a opção que lhe assiste pela indemnização por antiguidade, sempre que em momento posterior à tal condenação e no articulado apresentado ao abrigo do art. 98º-J/3/c o trabalhador venha a requerer o reconhecimento do direito à indemnização por antiguidade.

É certo que processualmente a autora jamais foi convocada pelo tribunal recorrido, até ao momento em que foi proferida a decisão recorrida, a explicitar se optava ou não pela indemnização substitutiva da reintegração.

Certo é, igualmente, que em função do referido no antecedente parágrafo poderia ser equacionada a questão de saber se o tribunal recorrido estava ou não obrigado a conferir à apelante e de modo explícito a possibilidade de se pronunciar sobre essa temática e, na afirmativa, se o tribunal recorrido violou o princípio do contraditório (art. 3º/3 do NCPC) ao não ter conferido tal possibilidade, com a consequente nulidade processual daí emergente.

Contudo, ainda que eventualmente assim pudesse entender-se[3], o certo é que a apelante não arguiu relativamente a si a violação do princípio do contraditório, nem qualquer nulidade processual dela decorrente que implicasse a invalidação processual que implicasse a prolação de uma decisão que ordenasse a notificação da autora para esclarecer se optava ou não pela indemnização de antiguidade, razão pela qual a temática em causa está fora do objecto do recurso.

O que a recorrente sustenta é que não existe obstáculo legal a que o tribunal recorrido reconhecesse à autora o direito a uma indemnização por antiguidade, em substituição do direito anteriormente reconhecido de reintegração no seu posto de trabalho, entendimento esse que, como flui do supra exposto, não acompanhamos.

Neste segmento, não merece censura, pois, a decisão recorrida.


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Segunda questão: se o tribunal recorrido deveria ter arbitrado à apelante proporcionais de férias e de subsídios de férias.

A possibilidade de resposta afirmativa a esta questão estava condicionada, na própria economia das alegações da apelante, pela resposta negativa à primeira questão e consequente procedência da pretensão da apelante no sentido de ver substituída a reintegração pela indemnização por antiguidade.

Tendo sido positiva a resposta à referida questão, com a consequente improcedência dessa pretensão da apelante, mais não resta do que responder negativamente à questão agora abordada e decidir pela improcedência da pretensão da apelante que lhe está subjacente.


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Terceira questão: se o tribunal recorrido deveria ter proferido uma condenação líquida quanto ao crédito por trabalho suplementar que reconheceu ter sido prestado pela autora, em substituição da condenação ilíquida que proferiu nesse domínio.

Comece por referir-se que a matéria de facto a considerar para efeitos desta questão é, apenas, a que foi enunciada pelo tribunal recorrido.

Na verdade, perante a decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido, se a apelante pretendia invocar outros factos para lá dos enunciados naquela decisão deveria ter impugnado explicitamente tal decisão nos termos decorrentes do art. 639º/1 e 640º/1 do NCPC, dos quais resulta, conjugadamente, que:

i) das conclusões do recurso têm de constar proposições que delimitem o objecto do recurso, fixando, pelo menos: a) o âmbito fáctico do recurso, por indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados (arts. 639º/1 e 640º/1/a do NCPC); b) o objectivo recursório visado, por indicação da decisão que deve ser proferida em substituição da impugnada e quanto a cada ponto de facto que se considere incorrectamente julgado (arts. 639º/1 e 640º/1/a do NCPC);

ii) no corpo das alegações – pelo menos e sem prejuízo de também o poder fazer nas conclusões – o recorrente deve também delimitar o âmbito probatório do recurso, por indicação dos concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida e, no caso de prova gravada, das concretas passagens da gravação a analisar pelo tribunal de recurso (arts. 639º/1 e 640º/1/b/2 do NCPC);

iii) o recorrente fáctico deve, também, proceder a uma apreciação crítica dos elementos de prova que invoca em benefício da sua pretensão recursiva, apresentando as concretas razões pelas quais desses meios de prova se impunha retirar conclusões fácticas diversas daquelas a que chegou o tribunal recorrido.

Ora, no caso em apreço, lidas as conclusões verifica-se que a apelante não se insurge concreta e explicitamente contra nenhum dos pontos de facto enunciados como provados e não provados da decisão fáctica proferida pelo tribunal recorrido, nem identifica, consequentemente, que decisão alternativa deveria ter ido proferida relativamente aos pontos por referência aos quais se encontrasse em desacordo.

Tanto bastaria para que este tribunal de recurso não pudesse socorrer-se de outros factos para lá dos que se enunciaram na decisão fáctica que consta da decisão recorrida.

