Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2603/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONEXA COM A CRIMINAL
REMESSA DAS PARTES PARA OS TRIBUNAIS CIVIS
Data do Acordão: 11/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 82º, N.º 3, DO C. P. PENAL
Sumário: A simples ampliação do pedido (por ser desenvolvimento da lide inicial) e a possibilidade de as partes virem a ser remetidas para o tribunal civil em execução de sentença (pois sempre ficariam com título executivo) não são circunstâncias suficientes para remeter as partes para os tribunais civis relativamente ao pedido civil.
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

Por sentença proferida no processo comum singular nº 231/02.9TACBR do 3º Juízo Criminal de Coimbra, o Mmº Juiz, para além do mais, determinou o reenvio para os tribunais civis para o conhecimento dos pedidos de indemnização civil formulados nos autos, por considerar que as questões colocadas bem como a subsequente ampliação inviabilizavam uma decisão rigorosa e iriam gerar incidentes que retardariam intoleravelmente o processo penal.
Condenou o arguido A... pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência grave p. e p. pelo artº 148º nº 3, conjugado com o artº 144º b) e c) CP, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de dez euros e ainda na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de sete meses, nos termos do artº 69º nº 1 b) CP.
Inconformados com a parte da sentença em que decidiu remeter os demandantes para os tribunais civis, recorreram B... e C..., concluindo na sua motivação:
“ 1ª As recorrentes não se conformam com a sentença que reenviou os pedidos de indemnização civil para decisão nos tribunais civis;
2ª O Tribunal a quo entendeu que o valor dos pedidos de indemnização civil e a subsequente ampliação "inviabilizavam uma decisão rigorosa e iriam gerar incidentes que retardariam intoleravelmente o processo penal e sempre iriam parar aos meios comuns em execução de sentença;
3ª O Tribunal a quo, naquela decisão, formula apenas juízos conclusivos e não especifica os motivos de facto e de direito que a fundamentam, violando assim o artigo 97.°CPP , cujo preceito deve ser entendido no sentido de que o juiz não tem aqui um poder discricionário e a especificação implica concretizar os factos ou questões que suportam a decisão, enquanto o Tribunal entendeu que bastam juízos conclusivos para decidir;
4ª aquele Tribunal violou ainda o princípio da suficiência do processo penal e o princípio da adesão obrigatória do pedido de indemnização civil ao processo penal, plasmados respectivamente nos artigos 7.°, nº 1 e 71.°, porquanto todas as questões devem ser resolvidas na acção penal, incluindo os pedidos de indemnização ali formulados, não sendo os valores destes e a subsequente ampliação (de um, mas que a decisão não especifica) motivos para os reenviar para os tribunais civis, tanto mais que foram admitidos, apresentadas contestações, realizada a audiência de julgamento onde foram apreciadas todas as questões respeitantes à acção penal e à acção cível enxertada naquela, esta com fundamento no crime de que o arguido era acusado e ainda em responsabilidade civil delitual e, se caso disso, em responsabilidade pelo risco;
5ª da decisão não se consegue perceber o que os valores dos pedidos
de indemnização civil podem determinar em incidentes na tramitação do processo penal nem que incidentes acontecerão, pelo que não se suscitando qualquer questão ou incidente em concreto que traduza o afastamento do princípio da adesão e do princípio da suficiência do processo penal, impostos respectivamente pelos artigos 7 ° nº 1 e 71.°, a decisão é nula e, consequentemente, a sentença está ferida de nulidade;
6ª quando o n. ° 3 do artigo 82.° do Código de Processo Penal se refere a "questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal" quer referir-se a questões concretas, mas, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido entendeu bastar concluir, sem dizer porquê, que os pedidos de indemnização se subsumiam à hipótese daquela norma para os reenviar para os tribunais civis;
7ª o tribunal recorrido ao não se pronunciar sobre os pedidos de indemnização civil nem sobre a admissibilidade da ampliação de um dos pedidos de indemnização civil entregue, violou o artº379.°, nº 1, al. c) e a sentença é assim nula.”
Não foram apresentadas respostas.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, apôs o seu visto.
Colhidos os vistos, cumpre decidir, após a realização da audiência, levada a cabo com a observância do formalismo legal como da acta consta.

FUNDAMENTAÇÃO

A questão suscitada no presente recurso traduz-se apenas em saber se a decisão do Mmº juiz em remeter as partes para os tribunais civis é a correcta.
Pois bem o Mmº juiz fundamentou desta forma a sua decisão:
“ O valor dos pedidos da indemnização e as questões colocadas em ambos bem como na subsequente ampliação inviabilizavam uma decisão rigorosa e iriam gerar incidentes que retardariam intoleravelmente o processo penal.
Tal situação só pode ser ultrapassada com o reenvio para os tribunais civis, o que determino, pelos motivos expostos e ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, do Código de Processo Penal.
O reenvio só agora é decidido porque o tribunal entende que, mesmo quando o pedido de indemnização se torna um entrave ao normal desenrolar do processo penal, por razões de economia processual e de celeridade se deve fazer um esforço até aos limites do razoável em busca da solução nos presentes autos.
Uma vez que tal não aconteceu, justifica-se uma decisão homogénea e não espartilhada dos pedidos de indemnização nos meios comuns para onde sempre iriam em execução de sentença”
Vejamos.
Como é sabido o Artº 71º CPP estabelece que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
É o chamado princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal que apenas sofre as excepções previstas na lei.
Ora com a adesão obrigatória o pedido de indemnização civil passa a submeter-se ás regras do processo penal (Cfr. AcSTJ 00.05.11, CJSTJ 2/00, 186, AcSTJ 95.01.12, CJSTJ 1/95, 181, AcRE 00.05.23, CJ 3/00, 277), incluindo as da apreciação da prova.
É que, embora a acção penal e a acção cível se não confundam, ambas têm origem numa mesma infracção, o que lhes impõe uma estreita conexão.
Como refere igualmente o AcSTJ 96.06.09, proc. 6/95, citado por Maia Gonçalves Código de Processo Penal Anotado, 12ª ed., pág. 243. “ a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada quantitativamente e nos seus pressupostos pela lei civil, mas no aspecto processual é regulada pelo CPP”.
Assim, quando se estabelece no Artº 129º CP que “ a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”, não se pretende com a mesma afastar as regras sobre a apreciação da prova consagradas no CPP, entre as quais se conta a necessidade de todas as provas serem produzidas ou examinadas em julgamento (Artº 355º nº 1 CPP) e o respeito pelo direito ao silêncio dos arguidos (Artº 343º nº 1 CPP), mas sim o respeito pelos critérios da lei civil no que concerne à determinação do quantum indemnizatório e dos seus pressupostos.
Contudo o artº 82º nº 3 CPP, veio estabelecer a possibilidade do tribunal remeter as partes para os tribunais civis desde que verificadas determinadas situações, nos seguintes termos:
“ O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”.
Prevê pois o legislador na referida norma duas situações que podem justificar a remessa das partes para os tribunais civis:
- Quando as questões suscitadas na acção civil sejam de tal complexidade que não permitam uma decisão rigorosa.
- Quando as questões sejam susceptíveis de provocar o retardamento do processo penal.
Trata-se, segundo Maia Gonçalves Obra citada, pág. 247. “ de uma disposição cautelar, destinada a evitar que através do sistema de adesão, que em princípio se consagra, se possa entravar a rápida administração da justiça penal.
A remessa para os tribunais civis prevista no nº 3 deve ser ordenada sempre que uma decisão rigorosa ou a necessária celeridade do processo penal sejam postas em perigo pelo processamento da questão civil conjuntamente. Como fundamento da remessa podem apontar-se quaisquer questões, designadamente incidentes da instância, desde que causadoras daquele perigo”.
Ora no caso dos autos não consegue esta Relação vislumbrar na decisão recorrida onde é que as referidas situações se verificam.
É que o Mmº juiz limitou-se a invocar as expressões contidas no preceito em causa, sem que se tivesse preocupado em concretizá-las.
Seja como for realizado o julgamento e apreciadas todas as questões suscitadas quer no âmbito penal quer na acção cível não se consegue perceber onde é que os pedidos indemnizatórios podem retardar o julgamento do processo penal se este foi feito em simultâneo.
Não pode por isso o retardamento do processo ser fundamento para remeter as partes para os tribunais civis.
O Mmº juiz apreciou em sede de audiência os pedidos civis devia ter-se pronunciado sobre os mesmos.
E mais grave ainda quando se trata de um acidente ocorrido há cerca de 4 anos e em que os ofendidos aguardam ainda que lhes seja feita justiça.
Não tem pois qualquer sentido que agora, decorrido todo esse tempo, sejam surpreendidos com uma tal decisão e recomecem todo o percurso processual de novo.
Argumenta ainda o Mmº juiz com o facto de ter sido feita uma ampliação do pedido.
Não tem salvo o devido respeito qualquer razão, porquanto tratando-se a ampliação do pedido de um desenvolvimento da lide inicial, a decisão pode ser apreciada com o mesmo rigor quer no processo civil quer no penal, não trazendo manifestamente uma tal pretensão qualquer complicação processual.
Mas acrescenta ainda o Mmº juiz que sempre as partes iriam para os tribunais civis em execução de sentença.
Só que esse é argumento que também não pode colher.
É que só no caso de inexistirem elementos fácticos que permitam fixar o quantum indemnizatório, é que a execução corre pelos tribunais civis, mas nesse caso a sentença condenatória penal, já serve como título executivo ( cfr. artº 82º nº 1 CPP), o que é uma situação bem diferente de irem obter o título executivo nos tribunais civis.
Em suma no caso em análise nenhuma das referidas situações previstas no nº 3 do artº 82º CPP se verificam, pelo que o uso daquela faculdade se mostra manifestamente injustificado.

DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juizes desta Relação, no provimento do recurso, e consequentemente revogam a sentença recorrida no segmento impugnado, devendo ser proferida nova decisão que aprecie o pedido de ampliação do pedido bem como o pedido de indemnização civil formulado pelas recorrentes.
Sem tributação.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (Artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 2 de Novembro de 2005.