Por outro lado, a apelante jamais alegou, como agora pretender fazer crer, que trabalhou em todas as semanas compreendidas nos períodos enunciados no art. 24º do requerimento em que invocou o direito ao pagamento de trabalho suplementar (requerimento de 2/4/2018, com a referência 28700571); o que a apelante alegou, mas conclusivamente, em termos que não poderiam ser repercutidos na decisão fáctica e que, seguramente por isso, o tribunal recorrido não deu como provado ou como não provado, foi que o apelante prestou 336 horas de trabalho suplementar (132 horas de Setembro 2015 a Julho de 2016; 60 horas de Agosto de 2016 a Dezembro de 2016; 132 horas de Janeiro de 2017 a Novembro de 2017).

Assim, ao sustentar agora que trabalhou em todas as semanas compreendidas naqueles períodos a apelante socorre-se de factos que não foram oportunamente alegados e que, por isso, o tribunal recorrido e este tribunal não podia e não pode considerar.

Partindo de quanto vem de enunciar-se e dando por assente, como afirmado pelo tribunal recorrido e não colocado em causa por nenhuma das partes, que a apelante prestou duas horas de trabalho suplementar em cada semana em que trabalhou para a apelante, ainda assim não é possível quantificar o concreto crédito da apelante correspondente ao trabalho dessa natureza, pois que, como assinalado pelo tribunal recorrido, os factos provados não permitem determinar o concreto número de semanas em que a apelante trabalhou para a ré em termos de prestar duas horas de trabalho suplementar semanais, o que impossibilitada a determinação efectiva do concreto número de horas de trabalho suplementar prestadas pela apelante à apelada.

Nesse enquadramento, não merece censura a decisão recorrida no concreto segmento em que a respeito do crédito da apelante relativo a horas de trabalho suplementar convocou o regime dos arts. 609º/2 e 358º/2 do NCPC, relegando para ulterior liquidação a quantificação daquele crédito.


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Quarta questão: se o tribunal recorrido deveria ter ordenado a produção de prova testemunhal referente aos danos morais suportados pela autora.

Comece por referir-se que a empregadora não contestou, apesar de notificada para poder fazê-lo sob a cominação de se “…considerarem confessados os factos articulados pelo(a) Autor(a), sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.” (notificação certificada pelo Citius em 3/4/2018 – referência ...), o articulado em que a apelante deduziu a sua pretensão indemnizatória referente aos danos morais para si decorrentes do despedimento decidido pela apelada (requerimento de 2/4/2018, com a referência ...), articulado esse que foi apresentado ao abrigo do disposto no art. 98º-J/3/c do CPT.

Assim, por aplicação subsidiária do estatuído no art. 57º/1 do CPT e 549º/1 do NCPC, deveriam dar-se por confessados os factos articulados pela apelante e ser logo proferida sentença a julgar a causa conforme fosse de direito, como, de resto, se advertiu a empregadora na notificação supra identificada.

Foi no respeito desse enquadramento legal que o tribunal recorrido proferiu a decisão apelada, fixando os factos provados, integrando-os juridicamente e decidindo em conformidade com o enquadramento legal a que assim se procedeu.

Face ao exposto, facilmente se percebe, sem necessidade de qualquer outra consideração adicional, que jamais poderia ter lugar a produção de qualquer espécie de prova testemunhal referente aos danos morais sofridos pela apelante em consequência do despedimento ilícito de que foi vítima e à gravidade desses mesmos danos.

Improcede, pois, a pretensão da apelante explicitada na conclusão 33ª no sentido de que “… o Meritíssimo Juiz “a quo” deveria ter produzido a prova testemunhal requerida, e apenas depois ter proferido decisão quanto a tal matéria, pelo que deverá a decisão nesta parte ser revogada, e consequentemente ser determinada a produção de prova requerida.”.


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Quinta questão: se o tribunal recorrido deveria ter arbitrado à apelante juros vencidos em momento anterior à data da notificação dos pedidos formulados no requerimento de 2/4/2018, com a referência 28700571.

A obrigação do pagamento da retribuição devida pelo empregador ao trabalhador deve ser paga, no limite, no último dia de cada mês a que disser respeito.

É o que claramente emerge do regime do art. 278º/1/4 do CT/09.

Tratando-se de obrigação com prazo certo, o incumprimento do dever de pagamento nos correspondentes prazos faz incorrer o devedor em mora (arts. 805º/2/a do CC), com a consequente obrigação de indemnização traduzida na obrigação do pagamento de juros de mora (arts. 804º/1 e 806º do CC), os quais são devidos a contar da data de vencimento de cada uma das prestações em dívida e independentemente da interpelação do devedor (art. 805º/1/2/a do CC)[4].

Não se regista, em relação à retribuição de Dezembro de 2017 e diferenças salariais reconhecidas na sentença recorrida qualquer situação de iliquidez obrigacional que demande a aplicação do art. 805º/3 do CC, tanto mais que na sentença recorrida se quantificou o preciso montante devido pela empregadora à trabalhadora.

Assim, deve reconhecer-se à apelante o direito a que a apelada lhe pague juros de mora sobre a retribuição do mês de Dezembro de 2017 e sobre as diferenças salariais indicadas na sentença recorrida relativamente a cada um dos meses de Setembro de 2015 a Junho de 2017, a contar do primeiro dia subsequente ao último dia útil do mês a que respeitava cada uma dessas quantias retributivas.
Por outro lado, agora em relação à obrigação do pagamento da retribuição de trabalho suplementar, conquanto se tenha relegado para ulterior liquidação a determinação quantitativa do crédito da apelante, o certo é que se tivesse actuado com a diligência que se lhe impunha a apelada tinha forma de conhecer e liquidar as quantias devidas em cada mês pelo trabalho suplementar devido nesse mesmo mês, pelo que igualmente se deve considerar que se constituiu em mora, no primeiro dia seguinte ao último dia útil de cada mês relativamente ao montante devido pelo trabalho suplementar prestado em cada mês.
Está em causa, assim, uma situação de iliquidez aparente que não pode ser invocada para obstar ao pagamento ao trabalhador da indemnização moratória pelo não pagamento tempestivo dos montantes da retribuição a que tem direito.
Como se decidiu no acórdão do STJ de 18/1/2006 proferido no processo 2840/2005, “…a situação em apreço (…) configura[-se] como um caso de iliquidez aparente, em que o devedor sabe ou pode saber quanto deve, e não de iliquidez real, a contemplada na 1.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil. E não se diga que só no momento da decisão judicial ficou firmado (e a ré teve conhecimento) que as médias anuais de retribuição por trabalho suplementar e trabalho nocturno e dos restantes subsídios […] integravam a retribuição de férias e os subsídios de férias e de Natal. Na verdade, o facto de só por decisão do tribunal a ré ter sido convencida desse facto não justifica o não pagamento de juros, na medida em que, nos termos do artigo 6.º do Código Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela cominadas”. […]. É evidente que a ré pode discordar deste entendimento e querer discutir a questão em tribunal, esperando que a sua posição prevaleça, mas este é um risco que terá de correr por sua conta e que de forma nenhuma poderá afectar os direitos os autor a ser indemnizado do prejuízo decorrente do não cumprimento pontual da obrigação.” – no mesmo sentido e do mesmo STJ, acórdãos de 11/2/2015, proferido no processo 575/08.6TTVRL.P1.S1, de 21/3/2013, proferido no processo 391/07.2TTSTRE.E1.S1, de 18/4/07, proferido no processo 06S4557.
Como assim, procede nesta parte a apelação.

IV- DECISÃO

Acordam os juízes que compõem esta sexta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar a apelação parcialmente procedente, por consequência do que se condenada a apelada a pagar à apelante juros de mora, à taxa legal, a contar do primeiro dia subsequente ao último dia útil do mês em que a apelada deveria ter pago à apelante a retribuição do mês de Dezembro de 2017, as diferenças salarias referentes aos meses de Setembro de 2015 a Junho de 2017, e a retribuição pelo trabalho suplementar prestado em cada um dos meses por referência ao qual venha a ser liquidada a tal título retribuição devida e não paga.

No mais, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

No recurso e na instância, a apelada suportará as custas correspondentes a €1.497; a apelante e a apelada suportarão, provisoriamente e em partes iguais, as custas correspondentes a 1.957,06 €; a apelante suportará as demais.

Coimbra, 26/10/2018


(Jorge Manuel Loureiro)

(Paula Maria Roberto)

(Ramalho Pinto)



[1] Repare-se que o legislador utiliza aqui um tempo passado do verbo optar – pretérito perfeito do modo conjuntivo – sinal inequívoco de que a opção tem de ser efectuada num momento cronologicamente anterior ao da prolação da decisão prevista no normativo em questão, sob a cominação de que a decisão será proferida no sentido supletivo da reintegração.

[2] Comentário aos Artigos 98-B a 98-P do Código de processo do Trabalho – Processo Especial para Impugnação da Regularidade e Licitude do Despedimento, Universidade Católica Editora, 2015, pp. 87 e 88.

[3] O que não é pacífico, pois que está em causa um direito potestativo a exercer facultativamente pela autora, sob a cominação legal de que se aplicará o regime legal supletivo da reintegração, e tendo em conta a disponibilidade da relação material controvertida no concreto segmento em apreço, os princípios da liberdade e da autonomia da vontade das partes, e da auto-responsabilidade destas inerente ao princípio dispositivo.

[4] Leal Amado, O incumprimento da obrigação retributiva e o art. 364º/2 do CT, Temas Laborais, Coimbra, p. 86.